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1 OS CONCEITOS DE . LITERATURA E LITERARIEDADE 1.1. Histéria semantica do lexema “literatura” O lexema literatura deriva historicamente, por via erudita, do lexema latino literatura, 0 qual, segundo inform Quin- tiliano (1), foi decalcado sobre o substantivo grego ypappatixt. Nas principais Iinguas europeias, os lexemas derivados, por via erudita, de litteratura entraram, sob formas muito seme- Ihantes — cf. castelhano: literatura; francés: littérature; italiano: letteratura ; inglés: literature —, na segunda metade do século XV, sendo um pouco mais tardio o seu aparecimento na lingua alemi (século XVI) ¢ na lingua russa (século XVM). Na lingua portuguesa, encontrdmos documentado o lexema literatura num texto datado de 21 de Marco de 1510(?). ()—CE. Quintiliano, Inst. or., I, 1, 4. Utilizamos lexema, de uso virio na terminologia da lingufstica con- temporiinea, em conformidade com P.H. Matthews, Inflectional morpho- logy, Cambridge, at the University Press, 1972, pp. 160-162, e com John Lyons, Semantics, Cambridge, Cambridge University Press, 1977, vol. 1, . 18-20. Pe (2).—CE. Actas dos Conselhos da Universidade de 1505 a 1537. Publi- cadas por Mério Brando. Coimbra, Publicagdes do Arquivo da Uni- versidade, 1968, vol. I, p. 122: «[...] & os ditos doctores [tom] deram suas Z ‘FEORIA DA LITERATURA O lexema complexo litteratura, derivado do radical litera —letra, cardcter alfabético —, significa saber relativo ‘& arte de escrever e ler, gramitica, instrugio, crudigio. Em autores cristios como Tertuliano, Cassiano e S. Jerénimo, litteratura designa um corpus de textos seculares e pagaos, contrapondo-se a seripturd, lexema que designa um corpus de textos sagrados.(3) O litteratus — lexemta donde procedem, por via popular, letrado, e por via erudita, literafo — era o homem conhecedor da gra- miitica, aquele que sabia desenhar ¢ decifrar as letras (4) ¢ que, por isso mesmo, frufa de um privilegiado estatuto sociocul- tural.(5) Nas diversas linguas europeias, até ao século XVIII, o contetdo semantico do lexema literatura foi substancialmente idéntico ao do seu étimo latino, designando literatura, em regra, o saber ¢ a ciéncia em geral.(6) Ja ia bem avangado o século XVIII vozes € sua sciencia & literatura [...]». Num texto mais antigo, datado de 6 de Julho de 1507 ¢ publicado também na obra mencionada (p. 28), aparece a forma vocabular leteratura. (3) —CF. René Wellek, «Literature and its cognatesr, in Philip P. Wiener (ed.), Dictionary of the history of ideas, New York, Scribner's Sons, 1973, vol. IIL, p. 81; Ulrich Weisstein, Comparative literature and literary theory, Bloomington —London, Indiana University Press, 1973, p. 24- Em Tertuliano, ocorre a expressio saecularis litteratura (apud Menéndez Pelayo, Historia de las ideas estéticas en Espafia, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 31962, t. I, p. 146). (4)—CF. Paul Zumthor, Langue, texte, énigme, Paris, Editions du Seuil, 1975, p. 25. (3) A conexio da escrita com valores mégico-religiosos e, corre- latamente, com valores socioculturais de alto prestigio tem profundas raizes em varias civilizagdes, mas em particular na civilizag3o. judaico- ~ctist, na qual a Biblia, Livro por exceléncia, desempenha uma fun- a0 primacial. Sobre o livro como simbolo — do universo, da alma. de Jesus Cristo, etc. —, vide Ernst Robert Curtius, Literatura europea y Edad Media latina, México ~ Madrid — Buenos Aires, Fondo de ateaea Econémica, 1976, t. 1, pp. 423 ss.; Gabriel Josipovici, The world and the book, London, Macmillan, 1971, pp. 24-1. (9) — Escreve Montaigne (Essais, Il, 19): Julien I’Apostat [...] estoit tres-excellent en toute sorte de literatures. Luzin, num dos capitulos da sua Poética publicados com extensas refundigées na edigio de 1789, emprega literatura com este significado: «Desde que cl Imperio Romano empezs a desplomarse, fueron czycndo también envueltas en sus ruinas las ciencias y las artes, que en su grandeza e fortuna se afirmaban pero se conocié més esta decadencia después que inundaton a Italia, Francia 2 0$ CONCEITOS DE LITERATURA E LITERARIEDADE (1773), quando os beneditinos de Saint-Maur comegaram a ublicar a Histoire littéraire de la Francée, neste titulo, o signi- ficado do adjectivo littéraire torna-se bem explicito nos dizeres que a ele se seguem: ¢...] ot I’on traite de origine et du rogrés, de la décadence et du rétablissement des sciences parmi ies Gaulois et les Francais». O adjectivo literdrio referia-se, assim, a tudo quanto dissessé respeito as ciéncias e as artes, em geral.