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História das lutas e dos movimentos sociais do campo.

Rodolfo de Jesus Chaves

A Pré-História: nosso pecado original.

O processo de luta pela terra é de longa data na história da humanidade. No


período que é chamado de “Pré-História”, num primeiro momento, a humanidade extraia
da terra o que era necessário para sua sobrevivência e reprodução de sua espécie, isso
ocorria tal forma que quando esgotavam os recursos de determinada região naturalmente
a população migrava em busca de novas fontes que lhes garantissem essa reprodução.
Dessa forma, podemos dizer que a relação da humanidade com a natureza era de forte
dependência, portanto, nesses termos é difícil imaginar a sobrevivência dos seres
humanos fora dessa relação estabelecida com a natureza.
Com o decorrer do tempo, nossos ancestrais aprenderam e dominaram várias
técnicas de controle sobre a natureza, dessa forma, a humanidade conseguiu fixar-se em
determinados locais produzindo alimentos, criando animais e novas ferramentas surgiram.
Podemos considerar que este foi o primeiro passo em direção da propriedade privada da
terra. A propriedade privada da terra (que nada mais é que os meios de [re]-produção),
por sua vez, levou a divisão da sociedade em duas classes: aqueles que detêm os meios
de sua reprodução e de outro lado aqueles que não detinham esses meios e que
passaram a lutar para conquistar estes, no nosso caso, a luta pela terra. Eis a origem do
pecado original da propriedade privada.

Desenvolvimento Histórico: aprofunda-se a concentração de terras.

Durante a Antiguidade várias batalhas foram travadas em quase toda a região que
hoje conhecemos por Europa. A luta imperial pela anexação territorial pode ser
considerado como um dos marcos da história que ficou registrada sobre as civilizações
antigas do ocidente, dentre elas destacamos a Greco-Romana. Nesse movimento de
expansão territorial dos impérios, vários dos pequenos camponeses foram expulsos de
suas terras e em muitos casos ainda eram submetidos ao trabalho escravo. Estava
difundida a idéia de que ao concentrar territórios, concentrava-se não somente riquezas,
mas poderes plenos para controlar a população e governar destemidamente.
Portanto, observando ao longo da história verifica-se que esse processo de
concentração territorial foi se aprofundando e, com o advento do modo de produção
capitalista1, a concentração fundiária tornou-se indispensável para a manutenção desse
sistema no qual a sociedade ainda hoje está organizada. Se por um lado aumentou as
desigualdades com a concentração de terras, por outro vimos surgir com o tempo
diversos movimentos organizados que lutavam pela igualdade de acesso a terra. Como
nosso objetivo é apenas tratar dessa questão no Brasil, vamos apenas fazer um recorte
temporal que nos permita compreender o aparecimento desses movimentos e como a
educação vai fazer parte da pauta de reivindicações.

1
Para um melhor entendimento deste período de ascensão do modo de produção capitalista e a relação
com a concentração de terras é indispensável a leitura d’ “A assim chamada acumulação primitiva” , escrito
por Karl Marx em o Capital, Livro Primeiro, Capítulo XXIV.
Em terras brasílicas: a expropriação dos nativos e o desenraizamento forçado.

A colonização do Brasil explica-se por vários motivos, dentre os quais, destacamos


a consolidação e ampliação do capitalismo europeu2. A necessidade de matérias primas,
novos mercados consumidores, acumulação de capital entre outros aspectos justificaram
a invasão do nosso continente e a expulsão e dizimação dos povos nativos. Os ”índios”
que aqui estavam mantinham uma relação de dependência com a terra, foram
escravizados, expulsos das terras e exterminados pelo colonizador europeu. Aqui
registramos os primeiros movimentos de resistência contra a ofensiva colonizadora e de
luta para permanecer na terra, empreendida pelos nativos do Brasil.
Devido o insucesso da escravização dos nativos, os colonos europeus organizam
uma grande indústria que promoveu durante séculos a prisão, deportação e submeteu os
africanos a escravidão. Essa empresa colonial assegurou de todas as formas que o
acesso a terra devia ser estendido apenas àqueles que estavam comprometidos com a
manutenção dos interesses coloniais. Em meados do século XIX é dado os primeiros
sinais do colapso desse sistema escravista, logo podemos verificar uma forte
preocupação com a questão da terra em nosso país. No ano de 1850 é instituída a
primeira lei que teve como tarefa regulamentar as terras em nosso país, destacamos que
ela não foi elaborada por acaso, pois foi elaborada poucos dias após a aprovação da lei
que proibia o tráfico negreiro. Esta lei que pôs fim ao tráfico preocupou as elites já que
havia a perspectiva de que em breve uma população de ex-cativos estaria livre e poderia
se apoderar de terras para sobreviver. O projeto das elites brasileiras era que a população
de ex-escravos deveria manter-se excluída do acesso aos meios para se reproduzir e ao
mesmo tempo garantindo a classe favorecida sua posição social intocável.

