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UNINOVE
Terapia Psicanalítica de
Donald Woods Winnicott
IVANIR GROTTI
PSICANALISTA CLÍNICA
PEDAGOGA
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VIDA E TRAJETÓRIA DE D. W. WINNICOTT
INTRODUÇÃO
Têm-se apontado suas contribuições para a psicanálise, como uma das mais importantes depois
de Freud, não só pelas concepções originais sobre as fases mais primitivas do processo do
amadurecimento humano, como a significativa relevância do entrelaçamento do indivíduo com o
meio ambiente, no desenvolvimento psíquico. Uma das figuras centrais na escola britânica da teoria
das relações objetais. Inclui na sua teoria, onde trata das múltiplas organizações do self; um self real,
oferecido por uma mãe suficientemente boa, quando o contrário acontece, o indivíduo desenvolverá
um falso self, na tentativa de proteger sua integridade. O conceito de objeto transicional, também
desenvolvido por Winnicott, serve como substituto da mãe, no período de transição do bebê, para
separar desta e tornar-se independente, com objetivo de segurança na falta da mãe. Colheu material de
60 mil bebês aproximadamente, bem como suas mães, pais, avôs, avós, durante 4 décadas, onde os
fenômenos e objetos transicionais nascem nessa clínica.
“Mãe suficientemente boa..... D. Winnicott acreditava que o bebê começa a vida em um estado de desintegração,
como experiências desconectadas e difusas, e que a mãe oferece relacionamentos que possibilitam o surgimento do
self incipiente do bebê....Ela exerce um papel vital ao trazer o mundo à criança e prever com empatia as
necessidades do bebê. Se a mãe é capaz de atender às necessidades do filho, este sintoniza-se com suas próprias
funções e impulsos corporais que fornecem a base para um senso gradualmente emergente de self.” (H.I. Kaplan –
pg.55).
D.W. Winnicott, no seu contato com as pessoas, utilizando os cinco sentidos, orientando
para se estudar a criança e não a doença. Defende a não submissão do ser humano e sim a criatividade e
a capacidade de defender suas idéias, ao seu próprio ritmo e modo. Winnicott teve supervisão durante 4
anos, mas divergia em todos os sentidos de M. Klein, preferiu encontrar seu próprio caminho.
(...) nas primeiras fases do desenvolvimento emocional do bebê humano, um papel vital é desempenhado pelo
meio ambiente, que na verdade o bebê ainda não separou de si mesmo. A separação entre o não-eu e o eu ocorre
gradativamente ,e o seu ritmo varia de acordo com o bebê e com o meio ambiente (os pais). (PR, cap.9).
Elaboração: O Espelho
Maturação e o ambiente
Considerando 3 aspectos importantes: Hereditariedade, Meio ambiente, Bebê É considerado de
suma importância para o processo de maturação, um ambiente suficientemente bom.
A psicoterapia não consiste em fazer interpretações argutas e apropriadas; em geral, trata-se de devolver ao paciente,
no longo ( ou curto) prazo, aquilo que o paciente traz um derivado complexo do rosto que reflete o que há ali para ser
visto... se eu o fizer suficientemente bem, os pacientes descobrirão seu próprio self e serão capazes de existir e sentir-
se reais. ...descobrir um modo de existir como si mesmo, (...) e ter um self para o qual retirar-se e relaxar..... (PR,
cap9).
No início da vida psíquica –o ego começa a se desenvolver, sendo que o ego fraco do bebê
amparado pelo ego materno se fortalece pela sustentação da mãe, manejo ( holding), essa maternagem
é considerada boa quando ocorrem os cuidados adequados e comportamentos regulares, em que a
criança sinta segura, num ambiente agradável e tranqüilo, sendo que as interrupções constantes e
prolongadas podem resultar em aniquilamento provocando ou acentuando o caos interior, as agonias
primitivas ou as ansiedades impensáveis, sente-se portando, despedaçar-se, cair para sempre, não ter
relação com o corpo, não ter orientação e sim um isolamento.
Para Winnicott, o ser humano passa por estágios, que são três:
No início do nascimento aos 6 meses, a dependência absoluta – necessita dos cuidados maternos, não
tem noção disso, o bebê pensa que está criando tudo que deseja, ele não existe sozinho, a mãe e ele é
um só.
O outro estágio que vai de 6 meses a 2 anos, a independência relativa – após o desmame onde o
bebê percebe a existência do outro.
Em seguida em direção a independência, após os 2 anos, com base ao acúmulo de memórias e
cuidados da maternagem, a criança adquire maior confiança e nesta fase que a criança inicia o processo
de como lidar com a perda. Exemplo: - quando a mãe sai e a criança fica com alguém, necessita de
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algo confortante que remete a lembrança da mãe de forma amenizar o sofrimento. É importante
ressaltar que a independência absoluta não existe e que a maturidade reside na interdependência, o
caminho para os relacionamentos e amizades.
