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PAUL DE BRUYNE JACQUES HERMAN MARC DE SCHOUTHEETE Dinamica da Pesquisa em Ciéncias Sociais Os pélos da prética metodolégica Profécio de Jean Ladridre Tradugdo de Ruth Jottily 32 EDICAO rico Alves Sree cree eect PREFACIO ‘Uma grande interrogacio se ergue a proptsito do extudo dos fendmenos sociai, Pode-se recorzer, nesse dominio, aos métodos que mostraram seu valor no dominio das ciéncias da natureza? A propria idéia de um conhecimento cientifico é aplicivel quando ‘ratamos de uma ordem de realidade na qual o homem intervém a titulo essencial enquanto agente? Desde 0 momento em que a gio desempenha um papel, existe inevitavelmente soferéncia a mo- ddos pelos métodos que mostraram seu valor no estudo dos sistemas ‘materia. De resto, isso no significa necessariamente que seja pre- iso entretanto “‘reduzir” os fenémenos humans a seus substratos Diol6gicos, ou mesmo simplesmente fisicos, mais ou menos & ma ‘de hipétoves eatatisticas convenientes sobre esses constituin- 9 tes. Tal “redugSo” constituiria uma explicagio “real” dos fend- lise, adaptado prépria natureza do objeto estudado, isto é, 20 que pertence propriamente 20 contexto da agio. Ora, a agdo no é um proceso “em terceira pessoa”, passivel de ser analisivel em termos de variéveis, de ser inscrito num esquema de exterioridade, é um processo que ¢ splicacto de um sentido e que é constituido de um estariamos remunciando, por itso mesmo, a captar o que hi de © sentido que habita as agtes das quais vem a ser testemunho, direta ou indiretamente. Assim, 20 esquema da explicagio, que fem suma, tudo © que copstitul a face intema da agfo, Mas nfo 10 se v8 muito bem como se poderia fundar num método de alcance universaizante um procedimento que, devido a sua propria natu- rez, esté ligado a0 enraizamento concreto de uma subjetividade Tonga progressdo historica, da prética das ciéncias da natureza e que, por conseguinte, a tmnica maneira de construir uma verdadeira cléncia dos fatos socials 6 adotar 0 caminho da andlise sistemstica, ~. clentifice. Assim, por um lado, fem outras palavras, proceder a ums completa “objetivagdo” do Social. Mas ve efetivamente ssa mancira de ver pode ser susten- tada, ela implica que 2 abordagem “ dar 20 conhecimento da realidade social um cariter verdadeira- mente clentifico, mas a custa talvez de um empobrecimento con- siderdvel do proprio objeto que se desejaria conhever melhor. E, por outro lado, ter-se-ia uma proposiczo que pretenderia encontrar esse objeto em seu micleo mais especifico, mas a custa de um abandono de tudo o que esti ligado A idéia de ciéneta. ‘A situagio, na realidade, talvez nio seja tio clara. Pois, se é verdade que as ciéncias da natureza, em sua evolugdo, fizeram emergir uma certa imagem da cientificidade, nfo esté absolutamen- te estabelecido que elas tenham dado desta iltima, no que efetiva- mente realizaram, uma expressio adequada. Pois a cientifcidade representa uma idéia reguladora, ndo um modelo determinado, considerado elaborado de uma vez por todas ou pelo menos em vias de elaboragio. Pode-se tentar destacar, a partir do que acon- teceu na historia do conhecimento da natureza, uma certa repre- sentagZo do que caracteriza um conhecimento cientifico. Mas tal representago nada tem de a prior, ela spenas reflete o que se produziu num certo processo historico relativamente bem circuns- crito, Esti portanto carregada com toda a relatividade ¢ com toda 4 particularidade que se liga a um processo historico limitado (no tempo e no espaco). Entretanto, nfo se pode dizer que essa representaco seja pl- se imponha como uma ahecimento que tenha a Mas como se pode apres cabo de uma progressio de captar 0 sentido intemo de um empreendimento que sua verdadeira natureza de maneira muito progres esse empreendimento aparece a0 estudo histérico e @ andlise como obedecendo a um certo critério intemo de orientacfo. Mais exata- ‘mente, seria preciso dizer que aparece como estando, ele proprio, & rocura de suas préprias normas. Poderseia dizer que o empreen- dimento cientifico (tal como se desenvolveu no quadro das cién- cias da natureza) desenrolou-se simultaneamente em dois planos: 0 dos contetidos € 0 dos crtérios. © que significa dizer que sempre se duplicou com sua propria metateoria, mas sem estar verdadeira- Mente consciente disto, pelo menos até bem recentemente. A emergéncia da epistemologia modema representa, em suma, a pas- sagem ao estado explicito desta metateoria imanente, No plano dos contedidos, vemos 0 empreendimento cis métodos, formular seus principios, estabel plano das normas, vemolo procurar seu caminho tateando, retifi- ‘ar a si mesmo, abandonar certas vias, orientarse de mancita cada Yez mais decidida para certas diregdes privilegiadas. Existe simul- teneamente um processo de autocontrole ¢ um procesto de inven- ‘io dos critéios em termos dos quais esse autocontrole funcion quisa, mas ¢ uma teleologia que se consir6i; nfo existe um “telos' colocado previamente, que regilasia’ segundo um esquema inva! tiivel 0 devir da ciéncia, existe como que um processo de aut organizagio gragas 20 qual um procedimento de inicio tateant consegue detenhar de modo cada vez mais preciso seu proprio eix de evolugio. Quando a reflexdo sobre a ciéncis se organiza de maneira explicita, nada mais faz, em suma, do que fazer passat para a expresso esse processo interno de autofinalizacio; € 0 que Jexpliea que as formulagbes que ela prope possam ter um carder normative. A norma de que se trata aqui nfo vem de nenhum| outro lugar senfo do proprio processo pelo qual a ciéncia se cons} titui em seu devir histérico. Mas se se pode falar de norma, é [porque esse processo <, por si mesmo, indicative. Quando o proce |dimento epistemol6gico consegue refletito, ele reencontra 0 eixo| |de progressdo que se elaborou nesse processo e, ao mesmo tempo, |descobre indicagdes relativamente precisas sobre a mancira pela ual 0 movimento poderd prosseguir. TTodavia, nada nos autoriza a absolutizar © que se mostra assim em atividade. Se as normas de cientificidade so um produto do Proprio devir da ciéncia, nfo uma espécie de exigéncia colocada a B ‘qual o método experimental desempenhiou um papel essencial que foram elaborados os objetos aos quais podemos hoje aplicar 0 to qua = cogon, o 6 en de mode hoje mia, mas ae opcode nero ge lu que impdem a0 provesso historico seu aspecto e que sio sem di- “ vida clas proprias comandadas pelas condigSes mais gerais que Bovemam as interagBes possiveis entre 0 aparelho humano de conhecimento e © mundo exterior. Sto finalmente