Modernização republicana: sinais de organização dos trabalhadores.

A organização dos trabalhadores rurais de fato só ocorreu no Brasil por volta dos
anos 1930 e 1940. Os primeiros sinais foram dados com a crise que se abateu na
agricultura, devido a recessão de 1929, a lavoura de Café, por exemplo, não conseguiu
vender toda sua produção. Outro fator importante foi o processo de incentivo a
industrialização promovida pelo governo de Getúlio Vargas, o que favoreceu a um maior
empobrecimento das populações campesinas que levou os trabalhadores a se
mobilizarem. Nos anos 1940, as lutas dos trabalhadores urbanos influenciados pelo
movimento anarquista, conseguem conquistar toda uma legislação trabalhista (CLT) e o
direito de organização sindical. Nessa mesma década surgem no campo entidades que
reivindicavam regionalmente os direitos dos agricultores. Na década de 1950 registraram-
se várias greves de trabalhadores agrícolas em alguns estados brasileiros que
invariavelmente lutavam por aumentos salariais, direito a férias e pagamento de salários
atrasados. Destacamos que neste período estas organizações ainda não eram
regulamentadas, ou seja, não havia reconhecimento pelo Estado de que tais entidades
fossem representantes dos trabalhadores. Apesar de haver sinais de organização dos
trabalhadores do campo, ainda não podemos falar em uma consolidação do movimento
camponês já que o que temos neste período entre os anos 1930 e 1940 são pequenos
2
Essa tese é defendida por vários historiadores, dentre os quais destacamos a obra de Caio Prado Júnior
intitulada “A Formação do Brasil Contemporâneo”, no qual atribui o sentido da colonização brasileira à
necessidade de expansão do capitalismo mercantil europeu.
movimentos isolados de contestação, ou seja, ainda não havia uma organização nacional
dos trabalhadores do campo.

Tempos sombrios: da organização à repressão dos trabalhadores do campo.

Nos anos 1950 são criados alguns movimentos que tiveram destaque nacional,
entre eles destacamos o MASTER (Movimento dos Agricultores Sem Terra –RS), as
ULTAB’s (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil) e as Ligas
Camponesas (no nordeste) . Estes movimentos vão lutar principalmente pela extensão
dos direitos trabalhistas conquistados na cidade para o campo - que teve vitória no ano de
1963 com o Estatuto do Trabalhador Rural -, pelo direito a sindicalização rural e por
condições dignas de trabalho. A partir de 1960 as Ligas Camponesas começam a articular
suas lutas de caráter nacional, com a posse de João Goulart o discurso radicaliza e
passam a exigir a “reforma agrária, na lei ou na marra”. Diante das agitações populares,
os setores da burguesia brasileira sentindo-se ameaçados articulam um golpe junto com
as forças armadas e, em 1964, Jango é deposto e se instaura uma violenta ditadura civil-
militar que perdurou durante mais de 20 anos. No período ditatorial todos os movimentos
foram colocados na ilegalidade, alguns foram desmantelados com a repressão e noutros
as lideranças formaram novas entidades para fazer a luta armada contra os golpistas.
Contraditoriamente é nesse período que vai se fazer a lei mais progressista para o
campo, o Estatuto da Terra de 1966, porém ressaltamos que na prática quase nada foi
posto em prática por este Estatuto.

Abertura e Democratização: novos sujeitos entram em cena.