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. A criança está no dilema de separar a atitude da mãe no início, onde ele é o seio e o seio é ele. Com
comportamento adequado da mãe, o bebê experiência a onipotência, introjeta e se identifica, portanto
está no “ser”, que tem relação com identificações, como projetar e introjetar, enquanto que a
confrontação entre o bebê e seio envolve o fazer. “ A destruição é inerente ao relacionamento objetal”,
o ser se identificou, foi tolerado e respeitado na sua onipotência, passa para a objetivação. Já sendo
mais integrado se dá a fase do fazer sobre o objeto, ou sofrer algo que seja feito por ele, necessário para
que ocorra o amadurecimento. Para isso a ilusão inicial do ser num só e a separação, deve ser levado
em conta o ritmo e obedecer o processo, portanto ser feita de forma gradativa. Assim a teoria
Winnicottiana da sexualidade, tanto no aspecto relacional como no instintual, fica inserida na teoria do
amadurecimento, fazendo da mesma, vista num contexto mais amplo que a tradicional.
AGRESSIVIDADE
No início da vida, a agressividade está ausente, a motilidade tem relação na descoberta do meio
ambiente que é sentido como oposição ao gesto do bebê. A mãe vai de encontro aos gestos do filho; se
há falhas maternas graves na fase de dependência absoluta o bebê experimentar a sensação de
aniquilamento, um bebê aniquilado não agride. Futuramente sentirá inibição quanto ao uso da
agressividade construtiva com medo de destruir o objeto.
Estágio intermediário
Definido por Winnicott, passagem da indiferenciação para a diferenciação em relação ao objeto,
segundo M.K. fase depressiva. A provisão ambiental tem diferentes capacidades de sustentação e
variedades da agressividade. Depende das experiências do bebê segundo o tipo de resposta da mãe aos
gestos espontâneos aos impulsos vorazes dele, onde ela pode receber como gestos espontâneos
acolhendo ou tomar como agressividade intencional e não acolhê-lo. Em conseqüência o bebê sentirá
precocemente que suas necessidades não são criadas por ele onipotentemente. O bebê desilusionado,
toma consciência de sua própria capacidade para destruir como faz a experiência de ter destruído a mãe
na fantasia. Experimentará culpa consciente, que poderá levar à inibição do impulso agressivo pessoal.
O bebê se encontrará privado do impulso pessoal agressivo, próprio de sua natureza, fonte de
realização das atividades construtivas. Se a mãe acolhe o gesto do bebê, segundo Winnicott, a
repetição de experiências deste tipo, cria um ciclo benigno propiciador de um espaço para a capacidade
de o bebê preocupar-se e de sentir-se responsável pelos seus atos, sem perda do impulso destrutivo que
lhe é próprio. Winnicott deixa clara a relação que existe e a qualidade da provisão ambiental com a
destrutividade, levando em conta que a mãe na fase intermediária é um objeto transicional para o bebê.
Quando a qualidade adaptativa do começo, onde o encontro da mãe com o gesto do bebê foi saudável,
que começa a perceber que ele e a mãe não são a mesma coisa, dá início à perda do controle onipotente
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sobre ela. Podemos também dizer que, no espaço potencial, os objetos são destruídos porque são
construídos e são construídos porque são destruídos.
Um adolescente que saiu de hospital psiquiátrico da rede pública, um mês depois de ter
recebido alta da enfermaria, é recebido no ambulatório. Tem doze anos, boa aparência, tímido mas
conta de forma detalhada os motivos de sua internação. O local onde morava foi vendido e os novos
proprietários, deram início a terraplanagem da área sem antes a família se mudar. Sua mãe começou
arrumar os pertence e como não tinha ainda um local para ir, desfez de muitas coisas inclusive os
brinquedos de Joça, que ficou desesperado com toda situação, se rebelando. Refugiou-se no telhado
para não apanhar da mãe e foi retirado apenas pelos bombeiros, que em seguida o levaram para a
enfermaria do Pronto Socorro, recebendo medicamentos neurolépticos. Quieto nos cantos, ao receber
alta é orientado para retornar ao “grupo de egressos”. Na sua ficha, não há nada sobre o incidente que o
levou a internação. Joca volta para a escola, mas como faltou um mês, não consegue acompanhar, é
transferido para uma turma de alunos com problemas de aprendizagem, fica muito chateado pois era
antes do episódio um bom aluno. É estigmatizado pela sociedade, escola e família. Levado de retorno
ao tratamento, os profissionais estão em greve, é atendido por alguém que não o acompanhava,
receitando muitos medicamentos. Na saída felizmente encontra com um membro do grupo que o
tratava, que desfez o mal entendido, retirando todos os medicamentos desnecessários. Foi enviado uma
carta à direção da escola pela família, pedindo compreensão e nova oportunidade para o paciente. Joca
não estava doente, seu ambiente, sim. Esse exemplo como muitos, nos deixa clara a importância do
meio ambiente na influência do ser humano.
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passará a mensagem a ele que: “ venha ao mundo criativamente, crie o mundo. Somente aquilo que
crias é que terá sentido para ti.” Dando ao bebê a impressão que o mundo está em seu controle. A
interrupção precoce da ilusão, bloqueia a formação do símbolo, como já observamos. A onipotência
inicial “curtida” passa de forma gradativa que irá se dirigindo para a frustração com a descoberta de
que o mundo estava já ali antes dele ter criado; fortalecendo um verdadeiro self, auxiliado pelos pais.
