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Escrito em 24/03/2008

Publicado em 06/04/2008 no

O Futuro dos Biocombustíveis


Carlos Augusto Franco Guimarães

O Brasil já desponta como o segundo maior produtor mundial de etanol, - 21,5 bilhões
de litros na última safra – e, com larga margem, o mais eficiente produtor de etanol, pois toda a
sua produção se origina da cana-de-açúcar, que é, das matérias-primas usadas, aquela que
tem o melhor rendimento agrícola, pelo menos 6 mil litros/he, e o melhor rendimento
energético, gerando em média 8 vezes a energia gasta em sua produção enquanto o etanol de
milho gera apenas 1,4 vezes. O custo de produção do etanol de cana-de-açúcar é de até US$
0,25/litro, enquanto o do milho é US$ 0,10 mais caro. No Brasil o consumo de Etanol vem se
aproximando rapidamente do consumo de gasolina. Em Janeiro de 2007 eram consumidos
mais de 400 milhões de litros de gasolina a mais do que Álcool, enquanto que em Janeiro de
2008 foram consumidos apenas 49 milhões de litros a mais. Diante deste quadro, especialistas
esperam que em abril de 2008 o consumo de Álcool supere o de gasolina. Neste cálculo
considera-se todo o álcool consumido, seja puro ou misturado à gasolina. É importante
ressaltar que o preço da gasolina é praticamente o mesmo desde quando o petróleo ainda
estava em menos de US$ 50 por barril. Caso a gasolina venha a sofrer algum tipo de reajuste,
esta tendência, favorável ao álcool, aumentaria ainda mais.
Os Estados Unidos é o maior produtor mundial de etanol com um resultado de 24,5
bilhões de litros na última safra. A produção americana foi estimulada a partir do “The Energy
Policy Act” , representada por um conjunto de leis criadas em 2005 , que determinou a
introdução de 28,4 bilhões de litros de combustíveis renováveis, na matriz de combustíveis
americana até 2012; constituiu, também, barreiras alfandegarias de proteção à este produto de
US$ 0,14/litro; e determinou, ainda subsídio de US$ 0,13/litro de etanol produzido. A indústria
automobilística americana foi igualmente beneficiada com vantagens fiscais, por cada veículo
vendido com a tecnologia “flexfuel”. O interesse da indústria foi tanto que a quantidade de
veículos “flex” lançados pelas montadoras americanas no Salão de Automóveis de Detroit (o
mais importante evento do setor no mundo) impressionou os especialistas. O governo
americano já deixou bem claro que incentivará o setor de biocombustíveis. O interesse não é
só ambiental, mas principalmente a redução da dependência dos combustíveis fósseis.
A Europa já determinou o uso de 5,75% de biocombustíveis na composição da sua
matriz de combustíveis à partir de 2010. A Fórmula 1 se antecipou e já usa este porcentual de
biocombustíveis no abastecimento dos seus bólidos nesta temporada.
Assim sendo, poderíamos concluír que a atual cadeia do etanol, atualmente
constituída, é a grande vencedora na missão de substituir ou, pelo menos, reduzir a
dependência do petróleo? NÃO. O melhor ainda está por vir: os “biocombustíveis de segunda
geração”. Os cientistas mais arrojados acreditam que possam produzir combustíveis melhores
do que o etanol ou produzir etanol a partir de outras matérias-primas. Advertem, entretanto,
que nem todas as matérias-primas utilizadas na obtenção do etanol são consideradas
convenientes. A comunidade científica considera que o milho é uma matéria prima inadequada
à obtenção do etanol, pois o rendimento energético é baixo, não há redução na emissão de
carbonos, e , por ser um importante elo na cadeia da indústria alimentícia, pois serve de
alimento e de ração a animais, o seu uso reduz a oferta de alimentos e aumenta os seus
preços.
Algumas das empresas que participam de pesquisas na área de Biocombustíveis são
iniciantes, ou como costuma se dizer, “startups”, foram formadas para explorar a oportunidade
nesta área. Outras são empresas já constituídas, com serviços prestados em algum outro
campo, que voltaram seu foco para os Biocombustíveis. As linhas de pesquisas vão desde o
desenvolvimento de processos para obtenção de etanol à partir das mais variadas matérias-
primas, até o desenvolvimento de biocombustíveis mais eficientes do que o etanol.
Uma das linhas mais populares de pesquisa está concentrada no desenvolvimento de
processos para a obtenção de etanol à partir de biomassa, isto é, qualquer material celulósico,
seja ele: galhos, folhas, cascas , palhas, resíduos agrícolas, gramas (switchgrass), resíduos de
lixo orgânico urbano, madeira ou resíduos de madeira, etc... O objetivo principal aqui é o uso
