Professional Documents
Culture Documents
Funcionamento
do Ensino Básico
Manaus 2007
FICHA TÉCNICA
Governador
Eduardo Braga
Vice-Governador
Omar Aziz
Reitor
Lourenço dos Santos Pereira Braga
Vice-Reitor
Carlos Eduardo S. Gonçalves
Pró-Reitor de Planejamento e Administração
Antônio Dias Couto
Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários
Ademar R. M. Teixeira
Pró-Reitor de Ensino de Graduação
Carlos Eduardo S. Gonçalves
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa
Walmir de Albuquerque Barbosa
Coordenador Geral do Curso de Matemática (Sistema Presencial Mediado)
Carlos Alberto Farias Jennings
Coordenador Pedagógico
Luciano Balbino dos Santos
NUPROM
Núcleo de Produção de Material
Coordenador Geral
João Batista Gomes
Projeto Gráfico
Mário Lima
Editoração Eletrônica
Helcio Ferreira Junior
Revisão Técnico-gramatical
João Batista Gomes
Inclui bibliografia
Palavra do Reitor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
PERFIL DOS AUTORES
A realidade amazônica, por si só, é um desafio à educação tradicional, aquela que teima em ficar arraigada
à sala de aula, na dependência única dos métodos triviais de ensino. A Universidade do Estado do
Amazonas já nasceu consciente de que o ensino presencial mediado é a única estratégia capaz de respon-
der aos anseios de um público que, por estar disperso, tem de ser atendido por projetos escudados em
dinamismo técnico–científico.
Assim, a Licenciatura Plena em Matemática, ancorada no Sistema Presencial Mediado, nasceu para ofere-
cer aos discentes as habilidades necessárias para que eles venham a construir seus próprios objetivos exis-
tenciais, estimulando–lhes a ousadia de aceitar o novo e de criar novas possibilidades de futuro, dando–lhes
uma visão multifacetada das maneiras de educar.
Os livros–textos em que o curso se apóia são produzidos com o rigor didático de quem sabe que a história
da educação, no nosso Estado, está sendo reescrita. Os agentes desse processo têm visão crítica e apos-
tam na formação de novos professores que saberão aliar inteligência e memória, não permitindo que o ensi-
no em base tecnológica ganhe a conotação de “um distanciado do outro”.
A autonomia de agir que cada um está aprendendo a conquistar virá, em breve, como resposta aos desafios
que se impõem hoje.
Quando o estudante dos cursos de Licenciaturas, Normal superior, Pedagogia ou do ensino médio
deparam-se, em suas grades curriculares, com a disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino, normal-
mente viram o rosto para o lado pensando nas aulas entendiosas que enfrentarão durante o semestre ou
ano letivo. Entretanto não precisa ser desse jeito; a legislação do ensino assim como sua concepção e estru-
turação podem ser percorridas de maneira suave, buscando-se o contexto gerador envolvente da sociedade
em determinado momento.
Assim é que buscaremos, de uma forma dinâmica, historiar o percurso da educação brasileira desde o Brasil
Colônia, perpassando pelo Império, pelas Repúblicas até a atualidade, por meio das Constituições e
Legislações Educacionais inerentes.
A educação brasileira, através dos tempos, como explicitaremos, teve avanços significantes, embora tardia-
mente, pois o ritmo em que se processaram as mudanças foi atrelado aos interesses das classes domi-
nantes, as quais não se interessavam (e ainda hoje não se interessam) pela instrução pública, gratuita e de
qualidade para as classes dominadas. É o que demonstraremos por meio do nosso passeio histórico-legal
sobre Organização e Funcionamento da Educação no Brasil.
As dúvidas começam a surgir quando nos dispomos a entender como os fatos ocorreram.
Os autores
UNIDADE I
Educação, trabalho e cidadania
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Educação, trabalho e cidadania
13
UEA – Licenciatura em Matemática
Sem dúvida, a existência real dos homens é Gryzybowski (apud FRIGOTTO, 2003, p. 26),
profundamente marcada pelos aspectos eco- relaciona bem a educação com o contexto
nômicos, até porque esta dimensão econômi- político-econômico e cultural da sociedade, ao
ca, devidamente entendida, constitui mesmo conceituá-la como sendo, antes de mais nada,
uma referência condicionante para as outras
dimensões da vida humana, uma vez que ela [...] desenvolvimento de potencialidades e a
se liga à própria sobrevivência da vida materi- apropriação de “saber social” (conjunto de
al. Porém, se, de um lado, é a realidade dos conhecimentos e habilidades, atitudes e va-
fatos que permite que a educação tenha algu- lores que são produzidos pelas classes, em
ma incidência social, de outro, essa eficácia só uma dada situação histórica de relações para
ganha legitimidade humana se se referir a sig- dar conta dos seus interesses e das suas
nificações que ultrapassem sua mera factici- necessidades). Trata-se de buscar, na edu-
dade e seu desempenho operacional. A filo- cação, conhecimentos e habilidades que per-
sofia da educação ajuda-nos a buscar explica- mitam uma melhor compreensão da realidade
ção para esses valores e essas significações. e envolva a capacidade de uma melhor com-
preensão da realidade e também de fazer
Ponce (2000, p. 169) ensina-nos que a edu-
valer os interesses coletivos no âmbito eco-
cação é, no seio da sociedade contempo-
nômico, político e cultural.
rânea,
14
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Educação, trabalho e cidadania
3 A ciência na modernidade, com sua pretensão de verdade em relação ao conhecimento comum, baseava-se em duas
grandes narrativas: a primeira, herdada da Revolução Francesa, colocava a humanidade como agente histórico de
sua própria libertação por meio do avanço do conhecimento e, a segunda, descendente do idealismo alemão que via
o espírito como progressiva revelação da verdade (SANFELICE, 2003).
15
UEA – Licenciatura em Matemática
[...] a história nos ensina que esta transferên- Entretanto qual a realidade histórico-social en-
cia de modelos educacionais (da Grécia para contrada no Brasil, neste atual momento?
Roma, de Roma para a Europa bárbara), Como andam essas mediações nas quais cabe
embora tenha permitido o florescer da escola à educação investir? Segundo o Relatório das
e da cultura, provocou ao mesmo tempo a Nações Unidas, com a avaliação do IDH
sua esclerose, a morte de velhas tradições e (Índice de Desenvolvimento Humano), recém-
a perda da identidade deste ou daquele povo, lançado, o Brasil regride para o rol dos países
estimulando dessa forma a divisão cultural e de desenvolvimento médio, passando a ocu-
de classe dentro do mesmo povo, como entre par o 79.o lugar entre 174 países avaliados.
clero privilegiado e laicos profanos. Parece até uma boa colocação, não fosse o
fato de que essa posição não decorre da
Além disso, é necessário considerar a dura carência de recursos objetivos. Se estes fos-
realidade do contexto histórico latino-ameri- sem levados em conta, o País precisaria estar
cano, em que as marcas da exclusão humana colocado entre os 30 primeiros países do
Planeta. O trágico é que esta posição repre-
continuam com presença muito forte. A gravi-
senta termos de selvageria na distribuição dos
dade da situação desmente qualquer velei-
bens materiais e culturais de que o país dis-
dade de que já se teria encontrado o caminho
põe, provocando um grave nível de desuma-
certo para a construção de uma sociedade
nização (IANNI , 2004).
amadurecida, justa e democrática. O processo
de modernização pelo qual passou e continua Com efeito, o País está com uma das mais
4 Organization for Economic Co-operation and Development (OCDE), Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico que integra países dos diversos continentes, produzindo indicadores internacionais de
avaliação do desenvolvimento.
16
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Educação, trabalho e cidadania
altas concentrações de renda do mundo, vamente, 84,1% e 82% contra 83,9% e 77%
medida pelo índice de Gini5 e que se expressa para as meninas. No entanto, na renda, o PIB
da seguinte maneira: enquanto os 20% mais per capita refaz a diferença: o homem leva R$
pobres precisam distribuir entre si apenas 9.035,00 contra R$ 3.863,00 das mulheres, por-
2,5% da renda do País, os 20% mais ricos locu- tanto uma diferença de 2,4 vezes, lembrando-
pletam-se com 63,4%, ou seja, no Brasil, 30 se de que a diferença média mundial é de ape-
milhões de pessoas precisam sobreviver com nas 1,8 vez. No exercício do poder institu-
a pequena fatia de 2,5% e outros 30 milhões cionalizado, a situação das mulheres torna a
dispõem de 63,4% para o mesmo fim. O PIB cair, arrastando o Brasil para o 70.o lugar entre
anual per capita dos 20% mais ricos é de US$ 102 países: só 5,9% das vagas parlamentares
18.563,00, enquanto o dos 20% mais pobres é e 17,3% dos cargos diretivos cabem às mu-
de apenas US$ 578,00, portanto 32 vezes lheres.
menor. Embora o País tenha enriquecido nos
No Relatório Progresso das Nações 1999, pu-
últimos anos, não conseguiu transformar esta
blicado pela UNICEF, o Brasil ocupa o 102.o
riqueza em maior expectativa de vida e em
lugar no ranking de risco para a infância, entre
educação.
