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Awa Pauta Ferketta nasceu em Lisboa e esti radicada, nos Estados Unidos desde 1970. Fez a Licenciatura em Li- teraturas Francesa e Espanhola, o Mestrado em Literaturas Hispanicas e o Doutoramento em Literatura Luso-Bras rana Universidade de Nova lorque. Desde 1989 que 6 pro- fessora de Estudos Portugueses, Teoria Critica e Estudos de Mulheres na Universidade da California, em Irvine. Além do livro Alves Redol ¢ 0 Neo-Realismo Portugués i Caminho, 1992), tem publicados dezenas de arti- gias de género sexual, de classe e de nago, Os seus traba- Thos publicados abrangem, entre outras areas, 0 romance portugués dos séculos xix e xx, com atengio especial ao romance contemporaneo de autoria feminina. Nos ultimos anos tem desenvolvido um amplo trabalho de pesquisa cen- trado no surgimento em Portugal do fenémeno chamado «anulher escritora» durante a primeira metade do século xx. A URGENCIA DE CONTAR CONTOS DE MULHERES DOS ANOS 40 e ANA PAULA FERREIRA CAMINO 0 campo ca patavra A vida tem prego Maria Archer A beleza de Elsa era uma espécie de condi feliz que @ natureza Ihe dera ao nascer. Toda a gente considerava essa beleza como um bilhete de lotaria premiado com 0 casamento rico. Por volta dos quinze anos deslumbrou-se ‘com os européis do palco e quis ser actriz mas a familia opés-se com escéindalo e alarido. Actriz, ela, que podia casar rica? Devia educar-se e ser honesta e conservar boa Teputagiio, porque esses trunfos so precisos no jogo ma- trimonial e uma rapariga bonita, como ela, casa com quem quer. ‘A Elsa casou antes dos vinte, com um alentejano mui- to rico e teve a moldura de Iuxo que a sua beleza merecia. ‘Mas, poucos meses depois do casamento, 0 marido enga- nava-a com uma rapariga banal, nem feia nem bonita, nem assim nem assado, que contudo © prendia e fascinava. ‘A aventura tornou-se em ligagdo, 0 abandono da esposa foi quase total e 0 divércio clareou a situagdo obscura. O casa- mento, feito em regime de separagao de bens, nao deixava a Elsa meeira no casal ¢ rica, mas 0 marido garantia-Ihe uma pensfio avultada, ¢, além de avultada, segura, porque se ba- 199 Maria Archer © Luis Carpe tinha uns negécios em projecto com 0 Ru a esposa querida do Rui... Ainda a semana nao ia no fim ‘iG eles aconselhavam prudéncia e regresso a Lisboa. Aind! © més nao ia no fim e jé os Carpe a tratavam com frieza, — Aind: ha-nos fechar a casa, o Luis precisa de ir inspeccionar o 4 Softeu com a desestima e somou-a as desilusdes. Se pro: curasse outra famflia amiga? Os Teixeiras eram igualment amigos certos... Pensou em se alojar em casa dos Teixeiras, sondou-os, mas percebeu-lhes o desagrado. O Teixeira ta 1a negdcios com o Rui, projectos feitos com o Rui © Rui, dando guarida a muther repudi da. A Elsa viu-se repelida desses em quem vira amigos ¢ decidiu-se a recorrer ao hotel, mas nessa altura soube-se, em Lourengo Marques, que o Rui tomara o aviao, em Cape Town, com destino a Londres ¢ Lisboa. A Elsa jé ndo tinha _ que fazer em Africa. O marido fugia na sua frente: fugia para nao ouvir as suas stiplicas e no ver as suas Kégrimas © fugia dela em companhia de uma outra mulher. ‘Tomou o primeito avido e abalou para Lisboa. Telegra- fou a familia e jé no aeroporto esperavam os alvigareiros das tragicas novidades. Soube ento que o Rui, vindo na diantei- 1a, fizera mover as justigas. A sua casa estava fechada e se~ Jada. © Rui pedira 0 divéreio, baseado no abandono do lar, ‘Um advogado elucidou-a do que poderia esperar do ma- ido. O casamento fora em regime de separagao de bens © portanto o divércio deixava-a pobre. O Rui tinha fama de rico, mas, onde estava a riqueza dele, para, sobre essa rique- za, se exigir uma pensdo legal compativel com os seus bens? A sua quota no Consortium Colonial ainda nao fora realiza- da... Decerto