estas determi rapes que dfo A idéia de cientificidade seu cardter normativo. Elas se imptem inevitavelmente a todo procesto histérico con- creto, mas, por outro lado, sio suficientemente gerais para no se esgotarem em tal ou qual processo histérico particular. Devese entio contar com possibiidade de encontrar semelhancas rela. tivamente estretas entre todos os empreendimentos que se inspi rarem na idéia geral de um conhecimento por conceitos, de caréter sistemitico, exploratério e dinimico. Mas, 20 mesmo tempo, devese contar com a possibilidade de uma diversificagdo, talvez ‘rescente, desses empreendimentos. A idéia de cientificidade com- Todavia, nfo 6 possivel indicar de modo preciso em que con- sistem esas determinagSes gerais que caracterizam a idéia de cien- tificidads em sua significagdéo mais geral. Pois é apenas no devit efetivo da ciéncia que esta idéia se mostra a néx. Ora, até 0 pre- totalmente satisfatéria ¢ admitida por todos. Entretanto, sf0 pos ‘ivels aproximagoes ¢ 0 problema da formulago de um critério de Glentificidade, no dominio das ciéncias da natureza, parece ter um sentido, Mas nfo se vé muito bem como se poderia proceder para eparar, nos critétios ao menos aproximados que se poderia pro- Por, © que pertence & idéia geral de cientificidade e 0 que & pro- Priamente da competéncia da figura particular que essa idéia reves- fe no quadro das ciéncias da natureza. Somente quando outras dsciplinas se tomarem mais seguras de seus proprios fundamentos @ puderem refletir« si mesmas de um modo suficientemente pre- 1s ciao, que ve Sapord de termos de comparagio ¢ quo we poderé ‘antar efetuar separsgio entre o que € da competincia da idéia do mber clentifico ¢ 0 que & da competéncia da normativi- fnterna de tal ou qual disciplina particular. Portanto, nfo éncias humanas tomando proprio esforgo pelo qual as ciéncias tentam construir a si mesmas. Mas se esse esforgo nfo pode ser medido por uma norma ‘preestabelecida, nem por isso ele ¢ arbitririo, Fle ¢ levado por ‘uma intencionalidade constituinte que se astegura de si mesma € descobre suas proprias virtualidades no proprio procedimento no qui - ise ¢-sernp elabora critérios que the permiten (0s resultados. De um ‘de um saber é comandada ‘para uma teflexio de na ‘assim se constitui no esforco conereto da pesquisa, nfo a esta uma espécie de cnone a0 qual ela 36 teria que obedecer, mas para lumindla- sobre o que ela” Utlizz”deumar-maneir=qh permanece camuflada e implicita. E nesse sentido que a epistemo- Topia, compreendida como reflexio da pesquisa sobre si mesma, ‘pode contribuir de modo eficaz para o progresso desta tltima. Ela se torna um momento da autoconsti jas normas, do pro-| ‘Se a episternologia é possivel, € porque one, wamento, uma certa idéia reguladora jé se . Nao € possivel encerrar numa formula a siona e pode-se pelo ‘0 que ja aparece ‘bem clarame figura de um saber que nio apenas é capaz de ‘rescimento mas que regula as condigbes de seu proprio cresci- ‘mento e consegue aperfeigoar métodos de regulacao cada vez mais 6 cficazes. Estamos diante de um provesso evolutivo caracterizado pela auto-organizagéo: 0 que ¢ produzido num dado momento néo vem simplesmente acrescentar-se ao que jé foi produzido anteriormente, ‘mas eria condigGes novas que tomario possivel uma producfo qual- ivamente superior no Futuro Be que 0 crescimento do saber, & sua transformagio qualtativa e, saber se constitul. Trata-se de compreender como isso acontece, ‘qual Ho OF mecanismos de segundo grau que asveguram amelhona crescente dos mecanismos do primeiro grau, diretamente respon- séveis pela aquisigfo de novas informagbes. ‘gd0 no para os resultados, para a ciéncia jé constituida, mas para os rocedimentos, para os momentos genéticos, para o devi, em summa, para tudo o que faz da pesquisa tuma atividade essencialmente pros- pectiva. Tratase de compreender pode ser criadora, como pode fazer tados mas novos métodos, como nela a propria idéia da cientificidar de pode assumir pouco a pouco contomos cada vez mais previsos, como pode controlar cada vez melhor a si-mesma de modo a se tomar progressivamente mais eficaz, a se adaptar de modo cada vez onto de vista que ce suas reflexes sobre a dindmica da pesquisa nas cidncias sociais. A preocupacdo que os inspirou constantemente foi a tes de uma metodologia da génese explicar como se constitui um objeto preciso de pesquisa e como & smente ainda, como 0 proprio procedimento se torna cada ver mas ativamente consciente do modo proprio de cien tifcidade que j& comecou a operar nele desde seu acionamento, "7 Tudo itso engin uma abordagem to global quanto pose do sobre a qual é possivel empreender provestos de colocagio i prova que pormitem controlar as teorias. Qs autores conseguiram levar em conta todas essas exiginclas construir uma epistemologia capaz de operar simultaneamente em virios registros, colocando no centro de suas preocupagdes © pro- cesso da ginese do objeto. A ciéncia nfo é simplesmente o prolon- gamento da visio espontine do, ou uma formulagzo um [pouco solisticada do que se olereoe a percepeao. Ela #6 consepue) fazer com que captemos aspectos inéditos da realidade na medida] ‘em que comega por substituir © campo perceptive por um domé| nio de objetos que ela constréi por seut proprios meios.E atraves ‘deste dominio, cujo Tuncionamento ela estuda em seguids, que ela vive 0 mundo real, isto ¢, este universo de coisas e de significagbes que nos é revelado na perceppio € no qual se inscreve nessa ago. E, precisamente, partindo da construgdo do objeto que se poderé captar 0 aspecto dinimico do procedimento cientifico. Isto porque essa propria construgio deve ser compreendida como um processo & aah construsio do objeto esté acabada ¢ que a fase de andlise comesa; na realidade, a construgdo prossegue de um extremo a outro do] procedimento no qual se desenvolve a pesquisa. Poder-seia des| ‘crever esse procedimento como um processo tansTormador que, partindo de um primeiro esbogo do objeto, ainda totalmente imerso numa situagio problemética, deve substitufto progressiva- mente por uma imagem 20 mesmo tempo mais precisa © mais ‘complexa, cujo funcionamento poderd ser compreendido de ma neira relativamente adequada. A construcio é pois uma operaglo 4 intencionalidade que 0 suscita. Dante indeterminado, que define uma exigé ago, que a pesquisa tira seu caréter analisar 0 processo dx construgio para encontrar exatamente 0 que “que parece ter inspirado os autores é a de uma espécie de campo de criaglo. O objeto cientifico nio esta colocado na esfera ideal de ‘tua exitténcia por uma espécic