Para que isso ocorra de forma satisfatória a mãe precisa ir de encontro ao gesto do bebê, ter a
capacidade de sentir as necessidades dele, para que este possa ser visto e ouvido e não estar em
submissão à vontade da mãe. O paciente na clínica que não foi ouvido nem visto pela mãe, necessita
que seja visto e ouvido pelo analista para ser compreendido, acolhido e fortalecido no seu verdadeiro
self e seguir sua vida de forma independente e mais seguro, sem submissão às imposições do outro, de
forma que quando faz isso ( a submissão ) é para obter aceitação e aprovação. Mãe castradora está
incutindo o self dela e bloqueando a identidade do filho. Quando antecipa a necessidade do filho,
quando é super protetora não deixa a criança desenvolver seu self. Quando a função materna falha na
maternagem de modo a integrar sensações corporais do bebê, os estímulos ambientais e o despertar de
suas capacidades motoras, a criança sente sua continuidade existencial ( ser) ameaçada e procura
substituir a proteção que lhe falta por outra, “fabricada”por ela. O indivíduo cresce, desenvolve um
self, que por fora o que mostra não é o seu núcleo, que fica escondido, ( o self verdadeiro),
apresentando o falso self ( patologia), que é com este que a maioria das vezes o analista se depara.
No decorrer da análise é necessário estarmos em contato com o self através da transferência para
podermos obter sucesso no trabalho analítico.
- No caso patológico mais sério do falso self, por não poder relacionar-se com a realidade, a
vida perde sentido e a utilização de símbolos é escassa.
- Atividades culturais são limitadas, dada a pobreza de fantasia, há pouca capacidade de
concentração; observa-se tendência para fazer coisas para os outros e necessidade constante de
estímulos externos. Um falso self que resulta de um esforço da criança para assegurar o amor dos
pais mesmo à custa de renunciar a espontaneidade e sujeitar-se ás expectativas dele,
Quanto a formação do self:- Winnicott – trabalho de 1957. “O papel do espelho da mãe ,nos
fornece importantes contribuições neste aspecto, afirmando que “O precursor do espelho é o rosto da
mãe”. Quando olha para o rosto da mãe, normalmente, o que o bebê vê é ele mesmo”. Dessa forma a
responsabilidade da mãe real cresce, pois sendo sua imagem vista pelo filho o próprio reflexo dele,
pode comprometer seu olhar, distorcendo a sua imagem que tem de si próprio; quando a mãe que pode
refletir o que ela própria é, ou imagina ser, impondo-se ao próprio filho. Aqui, percebemos claro a
importância do analista ser o espelho do paciente, para que este fortaleça seu eu e não seja submetido
ao olhar imposto do analista.
Tratamento:-
-Para que o analista consiga o trabalho e mantenha comunicação com o verdadeiro self, é
necessário que crie condições para que o paciente transfira o incomodo do seu ambiente internalizado.
-Ao fazer este contato, há uma fase de muita dependência e imaturidade, mas real. Com o
passar do tempo, para o seu amadurecimento, a criança irá elaborando e se direcionando a OBJETOS
TRANSICIONAIS, assim como Winnicoot denominou, quando desenvolveu tal conceito , irão servir para
substituir a mãe durante os esforços que o bebê faz para separar-se e se tornar independente. Com o tempo,
os objetos concretos ( de apego) irão sendo substituídos por abstratos, como a amizade, a música e outros
modos pelos quais o indivíduo recupera a experiência da ilusão.
História contada por Winnicott, enquanto escrevia o artigo “ O Falso Self”, um menino o
procurou:
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É um menino de dez anos, filho de um colega. Ele tem um problema urgente. Vive num lar muito bom, mas
isto não altera o fato de que a vida tem sido difícil para ele tanto quanto para os outros. Seu problema particular no
momento é o de que ele mudou muito na escola, tendo sido sempre um mau aluno e mal comportado. Ele começou a
aprender e a sair-se bem. Todos estão encantados, e alguém disse que ele era o “ milagre do século XX”. Mas algo
não está funcionando. Essa mudança foi acompanhada por outra, nada boa. Ele não consegue dormir. Disse a seus
pais, que são muito compreensivos: “ É esse bom comportamento na escola que é o problema. Isso é horrível. É coisa
de menina”. À noite, acordado, tem todo o tipo de preocupações, que incluem a idéia de seu pai morrer e ele
também. Pensa muito sobre um certo personagem na história que trabalhava muito e morreu com dezesseis anos. Ele
é bem específico sobre a conexão entre suas preocupações e a mudança em seu caráter. Tudo começou depois de ter
tirado o primeiro “ bom” na escola: ao descer do ônibus, ele sentiu de repente um tipo de medo, o medo de que um
homem que passava o mataria. E mesmo isto tinha um problema a mais: a idéia de que ser morto lhe parecia
agradável. Ele disse: “ Não consigo dormir, porque assim que fecho os olhos sou esfaqueado.”
Estou deixando de lado vários detalhes, a fim de que este caso possa ser usado no presente contexto. No
decorrer de uma entrevista bem fácil que tivemos um com o outro, ele me contou sobre os seus sonhos. Um destes é
especialmente significativo: ele se descreveu deitado na cama com um assassino e uma espada, e em seguida ele
estava sentado, com muito medo, com a mão na boca, e o assassino estava prestes a atravessá-lo com a espada. É
possível ver aqui a mistura de assassinato e de agressão sexual, e esse não seria um sonho muito incomum num
menino dessa idade. O importante é que enquanto me falava sobre essas coisas, ele estava me explicando que se ele é
bem-sucedido, ele e o pai estariam indo bem, juntos, mas após um tempo ele começaria a perder sua identidade.