(?) Tal como literatura, lexemas € sintagmas como letras, letras humanas e, a partir do século XVII, belas-letras (*) designam conhecimento, doutrina, erudigio — um conhe- cimento que tanto dizia respeito aos poetas ¢ aos oradores como aos gramaticos, aos filésofos, aos matematicos, etc. (9) ‘Anderiormente a segunda metade do século XVIII, quando se pretende denominar a arte e€ 0 corpus textual que actualmente designamos por literatura, s40 utilizados lexemas € sintagmas como poesia, eloquéncia, verso e€ prosa, (1) etc. y Espafia las naciones septentrionales, gente marcial, feroz y ajena de toda literatura» (cf. Ignacio de Luzin, La poética. Reglas de la poesia en gerieral y de sus principales especies. Edicién, prdlogo y glosario de Russell P. Sebold. Barcelona, Editorial Labor, 1977, pp. 140-141). (7) —Francisco Dias Gomes, poeta e notavel critico literrio portu- gués setecentista (1745-1795), refere-se ao «systema litterario» como com- preendendo a Escultura, a Pintura, a Mathematica, a Historia, a Elo~ quencia, a Musica, e a Poesia», isto é, como sendo o conjunto das artes € das ciéncias (cf. Francisco Dias Gomes, Obras poeticas, Lisboa, na Typo- graphia da Acad. R. das Sciencias, 1799, pp. 12-13). (8) —O simtagima fixo belas-letras € hoje usado raramente e adquiriu mesmo uma conotacio pejorativa, mais notéria em lexemas como beletrismo, beletristica e beletrista. ; (°)—CF. Claude Cristin, Aux origines de Uhistoire litéraire, Grenoble, Presses Universitaires de Grenoble, 1973, pp. 86 ss.; Marc Fumaroli. Lage de Véloquence. Rhétorique et “res literaria’” de la Renaissance au seuil de 'époque classique, Genéve, Librairie Droz, 1980, pp. 17 ss. (°°) — O sintagma verso e prosa, indicativo de que nao se julga poesia como denominagio ajustada para todos os textos literérios, ocorre com alguma frequéncia em autores do século XVI: «Sia versato nei poeti € non meno negli oratori ed istorici ed ancor esercitato nel scrivere versi € prosa, massimamente in questa nostra lingua vulgare» (cf. Baldassarre 3 ‘TEORIA DA LITERATURA Na segunda metade do século XWIII, 0 lexema literatura apresenta uma profunda evolucZo seméntica, em estreita cone- xdo com as transformagées da cultura europeia nesse perfodo histérico.;!1) Subsistem no seu uso, por forga da tradigio lin- ufstica e cultural, os significados j4 mencionados, mas mani- fstam-se também, em correlacio com aquelas transformacées, novos contetidos semanticos, que divergem dos anteriormente vigentes e que divergem também entre si. A. polissemia crescente do lexema, funcionalmente indis- socidvel de miiltiplos contextos situacionais heterogéneos, histo- ricamente resultantes das referidas transformagées sociocultu- rais, encontra-se curiosamente documentada no artigo intitulado dittératures que figura no Dictionnaire philosophique de Vol- taire (12) © em cujo inicio se 1é: ittérature; ce mot est un de ces termes vagues si fréquents dans toutes les langues».(13) Depois de recordar que littérature equ'valia 8 gramatica dos gregos e latinos, Voltaire caracteriza a literatura como wima forma particular de conhecimento —«une connaissance des ouvrages de goiit, une teinture d’histoire, de poésie, d’élo- quence, de critiques—, mas nio como uma arte espectfica. Castiglione, II libro del cortegiano. A cura di Ettore Bonora. Milano, Mursia, 1972, p. 87); all che avienne percid, che quantunque di trecento anni e pitt per adietro infino a’ questo tempo, c in verso e.in prosa, molte cose siano state in questa lingua scritte da molti scrittori, si non si vede ancora chi delle leggi e regole dello scrivere abbia scritto bastevolmente» (cf. Pietro Bembo, Prose e rime. A cura