142 países pesquisados (Folha de S.Paulo,
Esta situação particular do Brasil é pior do que 23/07/2002). Para essa classificação, foram le-
a do conjunto da América Latina, que já é vados em conta o índice de mortalidade infan-
péssima: os 20% mais ricos dispõem de til, o índice de amamentação integral e o índice
52,94% da renda e os 20% mais pobres, de de crianças fora da escola.
4,52%. Na África do Norte e no Oriente Médio,
Atualmente, embora tenham melhorado esses
essa cor-relação é 45,35% e 6,90% (KLIKS-
índices de desempenho da educação nacio-
BERG, 2000, p. 34).
nal, tanto no ensino médio quanto no funda-
O retrato da existência real da população bra- mental, uma vez que, entre 1996 e 1997, dimi-
sileira é o seguinte: 17% vivem na miséria, ou nuíram os índices de retenção e de evasão no
seja, 26 milhões de pessoas; 17.600.000 de sistema, os níveis ainda são muito altos. A taxa
pessoas morrem antes de atingir os 40 anos; de promoção no ensino fundamental, em
30.000.000 são analfabetos; 36.720.000 não 2002, foi de 77,5% e a de evasão, 11,1%. No
contam com água potável; e 45.900.000 não ensino médio, estas taxas correspondem,
dispõem de saneamento básico. respectivamente, a 78,8% e 13%. O País con-
tinua com 16% de analfabetos, ou seja, 30 mi-
No caso das condições das mulheres, medi-
lhões de pessoas.
das pelo IDH, verificou-se ligeira melhora do
desempenho do País, mas, como observa o Outro aspecto que merece atenção diz res-
jornal O Estado de S. Paulo (11/07/2002), “isso peito à situação dos professores. Segundo o
ocorre mais pelos problemas dos outros países MEC (2005), nos últimos oito anos o número
do que pelas virtudes brasileiras”. O Brasil ocu- de funções docentes da Educação Básica com
pa o 67.o lugar, devido sobretudo à longe- nível superior cresceu 82%, segundo dados do
vidade feminina. A expectativa de vida das mu- Censo Escolar. Em 1996, 901.565 possuíam
lheres é de 71 anos, ao passo que a dos home- licenciatura; oito anos depois, em 2004, esse
ns é de 63 anos. Na educação, pequena van- número subiu para 1.639.129. Na rede estad-
tagem para os homens: alfabetização e ma- ual de ensino foi onde houve o maior cresci-
trícula de meninos correspondem a, respecti- mento. Em 1996, cerca de 533 educadores
5 O coeficiente de Gini é a medida dos graus de desigualdade na distribuição da renda. Ele é igual a 0 (zero) quando
a eqüidade é máxima, a renda sendo eqüitativamente distribuída entre todas as pessoas que integram uma popu-
lação. Vai de 0 a 1. Países altamente eqüitativos, como Suécia e Espanha, têm o índice de Gini entre 0,25 a 0,30. A
média mundial é 0,40. A média da América Latina é de 0,57, enquanto o Brasil está com 0,69, após ter passado de
0,59 em 1980, para 0,63 em 1989, o que mostra a continuidade do agravamento da concentração de renda nas últi-
mas décadas (KLIKSBERG, 2000, p. 84).
17
UEA – Licenciatura em Matemática
18
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Educação, trabalho e cidadania
19
UEA – Licenciatura em Matemática
20
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Educação, trabalho e cidadania
TEMA 05 TEMA 06
Esta vinculação, é bom que se diga, não é A prática produtiva dos homens não se dá
própria apenas para as escolas de trabal- como trabalho individual: ela é, antropologica-
hadores, ela é a perspectiva válida para qual- mente falando, expressão necessária de um
quer escola e em qualquer sociedade. sujeito coletivo, ou seja, a espécie humana só
é humana à medida que se efetiva em socie-
Mas “como pode o trabalho libertar o homem,
dade. Não se é propriamente humano fora de
se é a condição de sua escravidão? Como pode
um tecido social, que constitui o solo de todas
este trabalho, ao associar-se à educação, consti-
tuir o conteúdo e o método para a formação do as relações sociais, não apenas como referên-
homem omnilateral?” (MANACORDA, 1975, p. cia circunstancial, mas como matriz, placenta
61). que nutre toda e qualquer atividade posta pelos
sujeitos individuais.
Em Marx, o vínculo entre escola e trabalho pro-
dutivo significa que, para a formação integral Torna-se necessário observar que essa trama
da criança e do adolescente, é necessária uma de relações sociais que tece a existência real
articulação entre horas de trabalho e horas de dos homens não se caracteriza apenas como
estudo (prática e teoria). Ele é favorável, pois, coletividade gregária dos indivíduos, como
ao trabalho das crianças, ou seja, sua inserção ocorre nas “sociedades” animais: um elemen-
desde cedo na produção, desde que não nos to específico interfere aqui, mais uma vez mar-
moldes do capitalismo contemporâneo. Não cando uma peculiaridade humana: a
se trata de antecipar o tempo de ser explorado; sociedade humana é atravessada e impregna-
trata-se, desde cedo, de participar de todas as da por um coeficiente de poder, ou seja, os
dimensões da vida humana. Marx chega a pro- sujeitos individuais não se justapõem, uns ao
por jornadas variáveis de acordo com a idade lado dos outros, em condições de simétrica
das crianças. Essa experiência infantil de tra- igualdade, mas colocam-se hierarquicamente,
balho torna-se decisiva no elo entre teoria e uns sobre os outros, uns dominando os outros.
prática, entre escola e vida. Mais facilmente as Torna-se, assim, uma sociedade política, uma
crianças e os adolescente percebem o sentido cidade. Este coeficiente que marca as nossas
do que estão apreendendo. relações sociais como relações políticas e que
caracteriza nossa prática social envolve os
O importante aqui é chamar a atenção para a
indivíduos na esfera do poder, e a escola viven-
amplitude do desafio de vincular escola e pro-
dução e denunciar as ilusões pragmatistas que cia isso no seu cotidiano, visto que,
não têm compromisso efetivo com a causa do
trabalho e do trabalhador. Quanto mais infor- O conhecimento não é exterior ao poder, o
mações sobre tudo o individuo detiver, maior conhecimento não se opõe ao poder. O con-
competência, inclusive para se adequar a um hecimento não é aquilo que põe em xeque o
mercado de trabalho oscilante e cíclico. poder: o conhecimento é parte inerente do
Gramsci insiste muito para que não se desvin- poder [...], o mapa do poder é ampliado para
cule INSTRUÇÃO de EDUCAÇÃO. É nessa per- incluir os processos de dominação centrados
spectiva que hoje se formula a tese de que o na raça, na etnia, no gênero e na sexualidade
vínculo entre escola e produção passa pela (SILVA, 2001, p. 148-149).
realização da educação escolar como espaço
de SOCIALIZAÇÃO DO SABER HISTORICA- Desse ponto de vista, uma estrutura social na
MENTE ELABORADO (SAVIANI e ARROYO, qual o poder seja mais eqüitativamente dis-
1996). tribuído é condição básica para que os homens
21
UEA – Licenciatura em Matemática
22
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Educação, trabalho e cidadania
23
UEA – Licenciatura em Matemática
24
UNIDADE II
Concepção de educação na Colônia
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Concepção de educação na Colônia
27
UEA – Licenciatura em Matemática
28
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Concepção de educação na Colônia
29
UEA – Licenciatura em Matemática
A República recebe, assim, uma educação ele- Com o advento da República, é inaugurada, no
mentar deficitária, com professores leigos e Brasil, uma nova fase político-econômica. A
com pouquíssimas escolas elementares e agroindústria começa a despontar, a lavoura
escolas normais em funcionamento instável, cafeeira expande-se, as comunicações aumen-
base para preparação de professores de nível tam através de vias férreas e rede telegráfica, o
elementar; o ensino secundário preparando desenvolvimento comercial e industrial, embo-
para o ingresso ao superior, portanto livresco e ra pequeno, distingue-se do período imperial.
erudito, destinado às classes dominantes, por A primeira Constituição Republicana de 1891
isso privado; o ensino superior formador de não modifica a descentralização da educação
“doutores” em direito dado à erudição, haja posta pelo ato adicional Diogo de Feijó, elabo-
vista os cursos de engenharia e medicina rado no primeiro império (1834) e mantido
serem considerados inferiores àquele. durante todo o império, embora com dis-
cussões sobre a viabilidade e a constitucional-
idade. Esta Constituição, como não podia
deixar de ser, estabeleceu o regime federativo
republicano, sendo influenciada por idéias
positivistas, separando o Estado da Igreja.