Nesse ponto ele se torna desafiador e, de um modo meio estúpido, recusa-se a fazer o que lhe dizem. Ele detesta ter
de brigar com o pai, conseguindo geralmente fazer com que os adultos na escola fiquem zangados com ele. E, assim,
ele se sente real. Se ele é bom, o sonho aparece, e com ele o assassino, e ele fica apavorado, não tanto por ser morto,
mas por ver-se desejando ser morto. E isto o faz sentir-se identificado mais com meninas que com meninos.
Como podem ver, ele realmente tem um problema, um problema muito comum, mas talvez devido ao
relacionamento bastante bom entre ele e seus pais, não lhe é difícil expressar-se com clareza. Dizendo-o de um
modo, ele é capaz de empregar um falso self que agrada a todos, mas que o faz sentir-se horrível. Em certos casos, a
pessoa que o fizesse passaria a sentir-se irreal, mas para este menino a questão é que ele se sente ameaçado, como se
fosse transformar-se em fêmea ou no parceiro passivo de um ataque. Ele estão sofre com a tentação de afirmar algo
mais próximo ao verdadeiro self, agindo de modo desafiador e improdutivo, mas esta solução tampouco oferece uma
resposta satisfatória o seu problema.
Toda pessoa possui um self educado, que é aceito socialmente e um self guardado, podemos ver
isso como normal. Na saúde essa divisão do self é uma conquista do crescimento pessoal, do qual vai
depender dos pais terem colaborado com essa pessoa a criá-lo. “ Na doença a divisão tem a ver com
uma cisão da mente, que pode alcançar qualquer profundidade”, na máximo a podemos chamá-la de
esquizofrenia.
Considerada uma das contribuições mais originais de Winnicott, com relação a natureza
humana. “ Winnicot cria o termo objeto transicional para definir o uso de certos objetos na área
intermediária entre o subjetivo e o objetivo”. Está relacionado aos tempos do vínculo da mãe com o
bebê,
“ Os conceitos de espaço, objeto e fenômeno transicional, chaves da teoria da organização do
mundo interno e do reconhecimento do mundo externo, demonstram a importância que Winncott dá ao
campo do intersubjetivo na configuração do ser humano.”
O Objeto transicional seria aquele objeto especial em que a criança elege “, chamado por
Winnicott “ primeira posse não eu “, que deve ser respeitado e permitir que a própria criança faça sua
descatexização de forma gradual, para que ela possa elaborar essa transição. Seria como uma
preparação para o desmame, a separação do eu e o não eu; o eu e o outro. Com relação ao objeto
transicional, não pode haver fixação, como no caso do vício do cigarro, que houve nessa etapa do
desenvolvimento algum bloqueio ou intervenção do meio ambiente, levando uma fixação e uma não
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elaboração adequada. Todos esses fenômenos em que a criança experiência, como um mecanismo de
defesa para amenizar sua ansiedade normalmente depressiva, poderíamos atribuir e associar ao
pensamento ou devaneio à essa experiência, que mais tarde se dá o espaço no momento da criação.
Um caso observado, de uma criança com três anos de idade, filho de pais muito cuidadosos e
atentos, único filho, pais não tão jovens. O casal acompanhava o filho na escola todos os dias, os três
felizes, o menino não resistia tanto para permanecer naquele novo ambiente, deixei que a mãe ou o pai
ficassem um tempo para a criança não sentir a falta deles de forma brusca pois percebi o grande apego
e dificuldade de se desligar dos pais. Esta criança trazia consigo, uma fraldinha e ao mesmo tempo
chupava seu polegar, consegui convencê-la, dos pais irem para casa e permanecer na escola com seus
amigos, comigo e seu “paninho” depois que esta sentiu segurança quanto a minha pessoa e também ao
ambiente. Esse menino permaneceu durante quase todo primeiro semestre nessa atitude, com o paninho
e chupando o dedo polegar, se negando a fazer as atividades propostas, mas sempre atento a tudo. Ao
despertar interesse por uma coleguinha em especial, dizendo que era sua namorada, quando esta disse
que só seria sua namorada quando ele deixasse o paninho e de chupar o dedo, porque não queria
namorar um bebê, o menino largou logo em seguida seu paninho e de chupar seu dedo, motivado pelo
novo desejo e novo “objeto de apego”. Seus pais ficaram muito felizes e divertidos dizendo que, o que
uns marmanjos de quarenta anos não conseguiram, uma menina de três conseguiu, que vergonha! O
mais interessante, foi quando propus as atividades para ele, esse demonstrou muita compreensão e
facilidade na execução, passou todo esse momento sem fazer, mas muito atento ao ambiente,
interagindo, sem sofrer prejuízos. Caso fossemos radicais e impuséssemos nossa atitude de forma
rígida e autoritária, poderíamos não obter tão excelente resultado. Observa-se muito em crianças, no
seu primeiro ano de escola, onde há mudança de ambiente, a necessidade de termos paciência para que
ocorra esse desprendimento de forma saudável. Normalmente, durante meses contei muitas histórias,
para crianças muito pequenas que estavam muito atentas, absorviam o conteúdo, recontavam de forma
a demonstrar grande compreensão e seqüência dos fatos, mas um detalhe, entre vinte e oito crianças,
umas quinze mais ou menos estavam chupando suas chupetas, muitas não se desligavam de sua
mochila, e outros queriam levar todo seu material para casa, materiais que eles traziam e que
precisavam permanecer no armário da escola. Durante o trabalho, e com o tempo, foram aos poucos se
desprendendo de tudo isso, até o final do ano, ninguém na escola chupava chupeta, mesmo que estas
permanecessem ainda em suas mochilas.