preparara as coisas com os amigos para se e ir a idades... A sua pensao de divorciada 204 A vida tem prego deveria ser arbitrada sobre uma base modesta, talvez. sobre 0 ordenado burocritico do Rui, se se no achasse mais. — Num div6rcio, quando nao ha bens estendidos ao sol, 0 marido escapa-se sempre as obrigagdes.. ‘Ah! 0 alentejano! A Elsa pensou no seu pr rido, o alentejano, o que tinha bens estendidos ao sol, ¢ Ihe dera uma penstio sumptuosa, porque nflo pudera ocultar os bens que se estendem ao sol Havia ainda a famflia a atenazd-la: arranjar marido... Estés pobre, — Deixem-me! O que ha, é comigo... — Mas vieste bater-nos a porta. — J4 paguei adiantado, bem pago e bem adiantado... Todos voo8s comeram & farta dos meus dois ma do. Na longa noite de insGnia a Elsa mediu 0 seu novo des- tino no compasso da propria resisténcia, Pobre? Uma exis- téncia modesta de senhora divorciada, pobre, que pr ‘marido? Viver numa casa de renda econémica, usar vestidos arvanjados, perder as relagdes de categoria, estragar as mos na cozinha, descer ao nivel da humanidade vulgar? Nao cho- chorava pelo luxo que perdia perdendo o Rui. ia calcula que ela saiu alta noi porque ninguém a sentiu. Tomou um téxi para Caxias © motorista ainda a viu, em Caxias, a caminhar na aveni- da, uma mio poisada na balaustrada da praia. [Em Caxias desapareceu. Todas as pesquisas foram int- teis e nfo se achou nem o seu rasto nem 0 seu corpo. pats De Ha-de Haver Uma Lei, Lisboa, Apéndice I ¢ jomais (Seara Nova, Vértice, O Comércio do Porto, Té- vola Redonda, Arvore, Didrio de Lisboa, Didrio de Nott- cias, etc.), a autora € membro da direcefo da Sociedade Portuguesa de Escritores em 1962. Em 1980, € reconhec! da pelo conjunto da sua obra com o Prémio Gulbenkian de Literatura para Criangas; e em 1994, € nomeada candidata portuguesa ao Prémio Hans Christian Andersen de Litera- tura para Criangas. Bibliografia parcial A Garrana (1943) Estrada Sem Nome (Pequenas Histérias) (contos, 1947) 0 Livro da Tila: cantigas pequeninas (poesia, 1957) Praia Nova (Historias Simples) (contos, 1962) O Paihago Verde: novela infantil (1962) Historia de um Rapaz (novela infanto-juvenil, 1963) O Sol e 0 Menino dos Pés Frios (contos, 1973) Os Quatro Irmaos (1983) Voz Nua (poesia, 1986) As Fadas Verdes (1994) Segredos e Brinquedos (1999) Maria Arcuer (Lisboa, 1905-1982) (Fiecionista, jornalista e ensaista protifica, Maria Emilia. lles Baltasar Moreira deixou-nos 0 que se po- de considerar um panorama da vida privada, ou das men- fades e condutas caracteristicas de certa faixa burguesa_ ¢ pequeno-burguesa da sociedade portuguesa entre a dé- cada de trinta e cinquenta. Tendo vivido e, mais tarde, pas- sado temporadas em Africa, onde recolhe apontamentos histéricos e etnogrificos, a autora colabora com varias mo~ nografias para os «Cadernos Coloniais», desde 0 infcio da 276 (yhoo Codrwoond Notas biobibliogrdficas a série em 1935. A maior parte deste material sera depois incluido nos seus livros de divulgacio colonial, primeiro \j\\ dos quais 6 Roteiro do Mundo Portugués (1940). Em 1938, © seu livro de literatura infantil, Viagem a Roda de Africa, ganha 0 prémio Maria Amalia Vaz de Carvalho, do Servi- go de Propaganda Nacic Nesse mesmo ano, aparece 0 seu seguido livro de novelas, Ida ¢ Volta de Uma Caixa de Cigarros, retirado do mercado em 1939, O arrojo com que se move na sociedade do seu tempo como mulher livre ¢ de ideias avangadas, arrojo que estende a uma obra de fic- 40, denunciando a dependéncia social, econémica, es tual e sexual femininas, levam-na a ser vista como «uma ‘escritora incémoda». Essa seré, pelo menos em parte, @ razao pela qual alguns dos seus livros gozam de relativo sucesso junto do grande piiblico, como o provam as suas reedig6es. O seu romance Casa Sem Pao (1947) € também. apreendido pela Censura. Vivendo