Durante os dois anos de intervalo entre a
proclamação da República e a Constituição,
alguns decretos procuraram resolver os pro-
blemas do cotidiano. O governo provisório
assina decreto, em 1890, determinando que o
ensino seria leigo e livre em todos os graus, e
gratuito no primário. Com a carta constitu-
cional, fixa os pontos importantes para a edu-
cação:
• Competência para o congresso nacional le-
gislar sobre o ensino superior.
• Autonomia para os estados criar estabeleci-
mentos de ensino secundário e superior,
dentro das normas.
• Os Estados tinham o direito de legislar e
promover o ensino elementar e secundário,
nada modificando a lei de 1827 e o ato adi-
cional Diogo de Feijó.
• Garantia do ensino laico nas escolas públi-
cas de todos os graus.
• Manutenção do direito de legislar sobre
todas as diretrizes à União.
O Ministro da Instrução, Correios e Telégrafos,
Benjamin Constant (1890-1892), propõe reor-
30
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Concepção de educação na Colônia
ganizar completamente o sistema escolar, esta- más) e não de discursos ou práticas educati-
belecendo a laicidade do ensino público, con- vas isoladas.[...] Havia ainda os que acusavam
firmando a gratuidade do ensino primário, o camponês de se desinteressar pelo ensino
determinando sua obrigatoriedade. de seus filhos, porque não compreendia os
benefícios que poderiam tirar do que aprendi-
Apesar da obrigatoriedade, questiona-se como
am na escola. WEREBE, (1997:41).
efetivar essa medida, já que os Estados não
dispunham de escolas em quantidade sufici-
O grande problema do ensino secundário, a
ente para abrigar a população em idade esco-
formação dos seus quadros docentes, não foi,
lar. Outro fator que contribuiu – e ainda hoje
contudo, solucionado. Essa questão só seria
contribui – para a não-frequência da criança à
discutida com seriedade pelos escolanovistas
escola era a necessidade desta na ajuda do
que, em seu Manifesto (1932), a apresentari-
sustento familiar. Quanto à laicidade, a igreja
am como um dos pontos “nevrálgicos” da pro-
continuou com suas atividades confessionais
blemática educacional brasileira. Em função
em seus estabelecimentos de ensino.
dela, proporiam, em caráter de urgência, a
Se o ensino primário nas capitais dos Estados criação das Faculdades de Filosofia, Ciências
era precário, o que há de se inferir das zonas e Letras.
rurais, onde o trabalhar a terra era a atividade
As demais reformas da Primeira República, no
principal dos seus habitantes? Quem nos dá
que se refere ao ensino secundário, fizeram
uma boa explicação sobre o ensino rural no iní-
alterações de menor significado. Dentre elas,
cio da República é Werebe:
podem-se citar mudanças em seu tempo de
duração, que variou entre sete, seis e cinco
Embora o ensino nas zonas rurais não tivesse
merecido um apoio oficial (estadual e munici-
anos, e a participação do ensino de Filosofia,
pal) efetivo, os debates em torno de suas
eliminada do currículo pela marcante influência
funções começaram já no segundo decênio
positivista nas primeiras reformas.
deste século. Esses debates foram sobretudo Ainda pela Reforma Benjamin Constant, o ensi-
provocados pelo crescente êxodo rural, cuja no primário foi dividido em dois níveis: crianças
responsabilidade se atribuiu à escola, seja de 7 aos 13 e dos 13 aos 15 anos, complican-
por parte dos governantes como também de do ainda mais o ensino elementar.
educadores. Considerando a escola rural, ao
O quadro abaixo dá-nos uma idéia da Estrutura
invés de levar a fixação do homem à terra,
e do Funcionamento por que passou a educa-
transmitia valores urbanos e um desprezo
ção até o fim da Primeira República (1889-1930).
pela vida do campo. Até mesmo um dos mais
ilustres educadores brasileiros, Almeida Júnior, Até 1931, o espírito do currículo manteve-se
defendeu essa posição na época. Pretendia- inalterado. As sucessivas modificações prendi-
se, assim, atribuir à escola rural uma função am-se às questões menores, tais como a revo-
que não lhe cabia, pois a fixação do homem à gação ou a reintrodução da seriação obri-
terra dependia, de fato, das suas condições gatória, o caráter oficial ou não do ensino
de vida e trabalho (e que eram, em geral, secundário, a duração dos cursos, etc.
Reforma Benjamin Código Epitácio Pessoa Lei Orgânica Rivadávia Reforma Carlos Reforma Rocha Vaz
Constant (1890-1892) (1901) Correa (1911) Maximiliano (1915) (1925)
Mudança curricular no Desoficializa o ensino; Acaba o monopólio Consolida a tendência Fixa os currículos das
Colégio Pedro II (Giná- equipara os currículos estatal de concessão de elitista do ensino; reofi- escolas superiores;
sio Nacional); das escolas oficiais e diplomas; institui exame cializa o ensino, por vestibular classifi-
Introduz o ensino de privadas, secundárias e de admissão nas pró- meio da equiparação; catório; controle ide-
Ciências, Sociologia, superiores; liberdade prias faculdades; extin- cria o exame vestibular, ológico do Estado
Moral e Direito. de ensinar. gue o ensino de Filo- com obrigatoriedade de sobre o ensino; institui
sofia. diploma do secundário. a disciplina de
Laicização do ensino;
Educação Moral e
ensino primário em dois
Cívica; institui a Polícia
graus de idade.
Acadêmica.
31
UEA – Licenciatura em Matemática
Quadro comparativo com diferenças e semelhanças dos textos constitucionais em relação à educação.
1934 1937 1946
6 O tecnocrata da educação, como todo tecnocrata, proclama-se “neutro” e apolítico. Contudo a negação da dimensão
política da educação significa sua colocação a serviço da ordem política e social existente.
A tecnocracia é autoritária no momento em que a pretensão ao conhecimento puro, objetivo e essencial oferece ao
tecnocrata a justificativa para o desejo de exclusão dos outros, de supressão dos pontos de vista discordantes, da
recusa de ver a consciência alheia em termos de igualdade e diálogo.
32
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Concepção de educação na Colônia
33
UEA – Licenciatura em Matemática
É na Carta Magna de 1946 que vamos encon- Como se observa, a Reforma Gustavo Capane-
trar os dois termos interdependentes, signifi- ma tem seu inicio em 1942, sendo desen-
cando bases como sustentáculos de uma or- cadeada até o ano de 1946, dando ênfase ao
ganização, já as diretrizes buscam a operacio- ensino técnico-profissional. Os ensinos primário
nalização do sistema educacional. e normal recebem alguma atenção, entretanto
A Constituição de 1946, traduzindo o clima de posterior ao ensino médio profissionalizante.
afirmação democrática que invadiu o mundo As Escolas Normais, base de formação dos
no ambiente do pós-guerra, possuía um eixo professores para o ensino primário, multipli-
teleológico representado por um conjunto de cam-se, o que contribui para baixar, com certa
valores transcendentais que tinha, na liberdade, relatividade, o índice de analfabetismo no
na defesa da dignidade humana e na soli- Brasil no fim da década de 1940.
dariedade internacional, os dormentes de sus-
O quadro de ROMANELLI (Apud XAVIER,
tentação. Proclamava a educação como um
1994:194) dá-nos uma dimensão de como se
direito de todos, plasmado em princípios
estruturou o ensino com a Reforma Capa-
interligados, tais como:
nema:
• Compulsoriedade do ensino primário para
todos e sua gratuidade nas escolas públi-
cas.
• Gratuidade do ensino oficial nos níveis ulte-
riores para alunos carentes.
• Obrigatoriedade de oferta de ensino pri-
mário gratuito por parte de empresas com
mais de cem empregados e, ainda, exigên-
cia às empresas industriais e comerciais de
assegurarem aprendizagem aos filhos dos
trabalhadores.
• Ingresso no magistério através de concurso
de provas e títulos.
• Fornecimento de recursos por parte do
Estado para que o direito universal de aces-
so à escola primária fosse assegurado, bus-
cando-se, dessa forma, a eqüidade social.
