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A VERDADE Newsletter de informação

Nº 14 Jun / 2008

Editorial: A economia submergente!

Números anteriores A greve dos camionistas no último


fim de semana pareceu-me um mau
1. Portugal, que futuro? presságio na medida em que indicia
2. Vox populi algum desespero de quem já não acredita
3. Crise? Qual crise? na viabilidade do seu ganha-pão sem
4. O que pensa Constâncio ajudas estatais. Em condições normais,
5. Poupança, ou nem por isso? com uma economia saudável, as
6. Porque não sobe a taxa de desemprego empresas de camionagem limitar-se-iam
7. No reino do faz de conta a fazer repercutir o aumento do custo dos
8. A ver a banda passar combustíveis no preço cobrado pelos
9. Um homem é o que come! fretes e o cliente final é que pagaria o
10. O Admirável Mundo Novo aumento de custos. O problema é que já
11. O controle da mente humana não há trabalho para todos, há excesso
12. Assim funcionam os tribunais! de oferta de transportadores, a
13. O número do azar! concorrência pelas cargas é muita e as
14. Portugal: uma economia submergente! margens começam a reduzir-se para
níveis que inviabilizam a continuação da
actividade. Por isso penso que um preço
Pedidos de envio mais baixo para o gasóleo não lhes vai
resolver o problema do equilíbrio
Se pretende receber directamente a financeiro. Nem sequer mesmo ajudar a
newsletter ou se tiver em falta qualquer dos resolver.
números anteriores d’A VERDADE e À semelhança dos camionistas a
pretender recebê-lo basta solicitar o seu situação económica de muitas pessoas
envio para o e-mail neste país está a começar a ficar aflitiva.
Um amigo meu que trabalha numa
mrc008@gmail.com fábrica de mobiliário na Batalha
confidenciou-me esta semana estar

também ele próprio numa situação difícil. Há quatro anos tanto o meu amigo como os
restantes colegas da fábrica trabalhavam horas extraordinárias. Há um ano passaram a
trabalhar apenas o horário normal de 40 horas semanais. Mas a machadada final veio no
início do ano com a redução do horário a todos os funcionários: agora trabalham apenas
3 dias por semana (24 horas) com uma redução correspondente nos salários. Ele
simplesmente não consegue sobreviver com aquilo que ganha actualmente. Está a pensar
emigrar para a Suíça (mais um!!!). E é pena, porque é dos melhores profissionais do ramo
que conheço.

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Se o leitor passar ao lado de estado de descalabro da economia
alguma fábrica de cerâmica (telha, tijolo Portuguesa. Pela sua lucidez e com o
ladrilhos) sugiro-lhe que repare nos peso que lhe advém de ter sido escrito por
parques de material: estão quase todos quem foi, A VERDADE transcreve-o aqui
cheios de produtos que não conseguem na íntegra.
vender ao ponto de nalguns casos já
praticamente nem se conseguir ver o Curriculum vitae do Dr. Nuno Garoupa
edifício da fábrica escondido pelos stocks.
Um dos locais onde pode ver estas O dr. Nuno Garoupa tem uma
fábricas atulhadas de produtos acabados Licenciatura em Economia pela
é a estrada que liga a Batalha a Universidade Nova de Lisboa (1992),
Alcobaça. À beira dessa estrada existem mestrado pela University of London
várias cerâmicas. A maioria já está a (1994), doutoramento pela University of
pagar ordenados com 2 e 3 meses de York (1998) e um LLM em Criminologia e
atraso. Estão quase todas à beira do Justiça Criminal pela University of London
colapso económico. A não ser que ocorra (2005).
algum milagre, é só uma questão de Profissionalmente o Dr. Nuno
tempo até estoirarem de vez e lançarem Garoupa exerceu funções de Professor
mais uns quantos compatriotas nossos Associado na Universitat Pompeu Fabra,
para o desemprego. em Espanha, e de Professor Catedrático
Também se o leitor se deslocar na na Universidade Nova de Lisboa em
Estrada Nacional nº 1 junto à cidade de Portugal.
Leiria, na Cova das Faias, num terreno O Dr. Nuno Garoupa foi também
encostado às instalações do Vice-Presidente da Associação Europeia
concessionário da Volkswagen verá um de Direito e Economia (de 2004 a 2007);
parque de máquinas de construção civil e actualmente ocupa o cargo de membro
(buldozers, retro-escavadoras, cilindros, do Quadro da Sociedade Internacional
etc.). Pois toda essa maquinaria era para a Nova Economia Institucional (até
pertença de empresas que faliram ao Verão de 2009), e como editor da
recentemente e está a aguardar venda em Revista de Direito e Economia. É também
leilão público. As várias leiloeiras da zona membro do quadro editorial da
estão com os parques de material cheios International Review of Law and
de bens de empresas falidas. Economics, do Portuguese Economic
O clima económico que se vive na Journal, e do Latin American and
zona centro, para muitas pessoas, é já de Caribbean Journal of Legal Studies. É
descalabro e desânimo. E até mesmo de ainda membro do Comparative Law and
desespero para os mais penalizados. Economics Forum (CLEF).
Ao contrário daquilo que a O Dr. Nuno Garoupa é actualmente
propaganda governamental diz, a Professor de Direito na University of
economia portuguesa está-se a afundar e Illinois College of Law e na University of
a situação irá piorar ainda mais! Só não se Manchester School of Law. É também
consegue prever até onde. investigador afiliado do CEPR, Londres, e
Vem isto a propósito que no investigador associado do FEDEA,
passado dia 5 de Junho de 2008 o Jornal Madrid. (Mais um emigrante!!!).
de Negócios publicou um artigo de Vejamos então porque é que na
opinião do Dr. Nuno Garoupa, sob o título opinião do Dr. Nuno Garoupa, Portugal é
“Portugal: uma economia submergente” a primeira economia desenvolvida que
que vem confirmar tudo aquilo que tem pode ser designada como uma
vindo a ser dito pela VERDADE sobre o

