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Compreendendo a história da saúde

púbhca de 1870-1990
Este trabalho apresenta a história paradigmática e a instalação da saúde pública no Brasil desde o período colonial até
o ano de 1990.
Descritores: Medicina social, Saúde pública, História da saúde.

This work presents of the paradigmatic history and the deployment of public health in Brazil from the colonial period
until the year 1990.
Descriptors: Social medicine, Public health, History of health.

Este trabajo presenta Ia historia paradigmática y Ia instalación de Ia salud publica en Brasil desde el período colonial
hasta el ano de 1990.
Descriptores: Medicina social, Salud pública, Historia de Ia salud.

do tempo. De suas inter-relações, originou-se a Saúde Pública'.


Com as doenças introduzidas no país pelo colonizador no
século XVII, a imagem do Brasil na Europa se tornou diferente
dos tempos de Pedro Álvares Cabral, e os europeus passaram
a temer os ares e o clima da Colônia">.
A guerra, o isolamento e a doença colocavam em perigo
o projeto de colonização e exploração econômica das terras
brasileiras. Eram raros os médicos que aceitavam transferir-
se para o Brasil, desestimulados pelos baixos salários e ame-
drontados com os perigos que enfrentariam".
Moraes? relata a ausência da questão saúde na bibliografia
histórica brasileira no que diz respeito às condições de vida e
trabalho e aspectos institucionais, o que se pode pensar numa
negl igência em considerar e anal isar este tema. Carval ho &
Lima" salientam que uma forma de se aproximar dos dilemas
presentes na produção do conhecimento em ciências sociais,
e da história quando a referência é à saúde coletiva, é verifi-
car qual o significado que os trabalhos produzidos atribuem
à reconstrução histórica.
A proposta deste trabalho é contribuir para a reflexão sobre
a história da saúde pública no Brasil, resgatando os fatos re-
levantes para o desenvolvimento da saúde.

D Recebido: 12/10/2009 RETROSPECTIVA HISTÓRICA


Aprovado: 30/04/2010 A fase do Império
Em 1808, a vinda da corte portuguesa para o Brasil determinou
mudanças na administração pública colonial, inclusive na área
INTRODUÇÃO da saúde. Como sede provisória do império lusitano e princi-

o s problemas que afetaram a saúde estiveram relacionados


com a necessidade das pessoas viverem em comunidades. A
aglomeração desordenada, o ambiente de moradia, educação,
pal porto do país, a cidade do Rio de Janeiro se tornou o centro
das ações sanitárias. Com elas, Dom João VI procurou oferecer
nova imagem de uma região que os europeus definiram como
trabalho e lazer afloraram como consequências ambientais de território da barbárie e escravidão". Para um atendimento mais
convivência, facilmente percebidas, na forma de poluição am- constante e organizado das questões sanitárias era necessário
biental, atmosférica, hídrica, desmatamentos e estratificação da criar rapidamente centros de formação de médicos. Assim, por
sociedade. O controle de doenças infecciosas transmissíveis, o ordem real, foram fundadas as academias médico-cirúrgicas
saneamento, a assistência médica e o alívio da incapacidade e do do Rio de Janeiro (1813) e da Bahia (1815), logo transformadas
desamparo, são problemas cuja intensidade só variou ao longo nas primeiras escolas de medicina do país.