de iniciativa absoluta do pens mento, elaborado num meio preexistente, feito de exboos ope- ratbrios diversos, aticulados uns sobre os outros de maneira pre- isa @ definindo um espaco de virtualidade do qual o objeto, uma ‘vez. construfdo, representaré uma das atualizagSes possiveis. Este sentam-no como estruturado a partir de quatro pélos: 0 pOlo epist molégico, 0 pélo teérico, 0 plo morfolégico (ou configurativo) © pélo téenico. Esses quatro pélos (cada um dos quais determina, spectiva que fornece 0 ‘no proprio seio da pet contexto da pesquisa cujos mecanismos ilumina. Longe de ser uma simples colocagio em perspectiva ou uma anilise simplesmente exterior, ele é como que a assungZo do momento metodolégico rior a0 esforgo pelo qual Jconstruindo-se, assegurarse "Une APUCUIaRS-especiticn emt categoria organizadoras subor- inadas) induzem, por assim dizer, no campo da pritica metodol6- fica, a tensBes que tornam precisamente esse campo produtivo. Frosseguindo na linha da andlise fisica que € utiizada aqui, po- dorse-ia dizer que as interagBes que se criam entre pélos levam 0 campo a um determinado potencial de produtividade e poder-seia representar a constituigo do objeto como o aparecimento de uma singularidade do campo, em condig6es que sio determinadas pela natureza das interagSes entre pélos. © proprio fato de que a organizacZo da obra sugira tais analo- ias indica suficlentemente que ela se coloca essencialmente na linha de uma anilise das condigGes da produgfo do saber. E pre- ciso dizer que ela responde admiravelmente 20 que faz. esperar. Mostra-nos verdadciramente a dinimica interna das ciéncias sociais cujos mecanismos ocultos permite-nos compreender. Mas a pere pectiva que assim abre 6, ela propria, dinimica. A concepeto da epis- temologia utiizada aqui no é a de uma doutrina analiticonorma- tiva que poderia se apresentar como uma espécie de cinone da razio cientifica, 6 a de uma tomada de consciéncia metodol6gica ue, por estar animada por ura preocupagio eficaz de radicalidade nem por isso deixa de se reconhecer sempre inacabada, sempre sus- pensa a uma exigéncia indefinida de autocompreensio, que evden emente s6 pode petmanecer sempre insatisfeita. O procedimento epistemoldgico exposto neste tratado assume verdadeiramente a 20 Por iso, @ presente Obra estt destinada a prevar oF malores gam a se engajar nas ciénciassociis © jd tendo a experiéneia da pes- precisos, bem como aqueles ‘momentos em que, voltando-se quisa, encontram-se num daqué sriticamente sobre o adquirido, experimentam a necessidade de recolocar em questo os provedimentos dos quais se serviram e de sssegurarse novamente das bases sobre as quais fram. Perpe- tuamente preocupada em marcar bem o que dé fica sua sutonomia e, no que conceme epistemologi, de mostrar ‘bem sua ligagdo com a cit autonomia ela par- rmoligica. Isto porque, es sinese, ela se recusa a por assim dizer, 0 espaco € construir seus objetos. fundamentos esté incessantemente gio metodolégica. Ela the da assim ‘mesmo das estruturas operatGrias que ola consegue por em evidén- a cia, faznos entrever um horizonte de constituigdo conde essas estruturas tiram afinal a virtude que as torna portadoras de uma dindmica criadora, mas que permanece sempre, entretanto, a uma +, distinela infinita das imagens que ele suscita. Mostrando segundo Jean LADRIERE, Professor da Universidade de Louvain n INTRODUCAO Metodologia e Pratica da Pesquisa em Ciéncias Sociais Se a importincia e o vigor da pesquisa atual em ciéncias so- ciais nfo deixam nenhuma divida, as to de suas pretensdes ¢ de seus resultados manifest 10. 0 estado de ctise permanente do qual elas slo a tase mesmo que seu dominio é refratério a todo método ci € no pode: ‘a ser erigido em cigncia: “As ‘cincias hur falsas cién- cias, ndo sfo absolutamente ciéncia ... elas requerem e seolhem a ‘ansferéncia de modelos tomados de empréstimo as ciéncias”! Toda ciéncia digna deste nome s6 poderia se estabelecer num uni- verso do qual o homem estivesse fora, 0 que comprometeria radi calmente a pretensio de cientificidade das ciéncias socias flare de um estado de sua disciplina que ela nfo teria stingido no decorrer da formagdo histérica de seu discurso, extrapolando prit- ‘as ¢ modelos a partir de outras disciplinas mais desenvolvidas, en- quanto, ao contrdrio, trata-se de visar priticas especificas para atin- fir fundamentos mais vélidos, compariveis mas diferentes dos fun- damentos das ciéncias mais rigorosas. Sem querer absolutizar 0 cardter “cientifico” das ciéncias do homem, ¢ necessério convir que o cariter de sistematicidade, de atengio aos fatos, de acordo intersubjetivo dos pesquisadores as ‘quanto aos métodos e resultados, confere 20 empreendimento cien- tifico uma eapesificidads inegivel em relagio is otras priticas socials. “A ciéncia, sem se identificar com 0 saber, mas sem 0 ape +, gar nem exciuir, localizase nele, estruturs alguns de seus objetos, sistematiza algumas de suas enunciaeSes, formaliza alguns de seus conceitos e de suas estratégicas”? Autonomia da pesquisa e interdiseiplinaridade © campo das problemiticas das ciéncias sociais & excessive mente vasto para ser englobado ou redurido a uma Gnice disci pina; assim, de saida, esse campo & pluridsciplinar. Cada disciplina + sociologia, psicologia, etnologia, economia, ete. — ndo deve visar © conjunto do espaco epistémico das ciéncias do homem, mas deli- mitar estritamente — metodologicamente — um campo de anilise, ‘um aspecto particular desse espago. 0 trabalho cientifico diz re peito a dominios especializados, nos quais os conhecimentos si0 sistematizados, que slo isolados artificialmente, dominios nos quais pesquisadores devem chegar a um consenso intersubjetivo sobre 0s conceitos, os protocolos experimentass, 0s ertérios de validade, etc. ‘Assim, a unidade “da” Ciéncia € sempre problemitica, ela constitui muito mais um campo de heterogeneidade no qual disci- pilinas parcelares tentam se articular umas as outras do que um edi- ficio no qual a totalizagdo do saber se realizaria progressivamente segundo 0s votos do positivismo. Se a ciéncia ndo é una, ndo tote. liza todo 0 conhecimento possivel, em contrapartida ela estéinse- rida num devir perpétuo no qual se operam menos totalizagdes do sobertas’, As ciéncias itemente questionando, novos conceitos, de novos Conseqientemente nfo se uma definigd0 do ‘mé- para ter alguma utilidade lemtemente geral para abarcar entistes podem eventualmente que questionamentes, saltos, revok ‘io parcelares, si0 também abertas, ‘sempre em busca de novos métodes, rmeios de investigagdo € de ‘existe também uni método cient todo cientifico’ fosse bastante ‘em metodologia, ela nio seria todos 0s procedimentos que cchegar a considerar Gteis”®. 