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INTOLERANCIA RELIGIOSA a vereador no ano 2000 (obrendo 1.994 voros). Sempre concorreu pelo PDT. £ formado em veterinéria, proprietério de um grande terreiro no bairro Ipanema, na zona sul de Porto Alegre, ¢, como ja se disse, preside hh virios anos a federagio Afrobras. Os demais candidatos concorreram pela primeira ver. Vera Soares, pelo PT, e Angel Neto, pelo PSB. A primeira é militante do Movimento Negro, esta hé quarenta anos na religido afro e € proprietéria de um terreiro hé 25 anos. O segundo, de 68 anos de idade, esté na religido ha 54 anos e ha 44 anos € dono do seu proprio terreiro. Durante a campanha eleitoral, os trés candidatos, em graus dife- renciados, e nao desinteressadamente, expressaram tanto no horstio de propaganda eleitoral gratuita como, e, sobretudo, fora dela, a necessidade de mobilizagio das pessoas do campo afro em geral,¢ das religides afro- brasileiras em particular, no sentido de eleger candidatos do préprio meio afto-religioso para defenderem na Camara Municipal os interesses da religido. Igualmente, os trés candidatos utilizaram como argumento mobilizador dos eleitores do seu segmento religioso o fato de que os 10s, sobretudo da Universal, detém uma marcante presenga na politica e nela obtém importantes beneficios para sua igreja Entre os candidatos, Jorge Verardi foi o mais explicito no sentido de vincular a Sua candidatura a luta contra a intolerancia religiosa. Tanto assim que sua motivag3o maior para se candidatar consistia, justamente, na possibilidade de, como vereador, “defender a religiio africana, prin- cipalmente do ataque dos evangélicos e garantir a liberdade r Mesmo tendo consciéncia da desunio reinante no meio afro- alimentava a possibilidade da eleigio. Também Vera Soares elencou entre as suas prioridades, caso fosse eleita, a defesa da religio afticana, princi- palmente dos ataques dos pentecostais, ¢ a luta pela liberdade de culto. Alm disso, ¢ mais especificamente, em sua propaganda na rédio ¢ na televisio, Jorge Verardi enfatizou a necessidade de “dar um basta nos candidatos paraquedistas’ isto é, candidatos no pertencentes a0 mundo afro que comparecem nos terreiros somente na época de eleigdes. Vera Soares, por sua vez, chamou a aten¢io para a necessidade do respeito & INTOLERANCIA RELIGIOSA IURDIANA, diversidade ¢ & tolerincia religiosas. Dizia ela: “busco respeito na diversi dade, nas intolerincias”, Enfim, Angel da Oxum lembrou o preconceito, que precisa ser combatido. Dizia ele: “Chega de preconceitos” Mas, como vimos, e apesar da intensa campanha pessoal realizada pelos candidatos, visitando centenas ¢ milhares de terreiros, reproduziuse mais uma vez 0 que jd ocorreu em outras oportunidades, ou seja, nenhum representante do campo afro-brasileiro foi eleito para a Cimara de Ve- readores de Porto Alegre. Comprovou-se assim, novamente, a afirmagio pessimista, mas realista, de R. Prandi, para quem “a religido dos orixds tem poucas chances de se sair melhor na competicio ~ desigual - com outras religides? por ser “fragmentada em pequenos grupos, fragilizada pela auséncia de algum tipo de organiza¢io ampla, tendo que carregar ‘© peso do preconceito racial que se transfere do negro para a cultura negra” (Prandi, 2003, p. 26). Tal insucesso foi tragado como um remédio amargo pelos trés can: didatos mencionados. Jorge Verardi dizia-se confiante na vitéria, embora tivesse consciéncia da desunio reinante junto ao “povo afto-umbandis- ta Angel da Oxum atribuiu diretamente o seu fracasso eleitoral 3 falta de unio dentro da religio. Somente Vera Soares atribuiu o seu insuces- so menos & desuniio existente no meio afro-gaticho e mais ao préprio partido pelo qual concorreu, o PT, desgastado na cidade apds dezesseis anos na administracio (Otero, De Avila & Schoenfelder, 2004)”. golpe softido pelo campo afro porto-alegrense foi ainda maior devido ao fato de que os dois pastores/vereadores da Igreja Universal lograram se reeleger 8 Camara Municipal de Porto Alegre®. 