di Carlo Dionisotti. Torino, U.T.E.T., 21966, pp. 74-75). Sobre os debates, entre os teorizadores ¢ criticos lite- rérios da Renascenga italiana, em torno do problema de saber se as fic gOes em prosa podem ser consideradas poesia, vide Baxter Hathaway, The age of criticism: The late Renaissance in Italy, Wthaca —New York, Cor- nell University Press, 1962, pp. 87-117. (11) — Sobre a evolusio semntica do lexema literatura, os estudos fandamentais, além do jé mencionado de René Wellek, so os seguintes: Robert Escarpit, «La définition du terme littératures, Actes du II Con- grés de P Association Internationale de Littérature Comparée, The Hague, Mouton-Gravenhage, 1962, pp. 77-89 (estudo republicado em Rebert Escarpit et alii, Le littéraire et le soc:al. Eléments pour une sociologie de la litté= rature, Paris, Flammarion, 1970, pp. 259-272); Raffaele Sitri, Che cosa 2 la letteratura, Napoli, De Simone Editore, 21974. i) —Este artigo fragmentério nfo aparece nas edigdes do Diction- naire philosophique que reproduzem a edicio de 1769. (13)— CE. Voltaire, Dictionnaire philosophique, Patis, chez Ménard et Desenne, 1827, t. X, p. 173. 4 O$ CONCEITOS DE LisERATURA B TITERARIED DE, Este conhecimento, porém, ¢ avaliado por Voltaire em termos depreciativos, contrapondo o conceito de génio, com todas as suas positivas implicagSes pré-rominticas no dominio da criatividade artistica, aos conceitos de literatura e de literato, a que associa as ideias de saber ¢ de actividade critica com estatuto de subalternidade em relagio 2 grandeza do génio: «La littérature n’est point un art particulier; c'est une lumiére acquise sur les beaux-arts, lumiére souvent trompeuse, Homére était un génie, Zoile un littérateur. Corneille était un génie; un journaliste qui rend compte de ses chefs-d’oeuvre est un homme de littérature.»(14) Por outro lado, Voltaire diferencia o conhecimento repre- sentado pela literatura e possuido pelo littérateur ¢ 0 conheci- mento possufdo pelo savant e representado pela filosofia e pela ciéncia — conhecimento este que exige «des études plus vastes et plus approfondies» —, ilustrando tal distingio com 0 exemplo do Dictionnaire historique et critique de Bayle, obra que no podia ser designada como «un recueil de. littérature. O conheci- mento representado pela literatura, quando diz respeito a objec- tos caracterizados pela beleza, como a poesia, a eloquéncia, «a histéria bem escrita», toma o nome de belle littérature, no cabendo tal designacio, porém, 4 simples critica, 4 polimatia, 4 cronologia, etc., j4 que tais actividades, bem como os escri- tos delas resultantes, carecem de beleza. Se a denominacio de belle littérature implica, por conseguinte, a existéncia de valores estéticos, a simples denominacio de literatura implica rela- do com as letras, com, a arte da expresso através da linguagem verbal e por isso mesmo Voltaire nio considera como perten~ centes 4 literatura aquelas obras que se_ocupam da _pintura, da arquitectura ou da misica: «Ces arts par cux-mémes n’ont point de rapport aux lettres, 4 l’art d’exprimer des _pensées: (14) —E Voltaire acrescenta: «On ne distingue point les ouvrages d’un potte, d'un orateur, d'un historien par ce terme Vague de littérature, quoique Jeurs auteurs puissent étaler une connaissance trés variée, et posséder tout ce qu’on entend par le mot de lettres. Racine, Béileau, Bossuet, Fénelon, qui avaient plus de littérature que leurs critiques, seraient trés mal a propos appelés des gens de lettres, des littérateurs; de méme quad he ie boshcnie’ pas 2'dee que’ Newton et Locke sour des geus esprit» (op. cit., p. 175). ‘TEORIA DA LITERATURA ainsi le mot ouvrage de littérature ne convient point 3 un livre qui enseigne I’architecture ou la musique, les fortifications, la castramétation, etc.; c'est un ouvrage technique.»