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Na era do lIuminismo e das Revoluções por vários pacientes!", Desta forma, a fase
(1750 a 1830), as cidades do século XVIII liA AGLOMERAÇÃO imperial da história brasileira se encerrou
eram sujas, fétidas e insalubres'. O sanea- sem que o Estado solucionasse os proble-
mento urbano era precário, as ruas estavam OESORDENADA, O mas de saúde da coletividade.
sujas, as águas de esgoto e refúgios domésti- AMBIENTE DE MORADIA, No final do século XVIII, como conse-
cos eram arremessadas pelas portas e janelas. quência do impacto do industrialismo na
Animais eram abatidos em locais públicos, li-
A EDUCAÇÃO, O TRABALHO Inglaterra, começaram a emergir as epi-
xos e entulhos acumulavam-se sobre as ruas", E O LAZER AFLORARAM demias entre os trabalhadores das novas
Na segunda metade do século XVIII, o fábricas. As consequências da revolução
modelo de saúde predominante foi o de
COMO CONSEQUÊNCIAS industrial afetaram diretamente a saúde
política médica aos problemas de saúde. AMBIENTAIS DE CONVIVÊNCIA e o bem-estar dos trabalhadores, que se
A aplicação deste modelo aos problemas encontravam cada vez mais em situação
de saúde foram amplamente utilizados pe-
FACILMENTE PERCEBIDAS caótica. Havia uma relação inversa entre
los estados germânicos. A sujeira foi vista NA FORMA DE POLUIÇÃO expansão industrial e melhoria das condi-
como principal fonte de infecção, desta AMBIENTAL, ATMOSFÉRICA, ções de vida e saúde, ou seja, enquanto
forma, acreditava-se que ambientes limpos ocorria o crescimento industrial, decres-
seria a maior fonte de prevenção". HíDRICA, DESMATAMENTOS cia a qualidade de vida e as condições de
A fragilidade das medidas sanitárias le- E ESTRATlFICAÇÃO DA saúde da população'.
vava a população a lutar por conta própria No início do século XIX, o movimento
contra as doenças. Em casos mais graves, SOCIEDADE" de reforma sanitária começou a se de-
os doentes ricos buscavam assistência mé- senvolver principalmente na Inglaterra,
dica na Europa ou nas clínicas particula- devido à ocorrência da Revolução Indus-
res. As famílias evitavam internar seus parentes em hospitais trial. O Estado começa a intervir na saúde, mas o intuito era
públicos, em virtude da falta de higiene e da divisão de leitos o de preservar a força de trabalho responsável pelo desen-
volvimento e crescimento do país'.