economia submergente!
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Portugal: uma economia submergente
Nuno Garoupa

Para quem acompanha o que se passa em Portugal de


fora, como eu, no passado mês de Março, fomos confrontados
com a boa-nova de que se vivia um momento que muitos
classificaram, então, de verdadeiramente histórico (talvez
mesmo o momento mais significativo desde 2000, do ponto de
vista da economia portuguesa): ...

Para quem acompanha o que se passa turno reclamará imediatamente semelhante


em Portugal de fora, como eu, no passado mês façanha e os especialistas de toda a vida falarão
de Março, fomos confrontados com a boa-nova na convergência real esquecendo que tal é
de que se vivia um momento que muitos meramente pontual), mas o processo de
classificaram, então, de verdadeiramente empobrecimento já tem oito anos e a nova
histórico (talvez mesmo o momento mais situação internacional veio confirmar os piores
significativo desde 2000, do ponto de vista da receios para a economia portuguesa (que
economia portuguesa): Portugal tinha evidentemente não estava preparada para esta
consolidado as suas contas públicas (entenda- mudança brusca na conjuntura internacional, ao
se um deficit público inferior a 3%, pois contrário do que dizia o Governo e alguns
alguns, porventura mais antiquados ou especialistas).
estrangeirados como eu, ainda pensavam que a O processo de empobrecimento é,
consolidação orçamental significava deficit porém, lento, tão lento que levará mais de uma
zero) e teria reiniciado o processo de geração para que a grande maioria dos
convergência real com taxas de crescimento portugueses sinta que a sua qualidade de vida
económico que em breve seriam a inveja na é inferior à dos seus pais. Por outras palavras,
Europa. Afinal, menos de dois meses muito possivelmente só a geração que nasceu
decorridos, o Governo veio dizer que ainda não nos finais dos anos 90 quando chegar ao
era desta. mercado de trabalho, lá para os finais da
Pouco a pouco o Governo vai segunda década do século XXI, terá
percebendo aquilo que é a realidade: Portugal consciência de que a sua qualidade de vida, em
continuará a ser um case study nas escolas de média, vai ser significativamente inferior à que
economia por este mundo fora. Desta vez, não tinham os seus pais quando chegaram ao
por ser um caso de êxito sem precedentes mercado de trabalho. Por isso, o processo de
(como se dizia nos anos 90), mas porque é empobrecimento é sustentado. Não gerará
talvez a primeira economia desenvolvida que nenhuma ruptura social ou política grave. A
se pode designar de economia submergente. ideia que se generalizou nalguns sectores da
Tal como manda a definição, a economia opinião pública de que “isto tem de rebentar”
portuguesa vive um processo de ou “isto vai acabar mal” tem um cheirinho a
empobrecimento continuado, sustentado e 25 de Abril que não vai acontecer. “Isto” pode
possivelmente irreversível. durar assim muitos e muitos longos anos.
Não quer isto dizer que não possa haver Espero estar enganado, mas parece-me
um ou outro ano num horizonte de duas que o processo de empobrecimento é também
décadas em que a economia portuguesa não irreversível, salvo qualquer choque externo
cresça acima da média europeia (o Governo de positivo que não se vislumbra (e que