34
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Concepção de educação na Colônia
35
UEA – Licenciatura em Matemática
entanto, pelo equilíbrio social e pela estabili- O governo de Getúlio transcorreu em meio a
dade política. A manutenção de uma estrutura graves acusações de corrupção, levando-o ao
rural arcaica, sem possibilidade de acesso da suicídio em 1954.
maioria de sua população à terra e à edu-
Com a morte de Getúlio, é eleito presidente
cação, expulsava grandes contíngentes para
Juscelino Kubitschec, em 1955, seguindo um
as cidades do Centro-Sul, sem condições de
período de relativa tranqüilidade, que o deixa
absorver massas tão grandes, apesar do
realizar algumas das ações de seu plano de
crescimento econômico. Ao mesmo tempo,
metas, traçado para que o Brasil desenvol-
aquela estrutura agrária concentrada e atrasa-
vesse “50 anos em 5”. Houve um grande im-
da não produzia os alimentos na quantidade
pulso na indústria, principalmente na automo-
requerida pelas zonas urbanas e a preço
bilista e na de eletrodomésticos.
razoável para garantir a reprodução da cres-
cente força de trabalho nas cidades. Na eleição de 1960, é eleito presidente o Sr.
Jânio Quadros, tendo como seu vice o Sr. João
O retorno ao processo eleitoral, em 1945, tam-
Belchior Goulart (o voto para vice-presidente
pouco garantiu uma continuidade estável ao
era desvinculado do de presidente). O novo
processo institucional. O primeiro presidente
presidente comanda o País por apenas sete
eleito foi o próprio ministro da Guerra do antigo
meses, renunciando ao mandato com idéias
ditador Getúlio Vargas. O general Eurico Gaspar
de retornar ao governo com poderes ditatori-
Dutra foi eleito com o apoio de Getúlio e de dois
ais, segundo alguns historiadores. João Gou-
partidos fundados pelo ex-ditador: o Partido
lart assume o poder sob fortes pressões con-
Social Democrata, que apesar do nome nada
trárias, exercidas pelos militares, que é apazi-
tinha da ideologia social-democrata, e o
guada com a concordância da implantação do
Partido Trabalhista Brasileiro,
sistema parlamentarista de governo, tornando-
Depois de relativas condições de liberdade nas se primeiro ministro o Sr. Tancredo Neves
eleições para a presidência e para a Assem- (mais tarde, 1985, eleito presidente do País).
bléia Constituinte, chegou ao Brasil o período
É nesse contexto histórico que a Lei de Dire-
de guerra fria, marcado pelas confrontações
trizes e Bases da Educação Nacional tramita
globais entre os Estados Unidos e a União
no Congresso Nacional de 1948 a 1961, rece-
Soviética, com as determinações, impostas por
bendo o n.o 4.024/61.
Washington aos governos sob a sua hegemo-
nia, de colocar os partidos comunistas na ile- Entre o encaminhamento, as discussões e a
galidade. Dutra não vacilou em cassar os man- aprovação do texto, passaram-se treze anos. O
datos dos deputados e senadores comunistas texto original foi sucedido pelo substitutivo
e em proibir as atividades do PCB (Partido Lacerda, e este, em decorrência de um grande
Comunista Brasileiro), limitando logo o caráter esforço na busca de uma posição conciliatória,
relativamente democrático de transição política pelo substitutivo da Câmara. O eixo das dis-
em que o Brasil saía da ditadura getulista. cussões era o da defesa da presença da inicia-
tiva privada nas atividades de ensino. A pres-
Concluído o mandato de Dutra, Getúlio foi can-
são das escolas particulares terminou por
didato à Presidência, conseguindo eleger-se
transformar o debate partidário em um debate
contra a direita tradicional, agrupada sempre
de fundo fortemente ideológico.
em torno da UDN (União Democrática Nacio-
nal). O período de retração relativa do capital O texto aprovado em 1961 oferecia, pela pri-
estrangeiro no Brasil, iniciado com a crise de meira vez na história de educação brasileira,
1929, prolongado com a economia de guerra um arcabouço em que se podiam divisar, com
em que entraram as grandes potências nos relativa clareza, as diretrizes e as bases da
anos 30 e metade dos 40, estendido pela guer- educação nacional. Os grandes eixos falavam:
ra da Coréia que se concluiu no começo da i) dos Fins da Educação; ii) do Direito à
década de 50. Retornava ao País ao capital Educação; iii) da Liberdade de Ensino; iv) da
estrangeiro. Administração do Ensino; v) dos Sistemas de
36
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Concepção de educação na Colônia
37
UEA – Licenciatura em Matemática
(Retirado da obra de Amir Simão Sader. A Transição no Brasil. São Paulo: Atual,1990.)
38
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Concepção de educação na Colônia
fundamental para os governos, como quadros versitária, em maio de 1970, criava-se, tam-
para as empresas estatais e paraestatais, para bém, um Grupo de Trabalho para cuidar da
as várias funções administrativas nos ministé- atualizacão e expansão do ensino fundamental
rios, governos estaduais e municipais, sem li- e do Colegial. Dois meses depois, estava pron-
mites para sua ação de tomada dos aparatos to o Relatório do Grupo, que o encaminhou ao
de poder em suas mãos. Ministro da Educação. Apreciado pelo Conse-
lho Federal de Educação e, a seguir, pelos
“O governo das Forças armadas teve seus
Conselhos Estaduais de Educação, o texto,
presidentes escolhidos pela alta oficialidade com alterações, retornou ao Ministro da Edu-
das três armas, entre os oficiais de mais alto cação que o remeteu ao presidente para
nível hierárquico. O papel do Congresso era encaminhamento ao Congresso Nacional. Aí o
simplesmente o de aprovar aquela escolha e texto recebeu 362 emendas de cuja apreci-
dar-lhe legitimidade” (SADER, 1990:20). ação originou-se o substitutivo do relator, sub-
A nossa segunda Lei de Diretrizes e Bases, a metido à apreciação da Comissão Mista e de
Lei 5.692/71, oficialmente denominada de Lei quem recebeu aprovação em 20 de julho de
da Reforma do Ensino de 1.o e 2.o graus, teve, 1971. Uma semana depois, o Congresso Na-
também, um processo lento e impermeável aos cional aprovava o substitutivo, encaminhado,
de imediato, para a sanção do presidente da
debates e à participação da sociedade civil, em
República. Assim, um ano e três meses depois
função do contexto em que foi criada: período
da criação do Grupo de Trabalho, era san-
de governo autoritário com as liberdades civis
cionada a nova Lei da Reforma do Ensino de
estranguladas. O processo foi, portanto, atípi-
1.o e 2.o graus, Lei 5.692, de 11 de agosto de
co. O quadro de asfixia política empurrava as
1971.
universidades para uma situação de confron-
tação com o poder estabelecido. Assim, a re- Sob o ponto de vista técnico-educativo-formal,
forma da educação começava pelo ensino não se pode considerar a Lei 5.692 propria-
superior. Ou seja, a reforma universitária ante- mente uma Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
cipava-se à reforma dos demais níveis de ensi- ção. Primeiro, porque lhe faltava um sentido de
no. Nascia, dessa forma, a Lei 5.540, em 1968, inteireza. Tratava do ensino de forma esquar-
tejada, uma vez que focava somente os orde-
e, somente três anos mais tarde, editava-se a
namentos organizacionais da pré-esco!a e do
Lei 5.692/71, voltada, especificamente, para os
1.o e 2.o graus, deixando de lado o ensino supe-
níveis de ensino anteriores ao ensino superior.
rior. Depois, a substância educativa, energia
Em outubro de 1968, chegava ao Congresso a vivificadora de urna LDB, era substituída pela
Mensagem n.o 36, acompanhada do projeto de mera razão técnica, com inegáveis prejuízos
lei n.o 32, voltada para estabelecer normas de para os aspectos de essencialidade do pro-
organização e funcionamento do ensino supe- cesso educativo. Esses aspectos nunca podem
rior e sua articulação com a escola média. ser sufocados pelos elementos da organização
Com o Congresso totalmente engessado em do ensino, sob pena de se oferecer uma sube-
sua ação, o texto era aprovado em 28 de no- ducação.
vembro de 1968, sob a forma da Lei 5.540/68. A nova lei representava uma mudança radical
Por ela, extinguia-se a cátedra, a estrutura de na estrutura básica do ensino brasileiro. O Cur-
universidade passava a ser prioritária como for- so Primário, de quatro anos, e o Curso Médio
ma de organização do ensino superior, o ensi- Ginasial, de três, cingiam-se no ensino de 1.o
no, a pesquisa e a extensão assumiam a natu- grau de oito anos, O Ensino Médio Colegial,
reza privada, via instituições isoladas, e o insti- de três anos, transformava-se em ensino de 2.o
tuto da autonomia não conseguia afirmar-se, grau com estrutura única.
encalhado pelas injunções de natureza finan-
Assim como ocorreu com outros setores, tam-
ceira.
bém a educação, a partir de 1964, tem sido alvo
Seguindo o espírito que presidiu a reforma uni- de uma inflação legisferante sem precedentes.