Winnicott considera o brincar das crianças uma extensão do uso dos fenômenos
transicionais. Propõe que se inicie análise com o brincar, o terapeuta deve trazer o paciente para
esta função, os dois passam a brincar juntos, havendo assim a interação, favorecendo maior
produtividade ao trabalho. O brincar faz parte de toda existência do homem, dado a sua importância.
Objeto transicional
• Uso positivo:- o jogo, a criatividade, fantasias, arte e sonhos
• Uso negativo:- o fetichismo, o talismã dos rituais obsessivos, o objeto que acompanha as
fobias.
Uso de drogas, cigarro, etc.. uso do objeto transicional fixado ( conforta ), não é tranqüilizador.
Para winnicott a resposta para a questão de por que uma pessoa é mais inteligente que a outra,
ou umas tem mais imaginação e outras muito pouco, tem muita relação com o brincar. Ao referir a
inteligência, não quer dizer a intelecto. A sua ênfase era dada à imaginação no brincar.
“ Dê um grande valor à capacidade da criança de brincar. Se uma criança brinca, há lugar para um sintoma ou dois, e
se ela gosta de brincar tanto sozinha quanto com outras crianças, não há problemas graves em funcionamento. Se ao
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brincar ela tem prazer em usar uma rica imaginação ( que Winnicott mais ou menos igualava a ser inteligente) e se,
além disto, ela também gosta de jogos que dependem da percepção exata da realidade externa, você pode se
considerar feliz, mesmo que a criança em questão molhe a cama, gagueje, seja temperamental, tenha ataques de mau
humor ou de depressão. O brincar mostra que essa criança é capaz de, dado um ambiente razoavelmente bom e
estável, desenvolver um modo de vida pessoal, e eventualmente de tornar-se um ser humano total, desejado graças a
isso, e bem-vindo pelo mundo em torno ( CFOW, cap.19).”
Atribuindo tal importância ao brincar, que traz como benefício às atividades imaginativas,
auxilia na leitura da inteligência corporal, bem como o bom senso e sensibilidade.
“ Ele postula um espaço potencial, entre o bebê e a mãe”, que varia de acordo com o relacionamento
dos dois, do qual irá contrastar o mundo interno com a realidade externa.
Segundo Winnicott, para o indivíduo, o espaço potencial é a área de toda experiência
satisfatória mediante a qual ele pode alcançar “ sensações intensas” que pertencem aos anos precoce e
assim a consciência de estar vivo. Tal experiência pertence à vida diária. Winnicott dá como exemplo
olhar um quadro, ouvir música, compartilhar uma anedota, assistir a um jogo de futebol,etc.
O espaço potencial é, portanto, o lugar onde ocorre a comunicação significativa. O brincar
facilita o crescimento, à saúde, os relacionamentos, ele é natural e a psicanálise segundo Winnicott é o
fenômeno sofisticado do século, uma forma especializada de brincar. Para Winnicott, é indispensável
ao seu equilíbrio afetivo e intelectual que a criança tenha disponível para si uma área de atividade cujo
motivo não seja a adaptação à realidade, mas, ao contrário, a assimilação da realidade ao eu, sem
coerções nem sanções. Uma destas áreas é o jogo, que transforma a realidade mediante a assimilação às
necessidades do eu, ao passo que a imitação é acomodação aos modelos externos. Há uma distinção
entre o Objeto Transicional com o conceito de Objeto Interno de Klein, pois o objeto transicional
também não é externo. Outro paradoxo de Winnicott que dirá “ a matriz da amizade reside em nossa
capacidade inicial de estar só, só na presença da mãe ( o brincar ).
Winnicott descreve a saúde em três partes:
1. A vida no mundo, com os relacionamentos interpessoais .
2. A vida “ interior” – realidade psíquica .
3. A área da experiência cultural., que começa no brincar e nos leva a todo o universo da herança
humana, incluindo as artes, os mitos da história, a lenta caminhada do pensamento filosófico e
o mistério da matemática, do funcionamento dos grupos e da religião.
PRIVAÇÃO/ DEPRIVAÇÃO
TEORIA DA TENDÊNCIA ANTI-SOCIAL
Para Winnicott, não se faz um diagnóstico de alguém com relação à tendência anti-social como na
neurose e psicose. Ela pode ser encontrada num indivíduo normal, neurótico, psicótico em qualquer
idade. Winnicott atribuiu à privação a criança que não é tratada adequadamente em sua fase de
dependência absoluta. Num estágio anterior do desenvolvimento emocional, por exemplo, um bebê
que lhe falta oxigênio, nessa fase, não pode lembrar que o que ocasionou o problema foi essa falta, ele
teve uma perturbação ambiental que irá distorcer seu desenvolvimento emocional, essa falha irá
resultar em doença do tipo psicótico, estará sujeito a um distúrbio mental, levará uma vida carregando
certas distorções. A personalidade esquizóide, bem como a esquizofrenia e o autismo infantil, estariam
relacionados com a falta de provisão ambiental, na fase anterior à capacidade do indivíduo para
perceber o fracasso provém do ambiente. Quando este ocorre na etapa de dependência absoluta,
portanto é chamado “ privação”. A criança que na fase de dependência relativa, não for segura de
forma adequada, atribui como deprivação. Esclarecendo melhor, a criança que teve no início de sua
vida, uma fase muito boa, mas que houve uma interrupção ou um trauma. É com a deprivação que a
tendência anti-social tem relação, podendo manifestar como sintoma de diversas formas como: “molhar
a cama”, roubar, mentir, comportar-se de modo agressivo, destruir, agir compulsivamente de modo
cruel ou perverso. “ A tendência anti-social relaciona-se não com a privação, mas com a deprivação”.