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seguramente teria de ser de uma magnitude programa só podem ser atingidas depois de
muito superior ao choque que a economia 2009 torna-se evidente que a reforma da
portuguesa teve com a adesão à CEE ou à Administração Pública não terá resultados
moeda única). A culpa, por uma vez, não é dos assinaláveis, que a reforma da Educação
políticos, nem dos empresários, nem dos deixará essencialmente tudo na mesma e a
funcionários públicos, mas de todos os reforma da Justiça não passou de um piedosa,
portugueses. Desde sempre a maioria dos mas respeitável ideia.
portugueses tem deixado claro quando vota que Os arautos do optimismo têm o seu
não quer mudança, que não quer suportar os trabalho cada vez mais complicado. Andaram
pesados custos das reformas necessárias em três anos a dizer que, agora sim, as coisas iriam
troca de benefícios incertos e longínquos. Uma mudar e em menos de dois meses a realidade
atitude perfeitamente racional, mas tirou-lhe o tapete. Afinal as Cassandras (esses
extraordinariamente míope. malvados profetas da desgraça) e os Velhos do
A depressão que se generalizou no País Restelo (essa figura tão difamada) até tinham
depois do momento histórico pode afinal não razão. Esquecem-se de que a decadência do
passar de uma miragem (mais uma) império português e o período filipino em
compreende-se. Muitos, talvez até o próprio breve demonstraram que o Velho do Restelo
primeiro-ministro e os seus ministros, estava absolutamente certo. No caso da
acreditaram que realmente se estava a fazer Cassandra não foram precisas duas gerações,
reformas estruturais que a seu tempo podiam bastou um ano. No nosso caso recente foram
produzir resultados. Quando o Governo mesmo só dois meses.
reconhece agora que metas importantes do seu

Comentário

Como complemento ao artigo do Dr. Nuno Garoupa, transcrevemos de seguida o


comentário de um dos leitores do Jornal de Negócios a esse mesmo artigo.

O seu artigo espeta o dedo no olho e é de um discernimento assinalável. Porém o ritmo


de empobrecimento do nosso povo está a tornar-se cada vez mais rápido. Não é um ritmo lento,
é progressivamente acelerado e vai tornar-se vertiginoso. Se não como explica o aumento
exponencial da emigração que "toda" a gente faz de conta que não existe? E como explicar a
crescente desertificação do interior? E o aspecto decadente dos centros das cidades como Lisboa
e Porto por exemplo?
Se o TGV chegar a ser completamente construído, o que duvido porque não vai haver
"guito" que chegue para tanto interesse então façam-no low cost para que todos possam entrar
e sair vertiginosamente para parecer que estamos sempre cá todos... Se a UE nos vai servir para
algo, daqui para diante, vai ser para equilibrar o ciclo da pobreza com o fluxo e refluxo da
emigração.
Quanto ao mais só se investirmos em inteligência colectiva... mas as elites são
francamente mediocres e demasiado bem pagas além do que pensam que são elas quem tem de
tratar dos cretinos que por cá ficam à custa dos impostos.... pois dos cretinos que os elegem. E
haja bola que pão ainda vai havendo!

Rogerczar

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Notas: E-mails
Pode ler o artigo original em: 1. Queremos aqui agradecer
publicamente a amabilidade e
http://www.jornaldenegocios.pt/index.php?te gentileza das muitas e muitas
mplate=SHOWNEWS_OPINION&id=319324 pessoas que nos têm contactado
via e-mail.

Mais artigos do Dr. Nuno Garoupa em: 2. Lamentavelmente para nós


devido ao grande volume de
http://works.bepress.com/nunogaroupa/ correspondência recebida não
conseguimos responder com a
Curriculum Vitae detalhado do Dr. Nuno rapidez que desejáveis e
mereceis. Daí algum atraso nas
Garoupa em: respostas. Mas fica prometido
que iremos tentar responder a
http://www.fedea.es/pub/cv/ngaroupa.pdf todos!

3. Desde já o nosso MUITO


OBRIGADO. Bem-hajam pelo
interesse e continuem a enviar
os vossos comentários!

Lisboa, 13 de Junho de 2008

Manuel Rodrigues Cunha

mrc008@gmail.com

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