Quando o Lorde Sakyamuni expôs o capítulo Juryo, ele afirmou, referindo-
se aquilo que todos os seres vivos haviam escutado nos ensinos pré-Sutra de Lótus e nos ensinos teóricos do Sutra de Lótus: "Todos os deuses, homens e ashuras deste mundo acreditam que, após ter deixado o palácio dos Sakyas, o Buda Sakyamuni sentou-se no local de meditação, não distante da cidade de Gaya, ele alcançou a iluminação suprema".
Esta afirmação mostra a idéia sustentada por todos os discípulos do Buda e
pelos grandes bodhisattvas, desde a época em que ouviram Sakyamuni pregar seu primeiro sermão, no Sutra Kegon, até o período quando expôs o capítulo Anrakugyo do Sutra de Lótus.
Encontramos duas deficiências nos ensinos pré-Sutra de Lótus. Primeiro:
(conforme declara Miao-lo), "por ensinarem que os Dez Mundos são separados entre si, não conseguem ir além das doutrinas provisórias". Ou seja, não elucidou a teoria de Itinen Sanzen, nem o princípio de descartar o provisório e revelar o verdadeiro, ou a capacidade daqueles nos dois veículos de atingirem o estado de Buda, todos os quais estão implícitos na doutrina dos dez fatores declarada no capítulo Hoben do ensino teórico.
Segundo: "Por ensinarem que Sakyamuni alcançou a iluminação pela
primeira vez neste mundo deixam de descartar a condição provisória do Buda". Deste modo, não revelam a iluminação original do Buda, exposta no capítulo Juryo. Essas duas grandes doutrinas (a consecução do Estado de Buda pelas pessoas dos dois veículos e a iluminação do Buda) são o âmago dos ensinos da existência do Buda, o real coração e medula de todos os sutras.
O ensino teórico afirma que as pessoas nos dois mundos, de erudição e
absorção, podem atingir o Estado de Buda, invalidando, deste modo, uma das incorreções encontradas nos sutras expostos durante os primeiros quarenta e tantos anos de pregação do Buda. Contudo, como o capítulo Juryo ainda não havia sido revelado, a verdadeira doutrina de Itinen Sanzen permaneceu obscura e a iluminação das pessoas nos dois veículos não estava assegurada. Nestes aspectos o ensino teórico não difere do reflexo da lua sobre a água ou de plantas sem raízes vagando nas ondas.
O Buda também declarou: "Entretanto, homens de devota fé, o tempo
desde que eu na realidade alcancei a iluminação – cem, mil, dez mil, cem mil, nayuta aeons – é ilimitado e infinito". Com esta simples proclamação, ele refutou, como sendo grandes falsidades, as palavras do Sutra Kegon, que mencionam "A primeira vez que alcançou o caminho"; o Sutra Vimalakirti, que exprime: "Pela primeira vez o Buda sentou-se sobre a árvore"; o Sutra Daijuku, que pronuncia: "Passaram-se dezesseis anos desde que o Buda alcançou a iluminação pela primeira vez"; o Sutra Dainiti, que descreve a iluminação do Buda como algo ocorrido "há alguns anos, quando sentei-me no local de meditação", o Sutra Ninno, que se refere à iluminação do Buda como um acontecimento de ‘vinte e nove anos atrás’; o Sutra Muryogui, que atesta: "Previamente fui ao local de meditação", e o capítulo Hoben do Sutra de Lótus, que diz: "Quando sentei- me pela primeira vez no local de meditação". Quando chegamos ao capítulo Juryo do ensino essencial, a crença de que Sakyamuni atingiu o Estado de Buda pela primeira vez na Índia é demolida e os efeitos (iluminação) dos quatro ensinos são identicamente refutados. Quando os efeitos dos quatro ensinos são demolidos, suas causas são igualmente demolidas. "Causas" neste contexto indicam a prática budista (para atingir a iluminação) ou o estágio dos discípulos dedicados à prática. Assim, as causas e efeitos, na forma exposta tanto nos ensinos pré-Sutra de Lótus como no ensino teórico do Sutra de Lótus, são extirpadas, e as causas e efeitos dos Dez Mundos no ensino essencial são revelados. Esta é a doutrina da causa original e do efeito original. A mesma ensina que os nove mundos estão todos presentes no Estado de Buda sem início, e que o Estado de Buda existe nos nove mundos sem início. Esta é a verdadeira possessão mútua dos Dez Mundos, os verdadeiros cem mundos e mil fatores, o verdadeiro Itinen Sanzen.
Considerando-se esta perspectiva, é evidente que o Buda Vairochana
sentado num pedestal de lótus, conforme descrito no Sutra Kegon, o Sakyamuni de cinco metros enunciado nos sutras Agon, e os outros Budas provisórios citados nos sutras Hodo, Hannya, Konkomyo, Amida e Dainiti não passam de reflexos do Buda do capítulo Juryo. Eles são como imagens fugazes da lua no céu espelhadas na superfície da água contida em vasos de vários tamanhos. Os versados sacerdotes e eruditos das muitas seitas em primeiro lugar confundem o significado dos sutras nos quais baseiam- se suas próprias doutrinas e, mais fundamentalmente, ignoraram o ensino exposto no capítulo Juryo do Sutra de Lótus. Como resultado, tomam, por engano, o reflexo da lua sobre a água pela lua real, que brilha no céu. Alguns deles entram na água e tentam agarrá-la com suas mãos, enquanto outros tentam laçá-la com uma corda. Conforme o Grande Mestre Tientai afirma: "Eles não sabem nada da lua no céu, e fitam apenas a lua no lago". Ele quer dizer que aqueles presos aos ensinos pré-Sutra de Lótus ou aos ensinos teóricos do Sutra de Lótus não têm ciência da lua brilhando no céu e vêem somente o seu reflexo no lago.