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o Industrialismo e o Movimento Sanitário (1830 a 1875): con- nado à Secretaria do Estado do Interior, e era composto de
cepções e conceitos durante a revolução pasteuriana, higiene um conselho de Saúde Pública, responsável pela emissão de
e saúde pública pareceres acerca da higiene e salubridade e de uma diretoria'
No final do século XVIII e início do século XIX, a medicina de higiene, responsável pelo cumprimento das normas sani-
social é considerada herdeira do iluminismo instrumental, tárias. Era de competência da diretoria o estudo das questões
como a ciência que pode ser colocada em favor do estabeleci- de saúde públ ica, o saneamento das local idades e das habita-
mento da ordem social. A concepção de higiene que surge na ções e a adoção de meios para prevenir, combater e atenuar
França no final do século XVIII norteia a medicina socioam- as moléstias transmissíveis, endêmicas e epidêmicas.
biental e focaliza a doença enquanto patologia social. Em 1890, os laboratórios denominados de Farmácia do Es-
Com o advento da urbanização e industrialização, surge um tado iniciaram seu funcionamento com o objetivo de fornecer
cenário social baseado na ideia Maquiana, na qual o meio am- medicamentos e aviar receitas para as enfermarias das insti-
biente influenciava os seres vivos. A con- tuições públicas e ambulâncias que aten-
cepção vigente era influenciada pelo meio diam o interior nos surtos epidêmicos".
ambiente da Europa e o surgimento de uma No ano de 1894, o primeiro Código Sani-
nova classe social: o proletariado. Tanto o tário do Estado de São Paulo foi promulgado,
ambiente social "moradia - saneamento",
"NO FINAL DO SÉCULO XVIII, com 520 artigos, reunindo as normas de hi-
como o cultural e o natural "clima, solo, at- COMO CONSEQUÊNCIA DO giene e saúde pública. Em épocas de epide-
mosfera" interessavam ao higienista que era mias, a presença do fiscal, do desinfetador
capaz de recolher e cruzar as variáveis arn-
IMPACTO DO INDUSTRIALlSMO e do inspetor sanitário tornava-se visível, e
bientais tentando esclarecer as causas das NA INGLATERRA, COMEÇARAM o exercício de política sanitária era rigoroso.
doenças coletivas. Entre 1890 e 1900, o Rio de Janeiro e as
A atuação médica, porém, enfrentaria
A EMERGIR AS EPIDEMIAS principais cidades brasileiras continuaram
o choque entre as ideias tradicionais, que ENTRE OS TRABALHADORES a sofrer por varíola, febre amarela, peste
atribuíam as epidemias aos ares corrom- bubônica, febre tifóide e cólera, que ma-
DAS NOVAS FÁBRICAS.
pidos e as teorias da medicina moderna taram milhares de pessoas. Diante dessa
- baseadas no conceito da bacteriologia AS CONSEQUÊNCIAS DA situação, os médicos higienistas recebe-
e da fisiologia desenvolvidas na Europa REVOLUÇÃO INDUSTRIAL ram incentivos do governo federal e pas-
e que tinham em Louis Pasteur e Clau- saram a ocupar cargos importantes na ad-
de Bernard seus principais divulgadores. AFETARAM DIRETAMENTE A ministração pública. Em troca, assumiram
No final da década de 1860 e início da SAÚDE E O BEM ESTAR DOS o compromisso de estabelecer estratégias
década de 1870, Pasteur cria a concep- para o saneamento das áreas indicadas
ção de que as doenças são contagiosas e
TRABALHADORES, QUE SE pelos políticos.
causadas por germes!'. Além da revolu- ENCONTRAVAM CADA VEZ
ção pasteuriana, iniciava-se o campo da A República Velha (1889 -1930)
medicina tropical, que estudava o meca-
MAIS EM SITUAÇÃO CAÓTICA" Na primeira década do século XX, apesar
nismo das doenças tropicais e introduzia da alta mortalidade, não existiam hospi-
o conceito de vetores. tais públicos, e sim entidades filantrópicas
No Brasil, teve início um campo de co- mantidas por contribuições e auxílios go-
nhecimento voltado para o estudo e prevenção das doenças vernamentais. Tais entidades eram mantidas com o trabalho vo-
e para o desenvolvimento de formas de atuação nos surtos luntário, e correspondiam a um depósito de doentes que eram
epidêmicos. isolados da sociedade com o objetivo de não contagiá-la".
Até 1930, a indústria de medicamentos se limitava à mani-
o Brasil a partir de 1884: imigrantes para a lavoura pulação de substâncias naturais de origem animal ou vegetal.
Quando, em 1884, a Assembleia da Província de São Paulo As instituições de saúde pública eram classificadas em fun-
aprovou a concessão de passagens gratuitas aos imigrantes ção das concepções de origem das doenças, de modo que se
que se destinassem à agricultura, o Estado deparou-se com podia afirmar que o Serviço Geral de Desinfecção ligava-se
uma nova dimensão que fugia da tradicional política econô- à concepção miasmática e o Instituto Bacteriológico à con-
mica. Em 1886, foi criada a Sociedade Promotora de Imigra- cepção microbiana".
ção (SPI), cujo objetivo era introduzir uma proporção elevada O Instituto Bacteriológico, em 1903, constituía a linha de
de imigrantes para a lavoura e em menor proporção para ou- frente do Serviço Sanitário e pesquisava como destruir os
tras profissões. Em janeiro de 1889, a febre amarela eclodiu mosquitos em águas paradas, realizando experiências com
em Santos. Em 1898, Vital Brasil debela uma epidemia de vapores de enxofre, fumaça em pó de pireto e emulsão de
difteria. Os imigrantes eram amontoados em hospedarias. En- creolina e querosene. A partir de 1904, o instituto começou
tretanto, para atrair imigrantes, era preciso sanear as cidades a sofrer com a falta de verbas. Embora houvesse um cresci-
especialmente a de Santos, o principal foco de epidemias": mento concomitante da economia brasileira, este período foi
Com a proclamação da República, a federalização e a au- marcado pelas crises socioeconômica e sanitária, porque a
tonomia, as questões de saúde pública, passaram a fazer par- febre amarela, entre outras epidemias, ameaçava a economia
te das atribuições dos Estados. O Serviço Sanitário, criado agroexportadora brasileira e prejudicavam principalmente a
pela Lei número 43 de 18 de junho de 1892, ficou subordi-