39
UEA – Licenciatura em Matemática
Em meio a multiplicidade de leis, decretos, 5.540 reina um silêncio quase geral, a Lei 5.692
pareceres, indicações, resoluções, portarias, etc., vinha sendo objeto de grande alarido. Talvez a
merecem, todavia, destaque as Leis 5.540/68 e explicação esteja no fato de que a lei de refor-
5.692/71, que, juntas, se complementam na am- ma universitária tenha surgido num momento
bição de haver reformado toda a organização de crise nacional e após manifestações vee-
escolar brasileira. A Lei 5.540 cuida do ensino mentes de protestos dos estudantes em geral,
de 3.o grau, sendo por isso chamada de lei da e de grande parte do corpo docente, enquan-
reforma universitária, enquanto que a 5.692 to que a reforma do 1.o e 2.o graus ocorreu em
estatui a reforma do ensino de 1.o e 2.o graus. meio à euforia do governo Médici e do “mila-
Suas virtudes são, via de regra, ostentadas por gre brasileiro”. Entretanto o contraste não deixa
contraposição à Lei 4.024/61, que fixou as dire- de chamar a atenção. Com efeito, boa parte
trizes e bases da educação nacional, e que pas- dos professores que, em 1972, foram mobiliza-
sa, então, a ser a lei reformada. Nota-se que, dos para a cruzada da reforma, acorrendo en-
embora isso seja freqüentemente esquecido, é tusiasticamente, quatro anos antes haviam par-
inquestionável que as Leis 5.540/68 e 5.692/71 ticipado dos protestos, atendendo com igual
tenham reformado a Lei 4.024/61.
presteza à mobilização contra a reforma uni-
É curioso notar que, enquanto em torno da Lei versitária.
40
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Concepção de educação na Colônia
41
UEA – Licenciatura em Matemática
42
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Concepção de educação na Colônia
II. a preparação básica para o trabalho e a ci- Art. 36 O currículo do ensino médio observará
dadania do educando, para continuar apren- o disposto na Seção 1 deste Capítulo e as se-
dendo, de modo a ser capaz de se adaptar guintes diretrizes:
com flexibilidade a novas condições de ocu- I. destacará a educação tecnológica básica,
pação ou aperfeiçoamento posteriores; a compreensão do significado da ciência,
III. o aprimoramento do educando como pes- das letras e das artes; o processo histórico
soa humana, incluindo a formação ética e o de transformação da sociedade e da cul-
desenvolvimento da autonomia intelectual tura; a língua portuguesa como instrumen-
e do pensamento crítico; to de comunicação, acesso ao conheci-
mento e exercício da cidadania;
IV. a compreensão dos fundamentos científi-
co-tecnológicos dos processos produtivos, II. adotará metodologias de ensino e de avali-
relacionando a teoria com a prática, no en- ação que estimulem a iniciativa dos estu-
sino de cada disciplina”. dantes;
O ensino médio, etapa final da educação III. será incluída uma língua estrangeira mo-
básica (art. 35 ), vem historicamente buscando derna, corno disciplina obrigatória, escolhi-
sua identidade. Ora é delegada a ele a função da pela comunidade escolar, e uma segun-
da, em caráter optativo, dentro das dispo-
de preparatório para a universidade, ora sua
nibilidades da instituição.
finalidade é atender ao mercado de trabalho,
restando a ele, nesse caso, fazer um mero trei- § 1.o Os conteúdos, as metodologias e as for-
namento de habilidades. A partir da Lei n.o mas de avaliação serão organizados de tal
5692/7, em vigor até dezembro de l996, apesar forma que no final do ensino médio o educan-
das variadas tentativas de aperfeiçoar a legis- do demonstre:
43
UEA – Licenciatura em Matemática
44
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Concepção de educação na Colônia
45
UNIDADE III
Ensino público e privado
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Ensino público e privado
49
UEA – Licenciatura em Matemática
ras e repressivas foram registradas ainda no ser educadas segundo princípios éticos
Brasil Imperial, em 1873. (VALE, 2001). A partir definidos, e a Igreja era a instituição mais
da década de 20, dadas as novas condições capaz de desempenhar essa função. Se fosse
sociais e políticas do País, as iniciativas de possível à Igreja controlar e dirigir a educação
reuniões deslocaram-se do Estado para o âm- pública, tanto melhor; se não, ela deveria pelo
bito da sociedade civil. menos exigir o direito à liberdade do ensino,
A ABE (Associação Brasileira da Educação), ou seja, o direito de as instituições religiosas
criada nesse período de efervescência dos terem suas próprias escolas, e de as famílias
diversos segmentos da sociedade civil, consti- decidirem que tipo de educação preferem para
tui-se num instrumento de luta e de embate seus filhos.
ideológico, funcionando como fórum educa- A defesa de um espaço aberto para a edu-
cional. Por outro lado, a Igreja Católica, sepa- cação religiosa traduzia-se, freqüentemente,
rada do Estado desde a República, tenta a no ataque ao Estado. No Brasil, a Igreja opôs-
todo custo resgatar o seu poder social, rebus- se tanto quanto pôde à ação do Estado na área
cando “acordos” com o Estado, prática essa já educacional nos primeiros anos após a revo-
exercitada por ambos anos atrás. Por outro lução de 30, até que, em 1934, Getúlio Vargas
lado, o Estado, na busca de apoio político- deixou à Igreja o controle da educação do
ideológico frente às ameaças revolucionárias, País, por meio do Ministro Gustavo Capanema
necessitava da Igreja Católica propensa a de- e sob os olhares vigilantes de Alceu Amoroso
fender “a ordem social”. Frente a essa colabo- Lima, líder leigo do catolicismo militante da-
ração e troca recíproca de favores , foi-se deli- queles anos. A partir daí, a preocupação bási-
neando, gradativamente, uma luta ideológica ca foi introduzir, no sistema educacional que
entre os defensores da laicidade da escola então se estruturava, as garantias de que pelo
pública e os contrários a essa posição. Os edu- menos às elites não faltariam os conteúdos for-
cadores comprometidos com a escola pública mativos que eram considerados indispensá-
articulam-se diante dessas ameaças, lançando veis naqueles anos: o ensino religioso em
o Manifesto dos Pioneiros da “Escola Nova”, todas as escolas; a ênfase na formação clássi-
em que se colocava de forma explicita, entre ca, em que o latim figurava como disciplina
outras questões, o combate à subvenção pelo central; e o ensino da filosofia e da sociologia
Estado às escolas particulares (em sua maio- inspirados no pensamento e na doutrina social
ria confessionais) e o ensino religioso nessas da Igreja. A ênfase era quanto ao ensino se-
escolas públicas. cundário e universitário, já que era aí que as
A Igreja Católica, ameaça pelo pensamento elites do País seriam formadas. O Estado deve-
moderno em favor da escola publica, articula- ria manter, tanto para um como para outro tipo
se em função dos seus interesses e prepara-se de ensino, instituições padrão, que servissem
para a Constituinte de 1934 com a Liga Elei- de modelo para as demais; uma legislação
toral Católica. Com isso, consegue obter con- bastante minuciosa, que fixasse em lei os con-
senso junto à Assembléia Constituinte no que teúdos das matérias a serem ensinadas aos
ela mais defendia: descentralização do apare- alunos, sem deixá-las ao arbítrio de professo-
lho escolar a subvenção estatal às escolas par- res eventualmente mal-encaminhados; e um
ticulares. sistema rigoroso de fiscalização, para garantir
que tudo funcionasse conforme o desejado.