“ A característica da tendência anti-social é o impulso que ela dá ao menino ou menina para alcançar o
que havia antes do momento ou da condição de deprivação.”
“ AS COISAS IAM MUITO BEM E ENTÃO ELAS PASSARAM A NÃO IR TÃO BEM’.
A criança sofreu uma angústia,e não é forte para fazer algo, surge-lhe a esperança de que se
voltar atrás, antes do momento da deprivação, poderá desfazer à angustia e se organizar quanto aquilo
que a confundiu e não tinha condições de se organizar por ter ainda uma estrutura ainda frágil. Quando
o delinqüente está cometendo uma infração, está fazendo uma tentativa e tem uma esperança de
retornar e buscar algo que perdeu nessa fase ainda pouco organizada. Essa tendência anti-social é
demonstrada através do roubo e da destrutividade. A criança que rouba um objeto não está em busca
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do objeto roubado, mas da mãe sobre a qual ela tem direito. Na destrutividade, a criança está
procurando a estabilidade ambiental que suporte a tensão resultante do comportamento impulsivo.
Sintomas que apresenta:-
1. Comportamento tirânico.
2. A sofreguidão ( comilão ), ou a falta do apetite.
3. A sujeira ( urinar, defecar) também é considerado como manifestação da reação de privação e
de uma tendência anti-social bem como a destrutividade compulsiva.
4. Outros sintomas vinculados à tendência anti-social:- Atuação, masturbação, superego
patológico, culpa inconsciente, estágio de desenvolvimento libidinal, compulsão à repetição,
regressão à ausência de compaixão, defesa paranóide. Ligações entre o sexo e a sintomatologia.
Entrevista e Tratamento
“ Em condições especiais de psicoterapia a criança pode relembrar, em termos do material
produzido, ao brincar ou ao sonhar ou ao falar, os aspectos essências da deprivação original. Como a
criança não é capaz de comunicar o que sente, age com esperança para que o outro compreendê-la, de forma
inconsciente quer passar a mensagem de que o mundo está em débito com ela, quer reorganizar a confusão que
existe em seu ego. Pode ser mais facilmente tratada quanto mais perto estiver do seu ponto de origem. Quando a
criança sofre deprivação e o ambiente reconhece imediatamente e passa a ressarcir com cuidados especiais a
dívida para com ela, a chance dela ser “ curada” é muito grande. Quando ocorre o contrário, pode levar a criança
desenvolver uma delinqüência que com ganhos secundários afasta cada vez mais do trauma original. Portanto o
tratamento é fornecido de um ambiente que cuida, a estabilidade do ambiente que auxilia na cura. É o ambiente
que deve fornecer a nova chance para a relacionabilidade do ego, pois a criança percebeu que foi uma falha
ambiental relativa ao apoio egóico que provocou originalmente a tendência anti-social. Nas consultas dessas
crianças, Winnicott mostra a importância do jogo dos rabiscos, com clima de confiança, que chama de momento
sagrado, onde estabelece a comunicação com a criança que vai exprimir criativamente suas fantasias, problemas
e sonhos, aplacando sua angústia. É graças a sua capacidade de identificação com as necessidades do paciente
que o analista assegura, a nível simbólico, uma função de sustentação psíquica ( holding), que cria uma situação
de confiança.
Um exemplo
“Uma garota de seus vinte e poucos anos, uma boa cantora amadora que vivia partindo os corações de
cantores e maestros no coro, insinuando-se em meio a tudo e a todos. Ela tinha uma outra profissão. Descobri
que quando ela estava com sete anos e era interna numa escola primária, voltou para casa nas férias e descobriu
que seus pais haviam se mudado sem avisá-la. A casa estava vazia. Ela mentia sobre suas finanças, e foi somente
depois de alguns anos que me dei conta de que não haveria pagamento. Tive de dar a ela o que dei como se
tivesse sido roubado por ela. Ela precisava volta para antes da depressão”. ( As idéias de W. pg.413).
X é um paciente que procurou a análise por causa de vivência de despersonalização e de uma vida emocional sem
sentido, pois se sentia sem capacidade para amar e para tirar um real prazer da vida. Os sintomas de despersonalização e o
sentimento de vazio e de inutilidade diante da vida eram acentuados nos fins de semana. Nestas ocasiões, voltava à análise
se sentindo confuso e duvidando de tudo e de todos, inclusive de mim. Necessitava relatar tudo que se passava com enormes
minúcias e precisava que o ouvisse atentamente, gravando e acompanhando mínimas particularidades, para poder sair
daquele estado, ao mesmo tempo de vazio, perplexidade e perseguição. Em tais momentos, não tolerava que eu fizesse a
mínima interpretação, somente comentários e adendos ao que relatava, através dos quais demonstrava que tinha tempo e
interesse em ouvi-lo. O estado regredido e a parcial integração em que se encontrava impediam que ele pudesse aproveitar
qualquer atividade interpretativa, inclusive por estar seu psiquismo voltado para o concreto, sem condições de simbolizar. É,
principalmente, porque naqueles momentos eu teria que ser sua mãe real, inteiramente devotada a ele, não a figura de um
analista, dotado de sagazes interpretações. Quando minha intuição e empatia falhavam, eu não cumpria este papel e tentava
interpretá-lo em outra direção, X se irritava profundamente e me dizia “ não é nada disso”, “ não é por aí”, “ você não está
me entendo”,. Traduzia com isto o trauma invasivo que estava vivendo, pois ao falar eu interrompia toda a sua vivência
reconstrutiva de novamente estar sendo cuidado por uma mãe adequada e silenciosa, numa atmosfera de holding e fusão,
podendo novamente se sentir integrado, coeso, com a mente vivendo dentro de um corpo que era seu.