a custa do seu trabalho, e exibindo uma impressionante cultura, de cunho angl6filo \ jar, a autora colabora assiduamente em revistas ¢ jormais de Portugal, das entao coldnias africanas e, mais tarde, do Brasil. E também tradutora de Hellen Grace Car- lisle, Anton Coolen e Voltaire. Filiada no Movimento de {que se intensificam apés ter feito a reportagem do julgamen- to de Humberto Delgado em 1952, Em 1954, exil Brasil, onde publica virias obras de divul gacao col (muito embora criticas do regime salazarista), merecendo este filo da sua obra o elogio de, entre outros, Gilberto Freyre. A autora volta a Portugal em 1977, doente € na mais completa destituigao, acabando os seus dias num asilo @). €) Bata nota baseia-se também, entre outras, em informagdes reco: Ihidas de artigos publicados na imprensa lisboeta apés a morte de Ma Archer, em 1982, 27 1 Apéndice I Bibliografia parcial Trés Mutheres (novela, 1935) Sertanejos (Cadernos Coloniais, 1935) , “Arica Selvagem, Folclore dos Negros do Grupo Bantii (Cadernos Coloniais, 1936) —Taer € Volia de Uma Caixa de Cigarros (novelas, 1938) Ha Dois LadrGes Sem Cadastro (novela, 1940) Roteiro do Mundo Portugués (divulgagio histérica, 1940) ‘Heranga Lusiada (divulgacao hist6riea, com Prefacio de Gilberto Freyre, | Fauno Sovina (cor Ela E apenas Muther (romance, 1944) _>sCasa Sem Pao (romance, 1947) Hé-de Haver Uma Lei (contos, 1949) Filosofia de Uma Muther Moderna (contos, 1950) O Mal ndo Esté em Nés (romance, 1950) Bato as Portas da Vida (romance, 1951) Nada Lhe Seré Perdoado (romance, 1952) A Primeira Vitima do Diabo (romance, 1954) Africa Sem Luz (contos, 1962) Brasil, F Fronieira de Africa (divulgagao, ensaismo, 1962) Raquet Bastos (Lisboa, 1903-1984) Ficcionista, poeta e cantora lirica, Rachel Bastos Os6-rio de Castro ¢ Oliveira estudou Arte de Representar e piano no Conservatério Nacional de Lisboa, onde depois se tornou professora. Estreada em 1923 como soprano ligeiro, desem- penhou papéis de destaque em vérias éperas italianas e na- cionais apresentadas em salas de especticulos de Portugal e, entre 1933-34, do Brasil. Casada em 1930 com 0 escritor José Osério de Oliveira, a autora inicia a sua carreira literd- ria com uma homenagem obra de Ana de Castro Osério, 278 Notas biobibliogréficas falecida em 1935. A sua novela intimista de laivos autobio- tfficos, Um Fio de Misica, recebe 0 Prémio Fialho de Al- meida do Secretariado da Propaganda Nacional em 1938. 0 romance Destino Humilde, de inspiragio social populis- ta, 6 reconhecido com o prémio Ricardo Malheito Dias da ‘Academia de Cigncias de Lisboa em 1942. Nos anos qua- renta, Rachel Bastos traduz ainda varias obras de literatura infantil da Condessa de Ségur e de Eve Dessarre. Bibliografia parcial: Ana de Castro Osorio, Muther (ensaio literdrio, 1935) Um Fio de Miisica (novela, 1937) Destino Humilde (romance, 1942) Coisas do Céu e da Terra (contos e novelas, 1944) Didrio Fantastico (poemas em prosa, 1954) O Largo de D. Trisido (romance, 1956) He oisa Cip (Oliveira do Hospital, 1908-) Maria Heloisa Fragoso de Matos Cid, de seu nome com- pleto, estreia-se nos anos trinta como poeta, vindo, entre 1943 e 1952, a publicar uma série de contos em jomnais de Lisboa e no Noticias de Lourenco Marques. Em 1947, é pre- miada no Concurso de Quadras Populares realizado pela Emissora Nacional, de que € colaboradora literéria, Também ‘no mesmo ano 0 seu livro de contos, Vidas Cercadas, & reco- nnhecido com o Prémio Fialho de Almeida do Sectetariado da Propaganda Nacional. A autora tem colaborago disper- sa nas revistas Mensdrio das Casas do Povo, Selecgdes Femininas ¢ Os Nossos Filhos. As suas crénicas no jornal Acciio Realista sio assinadas com o pseudénimo de Milu. Em 1968, é levada a cena a sua comédia O Avé Cldudio. 279

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