O mais importante desses valores era o con-
teúdo ético do ensino. A educação jamais O segundo período, muito breve, corresponde
poderia ser, segundo os educadores católicos ao surgimento do movimento de educação po-
do passado, um instrumento neutro de for- pular, que se desenvolveu entre 1962 e 1964,
mação de personalidades, como pretendiam graças, em particular, ao trabalho pioneiro do
os liberais e como defendiam os que tratavam movimento de educação básica (MEB) e à atu-
de introduzir no País os princípios da peda- ação do pedagogo Paulo Freire. O debate des-
gogia pragmatista. As mentes jovens deveriam locou-se, na época, do campo escolar para o
50
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Ensino público e privado
51
UEA – Licenciatura em Matemática
52
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Ensino público e privado
A realidade educacional brasileira aponta a Nesse ponto, as estratégias familiares são múl-
existência de pelo menos duas redes de ensi- tiplas. As famílias das classes médias altas às
no: público e privado, representadas por dife- vezes mandam seus filhos para uma escola pri-
rentes tipos de escolas. Os serviços educativos mária pública, mas os transferem para as redes
(quantidade e qualidade) dessas redes variam particulares no secundário, principalmente em
muito dentro de um mesmo Estado, assim virtude da perspectiva do vestibular. Da mesma
como entre Estados. Nas regiões rurais e afas- forma, certas famílias das classes médias
tadas dos centros, a oferta limita-se mais fre- baixas podem transferir seus filhos das peque-
qüentemente às escolas municipais e estaduais, nas escolas particulares para as escolas públi-
sendo o ensino particular muito pouco desen- cas quando os custos de escolaridade aumen-
volvido. As famílias abastadas dessas regiões tam demais ou suas situações econômicas
não hesitam em escolarizar seus filhos a degradam-se sensivelmente, como é o caso
dezenas de quilômetros de seus domicílios. atualmente na região industrial de São Paulo.
O Nordeste brasileiro constitui a maior concen- Contudo é preciso enfatizar que a mobilidade
tração de pobreza na América Latina. Mais da entre as redes não é possível para todos e que
metade das crianças nas zonas rurais do ela é estreitamente vinculada ao poder de com-
Nordeste recebe menos de 4 anos de escola- pra. As classes populares têm uma única es-
ridade, e um quarto da população nunca foi colha: a das escolas públicas municipais ou es-
escolarizado (Watkins, 1999). taduais (que nem sempre existem nas zonas
Cabe também notar que essas redes são rurais). As crianças são, às vezes, obrigadas a
dinâmicas e não estáticas. A qualidade da rede sair do sistema educativo para inserir-se rapi-
pública depende da política educativa desen- damente no tecido produtivo e contribuir para
volvida no plano municipal, estadual e federal. a sobrevivência econômica das famílias. Em
Assim, a situação da rede pública da cidade de 1990, 11% das crianças entre 10 e 14 anos tra-
São Paulo melhorou ligeiramente com a admi- balhavam no Brasil (32% no meio rural) (Sabóia,
nistração escolar de Paulo Freire (1991). No 1996).
entanto, em razão do interesse pedagógico tar- O dinamismo e a flexibilidade da rede secun-
dio de Freire para a educação formal e da bre- dária particular também merecem ser ressalta-
vidade de sua passagem como secretário mu- dos. Assim, podemos constatar, de uns quinze
nicipal de educação, ele não conseguiu exer- anos para cá, a expansão vertical das escolas
cer uma influência duradoura sobre a estrutura particulares secundárias, que se transformaram
do sistema escolar dessa cidade. primeiro em faculdades (ministrando alguns
A situação da rede particular depende dos cursos universitários) e depois em universi-
incentivos fiscais dos poderes públicos e do dades, para responder a uma demanda cres-
grau de controle ao qual está submetida. A cente de ensino superior. Demanda sustentada
Constituição de 1988 limitou, teoricamente, o pela luta por vagas em função do vestibular.
repasse de recursos públicos para o ensino Acrescentaremos que uma recente pesquisa
privado. Entretanto importantes repasses indi- nacional mostra claramente a consolidação da
retos ainda existem, especificamente por meio estrutura do sistema educativo brasileiro em
da compra maciça, pelas escolas públicas, de redes de várias velocidades. As disparidades
manuais escolares junto a algumas grandes entre regiões, em matéria de aquisição dos
editoras privadas (Akkari, 1999). alunos, não podem ser negadas. Entre todas
as regiões do País, os alunos das escolas ur-
Existe também uma possibilidade de circulação banas têm melhores desempenhos em ma-
dos alunos entre as diferentes redes. Um mes- temáticas que os que freqüentam escolas rurais.
mo aluno pode sair de uma rede e entrar em A maior diferença (-35 pontos) está entre as
outra. Entretanto não se trata de um “mercado escolas urbanas do Sudeste e as escolas
concorrencial”, uma vez que cada rede tem rurais do Nordeste. O desempenho dos alunos
seu público ou seus consumidores próprios. em função do tipo de escola mostra diferenças
53
UEA – Licenciatura em Matemática
54
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Ensino público e privado
duplo efeito perverso. Essas ONGs de novo poder das classes dominantes era relativa-
tipo (com fins exclusivamente lucrativos) com- mente secundário. O verdadeiro ator do jogo
prometem o trabalho antigo das ONGs tradi- escolar durante esse primeiro momento era o
cionais, efetivamente envolvidas junto às po- Estado, preocupado, nos anos 40, 50 e 60, com
pulações socialmente desfavorecidas. Além a contratação, por meio da escolarização de
do mais, cria-se a ilusão de que as ONGs cons- massa, de sua base administrativa (burocrá-
tituem uma alternativa democrática local ao tica) e de uma mão-de-obra melhor qualificada
descaso do Estado e ao seu descompromisso para seu modelo de desenvolvimento baseado
social (Frigotto, 1996). na substituição da importação. Assim, o lança-
mento da campanha nacional de educação
Liberados da função reguladora do Estado, os
rural do governo Getúlio Vargas visava elevar o
consumidores da educação correm o risco de
nível econômico das regiões rurais por meio
descobrir tardiamente que a mão invisível do
das técnicas modernas de produção.
mercado não pode ser culpada pelos defeitos
e fracassos da privatização, simplesmente, por- O segundo momento corresponde à ditadura
que ela não pode ser localizada. Os espaços militar (1964-1985) e pode ser considerado co-
públicos democráticos que a podem denunciar mo um período em que o debate educativo foi
não existem e não podem ser acionados por reduzido a um agenciamento tecnicista. Foi o
falta de mobilização popular suficiente. triunfo da pedagogia como técnica de trans-
missão de conhecimentos neutros, social e
Quando as noções de qualidade (de falta de
politicamente. O regime militar instituiu uma
qualidade, no caso da escola pública!) e até de
contribuição chamada de salário-educação
qualidade total substituem os conceitos de
nas empresas com mais de 100 funcionários, o
desigualdade estrutural e de injustiça social no
que permitia a compra de vagas no ensino par-
debate, a reprodução das desigualdades so-
ticular (Zibas, 1997). Esse segundo momento
ciais por um sistema educativo de várias redes
parece-nos extremamente relevante, na medi-
encontra-se amplamente facilitada e pratica-
da em que pôs um termo às lutas políticas e
mente legitimada. A falta de qualidade do ensi-
sociais das classes populares e preparou o ter-
no público é apresentada de maneira recor-
ceiro momento (neoliberal) ao despolitizar o
rente para explicar as dificuldades da rede pú-
debate educativo.
blica brasileira. Ora, a falta de qualidade de
uma organização é freqüentemente explicada O terceiro momento (depois de 1985) marca
pela falta de qualidade de seus atores: alunos, um retorno do debate democrático sobre a
docentes, administradores e pais. As falhas educação, depois do congelamento dos espíri-
são assim atribuídas às inaptidões individuais. tos durante a ditadura militar. O capital escolar
As determinantes sociais e culturais são com- começa a desempenhar um papel cada vez
pletamente evacuadas. mais importante. As famílias e os grupos soci-
ais dominantes implementam então estratégias
Quanto ao papel da escola na reprodução das
múltiplas para garantir para si o domínio do
desigualdades sociais, podemos distinguir, a
capital escolar, especificamente por meio da
partir de 1934, três momentos na história esco-
privatização e da descentralização do ensino.
lar brasileira. O primeiro (1934-64) corres-
ponde ao período histórico em que a repro- O desmantelamento da educação pública e o
dução social dispensa amplamente a escola, desenvolvimento do ensino particular tornam-
uma vez que o “eleito” podia herdar seu capi- se, assim, ferramentas preponderantes. Como,
tal industrial ou agrícola sem recorrer a diplo- por outro lado, o domínio do capital econômi-
mas escolares. As estratégias desenvolvidas co é quase definitivamente garantido para cer-
eram antes centradas na família ou nas alian- tos grupos hegemônicos, o jogo torna-se
ças matrimoniais. O controle da produção do então, principalmente escolar, mais especifica-
café e do leite garantia a hegemonia das elites mente para os membros das classes médias
do Sudeste sobre o País inteiro. O capital esco- altas. Encontrar uma vaga na rede escolar par-
lar como estratégia suplementar de reforço do ticular é a única possibilidade para esperar
55
UEA – Licenciatura em Matemática
56
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Ensino público e privado
57
UEA – Licenciatura em Matemática
dial quanto à pretensa necessidade absoluta Continuando no mesmo registro, o autor pre-
de reorientar os fundos públicos do ensino tende que o ensino particular seja mais efi-
superior para a educação básica. Ora, as uni- ciente na utilização dos recursos disponíveis.
versidades públicas representam talvez o últi- Embora seja muito provável, é preciso lembrar
mo lugar em que se conduz uma defesa sin- que os custos mensais de escolaridade por
cera da educação pública. Além do mais, as aluno numa escola particular ultrapassam, fre-
universidades públicas brasileiras contribuem qüentemente, as despesas anuais por aluno
para o desenvolvimento tecnológico do País, nas escolas públicas (sem mesmo levar em
que corre o risco de depender completamente, conta as despesas anexas das famílias abas-
nesse campo, das multinacionais estrangeiras, tadas: clubes esportivos, aulas particulares,
caso o sistema universitário público venha a equipamento em softwares educativos, entre
ser desmantelado. outros).