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exportação de café. Os navios estrangeiros se recusavam a este era visto como uma forma de interferência na privacidade
atracar nos portos brasileiros, o que reduzia a imigração de e individualidade, além de não propor mudanças estruturais
mão-de-obra. Para reverter à situação, o governo criou medi- na sociedade",
das que garantissem a saúde da população trabalhadora atra- Ao mesmo tempo, surgia o paradigma da medicina clínica,
vés de campanhas sanitárias de caráter autoritário!'. cujo discurso era individualista e privatista, exigindo outro
Em 1908, a Estrada de Ferro - a Noroeste, pediu auxílio ao espaço para se desenvolver: o hospital. Enquanto os currícu-
Instituto de Manguinhos para debelar a epidemia de malá- los privi legiavam a área preventiva, o mercado de trabal ho
ria que dizimava os operários. Em 1916 e 1917, houve uma valorizava a área hospitalar para onde os profissionais de saú-
ocorrência de malária a ponto de desequilibrar o estado sani- de foram, pau lati namente, di recionados.
tário em São Paulo. O governo distribuiu quinino e assumiu a
responsabilidade de sanear fazendas, vilas e cidades atacadas A Saúde Pública na Era Vargas (1930 -1945)
pela malária. A partir da década de 1930, o Estado recebe fortes pressões
A década de 1920 se encarregou de consolidar as mudan- por parte de intelectuais e militares para a criação de serviços
ças na economia, sociedade e cultura, com a criação do sis- em saúde pública, e, em 1931, é criado o Ministério de Edu-
tema de saúde pública. A diretoria geral de Saúde Pública, cação e Saúde Pública", Considerado o marco da medicina
organ izada pelo médico san itarista Osvaldo Cruz, resolve o previdenciária no Brasil, é criado em 1930 os Institutos de
problema sanitário, implementando, progressivamente, insti- Aposentadoria e Pensões (lAPs), os quais, diferentemente das
tuições públicas de higiene e saúde". antigas Caixas, são organ izadas por categorias profissionais,
As campanhas de saúde pública eram organizadas de tal não mais por empresas.
forma que se assemelhavam a campanhas militares, dividindo Durante a era Vargas houve diminuição de mortes por en-
as cidades em distritos, encarcerando os doentes portadores fermidades epidêmicas, porém cresceram as doenças de mas-
de doenças contagiosas e obrigando, pela força, o emprego sa, estabelecendo-se assim um quadro marcado por doenças
de práticas sanitaristas. Esta situação levou à Revolta da Vaci- endêmicas, entre elas, a esquistossomose, doença de Chagas,
na, no Rio de laneiro". tuberculose e a hanseníase.
Nos anos 1920, a cidade explodia em termos econômi- Na década de 1940, o papel do profissional como educa-
cos e consolidava o desenvolvimento in- dor é retomado com a criação dos cen-
dustrial. No período de 1925 a 1929, a tros de saúde, nos quais a atenção era
tuberculose foi responsável por mais de organizada em programas, sendo que a
mil óbitos por ano, o que significa que o "A PARTIR DE 1904, O educação sanitária, a base da ação e o
número de óbitos por tuberculose dobrou poder coercitivo foram substituídos pela
em relação ao período de 1910-1924. A INSTITUTO COMEÇOU A persuasão. Assim, origina-se a tendência
maior incidência dessa moléstia ligava-se SOFRER COM A FALTA contemporânea da organização no cam-
às precárias condições de habitação da po da saúde sob a forma de programas de
população na cidade de São Paulo. DE VERBAS. EMBORA atenção individual, por exemplo os Pro-
Mehrv'? se detém a analisar o período HOUVESSE UM CRESCIMENTO gramas de Atenção Integral à Saúde da
de 1920 a 1948 e procura fazer uma lei- Criança e da Mulher.
tura das políticas governamentais como CONCOMITANTE DA A ação do Estado no setor saúde se di-
modelos técnicos assistenciais que se ECONOMIA BRASILEIRA, vide claramente em dois ramos: de um
constituem em projetos de forças sociais; lado a saúde pública, de caráter preven-
procuram-se também os vínculos que es-
ESTE PERíODO FOI MARCADO tivo e conduzido através de campanhas;
ses modelos estabelecem não só com as PELAS CRISES SOCID- de outro, a assistência médica, de caráter
correntes tecnológicas de pensamento do curativo, conduzi da através da ação da
campo das ações sanitárias, mas também
ECONÔMICA E SANITÁRIA, previdência social.
com as questões políticas mais amplas, PORQUE A FEBRE AMARELA,
colocadas em seu campo específico - are- A crise do regime populista, a democrati-
na decisória particular - às quais definem
ENTRE OUTRAS EPIDEMIAS,
zação e a saúde (1945 -1964)
o significado social das referidas ações. AMEAÇAVA A ECONOMIA Em outubro de 1945, acontece a deposi-
Surge a necessidade da formação de AGROEXPORTADORA ção de Vargas e, no ano seguinte, a ela-
profissionais cujos currículos, segundo boração de uma Constituição democrática
Gerrnano" priorizassem as disciplinas vin- BRASILEIRA E PREJUDICAVAM, de inspiração liberal. Os movimentos so-
culadas à saúde pública. Entretanto, a in- PRINCIPALMENTE, A ciais exigiam que os governantes cumpris-
tenção inicial de formar profissionais que sem as promessas de melhorar as condi-
assumissem o papel de educadores em EXPORTAÇÃO DE CAFÉ" ções de vida, saúde e de trabalho.
saúde não se concretizou por uma série Desde que assumiu o governo, em
de fatores. Entre eles, destaca-se a forma 1946, o presidente Eurico Gaspar Outra
como o profissional foi inserido na socie- estabeleceu como prioridade a organi-
dade brasileira, "de cima para baixo", causando estranheza à zação racional dos serviços públicos. Em maio de 1953,
população e consequente rejeição do trabalho educativo, pois já no segundo período presidencial de Vargas, foi criado o
Ministério da Saúde, que contava com verbas irrisórias no