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Entre as dificuldades que tive de entrar em sintonia com as reais necessidades de X estava a minha falta de percepção
do que ele realmente buscava naquele momento em sua relação comigo: fusão ou separação. Deste modo, se eu tentava com
a minha atitude verbal favorecer uma situação de fusão e ele precisava sentir-se separado e independente, havia novo trauma
no relacionamento e X me interrompia para dizer que eu não o estava deixando ser ele mesmo, que eu queria tratá-lo como
um menino pequeno, protegê-lo, portanto, que eu me desse conta se ele estava num momento de dependência absoluta, de
dependência relativa ou se estava buscando, desesperadamente, como um adolescente, ser independente de mim.
E, como aconteceu, Winnicott percebeu em crianças e pacientes, que apresentavam quadros de regressão,
costumavam flutuar muito rapidamente entre estados de fusão e de separação. Assim, apenas a identificação profunda com
estes e a possibilidade do uso de uma intuição semelhante à materna podem permitir ao analista sentir qual a condição que
prevalece ao momento. São geralmente mensagens extra verbais ( o modo de nos olhar, de sentar e de deitar, de respirar e de
gesticular ) que nos dão indícios sobre a atitude transferencial predominante e necessária ao desenvolvimento naquele
particular instante.
Trata-se de um paciente grave, que eu atendia no consultório várias vezes por semana. Ad não podia deitar no sofá,
porque se angustiava. Somente podia atendê-lo frente a frente. Meu paciente se sentava e fumava durante a sessão. Na
realidade acendia o cigarro, e o esquecia no cinzeiro, deixando que se consumisse sozinho. Um dia, o cigarro caiu fora do
cinzeiro e queimou um pedaço do sofá. Ao perceber isso, ele ficou preocupado; sem falar, tratei de tirar a cinza do sofá, não
dando importância ao fato. Parecia não ter sentido interpretar nada a respeito. Quando ele se foi, comecei a pensar como eu
tinha me sentido e que não podia deixar de lhe comentar. Temia que, se interpretasse de modo que queimar um objeto meu
equivaleria a me queimar, isso soaria muito persecutório para meu paciente. Além disso, não era meu estilo de interpretar,
sobretudo sabendo que este paciente com grande tendência à atuação dificilmente poderia conter seus impulsos em um
recipiente tão pequeno como um cinzeiro. Percebi que Ad, sentado na minha frente, fumando, estava realizando um enorme
esforço de autocontrole e que era inevitável que ele deixasse cair coisas. Pensei que, nesse caso, minha função, mais que lhe
mostrar seu aspecto agressivo, era contê-lo melhor, de um modo simbólico. Passei grande parte do tempo, pensando em uma
maneira de como incluir esse tema na análise. Na sessão seguinte, quando o paciente tocou a campainha, toda a cena voltou
à minha cabeça. Pensei que deveria ter previsto um cinzeiro maior, mas não tinha. Enquanto ele entrava, fui à cozinha
buscar um cinzeiro e tive a idéia de apoiá-lo sobre um prato. Um prato, suporte precário do eu que se desborda
permanentemente. O paciente olhou-o com certa surpresa, e não disse nada. Depois se estabeleceu uma espécie de jogo
entre os dois, no qual eu lhe entregava o cinzeiro sobre um prato. Durante as primeiras sessões, sempre encontrava cinzas no
prato. Pouco a pouco, as cinzas do prato começaram a desaparecer, ao mesmo tempo em que se produziam certas mudanças
na vida do paciente, particularmente a diminuição dos actings. E nunca mais caiu cinza fora do prato. Suponho que,
motivado por esse progresso de meu paciente, uma vez esqueci o prato e lhe dei só o cinzeiro. Com um sorriso tímido, Ad
me disse: “ Esqueceu meu prato”. Eu fui buscá-lo. A análise continuou, sem cinzas no prato, e com Ad cada vez melhor em
muitas outras coisas. Um dia, assim como esquecemos os objetos transicionais, que ficam nas nuvens, sem sentirmos luto,
eu tornei a esquecer o prato. Ad não disse nada. E nunca mais usamos o prato. Creio que, durante um tempo, o prato foi a
representação simbólica do holding, braços e colo que contêm. Depois a sua significação se foi deslizando para a de espaço
transicional, jogo, modo de nos comunicar, experiência compartilhada e, finalmente, em direção ao objeto transicional,
primeira possessão não-eu.