No mesmo tempo, o pacto das elites parece A ineficiência do sistema público, comparado à
seduzir certos universitários. Especialistas da eficiência do privado, é apresentada sem ne-
educação que não podem ser taxados de con- nhuma referência aos recursos disponíveis
servadores estimam que o debate não deve dentro de cada rede. Além do mais, os recur-
mais ser colocado em termo de dualidade sos necessários (tíquetes) para aumentar a fre-
entre ensino público e particular. Assim, quência do ensino particular não podem resul-
Gadotti (1992), ex-colaborador de Paulo Freire, tar de um repasse de fundos públicos, simples-
considera um erro, curiosamente, opor ensino mente porque estes não existem em quanti-
público e ensino particular. Ele pensa que dade suficiente. O sistema dos tíquetes, bajula-
todas as famílias ideológicas estão, no Brasil, do pela literatura neoliberal, não fez suas pro-
defendendo um ou o outro. É verdade que a vas em larga escala em nenhum país do mundo.
igreja católica, por exemplo, que dirige uma
rede privada com clientela essencialmente eli- Na seqüência, Moura Castro (1997) pretende
tista, não hesita em financiar escolas comu- que o ensino particular ocupe os espaços dei-
nitárias para os alunos desfavorecidos. A xados pelo Estado:
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Quando o Estado não chega à periferia, o pri-
(CNBB) até defendeu, em certos períodos, a vado responde abrindo escolas. Quando a
escola pública (Cury, 1992). Mesmo assim, qualidade do ensino público deixa a desejar,
está claro que o ensino particular beneficia o privado oferece escolas de melhor quali-
apenas uma pequena minoria da população. dade. Quando não há vagas no ensino públi-
Num artigo recente, intitulado “Ensino particu- co, o privado encarrega-se oferecê-las.
lar ou público: uma falsa questão?”, Moura Na verdade, o autor entra em contradição com
Castro (1997) ilustra perfeitamente a colusão o começo do seu artigo, onde relata os
de certos especialistas da educação com as
números do Ministério da Educação, os quais
orientações neoliberais do governo atual.
mostram claramente que as regiões economi-
Assim, este autor felicita-se que as famílias de
camente mais desenvolvidas do Brasil compor-
melhores condições econômicas retirem seus
tam a maior proporção de alunos no ensino
filhos no fim do ensino primário público para
privado. Por outro lado, Zibas (1995) demos-
colocá-los no ensino particular, pois esse pro-
trou que o ensino particular não mostra a me-
cedimento aumenta, segundo ele, sua “com-
nor preocupação para com a qualidade quan-
petitividade” para o vestibular. O autor afirma
do tem uma clientela de alunos adultos/trabal-
que o ensino particular é 50% mais eficiente
hadores nos seus cursos noturnos. A quali-
para levar os alunos ao fim da segunda fase.
dade não é um dado estrutural do ensino par-
No entanto ambas as redes (pública e particu-
ticular no Brasil.
lar) diferem não apenas no plano do custo por
aluno, como mencionamos acima, mas tam- Para rematar sua apologia ao ensino par-
bém no plano da origem social de seus públi- ticular, Moura Castro (1997) estima que este
cos respectivos. oferece mais “diversidade”, que pode ser
58
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Ensino público e privado
presários privados da educação, de modo que tal, mas na cultura e na mentalidade conser-
vadora de uma sociedade de tipo oligárquico.
construam escolas nas zonas desfavorecidas
(World Bank, 1989). A introdução de grandes
projetos como os do Banco Mundial, no Nor-
deste do País, facilita a difusão da ideologia da
racionalidade econômica que o debate educa-
tivo coloca nos seguintes termos:
59
UEA – Licenciatura em Matemática
60
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Ensino público e privado
61
UEA – Licenciatura em Matemática
62
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Ensino público e privado
que desenvolvam mecanismos decisórios que veria haver um lugar, nesse sistema, para esta-
envolvam a comunidade local e nacional na belecimentos voltados explícitamente para o
definição de seus programas de trabalho e ou- lucro, e vendendo seus serviços educativos no
tros elementos que caracterizam as institu- mercado, para quem quisesse comprar; deve-
ições de real utilidade e interesse público. ria haver um lugar para instituições de diversas
Muitas destas coisas já existem nas principais orientações filosóficas e religiosas, que esta-
universidades privadas do País, aproximando- belecessem os programas que mais lhes con-
as, de fato, das universidades públicas, exceto viessem e recrutassem os alunos que lhes
quanto às fontes de financiamento e quanto parecessem adequados a seus objetivos.
aos mecanismos de escolha de seus reitores e Deveria haver lugar para instituições que,
diretores. Em outros países do mundo, univer- ainda que mantendo algumas características
sidades formalmente privadas são tão jurídicas e filosóficas privadas, trabalhassem
integradas à comunidade que as pessoas fre- primordialmente com um objetivo social e
qüentemente ignoram seu status jurídico pecu- comunitário, e que pudessem ser avaliadas e
liar, e a convergência se dá de forma afetiva e apoiadas na medida em que isso fosse efetiva-
real. mente realizado; e deveria haver também
Por outra parte, a autonomia das universidades espaço para que as instituições públicas fos-
públicas, se realmente efetivada, poderia tra- sem, cada vez mais, libertando-se da tutela da
zer a elas alguns dos benefícios dos mecanis- burocracia governamental, e se transformando
mos de mercado, sem no entanto descaracter- em instituições da sociedade, com liberdade
izá-las. A condição para isso é que a autono- efetiva e responsabilidade pela conseqüência
mia não seja entendida pelo governo como de seus atos.
forma disfarçada de cortar os recursos para as A formula é simples, ainda que de execução
universidades públicas. O que as universidades extremamente difícil: o que é necessário é que
públicas necessitam é de liberdade para decidir cada tipo de instituição assuma a responsabi-
internamente a utilização dos recursos de que lidade de ser o que ela realmente é, e seja
dispõem, a possibilidade de desenvolver ativi- reconhecida e tratada como tal, sem tabus
dades que gerem recursos próprios e a flexibil- nem subterfúgios; e que a diversidade seja ad-
idade de se adaptar a novas realidades com mitida como algo útil, necessário, e na reali-
presteza e eficiência. O financiamento à pes- dade inseparável de uma ordem política real-
quisa científica é hoje distribuído, em boa parte, mente democrática.
por mecanismos competitivos semelhantes a
um “mercado” de projetos, do qual participam
tanto as instituições públicas quanto as pri-
vadas, em igualdade de condições. Apesar de
seus defeitos, este “mercado” tem-se mostra-
do bastante salutar na identificação e no for-
talecimento dos programas de pós-graduação
e pesquisa de melhor qualidade no País, e é
um exemplo a ser examinado para, eventual-
mente, se expandir a outros autores.
O que deve ficar claro, para que a tese da con-
vergência não se transforme em uma nova
querela interminável, é que uma convergência
absoluta entre o ensino público e o ensino pri-
vado não é possível nem desejável. Um sis-
tema de ensino superior com a complexidade
do brasileiro não pode tender à uniformidade,
mas sim à diversificação e ao pluralismo. De-
63
UEA – Licenciatura em Matemática
64
UNIDADE IV
Educação básica: situação atual e perspectivas
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Educação básica: situação atual e perspectivas
67
UEA – Licenciatura em Matemática
68
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Educação básica: situação atual e perspectivas
TEMA 31 TEMA 32
69
UEA – Licenciatura em Matemática
70
UNIDADE V
Modalidades de atendimento educacional
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Modalidades de atendimento educacional
73
UEA – Licenciatura em Matemática
74
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Modalidades de atendimento educacional
giada para os males endêmicos que afetam a cionar os mais fortes: as portas da universi-
educação nacional. Pensar em termos de rede dade permanecem fechadas às camadas po-
municipal é pensar em integração, socializa- pulares: “merecedoras”, certamente, mas “mal-
ção, participação, escolarização compartilhada nascidas”.
pela comunidade. Aproximando a escola dos
Outro aspecto das medidas mais recentes (re-
agentes e daqueles que têm o poder de
cente, pelo menos, no Amazonas) relaciona-
decisão local, propaga-se igualização das
das ao Ensino Fundamental trata sobre a im-
condições de acesso à instrução escolar,
plantação de ciclos básicos e outras formas de
maior transparência na gestão e aplicação
desseriação do ensino fundamental, de mo-do
mais racional dos recursos destinados à edu-
que combata o fracasso escolar. Os ciclos
cação. Anuncia-se, assim, que descentraliza-
básicos (anteriormente denominados de Séries
ção rima com democratização.