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decorrer da década de 1950, confirmando o descaso das au- do país e de suas comunidades; compreende as áreas: de educa-
toridades com a saúde da população. ção e saúde, alimentação e nutrição, água potável e saneamento
Nos anos 1960, com o Milagre Brasileiro, o entendimento da básico, assistência materno-infantil, com inclusão da planificação
saúde como assistência médica especializada, sofisticada, frag- familiar; imunização, prevenção e luta contra enfermidades endê-
mentada e que privilegia a internação hospitalar, favorece as in- micas, o tratamento das enfermidades e traumatismos, e a dispo-
dústrias farmacêuticas e de equipamento médico-hospitalares. A nibilidade de medicamentos essenciais; inclui a participação no
centralização e a concentração do poder institucional aliou cam- desenvolvimento nacional e comunitário, em particular o agro-
panhismo e curativismo numa estratégia de medicalização social'. pecuário, a alimentação, a indústria, a educação, a habitação, as
Pressionada pelas leis, a Previdência assumiu a prestação obras públicas, as comunicações, organização, funcionamento e
de as istência médico-hospitalares aos trabalhadores à custa controle da atenção primária à saúde.
do rebaixamento da qualidade dos serviços o que coloca o Na verdade, o texto da Declaração de Alma-Ata", ao am-
país em posição de doente. pliar a visão do cuidado da saúde em sua dimensão setorial e
O efeito do golpe militar (1964) sobre o Ministério da Saú- de envolvimento da população, supera o campo de ação dos
de foi à redução das verbas, aumentadas no início da década responsáveis pela atenção convencional dos serviços de saúde.
de1960, que continuaram decrescendo até o final da ditadura.
Apesar da pregação oficial de que a saúde constituía um fator A saúde nas décadas de 1980 e 1990
de produtividade, desenvolvimento e investimento econômi- As décadas de 1980 e 1990 caracterizam-se pela organização
co, o Ministério da Saúde privilegiava a de trabalhadores e entidades dos setores
saúde como elemento individual e não da saúde e educação. A VIII e IX Confe-
como fenômeno coletivo. rências Nacionais de Saúde propuseram
Em 1970, o resultado da falta de inves-
"O SUS, QUE APRESENTA a adoção de modelos assistenciais condi-
timento no setor público foi o aumento de PRINCíPIOS CONSTITUCIONAIS zentes com a realidade socioeconômico-
enfermidades como a dengue, meningite cultural, com ações que visualizem a pes-
e a malária.
DE UNIVERSALIDADE, soa de forma integral, ultrapassa o modelo
INTEGRIOADE E ACESSO preventivo-curativo pelo enfoque holísti-
o Estado e a previdência social: década IGUALITÁRIO A TODOS OS co e a participação da população na or-
de 1970 ganização e gestão do sistema de saúde!'.
Estabelece-se, na esfera pública, o Insti- NíVEIS DE COMPLEXIOADE DO A estratégia de Atenção Primária (Alma-
tuto Nacional de Previdência Nacional Ata) com o enfoque multissetorial, o envol-
SISTEMA, DEVERIA GARANTIR
(INPS) que deveria tratar dos doentes in- vimento comunitário e os componentes de
dividualmente, enquanto o Ministério da A QUALIDADE DA ATENÇÃO tecnologia apropriada reforçaram a promo-
Saúde elaborava e executava programas POR EQUIPES PROFISSIONAIS ção na direção da saúde ambienta]. Com
sanitários destinados à população durante esta motivação, foi planejada a Primeira
as epidemias. O INPS firmou convênios QUALIFICADOS E COM Conferência Internacional sobre Promo-
com 2.300 dos 2.800 hospitais instalados CONDiÇÕES DE TRABALHO ção da Saúde, realizada em Ottawa, em
no Brasil, utilizando o setor privado para novembro de 1986, em colaboração com
atender os trabal hadores. ADEQUADOS" a Organização Mundial de Saúde e a As-
Os baixos preços pagos pelos serviços sociação Canadense de Saúde Pública que
médicos-hospitalares e a demora na trans- evidencia a inter-relação existente entre
ferência das verbas do INPS para as entidades determinaram atenção primária, promoção da saúde e cidades saudáveis".
a fragilidade do sistema para atendimento à população. En-
quanto o governo reduzia ou atrasava os recursos, hospitais CONSIDERAÇÕES FINAIS
e clínicas aumentavam as fraudes para receber o que tinham A descentralização da saúde na década de 1990, segue-se ao
direito, e muito mais. desmonte dos programas sociais federais iniciados em 1989, e é
Na década de 1970, surgem os primeiros cursos de pós-gra- assumida uma face neoliberal, condizente com a política e a ide-
duação em enfermagem. Em meio à crise do modelo curativis- ologia dominantes, contrária ao preconizado pela Constituição
ta-privatista, as políticas de cuidado primário à saúde estimula- de 1988. Tem sido um processo atabalhoado, marcado por um
riam o autocuidado e a autonomia das comunidades. contexto de ajuste recessivo das contas públicas, repassando de
Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistên- forma acelerada encargos e responsabilidades aos municípios. Os
cia Social, que incorporou o INPS e livrou-o das imposições estados têm sido praticamente ignorados nessa descentralização/
do Ministério do Trabalho, renovando assim, a promessa de municipalização enquanto agentes responsáveis pela implemen-
garantir saúde aos segurados. tação de políticas regionais, limitam-se ao papel de repassadores
A Declaração de Alma-Ata" confirma: a promoção e proteção de recursos. Trata-se de uma municipalização a qualquer preço,
da saúde da população são indispensáveis para o desenvolvimento distinta da proposta pelo Sistema Unificado e Descentralizado de
econômico e social sustentado e contribui para melhorar a quali- Saúde (SUDS) nos anos de 1980 e consagrada na Constituição de
dade de vida; a população tem o direito e o dever de participar in- 1988, que previa a autonomia das unidades federadas, baseada
dividual e coletivamente na planificação e na ampliação das ações em esquema de financiamento e repasse de recursos. É preciso
de saúde; a atenção primária à saúde é reflexo e consequência das olhar para o processo de municipalização no Sistema Único de
condições econômicas e características socioculturais e políticas