O resurgimento dos movimentos sociais de luta pela terra se deu no processo de


liberalização do regime militar a partir de meados da década de 1970. O papel
desempenhado pela Igreja Católica, por meio da CPT criada em 1975, foi fundamental
para emergir os novos movimentos que em sua maioria atuam até os dias atuais. Dentre
os movimentos que floresceram neste período, destacamos o Movimento de Atingidos por
Barragens (MAB), o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o retorno da
CONTAG (Confederação Nacional de Trabalhadores Agrícolas) e ainda destacamos o
movimento dos seringueiros no Estado do Acre que teve a figura de Chico Mendes como
seu maior líder.
Destacamos que esse movimento também se deu nas cidades, com as greves do
ABC paulista em finais dos anos 1970, a reabertura de sindicatos, o retorno do movimento
estudantil, a criação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) dentre outras
manifestações que demonstravam o final dos tempos sombrios promovidos pela
repressão. Destacamos que neste momento houve forte mobilização popular, e a
articulação entre movimentos organizados no campo e na cidade era uma nova forma de
fazer a luta pelos direitos dos trabalhadores.
Com a nova Constituição Federal de 1988, houve um avanço nas garantias sociais
e políticas no Brasil. Assim os movimentos sociais que lutaram anos para obter esses
direitos assegurados, passaram a fazer uma nova luta para que essas garantias fossem
para além do papel e se realiza na vida prática daqueles que estiveram historicamente
excluídos de todo o processo de acumulação cultural e material produzido socialmente. É
aqui que podemos notar a ampliação das reivindicações dos trabalhadores do campo, não
basta apenas a terra, o salário e a moradia; é preciso educação, saúde, laser, cultura...
Das Diversas Formas de Luta

Pensando em algumas formas de luta:

Ocupação ≠ Invasão: Uma das formas de luta empreendidas pelos movimentos


sociais do campo - e também nas cidades - é a ocupação de espaços públicos ou de
espaços privados que naquele momento não exerce sua função social e, portanto, a
legislação considera um espaço que deve ser expropriado para imediatamente cumprir
esta função social. A imprensa de massas com nenhuma imparcialidade e com toda
intencionalidade sempre utiliza o termo “Invasão” que neste caso é inapropriado para
designar a luta coletiva dos trabalhadores.
A ocupação é um mecanismo muitas vezes eficiente para acelerar o processo de
legitimação de alguma reivindicação. Ocupar significa, antes mais nada, partilhar de uma
luta coletiva que busca dentro do espaço público reconhecimento e resolução dos
problemas ignorados pelos poderes instituídos (Executivo, Legislativo, Judiciário...).

Marchas, passeatas, manifestações: Essas são outras formas que os trabalhadores


do campo fazem para reivindicar seus direitos. Não somente reivindicar, mas também são
instrumentos privilegiados para fazer denúncias como, por exemplo, as atrocidades
cometidas pela violência empreendida pelo Estado ou ainda as formas predatórias que as
grandes empresas capitalistas utilizam para extrair nossos recursos naturais e enviar para
os países do chamado primeiro mundo. Este mecanismo pode ser considerado
privilegiado porque, ao sair nas ruas, os manifestantes têm a possibilidade de entrar em
contato com outras camadas da população de forma a explicitar os motivos pelos quais
estão em marcha, que de certa forma consegue atingir a opinião pública sem ser por meio
da imprensa reacionária.

Greve: além de um direito constitucional, é um dos mais antigos instrumentos de


luta da classe trabalhadora, seja urbana ou rural. Existem várias modalidades de greves,
podemos citar a mais clássica quando os trabalhadores cruzam os braços se recusando a
trabalhar ou então uma greve de fome no qual os grevistas deixam de se alimentar para
sensibilizar o poder público.

Acampamento: este é um dos mais utilizados pelos movimentos sociais do campo,


trata-se de ocupar uma região (fazenda) na qual, segundo levantamento prévio, já deveria
ter sido expropriado para fazer reforma agrária. O fato é que o Estado não faz seu dever
de fiscalizar as propriedades que produzem ou não e, assim, os movimentos são
obrigados a acampar durante dias, meses e em muitos casos durante anos para
“acelerar” o processo judicial e fazer cumprir a lei que está posta.
ANEXOS:
1 - Comparação entre agronegócio e campesinato

Agronegócio* Campesinato**

Centralização Descentralização
• controle centralizado da produção, • maior ênfase na produção,
processamento e mercado; processamento e mercado
locais/regionais;
• produção concentrada,
estabelecimentos agrícolas maiores • produção pulverizada (maior número
e em menor número, o que acarreta de estabelecimentos e agricultores),
um menor número de agricultores e controle da terra, recursos e capital.
de comunidades rurais.

Dependência Independência
• abordagem científica e tecnológica • unidades de produção menores,
para produção; dependência de menor dependência de insumos,
experts; fontes externas de conhecimento,
• dependência de fontes externas de energia e crédito;
energia, insumos e credito; • maior auto-suficiência individual e da
comunidade;
• dependência de mercados muito
distantes. • ênfase prioritária em valores,
conhecimentos e habilidades
pessoais.