26 Pode-se classficar as “ciéncias socinis” em quatro grupos? [cujas fronteiras parecem muitas vezes convencionais e cujas estra- ‘égias podem se combinar na pritica: as ciéncias nomotéticas, pro- jcurando estabelecer leis; historicas, dedicando-se a destacar todas a8 determinardes concretas de objetos particulares; juridicas, de |cardter normativo; flosbfica (s), cuja ambigdo seria universalista. “AN Ciencias TiomorETicas S30 as que mais se desenvolvem e que ‘trazem os resultados mais fecundos; extraem leis mais ov menos constantes, debruamse sobre equilibrios sincronicos ¢ desenvolv- ‘mentos discrénicos; utilizam métodos de experimentagio no sen- tido amplo e métodos de verificago que subordinam os esquemas te6ricos 20 controle dos fatos da experiéncia. “A tarefa de uma ciéncis € procurar os invariantes ¢ as leis ‘que regem fendmenos ¢ fatos"®. A invariincia se traduz pelo nt ‘mero, a relagio, a estrutura, a esséncia, a média, ote. A fundagdo de uma ciéncia esti subordinada a delimitago de fronteiras claramente definidas que the conferem sua especificidade Ihe permitem desenvolver se construindo rigorosamente seus obje- ‘tos de conhecimento € seus protocolos de investigacio. O conhe- imento cientifico s6 merece este nome se foi elaborado segundo as regras da metodologia cientifica. S6 esta permite garantir um conhecimento ficl sobre a realidade, demonstrando ela propria sua validade a0 propor um tipo de compreensfo, de prova ¢ de con- tole, a0 fomecer explicecdo e predigZo?. A reflexiéo metodologica ¢ capaz de estabelecer pontes entre as diversas disciplines pois os ‘métodos sio instrumentos suficientemente gerais para serem co- ‘muns a todas as ciéncias ou a uma parte suficentemente importan- te dentre elas. O objetivo da metodologia, que é uma praxiol6gica da produgdo dos objetos cientificos, € 0 de esclarecer a unidade subjacente a uma multiplicidade de procedimentos cientificos par- ticulares, ela ajuda a desimpedir os caminhos da pritica concreta 4a pesquisa dos obstéculos que esta encontra. Ela no pretende re- fletir a progressio concreta de cada pesquisa particular pois esta é ceminentemente variivel, mas quer se pensar em sua prépria pro- ‘gessio ¢ em suas relagdes com 0s procedimentos concretos da pri- tica cientifica. Esta reflexo deve ser global, pois se 6 possivel dis- tinguir miltiplas vias metodolégicas na medida em que diversas dlsciplinas recomem 2 diversos métodos, também & possivel reco- nnhecer uma vontade metodolégica auténoma. Se é fundamentado n frutifero postular uma certs unidade da ciéncia, € sobretudo, parece, no plano metodolbgico que 6 necessirio fazéo. método isolado para encontrar em sua logica especifica processos de investigagdo originals. absolutamente — quer o deplorem quer © exijam ~ uma explora: 8 ‘do extracientifica (filosbfica, tecnolbgica, politica, otc.) dos resul “recusa da atitude natural que coloca o mundo em si como objeto”!!. Ela tem o efeito de arran- car 0, objeto cientifico do vivido, de pensar sua especificidade, de fazer sua teoria sua verificagdo sistemitica. Légica dla prova, logica da descoberta, “design” e pesquisa rio processo de produgdo dos objetos cientificos (légica da des- coberta). ‘A metodologia 6 a légica dos procedimentos cientificos em sua génese e em seu desenvolvimento, nJo se reduz portanto a uma “metrologia” ou tecnologia da medida dos fatos cientificos. Para ser fiel @ suas promessas, uma metodologia deve abordar 2s ciéncias 0b 0 angulo do produto delas — como resultado em forma de co- ‘A metodologia deve ajudar a explicar nfo apenas os produ- ‘tos da investigaggo cientifica, mas principalmente seu préprio pro- cesso, pois suas exigincias no sfo de submissio estrita a proce- dimentos rigidos, mas antes de fecundidade na produgio dos resul tados. Os principios da pesquisa cientiica nfo devem derivar de » fora da pritica metodologica, sendo ela propria concebida em sen- tido amplo como reffexfo critica sobre as dimensées concretas da pesquisa. ‘Aquele que se interroga sobre um ars inveniendi preferente- mente a um ars probandi, & obrigado “a romper com numerosos ‘esquemas rotineiros da tradigdo epistemoldgica e, em particular, com a representacio da pesquisa como sucessdo de etapas distintas ¢ predeterminadas”"2, ‘A pritica cientifica no ¢ redutivel a uma seqléncia de opera: 8es, de procedimentos necessérios ¢ imutivels, de protocolos codi- ficados. Tal concepylo, que converte a metodologia uma tecno- pelo menos inconsciente, & msioria dos pesquisadores, nada mais é do que # projesio no espaco epistemoldgico de um organograma burocritico ... tudo concorre para favorecer a dicotomia entre 0 cempirismo cego e a teoria sem controle, a magia formulisia ¢ 0 ritual dos atos subaltemos”!?. indutivista para uma pesquisa em 4) Estudos exploratirios, (cross-validation), estigio da consolidagao da teoria. * Reuniio entre cientistas pars buscar novas és. (N. oT) 30 Além de seus a priori empiristas, este procedimento . ropée ‘um modelo ideal de pesquise, sob a forma de uma espécie de camic ho critico, ¢ imp6e uma concep¢do linear da metodologia © da O ambiente societal da pesquisa (© campo da pesquisa se inscreve desde 0 inicio, ¢ ao k inicio, longo de {toda sua elaboraso, num ambiente societal bem mais vasto do que © de todas as pniticas sociais. Sem entrar aqui na anilise das rela- sas do pesquisador. Esses campos sdo de natureza e de {mportincia muito diversas e sua infludncia 6 especifica a cada contexto particular de pesquisa 3 pragmiticas que desnaturam os processos de objetivagio cientifice ‘A cooptagdo «tia para o pesquisador o rsco de ser manipulado por ‘ropes de pressfo qusisquer, aceitando, por exemplo, como + .*dadas” informages truncadas. A “sociedade de discurso”, isto 6, 0 Fee Me ee cortege wins | fs normas, as institugles académicas e clentificas, exerce um | dos grupos socias externos ¢ de uma perigosa vulgarizacfo que se conforma mais com 0 “mundanismno” (Durkheim) do que com 0 ‘igor. ‘Assim, toda produsfo cientifica traz a marea da demanda so- cial A qual responce, 0 que justifica uma sociologia da pritica cien- tifica!®. 2. 0 campo axioligico & 0 campo dos valores sociais ¢ inci viduais que condicionam a pesquisa cientifica!?. A propria perso 2 lado, o conhecimento ¢ a pritica ce iar de ruprura epistemologica, rup tifiea da pesquisa comesa quando, a0 dissociar o verificével do que apenas reflexivo ou intuitive, o pesquisador elabora métodos es- Beciais, adaptados 2 seu problema, que sejam simultaneamente rétodos de abordagem e de verficagio"?5 4. 