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Saúde (SUS), face ao contexto restritivo do ajuste e diante das Nunes-, fundamentando-se na interdisciplinaridade como
propostas de reforma do Estado dirigidas à privatização e à foca- possibilitadora da construção de um conhecimento ampliado
lização dos serviços públicos". O SUS, que apresenta princípios da saúde coletiva, no plano concreto dos conteúdos a sere(l1
constitucionais de universalidade, integridade e acesso igualitá- transmitidos, determina a necessidade atual de pensar o geral
rio a todos os níveis de complexidade do sistema, deveria garan- e o específico. Ou seja, não se deve perder o núcleo que a
tir a qualidade da atenção por equipes profissionais qualificadas legitima e distingue como social/coletivo, mas se deve-se estar
e com condições de trabalho adequado. atento à formação de determinadas áreas de concentração. •

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Internacional de Editores de Revistas Médicas (Estilo Vancouver Sistema olução CNS - 196/96) quando for pesquisa.
Numérico de Entrada). 13 Os trabalhos, bem como qualquer correspondência. deverão ser
06 Evitar siglas e abreviaturas. Caso necessário, deverão ser precedidas. na primei- enviados para a revista: Saúde Coletiva - A/C CONSELHO CIENTíFICO.
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162 Saúde Coletiva 2010;07 (41l:157-162

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