Agronegócio Campesinato
Competitivo Comunitário
• competitividade e interesse próprio; • maior cooperação;
• agricultura é considerada um • agricultura é considerada um modo
negócio; de vida e um negócio;

• ênfase na eficiência, flexibilidade, • ênfase em uma abordagem holística


quantidade e crescimento da da produção, otimizando todas as
margem de lucro. partes do agroecossistema.
Domínio da natureza Harmonia com a natureza
• o ser humano é separado e superior à • o ser humano é parte e dependente da
natureza; natureza;
• a natureza consiste principalmente • a natureza provê recursos e também
em recursos a serem utilizados para é valorizada para o próprio bem;
o crescimento econômico; • trabalha com uma abordagem
• imposição das estruturas e ecológica/de ambiente fechado –
sistemas do tempo humano aos desenvolvendo um sistema
ciclos naturais; diferenciado e balanceado;
• produtividade maximizada através • incorpora mais produtos e processos
de insumos industrializados e naturais;
modificações científicas;
• usa métodos culturais para cuidar do
• apropriação de processos naturais solo.
por meios científicos e substituição
de produtos naturais pelos
industriais.
Especialização Diversidade
• base genética limitada utilizada na • ampla base genética;incorporação da
produção; policultura, rotações complexas;
• predominância da monocultura; • integração entre agricultura e
• separação entre agricultura e pecuária;
pecuária; • heterogeneide de sistemas
• sistemas de produção agrícolas;
padronizados;
• predominância de uma abordagem • interdisciplinaridade (ciências
científica especializada. naturais e sociais), sistema
participativo (inclusão de
agricultores).
Exploração Abdicação
• ênfase nos resultados de curto prazo • custo total contabilizado;
em detrimento a conseqüências • resultados de curto prazo igualmente
ambiental e social de longo prazo; importantes;
• dependência de recursos não • amplo uso de recursos renováveis e
renováveis; conservação de recursos não
• consumismo impulsiona o renováveis;
crescimento econômico; • consumo sustentável, estilo de vida
mais simples;
• hegemonia do conhecimento • acesso eqüitativo a necessidades
científico e da abordagem industrial básicas;
sobre conhecimento e cultura • reconhecimento e incorporação de
indígenas/locais. outros conhecimentos e práticas
permitindo uma base de
conhecimento mais homogênea.
* No original “Paradigma Agrícola Convencional/Dominante”
** No original “Paradigma Agrícola Alternativo”
FONTE: http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/questao_agraria.htm
2 - Quadro comparativo entre Assentamentos e
Acampamentos:
ASPECTOS ASSENTAMENTO ACAMPAMENTO
S S
Fixo e determinado Provisório e Indefinido
Território (Individual e (Individual e
Coletivamente) Coletivamente)

Escassas, compreendendo
Constantes, baseadas na
a manutenção do
Atividades posse de terra e
acampamento e
desenvolvimento da
Produtivas agricultura, com obtenção
ocasionais serviços
assalariados para
de renda.
terceiros.

Calcada na “economia de
Similar à dos bairros
guerra”; solidariedade
rurais tradicionais, ainda
Sociabilidade em processo constante de
entrecortada pela
prevalência das garantias
consolidação.
individuais.

Independência relativa,
Dependência absoluta,
variando de acordo com o
Relação com o tanto para a
grau de controle que o
sobrevivência material
MST movimento exerce sobre
quanto para o êxito na
a atividade produtiva e
obtenção de terras.
sua organização.

Condição Legal Ilegal


Jurídica
FONTE: TURATTI, Maria Cecília Manzoli. “Os Filhos da Lona Preta”, 2005. (p.66).

Bibliografia

MARX, Karl. "A assim chamada acumulação primitiva." Cap. 24 de O Capital. São Paulo,
Abril Cultural, p. 261-294.

MORISSAWA, Mitsue. A história da luta pela terra. Expressão Popular, 2001.

Núcleo de Estudos da Reforma Agrária (NERA), Universidade Estadual Paulista.


http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/questao_agraria.htm. Acessado em 01/10/2009.

PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1981.
Capítulo I: O sentido da colonização.

TURATTI, Maria Cecília Manzoli. Os Filhos da Lona Preta. São Paulo: Alameda, 2005.

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