0 campo epistémico & 0 campo do conhecimento cientifico que chegou 2 um grau de objetividade reconhecido: estado das teoriss, estado da reflexdo epistemolégica, estado da metodologia, estado das tEcnicas de investigagio. A regio epistémica mais proxi ima de uma pesquisa especifica é, evidentemente, a da disciphina do {esauimdor na qual cle procede a esolhas teria, epistemolég ] as, téenicas, etc., no proprio seio do que a tradigio dessa disci Plina the oferece, © que ele nio escolhe — por ignorincia ou nio = nem por isso deixa de exercerinfTuéncia sobre o desenvolvimento de sua pesquisa, de modo idéntico 20 campo doxolégico. Por ou- tro lado, © campo epistémico contém elementos de outsas disci- plinas que slo generaliziveis e, portanto, importéveis, sob deter- ‘minadas condigbes de viglincia, pelas necessidades das pesquisas particulares. Estas jo submeterse e deixarse guiar, ‘numa medida nfo des pela produtividade do proprio campo epistmico. “.... Nao 10 para crer que nfo existe um pro- ccesso imanente de desenvolvimento da peOpria ciéncia”?6, Neste’| [ sentido, 0 sujeito da giéncia no é absolutamente 0 proprio pesqui- | sador. ném mesmo 0 corpo dos pesquisadores, mas as teorias ¢ os | métodos cientificos em seu desenvolvimento que € inseparivel de | | Ses We Conitos?”. i Um espace metodolégico quadripolar © campo auténomo da pritica cientifica, autonomia euja pre- cariedade € aparente, pode ser concebido do ponto de vista meto- dologico como a articulagdo de diferentes instincias, de diferentes polos que determinam um espaco no qual a pesquisa se apresenta como apanhada num campo de forgas, submetida a determinados fluxos, a determinadas exigénciasintemnas. 4 idos quatro pélos metodol6gicas no campo cemol6gico, teGrico, morfolégico e técnica. Eles nio configuram momentos separados da pesquisa, mas aspectos particulares de uma mesma realidade de produgio de discursos e de priticas cientificos. Toda pesquisa engaja, explicita ou implicita: mente, estas diversas instincias; cada uma delas 6 condicionada pela presenga das outras ¢ esses quatro pélos definem um campo meto- dolégico que assegura a cientificidade das priticas de pesquisa. 0 lo epistemoligico exerce uma fungdo de vigilancia critica. ‘Ao longo de toda a pesquisa ele &a garantia da objetivagio — isto é, da produgdo — do objeto cientifico, da explicitagio das problemati- cas da pesquisa. Encarrege-se de tenovar continuamente @ ruptura dos objetos cientificos com os do senso comum. Decide, em éltima instancia, das regras de produgdo ¢ de explicagdo dos fatos, da com- preensio e da validade das teoris. Explicita as regras de transforma sua logiea a5 abordagens do pesquisedor. Sfo, especialmente, a dialé tica, a fenomenologia, a l6gica hipotético-dedutiva, a quantficn s8es processos néo se excluem mutuamente, alguns podem ser onipresentes, outros podem no aparecer em pesquisas par- ticular 0 palo tedrico guia 4 elaboragao das hipoteses © a construgio dos conceitos. E 0 lugar da formulagao sistematica dos objetos cien- tificas. Propde regras de interpretagio dos fatos, de especificagdo ¢ ‘de definigdo das solugbes provisoriamente dadas &s problemsticas. E © lugar de elaboracdo das linguagens cientificas, determina o movi- mento da conceitualizagio. rico avizinha-se dos “quadros de referencia” que ihe fornecem inspiragdes ¢ problemiticas proveni “compreensivo”, “funci 0 pila morfoligico & cia que enuncia as regras de estra- turagio, de formagio do cientifico, impdelhe uma certa fi ‘gira, uma certa ordem entre seus elementos. Permite colocar um ‘espago de causago em rede onde se constroem os objetos cientifi- 8 cos, seja como modelos/edpias, seja como simulacros de problema ticas reais. O polo morfologico suscita diversas modalidades de qua- dros de anilise, diversos métodos de ordenagio dos elementos consti tutivos dos objetos cientificos: a tipologia, o tipo ideal, o sistema, os ‘modelos estruturais. Essas diversas formas de configuracéo na maioria dos casos, engajam a pesquisa em escolhas mutuamente ‘exclusiva. A causalidade ¢ pensada de maneira particular em cada ‘um desses quadros de @ piilo técnico controls a coleta dos dados, esforga-se por cons- taté-los para poder confronté-los com a teoria que os suscitou. Exige preciso na constatacio mas, sozinho, ndo garante sua exatidio, © polo téenico tem em sua viinhanga modos de investigaga0 particulares: estudos de caso, estudos yos, experimenta ‘¢0es, simulagio. Esses modos de investigagio indicam escolhas pri- ticas pelas quais os pesquisadores optamn por um tipo particular de encontro com 0s fatos empfricos. A interagio: junto da pritica tempo ¢ no espaco, est de maneira mais ou men Diaética |. Fenomenologa uantitcasio = Légica hpotético- Métodos ~ Modelos esteutuais waren] XT A POLO MORFOLOGICO wowoTeRico | | POLO TEGNICO veto on Seems | comprentto entnatano “stn sims | NOTAS M. FOUCAULT, Les mots et les choses. Une archéologie des sclences humaines, Patis, Gallimard, 1969-A, p. 378, A. KAPLAN, The Conduct of Inquiry. Methodology for Be- ice, So Francisco, Chandler Publishing Com: p28. Larchéologie du savoir. Paris, Gallimard, 1969-8, pp. 241, 242. Sobre esta intersubjetividade da ciéncia, ef. K. R. POPPER, The Logic of Scientific Discovery, Londres, Hutchinson, 1972, pp. 44-47, 98.104. T. S. KUHN, La structure des révotut Flammarion, 1972, RW. FRIED! sociology, Nova Torque, The Free Press, A. KAPLAN, op. cit. 1964, p27 J. PIAGET, Bpistémologie des sciences de Uhamme, Pass, Gallimard, 1972-B, pp. 17-28. ‘A. VIRIEUX-REYMOND, introduction 4 Vépistémologie. Panis, Presses Universitaires de France, 1972, p. 21 G.-G. GRANGER, in L. APOSTEL et al, L ‘explication dans des sciences, Patis, Flammarion, 1973 N. CHOMSKY, Les problémes du savoir et de la liberté, Panis, Hachette, 1973. J. VIBT, Les méthodes structuraistes dans les sciences socia- les, Paris, Mouton, 1969, p. 6. P. BOURDIEU, JC. CHAMBOREDON e J.C. PASSERON, Le métier de sociologue, Patis, Mouton-Bordas, 1968, p. 25, Ibid, p. 110. J.B. MCGRATH, “Toward a “Theory of Method’ for Research (on Organizatior W. W. COOPER, H. J. LEAVITT e M. W. SHELLY Il, eds, New Perspectives in Organization Re- 37 search, Nova lorque, John Wiley, 1964, pp. 533-566; A. J. KAIHN, “The Design of Research”, in N. A. POLANSKI, ed., Social Work Research, Chicago, University of Chicago Press, 1960, pp. 48:58. 15, A. TOURAINE, Production de la societé, Paris, Seuil, 1973, pp. 100-101. 