de matérias-primas não alimentícias. Resíduos agrícolas de culturas diversas poderiam
abastecer uma mesma fábrica produtora de etanol, bem como culturas pouco exigentes em
função de clima ou solo, como as gramíneas, que poderiam ser plantadas onde não houvesse
viabilidade para outras culturas. Estas pesquisas alcançam desde o desenvolvimento de
enzimas e micróbrios, que possam “processar” os diferentes materiais, até o design de
equipamentos e processos próprios que possam viabilizar a produção. Neste segmento a
empresa que parece estar mais avançada é a Iogen, uma firma nascida em 1970, em Otawa ,
Canadá, originalmente do ramo de produção de enzimas para os setores de papel, têxtil e
alimentação animal. A empresa opera desde 2004 uma planta de demonstração de produção
de etanol à partir de celulose (biomassa) e, o governo Canadense anunciou, no início de
março, que sua empresa de desenvolvimento sustentado, a SDTC está avaliando projeto de
planta industrial para produção de etanol celulósico da Iogen, em escala comercial. Se
aprovado o projeto, a SDTC o financiará. Os seus principais investidores são Royal Dutch/Shell
Group, Petro-Canada e Goldman Sachs Outras empresas que merecem ter seus nomes
anotados: A Coskata, que é uma “startup”, americana; e a Dinamarquesa Novozymes que é
uma das maiores fabricantes de enzimas do mundo. Confesso que diante da variedade de
diferentes matérias-primas que possam ser fornecidas a um mesmo processo a primeira
imagem que me veio à mente foi o do veículo usado no filme “De volta para o futuro”, de 1985,
que era abastecido com qualquer material orgânico. É a realidade imitando a ficção.
No segmento de pesquisas a novos biocombustíveis surgem alguns estudos
interessantes, no que diz respeito a processos e enzimas: A Dupont e a BP (British Petroleum)
estão pesquisando o desenvolvimento de processos para obtenção de Butanol, que é, assim
como o etanol, também da família dos álcoois, porém produz 85% da energia da gasolina,
contra 66% do etanol; Na mesma área dos álcoois, a Codexis pesquisa o octanol, que tem oito
átomos de carbono, ao invés de dois do etanol, o que lhe faz ter o mesmo poder calorífico da
gasolina e uma menor tendência à corrosão; outras pesquisas têm o objetivo de encontrar
substitutos para a gasolina e o diesel ou pesquisam cadeias de isoprenóides, entre estas a
Codexis e a Amyris Biotechnologies; algumas empresas querem descobrir um bio-substituto
para o petróleo, alguma espécie de “bio-petróleo sintético”, que poderia utilizar toda a estrutura
já criada na cadeia petrolífera, o que seria economicamente muito interessante, entre elas
estão a LS9, e a Codexis. Destaque especial merece a Synthetic Genomics, pelo currículo do
seu fundador, o cientista Craig Venter, que em 2005 criou a empresa, e foi também o fundador
e líder da Cellera Genomics , que decifrou o DNA humano, simultâneamente à HGP, de
iniciativa governamental, e o primeiro a construir um cromossomo sintético em laboratório. As
pesquisas do Dr. Venter concentram-se em: melhor desenvolvimento das matérias-primas;
desenvolvimento de organismos fotossintéticos para produção de biocombustíveis diretamente
à partir da luz do sol e da presença de gás carbônico; Design de biocombustíveis que possam
ser produzidos à partir de variadas matérias-primas e tenham melhores características.
Todas estas empresas têm algumas características em comum: Aquelas já existentes
já atuavam na área química, biológica ou farmacêutica, as “startups” formaram equipes
extremamente qualificadas nestas áreas; Os investidores iniciais destas empresas são
altamente qualificados, entre eles: Khosla Ventures, de Vinod Khosla, um dos fundadores da
Sun Microsystems , A Flagship Ventures, que também ajudou outras “startups” como o site
“Altavista” e a empresa “Cellera Genomics” , Bill Gates, que investiu na “Pacific Ethanol”, entre
outras; Todas estas empresas têm parcerias com alguma empresa de ponta nos seus
segmentos como: GM (General Motors), Shell, Grandes laboratórios Farmacêuticos, entre
outras; Os principais executivos destas empresas vêem do ramo de petróleo ou de Tecnologia.
O Governo Brasileiro anunciou a criação de um Centro de Tecnologia do Bioetanol,
com orçamento anual de R$ 35 milhões. Certamente um embrião que desenvolverá o setor de
pesquisas no segmento de biocombustíveis no Brasil. Melhor do que isto nós temos a
EMBRAPA que já desenvolveu pesquisas genéticas em todas as mais variadas culturas
cultivadas no Brasil, desenvolvendo dezenas de variedades de cada uma delas, de acordo com
o clima e solo da região a ser plantada. A EMBRAPA já foi reconhecida internacionalmente