Iniciais do Ensino Fundamental – ou 1.a a 4.a
A municipalização significa uma divisão de série) envolvem um planejamento de ações
responsabilidades entre as esferas federal, avaliativas que trabalham a integração con-
estadual e municipal no que concerne ao aten- tínua de conteúdos/atividades nos primeiros
dimento das diferentes demandas por níveis quatro anos do Ensino Fundamental, havendo
de ensino ( Educação Infantil e parte do Ensino apenas dois ciclos (1 a cada dois anos de estu-
Fundamental, inclusive Educação de Jovens e do) para efeito de promoção do aluno.
Adultos, sob a responsabilidade das prefeitu-
Os resultados de estudos e pesquisas no Brasil
ras municipais; os outros níveis de ensino –
sobre os ciclos básicos apontam para a cons-
segundo segmento do Ensino Fundamental e
tância, ao longo do período pesquisado, de
Ensino Médio a cargo dos governos federal e
fatores favoráveis e desfavoráveis à implan-
estadual).
tação daquelas inovações educacionais. Tais
A Constituição Federal de 1988 e a Lei de fatores destacam especialmente a negligência
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei de se persuadir os atores integrantes da comu-
n.o 9.394/96) enfatizam a necessidade de re- nidade educativa e de tomar medidas funda-
partição das responsabilidades em termos de mentais para uma atuação renovada dos do-
educação entre as três esferas de poder (fe- centes. Com isso, as propostas das cúpulas
deral, estadual e municipal). Com a descentra- das secretarias de educação tenderam a sofrer
lização, numerosas competências são trans- distorções e reinterpretações em nível das es-
feridas para as regiões e as coletividades mu- colas. Em certos casos, a redução da desseri-
nicipais, que ampliam sua competência jurídi- ação à promoção automática, na percepção
ca em matéria de escolarização de crianças, de docentes e discentes, pode contribuir para
jovens e adultos, e multiplicam, assim, as ins- agravar assimetrias sociais, provendo escolari-
tâncias e os níveis de decisão. Mas o compro- dade expandida, porém pobre, a alunos pobres.
misso com a manutenção do ensino funda-
mental recai principalmente sobre as redes
municipais, cujo nível de engajamento nas po-
líticas educacionais permanece muito baixo.
Os municípios são, portanto, os que mais so-
frem os efeitos perversos da lógica descentra-
lizadora, que acaba transformando-se numa
porta aberta para a reprodução das injustiças
em termos de educação. Em conseqüência
disso, as redes municipais são reservadas às
classes menos favorecidas (os dominados, no
sentido dado por Bourdieu, 1998). Quanto
mais descentralizado o sistema de ensino mais
a escola parece estar aparelhada para sele-
75
UEA – Licenciatura em Matemática
76
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Modalidades de atendimento educacional
77
UEA – Licenciatura em Matemática
78
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico
CONCLUSÃO
Diante de reformas e reedições de leis e decretos, a Educação Básica caminha a passos lentos como
mostram os dados de matrícula de 2005. No momento da implementação das definições legais que a edu-
cação acaba levando a pior, seja por falhas na supervisão, pela corrupção ou pelo uso inadequado dos
recursos. Na competição por recursos e atenção das autoridades e da opinião pública, a Educação Básica,
principalmente aquela dirigida às classes populares, entra sempre em desvantagem. Ainda predomina uma
visão de que para o setor público (como é “gratuito”) qualquer coisa serve: não se valoriza o profissional
que trabalha com ela, não se julga que livros, materiais pedagógicos e aperfeiçoamento de recursos
humanos são necessários no dia-a-dia e não existe preocupação com alunos passando longas horas em
ambientes insalubres (que o digam os nossos professores do Amazonas), longe do contato com a natureza
e forçadas a contínuos períodos de ociosidade. No fundo, muitos ainda culpam as mães por matricularem
seus filhos na escola, acreditando que estariam melhor em casa, junto a suas famílias, esquecendo-se das
péssimas condições de vida que parcela significativa delas enfrenta.
Mas existem grupos e setores importantes que lutam para transformar em realidade as conquistas legais:
os Fóruns Municipais e Estaduais de Educação, assim como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
são exemplos desses esforços. Outras organizações, como a Undime – União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Ensino, a ANPED – Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, sindi-
catos e entidades da sociedade civil também têm-se mobilizado em favor da Educação Básica. O desafio
está posto, e a sociedade brasileira possui condições para enfrentá-lo no presente. E nós, da Região
Amazônica? O que temos feito para mobilizar nossa comunidade para compreender e intervir nessa reali-
dade educacional e social?
79
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Referências
REFERÊNCIAS
81
UEA – Licenciatura em Matemática
82
Estrutura e Funcionamento do Ensino Básico – Referências
RAMOS, M.N. O projeto unitário de ensino médio sob os princípios do trabalho, da ciência e da cul-
tura. In: FROGOTTO, G.; CIAVATTA, M. (Org.). Ensino médio: ciência, cultura e trabalho. Brasília, DF:
MEC/SEMTEC, 2004. p. 37-52
RIZZINI, Irene. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios presente. São
Paulo: Loyola,2004.
SABOIA, J. Trabalho Infanto-Juvenil no Brasil dos Anos 90. Rio de Janeiro: Unicef, 1996.
SADER, Emir Simão. A transição no Brasil: da ditadura à democracia. São Paulo: Atual, 1990.
SANFELICE. José Luis. Pós-modernidade, globalização e educação. História, filosofia e temas trans-
versais. Campinas?SP: Autores Associados, 2003.
SANTOS, Lucíola Licínio de C. Paixão. Problemas e alternativas no campo da formação de professores.
Brasília: INEP, 2004.
SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-crítica. Primeiras aproximações. São Paulo: Cortez, 1992.
_______. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez, 1996.
_______. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 15ª ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2004.
_______Escola e Democracia: teorias da educação. 36ª ed. Campinas, SP: Autores associados,2003.
SEVERINO, A.J. Educação, ideologia e contra-ideologia. São Paulo, EPU, 1986.
__________. Filosofia da educação. São Paulo, FTD, 1994 (Col. Ensinar & Aprender).
__________. "A escola e a construção da cidadania". Sociedade civil e educação. Campinas, Papirus,
1992, p.9-14 (Coletânea CBE).
SILVA, A. R. da. A importância da educação publica para o ensino fundamental das classes trabalhado-
ras. Cadernos de Apoio ao Ensino UEM, 4, 1998, p. 5-42.
SIMÕES BUENO, M. S. Itinerário do descompromisso na escola pública de 2° grau Paulista. Cadernos
de Pesquisa, 99, 1996, p. 173-79.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo
Horizonte: Autêntica, 2001.
SINGER, P. Introdução à Economia Solidária. Fundação Perseu Abramo. São Paulo 2003.
SHULTZ, Theodore Willian. O Capital Humano: investimentos em Educação e Pesquisa. Trad. Marco
Aurélio de M. Matos. Rio de janeiro?RJ: Zahar, 1973.
TRAUMANN, T. O Paradoxo de ACM. Veja, ago. 1999, p. 46-48.
XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado; RIBEIRO, Maria Luisa; NORONHA, Olinda Maria. História da
Educação: a escola no Brasil. São Paulo: FTD, 1994.
WATKINS, K. Education now: Break the cycle of Poverty. London: Oxfam, 1999.
WEBER, S. Novos padrões de financiamento e impactos na democratização do ensino. Cadernos de
Pesquisa, 103, 1998, p. 5-13.
WEREBE, Maria José Garcia. Grandezas e Misérias do Ensino no Brasil- 30 anos depois. São Paulo:
Ática, 1997.
WORLD BANK. Issues in Brazilian secondary education. (Report n. 7723BR), Latin American and
Caribbean Regional Office, 1989.
ZIBAS, D. M. A escola pública e a escola privada diante das propostas de modernização do ensino
médio. Tese de doutorado: USP, 1995.
_______. Escola pública versus Escola privada: O fim da história? Cadernos de Pesquisa, 100, 1997, p.
57-77.
83