16. J. PIAGET, op. cit, 1972-8, 17. P, BOURDIEU et al, op. 18. B. BARNES, ed. Sociology of Science. Readings, Londres, Pen- again, 1972; RW. FRIEDRICHS, op. cit., 1972. res, Heinemann, 1972. 20. W. W. GOULDNER, The Coming Crisis of Western Sociology, Londres, Paperback, 1972. 21. J. PIAGET, op. 22. P, BOURDIEU, Esquisse d'une théorie de la pratique, prece- dido de Trois études d'ethnologie kabyle, Genebra, Librairie Droz, 1972. archiviste, Bruno-Roy, 24, P. BOURDIEU ef al, op. cit., 1968, pp. 189-193, 25. J. PIAGET, op. cit, 1972-8, p. 42. 26, T. PARSONS, The Structure of Social Action, Nova Torque, ‘The Free Press, 1968, p. 27. 21. T. 8. KUHN, op. cit, ciologie, Genebra, Droz, 1971-B. CAPITULO 1 O Pélo Epistemoldgico 1. PESQUISA E EPISTEMOLOGIA Para discernir o papel e 2 contribuicdo de uma instancia epis- ‘temoldgica no processo de pesquisa, convém distinguir dues fun- es da propria epistemologia. Podevse qualificé-la de metaciéncia jas: reflex ‘como tal, representa um pélo in ttinseco a pesquisa cientifica ‘A concepefo © 0 desenvolvimento das ciéncias exigem uma no sejafixsta, que no pretenda reger as ci ra, mas uma epistemologia ligada & propria pro- feita pelos préprios pesquisadores em suas disci plinas respectives, que seja sempre aproximada das epistemologias das outras disciplinas cientificas. Esta concepeio da epistemologia da cigncia sobre seus procedimen: epistemologia {0s ¢ seus resultados, é a tinica que respeitard o cardter constante- ‘mente aberto das cigncias sem Ihes impor dogmaticamente exigén- cias ilusorias de fechamento. 2. FUNCAO DA EPISTEMOLOGIA iba de objidade dos A epistemologia’ ee id ‘modos de observagio ¢ de experi- ‘conhecimentos. cientifc a SRA mentagio, examina igualmente as relagbes que as ciéncias estabele- cem entre as teorias ¢ 08 fatos. A epistemologia, de qualquer modo que seja definida, colo- ca, de certa maneira, que uma ciéncia da ciencia Mas tomase possivel a partic da reflexo stutendlpe ologia deve submeter a considera que os grandes pi pistemolbgicos nascem a par: tir de crises nas ciéncias] de questionamento no de seus resulta: dos, mas de seus fundamentos, A fim de legitimar 0s novos pontos de vista e de reestruturar os quadros tebricos, a reflexdo epistemno- logica se impée, reflexdo dos proprios pesquisadores sobre os ins- trumentos de conhecimento dos quals suas ciéncias dispBem, re- flexio com vistas a superar as crises revendo a pertinéncia dos con- ceites, das teorias ¢ dos métodos diante das problematicas que s80 objeto de suas investigacdes. ‘A epistemologia fomece os instrumentos de questionamento dos principios nas cigncias, 0 que & essencial para estas dtimas, pois “foi possivel sustentar que elas vo na diregdo de seus prin- cipios tanto quanto partem deles. Elas devem seus. progressos ‘seu rigor absoluto do que a sua faculdade de ‘autocorre- "3, Brunschvicg indica que os progressos das ciéncias nfo sfo apenas “‘progressivos” mas também “reflexivos”; a linearidade de seu desenvolvimento esti entio comprometida por refusBes de seus proprios princfpios motores. Assim, a teoria do conhecimento, reflexdes epistemol6gicas internas, elaboradas na e pela cincias, ¢ regionais, para as nevessidades de cada ciéncia em parti- cular. A epistemologia no sentido clissico era aplicagio de inten- ‘0et filoséficas estranhas A ciéncia, a epistemologia que se desen- valve atualmente € intema as proprias priticas cientifices: “tor- nase entio instrumento do progresso eientifico enquanto organi zagio intema dos fundamentos ...”*, Eis por que a epistemologia tem principalmente uma fungio de vigllincia critica na pesquiss. Bachelard vira corretamente que a razdo “arquitetonica” da ciéncia se duplicava com uma razdo “polémica”, tio indispensivel quanto 1 primeira para 0 progresso lentifico, “A epistemologia se distin- a gue de uma metodologia 8 l6gica do ert0 para co ‘como polémica contr verdades aproximadas da cigncia e os métodos que ela utiliza a uma retificagio met6dica permanent cimento cientifico € um processo de sager de Colocase entio 0 problema mol6gica. Essa reflexio se ent versas disciptinas entre si, pel epistemoligicas interas expect ‘itui uma epistemologia geral que € a articulaglo das epistemolo- tas internas que se fecundam mutuamente. A epistemologia geral Porque se esforge por apreender ligica da descoberta da verdade como esforgo para submeter as em sua multiplicidade e, sobretudo, na di volvimentos respectivos"?. Os métodos da modos de desenvolvimento do conhecimento, as cconcretas do pensamento cognitivo (epistemologia psico- wologia assim concedida, enquanto pélo essencial da pesquisa, situa-se portanto, de imediato, tanto numa logica da des- coberta quanto numa légica da prova®, 0 modo de produsio dos conhecimentos interesselhe tanto quanto seus procedimentos de validacdo. Assim, a metodologia (¢ 0s pesquisadores para os quais la € motivo para confiar no rigor, na exatidfo,¢ na pertinéncia de suas pesquisas) deve aprender a ciéncia como um processo (no sequencial, mas vivo) € no como um produto. Os pesquisadores estio na base de um processo cientifico, srmados com a metodologia, of fil6sofos das ciéncias estfo no fim das pesquisas para analisar seus produtos, seus resultados. Os pes quitadores encontrardo na reflexio epistemolégica nfo apenas os fundamentos para se assegurarem do rigor, da exatidio, da preciso 9 seu procedimento, como também preciosas indicagBes que gui lo & indispensével imaginacio da qual deverfo dar provas para (ritar 06 obstéculos epistemoligicas e para conseguirem fazer pro- sgredir 0 conhecimenta das objetos que investigam. Eles se apoi Ho, portanto, em consideragdes formais, saidas da logica, © em consideragdes concretas, ligadas & histOria de suas priticas © de seu 0 (epistemologia interna), & historia do conjunto ificas (epistemologia geral)®, ‘métodos da epistemologi ido ¢ sistematizado: & ju ‘que ela tra sua fecundidade. como uma cincia emp: siados nio & werificvelempircamentse, sis, a rzio de ser eles nfo é, absolutamente, de se confrontar com fatos (excegao feita & epistemologia psicogenttica). Essa concepgdo empirista da episte mologia x8 poderia arruinar o que constitu sua propria fecundi sudoproblemas ou quebra-cabeyas ‘oxplicago, natureza dos fatos, validade dos procedimentos, etc. “A epistemologia parece escapar cada ver mais dos filésofos para passar para as mdos dos préprios cientistas .... Na medida em que c ante suscitada pelos embaracos nda muito proxima desse gem metodoldgica, algum modo obrigat6rio, da investigago do pesquisador que, cons- cientemente ou nfo, coloca-se questées epistemoldgicas porque elas podem ajudélo a resolver seus problemas priticos e a elaborar solugdes teéricas vilidas. Essa epistemologia intema “nasce de algum modo sob os proprios passos do cientista, ... ele é cam no proprio interior da ciéncia” ico se refere forgosamente specifica; como metodélogy, col disso, quesides de epistemologia geral que s6 podem ajudar 0 bom andamento de sua pesquisa. A epistemologia — intema e/ou geral a dda linguagem cientifica pois se refe. tiria entio 4 ciéncia como produto; os processos gensticas da des- coberta e lugdo cientificas the escapariam. Também no como uma ciéncia particular do homem, o refas de sOcio-anilise das instituigBes cientifi- dos pesquisadores, etc. Seu objetivo ¢ justamen- te 0 de fomecer regras is ciéncias socials particulares. Entretanto, ela oncontrari nos resultados destas dltimas instrumentos siteis para suas proprias tarefas: tarefas tanto de natureza polémica como tanto de critica como de consolidagdo dos conhecimentos cientificos. 