pelas principais publicações mundiais, e considerada pelo New York Times como um dos
“motores propulsores” de nosso sucesso agrícola. Tem parcerias com multinacionais e
laboratórios de pesquisa de diversos países. Infelizmente no Brasil reconhecemos mais
rapidamente o valor de um bom jogador de futebol do que o de um bom pesquisador ou
cientista, porém, na direção que o país segue hoje, não faltará muito para aprendermos a
admirar estes profissionais.
No campo específico de produção de etanol à partir de cana-de-açúcar, há uma
pesquisa interessante desenvolvida pela maior fabricante de máquinas para processos de
produção de etanol, que é a Didini, em parceria com o CTC (Centro de Tecnologia Canavieira e
com a Fapesp – Fundação de Amparo a pesquisa de S.Paulo. Trata-se de desenvolvimento de
tecnologia para a produção de etanol á partir do bagaço da cana. Já existe uma planta piloto
em Piracicaba-SP, produzindo 100 litros de etanol por dia. A prática tem mostrado que com o
aproveitamento do bagaço a produção de etanol pode atingir um adicional de mais de 5.000
litros por hectare plantado.
O Centro de Pesquisas da Petrobrás (CENPES) também pesquisa o mesmo assunto, e
sua planta experimental já consegue extrair 220 litros de etanol para cada tonelada de bagaço,
com expectativa de atingir 280 litros/t. O CENPES também pesquisa a produção de etanol à
partir de Biomassa. O CENPES é reconhecido pelos ótimos resultados em suas pesquisas
sobre combustíveis fósseis, de lá também poderemos esperar boas notícias no campo dos
biocombustíveis.
No ramo de Biocombustíveis o Brasil hoje é líder tecnológico, porém os grandes
investimentos feitos em pesquisas ao redor do mundo estão colocando esta nossa liderança
em risco. Entretanto, os resultados de algumas destas pesquisas podem nos trazer benefícios:
Imaginem se efetivamente for economicamente viável a produção de etanol à partir de resíduos
agrícolas. Poderemos utilizar as palhas da cana, que hoje são queimadas gerando impactos
ambientais (que o governo de São Paulo quer acabar), para fabricar mais etanol. Poderemos
utilizar o bagaço de cana também. A produção de etanol de cana-de-açúcar em função da área
plantada poderia aumentar dos 6 a 7 mil litros/hectare para algo em torno de 15 à 16 mil
litros/hectare. Isto faria os economistas recalcularem a capacidade que os biocombustíveis têm
de substituir o petróleo. Imaginem os resíduos agrícolas de nossas extensas lavouras de Café
e Soja, e até mesmo a casca do côco, sendo utilizados como matéria-prima na fabricação de
etanol. O desenvolvimento de novos biocombustíveis também podem beneficiar o Brasil.
Algumas pesquisas estudam este desenvolvimento à partir da cana-de-açúcar e de outras
matérias-primas, porém, seguindo o processo da transformação de açúcares em combustível,
podendo ser aplicados a nossos processos. Um biocombustível com o mesmo poder
energético que a gasolina poderia ser vendido ao preço da gasolina? Claro que sim. Vamos
torcer por isso, principalmente se puder ser fabricado à partir da cana.
A conjuntura atual da indústria de biocombustíveis tem semelhanças com os primeiros
momentos em que a indústria da internet trornou-se comercial: Inúmeras empresas surgindo no
ramo, pesquisadores e cientistas dedicados ao tema, empresas investidoras viabilizando as
pesquisas e os novos desenvolvimentos. Os pesquisadores e empresas do ramo são a nata
mundial nos assuntos de biologia, química e genética. Os investidores são aqueles
acostumados a participar de empresas vencedoras, em vários outros ramos. Até os executivos
destas empresas estão vindo principalmente de dois ramos: Petróleo e Tecnologia. As
empresas de tecnologia estão reclamando da perda de seus executivos para empresas ligadas
a pesquisas que envolvam o meio-ambiente.
O jornalista Thomas Friedman escreveu em seu best-seller “O mundo é plano” que o
excesso de investimentos no início da era da internet comercial (início dos anos 90) acelerou o
desenvolvimento tecnológico nesta área. Podemos fazer um paralelo com o atual mercado e
acreditar que os desenvolvimentos de novos processos e Biocombustíveis serão acelerados
daqui pra frente.

PS: Todas as marcas citadas aqui são direitos de seus proprietários

*Carlos Augusto Franco Guimarães é graduado em Engenharia Industrial na FEI – Faculdade de


Engenharia Industrial , tem MBA em Gestão pela FGV e especialização em finanças pelo IBMEC.
Atualmente é executivo do Banco Cruzeiro do Sul. Email: gutofg@uol.com.br .

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