Um paciente procurou-me por uma situação de angústia ante a perspectiva de um casamento, situação esta que era
recorrente em sua vida e que o levou a desfazer várias ligações anteriores. Punha em dúvida se esta seria uma condição
doentia e iniciou o tratamento por influência de sua noiva. Foi filho único temporão, de imigrantes europeus. O pai, austero,
era um homem distante, e a mãe, mais próxima, era sentida pelo paciente como controladora e invasiva. O pai era admirador
de Hitler e o paciente foi submetido a um sistema educacional muito rígido. Foi um menino tímido, que brincava quase
sempre sozinho, com brinquedos importados, com muito receio de quebrá-los e desagradar aos pais. A mãe o mantinha
sempre limpo, arrumado, a roupa cuidadosamente engomada. Uma parte importante de sua infância foi passada num colégio
interno de influência germânica, rigorosíssimo, onde vivia permanentemente assustado, com receio de desagradar aos
padres ou ser humilhado pelos garotos mais fortes. Durante a puberdade, seu grande ídolo foi Hitler. Às escondidas, diante
de um espelho, ficava durante horas imitando seu teatralismo marcial. Desde essa época se sua vida iniciou uma
marturbação compulsiva, que se prolongou na vida adulta. Só na adolescência tardia começou a namorar e a ter relações
sexuais e, desde então, iniciou uma atividade de Dom-juanismo que passou a ser a coisa mais importante de sua vida. O
paciente era extremamente superficial em sua cultura, gestos e ambições, que se resumiam em ficar rico e fazer grandes
conquista amorosas. Tornou-se um dentista e ao mesmo tempo um empresário, que estava permanentemente se digladiando
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com os sócios, como se fossem leões se comendo uns aos outros, segundo suas próprias palavras. Na análise buscava,
acima de tudo, dicas de qual seria a mulher ideal com quem deveria se casar. De início, não me questionava e decorava
muitas das interpretações que lhe dava. Sua análise permaneceu, assim estagnada, até que resolveu investir em uma das
namoradas para casar. Achava que ela tinha atributos para isso, mas não era tão bonita como as outras que já tivera.
Quando começou a se dar conta de que eu não tinha as soluções ideais para este e outros problemas de sua vida, entrou em
crise com o tratamento e assim permaneceu durante muito tempo. Esta foi também uma típica crise de meio de vida,quando
começou a tomar conhecimento da ação inexorável do tempo, do envelhecimento e da realidade da morte. Era igualmente
doloroso constatar a fragilidade de suas ligações emocionais, a superficialidade das quais se utilizava em suas relações
pessoais. O paciente era um exímio jogador de pôquer e, nesta fase, perdeu a capacidade, da qual tanto se gabava, de blefar,
tornando-se um perdedor contumaz. Nesse período teve múltiplas manifestações psicossomáticas ( crises hemorroidárias,
distúrbios funcionais das vias urinárias), começou a tornar-se calvo e seus cabelos embranqueceram. Era como se o paciente
dramatizasse no próprio corpo as conseqüências da quebra de suas defesas maníacas, de sua onipotência e do seu falso self,
levando-o a um estado de não integração entre processos e funções corporais, segundo uma das visões de Winnicott dos
distúrbios psicossomáticos. Sua fragilidade, enfim, começava a se tornar patente para ele mesmo, ao perceber as dúvidas
atrozes que o acompanhavam sempre que tinha de tomar decisões. Ou quando se via, mais uma vez, procurando conselhos
de amigos que tivessem a sorte de ter um bom analista. Nesta situação, que poderíamos chamar de reação terapêutica
negativa, eu mesmo me perguntava, muitas vezes, se estava ajudando o paciente ou apenas contribuindo para uma debanda
geral em sua vida. Inclusive porque, com pouca experiência analítica até então, tinha-me apressado em apresentar ao
paciente duras realidade internas que ele não tinha condições de enfrentar.
Uma das primeiras ocasiões em que o paciente começou a se dar conta de que a opção pela verdade não era tão-
somente um mau negócio foi quando conseguiu perceber a situação de crise em que sua empresa se encontrava, crise até
então oculta pelo clima maníaco e de ambição dos proprietários. A partir daí percebeu que o tratamento podia ter alguma
utilidade, refez aos poucos uma aliança terapêutica e entrou numa situação de melhor aproveitamento da análise. Pôde
constatar que seu Dom-juanismo se baseava na conquista de garotas de nível social inferior ao seu, que representavam o seu
frágil self feminino, ao qual se unia através das masturbações compulsivas. O precário namoro que mantinha tornou-se uma
relação menos instável, que evoluiu para um casamento do qual nasceram três filhos ( um durante a análise). Pela primeira
vez na vida tornou-se possível para o paciente conviver com a ambivalência. Retomou antigos ideais da infância, como ser
um eficiente profissional, e não apenas o empresário bem-sucedido. No seu trabalho como dentista de crianças
anteriormente repudiado estava presente o seu verdadeiro self. O self infantil que esperava, embora com receio, reencontrar
na análise e com ele uma série de aspectos de pureza, espontaneidade e criatividade, sepultados pelo falso self ligado à
atividade empresarial. O paciente voltou a jogar pôquer, não mais como um jogador quase profissional, numa roda de
amigos menos leoninos e vorazes. Tornou-se menos arrogante e perdeu aos poucos o ar de falsidade que apresentava no
início do tratamento. Após a alta, o paciente me tem procurado nos Natais ou para dar notícias importantes de sua vida.
BIBLIOGRAFIA E SUGESTÃO PARA LEITURA
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