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Sabes o que fao? Trabalho e resisto agarrado aos livros como as pranchas
do naufrgio.
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do desengano, est pendida sobre a derradeira: que a saudade ainda um
afeto, um excelso amor, o melhor amor e o mais incorruptvel que o passado
nos herda.
A casa, onde vivo, rodeiam-na pinhais gementes, que sob qualquer lufada
desferem suas harpas. Este incessante sodo a linguagem da noite que me
fala: parece-me que voz de alm-mundo, um como burburinho que referve
longe s portas da eternidade. Se eu no amasse de preferncia o sossego do
tmulo, amaria o rumor destas rvores, o murmrio do crrego onde vou cada
tarde ver a folhinha seca derivar na onda lmpida; amaria o pobre presbitrio,
que h trezentos anos acolhe em seu seio de pedra bruta as geraes pacficas,
ditosas, e incultas destes selvagens felizes que to iluminadamente amaram e
serviram o seu Criador. Amaria tudo; mas amo muito mais a morte.
Amor de Salvao
O Cego de Landim
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* de Miranda e Bernardes tinha estio, cigarras, rs e grilos!
Logo que cheguei a casa, entrei a folhear as pginas dos dois livros, Que aborrecimento! At os livros me entediam. Tenho mil e duzentos
preparado para o dissabor de encontr-los mutilados, defeituosos, com folhas volta de mim; no sei de qual me valha.
de menos, comidas pelas ratazanas colaboradoras roazes do galicismo na
runa da boa linguagem quinhentista. Folheei o Entendimento Literal e Constrviam Cousas Leves e Pesadas
at pginas 154, e aqui achei um quarto de papel almao amarelecido, com umas linhas
de letra esbranquiada, mas legvel e regularmente escrita. O contedo do
papel, onde se conheciam vincos de dobras, era o seguinte: Ando a desconfiar que vou perder a vista. H 8 meses que sofro uma
rebelde oftalmia que me aflige muito. No cesso de ler, porque, se no
Jos, o teu irmo, quando eu hoje saa da igreja, onde fui pedir a Nossa Senhora a tua leio, morro de sensaboria a olhar para os carvalhos esgalhados e nus como
vida ou minha morte, disse-me que eu no tardaria a pedir a Deus pela tua alma. Eu j cadveres monstruosos de enforcados. Oh! Que horrores tem uma aldeia
no posso chorar mais nem rezar. Agora o que peo a Deus que me leve tambm. Se no quando se est velho e enfermo!
morrer, endoudeo. Perdoa-me, Jos, e pede a Deus que me leve depressa para ao p de ti.
Marta Camilo ntimo (carta de 1879)