3. PRINCIPIOS DE EPISTEMOLOGIA GERAL Estes prineipios animam a pesquisa ¢ inspiram 08 procedimen- tos metodologicos, so em sua maior parte simplesmente colocados Por seu cardter heuristico; o objetivo ndo € absolutamente o de infirmisios ou verificé-los, sd0 simples instrumentos para pesquisas € métodos mais frutiferos. A pesquisa cientifica pressupte ¢ controla determina: das hipoteses filos6ficas importa realidade, 0 determinismo em sentido amplo, 0 carite 1 do mundo e @ autonomia da 16gica e das matematicas" 1? © cariter “filosofico” desses principios nio deve ser negado, ‘mas também ndo deve autorizar uma precedéncis qualquer da filo- sofia sobre a ciéncia Nio se trata de basear a ciéncia na filosofia nem o inverso, entretanto é necessirio levar em conta suas mituas relagdes simul taneamente fundadoras © © aspecto nomotética das conexdes entre os fendmenas: ‘conjungio, de sucessio, de corte 2, de covariagdo, de causacao, 4s déncia (N. Bohr) segundo 0 4 antiga sod forma de aproximagio. Esse principio teorizagio real sem rdoaveis do empirismo me fe por uma outra por razBes de pura comodi tativa de integragZo, Por outro {quema se integra num + como expii A) Objeto e problemdtica cientifica 0 lugar da pesquisa ¢ pois o lugar pritico da elaboragio ¢ da transformagio do proprio objeto do conhecimento, de sua constru- ‘glo sistemitica © da constatagio dos fatos que © manifestam. O objeto da prética cientifica & entifo produzido como um eftito das regras ou feixes de relagdes que of pesquisadores manipulam; preciso “definir objetos sem referéncia ao fundo das coisas, mas referindo-os a0 conjunto das regras que permitem formé-los como objetos de um discurso ¢ constituem assim suas condicSes de apareci- ‘mento histérico"?!. A forma do objeto cientifico nfo conceme diretamente 20 contetdo senstvel, mas » uma Linguagem, “a ciéncia apreende objetos construindo sistemas de formas numa linguagern ¢ no diretamente sobre dados sena(vei””?*, ‘Assim, « linguagem clentffica 6 a garantia do rigor, e numa certa ‘medida ds validede, dos objetos da pesquisa, objetor que se modifi ‘cam A medida que evoluem os métodos as problemiticas que of constituem, “Os métodos se modificam porque sio aplicados a objetos novos"? e, reciprocamente, “cada ciéncia, & medida em que rogride, tende a modificar 0 proprio objeto de sua pesquisa para adapticlo a seus proprios meios de concepedo ¢ de expresso. AO invés de ela se definir por um objeto previamente colocado, vera um trio, € 0 objeto que se deduz como ‘o que (0 objeto cientifico nfo étranscendente ao procesto da pesquisa que 0 visaria como algo de fora, 20 contrat, ele é ease processo de pesquisa concretizado. Esse objeto ndo é absolutamente imposto de fora “a uma atividade concretamente exercida, sua transcendéncia 6 apenas uma ilusfo da reflexio. Essa estrutura.... objetiva, assim como & Lingua, esté entzo sujeita transformagéo”?®. Assim, todo objeto cientifico conserva necessariamente o staius de uma hip6tese cientifica, é considerado provisoriamente como constructo valida, rmas fatos noves podem infirmélo. O objeto cientifico ndio é uma cesséncin eterna, ¢falifcivel, transit6rio, é apenas um instante num processo constante de transformagdo, dé retificagfo. “O objeto cien- tifico nunca 6 um ‘ser’, mas uma ligacZo: rlaglo, ou mesmo corre: lngdo, Ele 6 “abstrato-concreto’, manifesta a poténcia incsgotivel do conceito, ele proprio capaz de se inscrever na realidade, fonte de cconstantes VerificagBes e construgdes”?6, © objeto denico & 40 mexmo tempo, mal sbato do gue © objeto imediato, pitoresco, da experiéncia sensivel Isto quer dizer que 0 objeto cientifico nfo pode ser reduzido linguagem cientifica, como o desejariam certas tendéncias do ppositivismo logico. Algo diferente de uma linguagem funda o sim bolismo’ cientifico. O objeto cientifico recebe sua fundagio © sua sarantia de validade de uma operasio “referencial” constantemente eafimods dee bnguagom 20 bo a que ele visa. A eficécia ‘Segundo Lautman, todo problema tem trés aspectos: ele difere por natureza das solugées, transcende estas ditimas pois tem suas oterminagdes propries, & imanente as diversas solugtes teéricas explicitas que 0 vém recobrir?”. Uma problemitica, conjunto dos problemas ¢ de sues condi ges de aparecimento, é melhor solucionada, formulada e explici- fade quanto mais se determina 50 B) Objeto real, objeto percebido, objeto construido: «rupture epistemoligica Parooe capital insstir sobre a especifcidade do objeto cient- $0, com o qual Ie 6 necesisio romper continuamente, “Todo objeto propriamente cientifico ¢ conscientemente ¢ metodicamente construido para saber construir 0 objeto € para saber 0 objeto que se constroi”**. ‘A rupture epistemoldgica deve consagrar 0 distanciamento sempre recomegado do objeto clentifico diante dos objetos do senso comum, prénogdes, evidéncias de “bom senso”, mitos, ideo- logias. “A espontaneidade da objetividade na percepelo se opte 4 bbusca laboriose da objetividade ... Esclarecer de uma maneira es- pecifica a relagdo da qualidade de um objeto psiquico com sus ‘estruturagdo como objeto de ciéncia é sem divida « tarefa funda- mental de uma epistemologia das ciéncias humanss"?9. prio poo de abrir novos campos a Fietente” nfo se identifica abrolutamente, sem divida, com os teatemunhos dos sentidas, com 0 que aparece; o objeto real ¢ + causa presumida do testemunho de nossos sentides. Os objetor percebidos sfo os efeitos supostos dos objetos reais latentes, 0 objeto de conhecimento construido & uma tradusio expect- fica, conceitual, do real, é um objeto que responde a leis de com- st osigdo autonomss, construido por métodos explicitos. hin um sis- © objeto cientifico € produzido ao longo de um processo de ‘objetivagio, de conceitualizacio, de formalizacdo, de estruturacio. 