O Shogui Ritsu também refere-se a quinhentos macacos que, saindo da
montanha, avistam a lua refletida na água e tentam pegá-la. No entanto, como se trata apenas de um reflexo, eles caem na água e afogam-se. Essa escritura equipara os macacos a Devadatta e o grupo de seis monges (que viveram na época da existência do Buda).
Se não fosse pela presença do capítulo Juryo entre todos os ensinos de
Sakyamuni, estes seriam como o céu sem o sol e a lua, um reino sem rei, as montanhas e mares sem tesouros ou uma pessoa sem uma alma. Sendo assim, sem o capítulo Juryo, todos os sutras são sem sentido. A grama sem raízes morrerá rapidamente, e um rio sem uma fonte não fluirá a longas distâncias. Uma criança sem pais é desprezada. Nam-myoho-rengue-kyo, o coração do capítulo Juryo, é a mãe de todos os Budas de todas as dez direções e das três existências – passado, presente e futuro.
Com meu profundo respeito,
Nitiren
Décimo-sétimo dia do quarto mês.
Fundo de Cena
No gosho ‘Abertura dos Olhos’, Nitiren Daishonin estabelece uma
comparação entre os ensinos provisórios e veradeiro do Budismo. Cada ensino do Buda revela alguns aspectos da verdade, mas todos os ensinos provisórios destinam-se fundamentalmente apenas a conduzir à verdade perfeita do Sutra de Lótus. Além disso, o amâgo do Sutra de Lótus é o ensino essencial ou catorze capítulos finais, especificamente, o capítulo Juryo (décimo-sexto), no qual a Lei Suprema encontra-se implícita. Conforme Nitiren Daishonin afirma, "a doutrina de Itinen Sanzen é encontrada somente num lugar, oculto na profundezas do capítulo Juryo do ensino essencial do Sutra de Lótus". Ele atribui a causa das misérias e desastres que devastam o Japão à confusão no Budismo e ao fato das pessoas não conseguirem reconhecer a supremacia do Sutra de Lótus.
Nesta escritura, Nitiren Daishonin aponta o ensino supremo por intermédio
de sucessivos níveis de comparação – a comparação por intermédio de sucessivos níveis de comparação – a comparação entre ensinos pré-Sutra de Lótus e o ensino teórico (primeira metade do Sutra de Lótus), e a comparação entre o ensino teórico e o ensino essencial (segunda metade do Sutra de Lótus). Ele cita duas razões pelas quais o Sutra de Lótus é supremo. Uma é que o ensino teórico revela que as pessoas nos estados de Shomon (Erudição) e Engaku (Absorção) podem alcançar a iluminação, uma possibilidade terminantemente negada nos catorze capítulos prévios da pregação do Buda Sakyamuni. As predições do ensino teórico, de que as pessoas dos dois veículos atingirão o Estado de Buda, fundamentam a possessão mútua dos Dez Mundos e o conceito de que o Estado de Buda é viável a todos. A segunda razão é que, no capítulo Juryo do ensino essencial, o Buda Sakyamuni desmente que tivesse alcançado a iluminação pela primeira vez na Índia, e revela a sua iluminação original do remoto passado – um tempo denominado Gohyaku Jintengo. Então, Nitiren Daishonin conclui declarando que o âmago do capítulo Juryo é o Nam- myoho-rengue-kyo, a Lei máxima que é a semente para se atingir o estado de Buda.
Em contraste com o capítulo Hoben (segundo) do ensino teórico, que
discute o estado de Buda como um potencial inerente na vida de todas as pessoas, o capítulo Juryo mostra o estado de Buda como uma realidade manifesta na vida de Sakyamuni e também revela a eternidade do mesmo, que se estende além de seu nascimento neste mundo. Neste capítulo, o Buda Sakyamuni indica a causa de sua iluminação original, dizendo: "Certa vez, eu também pratiquei as austeridades de bodhisattva…". Como resultado, ele alcançou o efeito – o estado de Buda – conforme proclama no mesmo capítulo: "Desde que atingi o estado de Buda, um período inimaginavelmente longo se passou". Ele também esclarece que, sempre, desde aquela época, tem estado aqui, neste mundo, pregando a Lei, surgindo como muitos diferentes Budas e usando vários nomes. Contudo, Sakyamuni não revelou a verdadeira causa que o capacitou a atingir o Estado de Buda no remoto passado de Gohyaku Jintengo. Concluindo, Nitiren Daishonin identifica a verdadeira causa, ou Lei fundamental, que habilita todos os Budas a obterem sua iluminação como sendo o Nam- myoho-rengue-kyo das Três Grandes Leis Secretas "oculto nas profundezas do capítulo Juryo do ensino essencial".
Esta escritura é datado de 17 de abril, porém, o ano desta escritura e a
identidade do seu recebedor são incertos. O seu conteúdo é bastante semelhante ao que Nitiren Daishonin escreveu sobre a importância do capítulo Juryo em ‘A Abertura dos Olhos’. Portanto, embora geralmente considere-se que tenha sido escrito em 1271, alguns acreditam que tenha sido completado após Nitiren Daishonin ter escrito o seu tratado, ‘A Abertura dos Olhos’, em 1272. De qualquer modo, esta escritura declara de maneira muito clara e concisa as comparações sucessivas entre o ensino pré-Sutra de Lótus, os ensinos teóricos e essencial do Sutra de Lótus, e o Budismo de Nitiren Daishonin.