39. Esse foi uma explicagdo bastante ouvida em Porto Al na dispute pela prefeitura municipal da cidade, venci conduzida por José Fogaca, do PPS, e Eliseu Santos, do PTB. 40. De fato, no ano de 2000, a lurd de Porto Alegre indicou e apoiou dois pastores A vereanca municipal. Ambos foram eleicos. Sio eles: Valdir Caetano, do PTB, que obteve 12.913 voros, e Almerindo Filho, do PFL, que obteve 7.545 votos. Nas eleigdes de 2004, [urd local langou novamente ambos os pastoresvereadores para disputarem dua: vages na Cimara Municipal. Novamente a “maquina jurdiana” tentrou em acio ¢ ambos foram reeleitos, apés # derrota do PT em 2004, pela INTOLERANCIA RELIGIOSA Porém, passado o periodo eleitoral, tanto os candidatos derrotados como os membros da comisso acima mencionada no se mostraram desanimados e desesperangados. Ao contririo, reforgaram o discurso de incentivo ao fortalecimento da unio entre as federacdes, os terreiros € os membros das religides afro-brasileiras e dos movimentos negros em geral como condigio para conseguirem colocar seus representantes na esfera politica formal. A questo que resta, ponderam todos, é encontrar formas para aumentar a consciéncia politica de todos os implicados com o mundo afro-descendente para alcancar esse 13 CONCLUSKO Vimos, neste texto, trés “faces” da Igreja Universal do Reino de Deus: a apropriagio de elementos simbélicos ¢ pedagos de crengas de outras igrejas ¢ religides que compdem 0 mapa da diversidade religio- sa em nosso pais; a sua capacidade de amplificagio de determinados componentes doutrinérios ¢ priticas ritualisticas; e a fixacio de certas entidades das religiées afro-brasileiras ~ os “encostos” - em seu pantedo simbélico ¢ no seu corpo doutrinério, nao sem atribuir a elas significa- des espectficas, “relacionadas a males concretos da vida” (Almeida, 2003, p.39). Embora tudo isto nao seja um fenémeno exclusivo da Universal, ele revela o alto grau de “bricolagem” religiosa ¢ de “abrasileiramento” cultural empreendido por uma igreja que se quer pentecostal. Mas, assim procedendo, nota-se, como sublinha Ronaldo de Almeida, que a Turd dependeu das religides afro-brasleiras “para construir parte de seu universo simbélico, como se ela se alimentasse daquilo que propunha pelo PL, ¢ Almerindo Filho com 6.542 Yotos, agora pelo PSL. Mas, como se v8, hhouve uma redugio de voros dos candidatos entre uma eleigio ¢ outra Este nio foi um fato isolado. Segundo o jomal O Globo (edigao de 17.30.2004), no Brasil como um todo ocorreu uma expressva redugao de vereadores da lurd. No pleivo essa igrejaelegeu setenta vereadores em todo o pais, contra 350 nas el de 2000. (Para uma andlise desse fenmeno, ver Debates do NER, n. 6, 2004 INTOLERANCIA RELIGIOSA IURDIANA combater” (Almeida, 2003, p. 322). Porém, nao ¢ menos curioso perceber que as reagSes produzidas no ambito das religides afto-brasileiras contra 6s ataques de que sio alvo de parte da Universal, a0 menos como estio sendo pensadas hoje no Rio Grande do Sul, tendem a se dar também mediante um proceso mimético dessa igreja de quem pretendem se defender. Disso resulta que a lurd e as religides afto-brasileiras estio em constante relacio dialética de antagonismo ¢ de aproximagio, tal como dois espelhos que se refletem mutuamente, ¢ cujos passos tomados por um sio iluminados pelo brilho proveniente do outro. ‘Ou seja, planeja-se lutar contra 0 outro adotando o seu préprio modelo ¢ usando as suas préprias armas, sobretudo alcangando maior visibilidade no espaco publico, fundamentalmente na politica e na midi para, desta forma, melhorar sua imagem e legitimidade social. Mas, assim procedendo, estio, de certa forma, agindo de maneira semelhante aos scus opositores, que também lutam contra a religiio afto apropriando-se das suas armas. Este fato jé fora frisado em outro trabalho (Oro, 1997), quando sc dizia que um dos efeitos da “guerra santa’ é a tendéncia & “umbandizagio” de parte da Igreja Universal, e 0 processo de institucio- nalizagio de parte das religides afro-brasileiras. Se assim for, estariamos diante de uma realidade em que quanto mais a lurd e as religides afro Jutam entre si, mais também se aproximam uma da outra REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALMEIDA, RONALDO DE. 1996. A Univeralizagdo do Reino de Deus. Campinas, Unicamp (dissertagio de mestrado). 2505." Guerra das Possessies” In: ORO, A. P; CORTEN, A. & DOZON, J.B reia Universal do Reino de Deus. Os Novas Conquistadores da Fé. Sto Paulo, Paulinas, 1996, pp. 321342. 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