0 objeto cientifico é ou uma representasio do real pereebido, no ‘estgio de uma simples descrigio pretiminar, € copia de um mo- ely real, ov um simulacro do qual 0 pesquisador espera que pro- ‘duza efeitos espectficas Existe pois um processo de objetivag, de produgio dos fatos © dos objetos cientificas que & a progressio da formagio, da estrutu- Proposigées, fila de aconteclmentos incorpérecs, de fatos aconteci- os as coisas corpireas. A ciéncia nfo pode ating a coisas, mas constr, manipula, eliza, prediz os fats, “os acontecmentos feitos (que) nfo existem fora das proposicoes que os exprimem” (0 que ¢ proprio de toda operago de sentido, de toda linguagem. A linguagem cientifica se desdobra em diversos niveis de obje- tivagio, as eiéncias constroem seus objetos em diferentes patamares de investigacio ¢ de explicagio. “As diferentes esealas de observagio criam fenomenos di- versos e. .. existem estruturas novas, descobertas a cada novo nivel de andlise, Est um novo procedimento especializante e diferenciador .. Esses diferentes patamares de investigagio intervém na desco- berta de leis, de estruturas, de invariantes, de indices particulares. 2 Freqientemente estas descobertas estio limitadas, de uma certa maneira, a seu nivel proprio de expicasio. E a nolo de zona de validade dos principios. ‘A excolha do nivel empirico de imvestigagdo deve, antes de tudo, nfvels de anilise, cada um deles necessitando de um processo auté- rnomo de objetivagio. ‘Além da exigéncia de ruptura entre as realidades vividas ¢ as realidades objetivadas nos discursos cientificos, & preciso insistir sobre a exigéncia de explicago causal ¢ de compreensio objetiva & ‘qual as ciéncias sociais dovem responder. Os problemas da causalidade cientifica serfo evocados mais amplamente no pélo morfol6gico, mas, desde agora, ¢ preciso notar as exigincias epistemoldgicas do estabelecimento dessa causalidade. ©) Génese da teorizagio grandes processos discursivos: fenomenclogia, dialética, légica hipo- tético-dedutiva e quantificaglo. 3 4) A indupio. — A inéugfo, enquanto panacéia metodol6- inzo dever, por conseguinte, ser deixadas a0 folclore da meto- “A nog vulgar de que a indugio ¢ a dedusdo s80 ‘opos- indugo — que compreende a selegio das hip6teses — implica frequentemente, como uma de suas etapas, fazer uma de- dugio">". ‘A “indugio amplificadora”” que permitiria a inferéncia do fato & lei, do caso singular ao universal, esté sempre submetida ao principio da validade transit6ria até novas informagbes e s6 autoriza a produ- (ilo de generaizages empiricas ou de conceitos genéricos. # apenas uma formula vaga que nfo oferece nenhuma ajuda concreta & pritica metodolégica. Nao hi corte entre inducfo © dedugSo, assim como aparece no processo hipotético-dedutivo. “A epistemologia contemporinea nil conhece nem as cién- cias indutivas nem as ciéncias dedutivas (.. .) nfo existe, pare falar em termos exatos, método indutivo. O que é indugto, isto 4, invenglo de hipSteses na ciéncia experimental, é o sinal mais claro da insuficiéncia do método para explicar o progresso do saber". Mas a recusa da logica indutiva nio autoriza absolutamente a recusa. da reconstrugfo racional dos provessos de descoberta das hipéteses. Nio se pode contentarse em admitir na fonte da producfo teérica um “elemento isracional” (Wittgenstein), uma “inspiragdo ‘qlente que deve poder pensar 0 aspecto heuristico da pesquisa € propor particularmente uma légica dos problemas, uma praxiolégica sob forma de estratégia para susctar a invengdo®, 4 2) 0 aceso. — A ginese de uma nova teoria, de um corpo de hhipéteses, pode ser provocada pela descoberta, por puro acaso ¢ por sador que tentard entdo “experiéneias para ver”, pesquisas explora ‘t6rias. Mas esse modo de génese s6 pode ser bem sucedido por uma oposislo critica a teorias constituidas: “0 inesperado 6 pode aparecer como tal por referéncia a uum sistema de hipdteses ¢ s6 se toma um fato cientifico na medida em que provoca uma reestruturagdo do sistema de hripoteses”* ©) A anttica. ~ A reflexio exitica e dialética s6 se desenvolve A hipdtese estratégica (H. Lefet riéncia, na pritica ¢ na realidade dindmica*®. Essa hipdtese surge sracas a0 cariter aleatério dos processos dinimicos reais; ese cariter aleatério implica uma exploragao do campo dos possiveis no qual a imaginagdo do pesquisador & um guia precioso embora pouco con- _ trolivel, ‘A hipétese estratégica, fazendo apelo i imaginagio e a categoria do aleatorio, deve ser aproximada das ficgdes idealizantes preco- nizadas por Husseri**; fundada na categoria de possivel, a “visio ‘idética” é um procedimento de analise intelectual que age por “livre vvariagio” imaginiria de determinados fatos; 0 que nfo pode ser variado sem que 0 proprio objeto desapareca & a esséncia, 0 tipico. Esse procedimento fenomenolégico agiré por variagSes efetivas (e ‘nfo. arbitririas) considerando casos miltiplos que se realizaram verdadeiramente para destacar os casos possiveis. 0 que Husser! ‘chama de interpolapfo, uma variate da andlise comparativa. ©) A analogia controlada. — A analogia pode ser considerada como o principio unificador dos objetos submetidos a definigfo em sistemas tebricos: assim, a5 grandes analogiss das teorias funciona- lists, estruturlistas, genética dialéticas, etc. ‘A analogia pode ser um instrumento provisbrio de determina ‘glo das hipéteses, embora esse caréter provisbrio soja duvidoso, pois a analogia alimentaria a teoria de maneira h bell) ‘Se a linguagem comum recorre a analogia espontanca, a0 para- logismo de “tudo esta em tudo” eas facilidades de qualquer coisa, a linguagem cientifica, por seu lado, deve esforgarse por regular meto- dicamonte ¢ explicitar totalmente os esquemas analégicos que em- prega na constnicio concreta de seus objetos, seus paradigms opera- torios (Kuhn). A anatogia espontinea nada mais faz do que se omar com um “halo semantico” (Bourdieu) que tira sua legitimidade das ideol6gicas que ela exerce. A analogia controlada ualitativo necessita da analogia para aceder & conceitualiza- ‘elo; esta toma o desvio da analogia controlada que 56 se di por cesbogos sempre incompletos mas sempre captados numa totalidade: essa figuragio por esbogos leva a esquematizagio. O qualitative 36 assume entio a forma conceitual de propriedade estrutural “cujo sentido depende no da determinag3o isolada de um dual, mas do sistema das manipulagdes virtuais efetuadas sobre um

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