(1) O livro "A Tinta da Melancolia" traça a história cultural da melancolia ao longo de três milênios através de ensaios do autor Jean Starobinski. (2) O livro também serve como uma autobiografia intelectual do autor, cobrindo cinco décadas de sua pesquisa sobre o tema. (3) Ao longo da história, a concepção da melancolia mudou de uma doença humoral para uma condição psicológica, refletindo a evolução do pensamento ocidental.
(1) O livro "A Tinta da Melancolia" traça a história cultural da melancolia ao longo de três milênios através de ensaios do autor Jean Starobinski. (2) O livro também serve como uma autobiografia intelectual do autor, cobrindo cinco décadas de sua pesquisa sobre o tema. (3) Ao longo da história, a concepção da melancolia mudou de uma doença humoral para uma condição psicológica, refletindo a evolução do pensamento ocidental.
(1) O livro "A Tinta da Melancolia" traça a história cultural da melancolia ao longo de três milênios através de ensaios do autor Jean Starobinski. (2) O livro também serve como uma autobiografia intelectual do autor, cobrindo cinco décadas de sua pesquisa sobre o tema. (3) Ao longo da história, a concepção da melancolia mudou de uma doença humoral para uma condição psicológica, refletindo a evolução do pensamento ocidental.
Starobinski faz biografia sobre melancolia e cultura
ocidental
Suo Jean Starobinski retratato em sua biblioteca em 2010
JOO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"A Tinta da Melancolia" uma fascinante (auto)biografia. De um
lado, os ensaios reunidos no livro apresentam a histria cultural da melancolia ao longo de trs milnios. De outro, compem a autobiografia intelectual do suo Jean Starobinski. O volume, dividido em seis partes, cobre cinco dcadas de pesquisa. A primeira, "Histria do Tratamento da Melancolia", a tese de doutorado do autor, publicada em edio no comercial em 1960. O texto mais recente, "Os Rudos da Natureza", saiu em 2008.
No prefcio edio francesa (2012), Starobisnki esclareceu:
"Por mais de meio sculo, vrios temas ou motivos ligados melancolia orientaram meus textos".
Acompanhar os diagnsticos (e as teraputicas) da melancolia
implica mapear a prpria cultura ocidental. Afinal, "Homero, que est no comeo de todas as imagens e de todas as ideias, nos faz captar [...] a misria do melanclico".
Na Grcia clssica surgiu o primeiro diagnstico, com base no
sistema dos quatro humores que governariam o corpo, afetando a alma. bile negra se atriburam os males do melanclico. A teraputica adequada expulsaria a inconveniente atrablis do organismo. Da a busca de laxantes e emticos, a fim de purgar o humor sombrio. O protagonismo coube ao "helboro que permanecer durante sculos o especfico da bile negra".
No Renascimento, a concepo humoral vestiu personagens
clebres. Na traduo impecvel de Lawrence Flores Pereira, assim se expressa o Prncipe da Dinamarca: "[...] no s meu manto cor de tinta, / Nem roupas habituais de tom solene e lgubre". Metonmia implacvel, a bile negra envelopa o corpo do paciente.
No sculo 18, a longa durao conheceu uma ruptura decisiva:
em 1765, Anne-Charles Lorry distinguiu a clssica "melancolia humoral" da moderna "melancolia nervosa". Circunstncia mpar: "instante [...] em que a concepo nova surge ao lado da teoria antiga". Esboava-se a psiquiatria do sculo 19, pois no mais se tratava de expelir uma substncia do organismo. Esse processo de subjetivao da doena corresponde internalizao do narrador na histria do romance, num anncio da psicanlise e do investimento na linguagem como acesso ao inconsciente.
Por isso, Starobisnki encerrou sua pesquisa num ano-emblema:
"Os psiquiatras de 1900 aceitaram reconhecer que a cura obra do mdico apenas em pequena medida". Ano de publicao da "Interpretao dos Sonhos", de Sigmund Freud.
Para o leitor brasileiro, "A Tinta da Melancolia" guarda um sabor
especial. Por exemplo, recorde-se o riso de Demcrito. Recluso, ele "ri indiferentemente de tudo". Alarmados, os cidados de Abdera recorreram a Hipcrates.
Aps escutar a amarga lucidez do filsofo, o pai da medicina
concluiu que o misantropo era o nico sensato e que loucos eram todos os abderitas. Nessa Casa Verde s avessas, o Simo Bacamarte machadiano Hipcrates e Demcrito num s personagem!
Brs Cubas definiu sua "obra de finado" com dico
inconfundvel: "Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia". Nessa alquimia alegre dos versos sombrios de Charles d'Orlans, Machado de Assis inventou um universo ficcional e, mais uma vez, pela reunio complexa de termos contrrios.
No posso encerrar sem destacar o brilhante posfcio de
Fernando Vidal: introduo perfeita para o conjunto da obra de Jean Starobinski. Joo Cezar de Castro Rocha professor de literatura comparada da UERJ