(15) Num texto de Diderot escrito em 1751, anterior portanto ao artigo do Dictionnaire philosophique atrés analisado — as Recherches philosophiques sur Porigine et ta nature du beau (16) —, ocorre o emprego de littérature nos seguintes contextos verbais: «Ou lon considere les rapports dans les moeurs, et l'on a le beau moral; ou on les considére dans les ouvrages de littérature, et l'on a le beau littéraire; ou on les considére dans les pieces de musique, et l'on a le beau musical [...; Je me contenterai d’en apporter un exemple, pris de la littérature. Tout le monde sait le mot sublime de la tragédie des Horaces: QU'IL MOURUT».(!7) Em ambos os casos, parece irrefragavel que littérature apresenta o significado de especifica actividade cria~ dora que se consubstancia em obras caracterizadas por uma particular categoria do belo. Quer dizer, para Diderot literatura é uma arte e é também o conjunto das manifestages dessa arte, isto é, um conjunto de textos que se singulariza pela pre- senca de determinados valores estéticos (le beau littéraire). Este texto de Diderot documenta, pois, dois novos e impor- tantes significados com que o lexema literatura sera crescente- mente utilizado a partir da segunda metade do século XVII especifico fendmeno estético, especifica forma de producio, de expresso ¢ de comunicagio artisticas —e bastaré lembrar titulos de obras como Eléments de littérature (1787) de Mar- montel, De la littérature considérée dans ses rapports avec les insti- tutions sociales (1800) de Mme. de Staél —, e corpus de objectos — os textos literdrios —resultante daquela particular actividade de criagdo estética.(1®) (13) — CE. Voltaire, op. cit, p. 177. (16) — Sobre os problemas concernentes a autoria ¢ 2 datagio deste texto, veja-se a informagio introdutéria de Paul Verniére em Diderot, Oeuvres esthétiques. Textes établis, avec introductions, bibliographies, chronologie, notes ct rejevés de variantes, par Paul Verniére. Paris, Edi- tions Gamier, 1968, pp. 387-389. (17) —CE. Diderot, op. cit., pp. 420 © 422. (18) Este novo significado de literatura esti documentado, por exemplo, no titulo da revista de Lessing, Briefe die neueste Literatur Betreffend (1759-1765). 6 08 CONCETTOS DE LITERATURA E LITERARIEDADE Do significado de corpus em geral de textos literdrios, pas- sou compreensivelmente o lexema literatura a significar tam- bém o conjunto da produgio liter4ria de um determinado pais, tornando-se dbvias as implicacdes filosdfico-politicas de tal conceito de “literatura nacional” (em alemao, por exem- plo, 0 vocibulo Nationalliteratur teve ja largo curso no iltimo quartel do século XVII): cada pafs possuiria uma literatura com caracteres proprinss uma literatura que seria expressio do espfrito nacional e que constituiria, por conseguinte, um dos factores relevantes a ter em conta para sc definir a natu- reza peculiar de cada nacdo. Sintagmas como literatura alema, literatura francesa, literatura italiana, etc., foram-se tornando de uso frequente a partir das tiltimas trés décadas do século XVIII. No ano de 1772, por exemplo, comegou a ser publicada a Storia della letteratura italiana de Girolamo Tiraboschi Eis as linhas fundamentais da evolugio semantica do lexema literatura até ao limiar do romantismo. Tal evolucao, porém, nao se quedow af, mas prosseguiu ao longo dos séculos XIX (19) e XX. Vejamos, em rapido esbogo, as mais relevantes acepgies adquiridas pelo lexema neste perfodo de tempo: a) Conjunto da produgio literdria de uma época — lite- ratura do século XVIII, literatura victoriana —, ou de uma regio — pense-se na famosa distingio de M.me de Staél entre «lite- ratura do norte» ¢ «diteratura do sul», etc. Trata-se de uma par- ticularizagio do sentido que a palavra apresenta na revista de Lessing acima mencionada (Briefe die neueste Literatur betreffend). 5) Conjunto de obras que se particularizam e ganham feicio especial quer pela-sua origem, quer pela sua temitica ou pela sua intengdo: literatura feminina, literatura de terror, lite- ratura revoluciondria, literatura de evasao, etc. c) Bibliografia existente acerca de um determinado as- sunto. Ex.: «Sobre o barroco existe uma literatura abundante». Este sentido € préprio da lingua alema, donde transitou para outras Iinguas. (19) —Jé ia adiantado o século XIX (1868), ainda Renan sublinheva, nas suas Questions contemporaines, © cunho neolégico do lexema litera tura: «L’ensemble des productions qu'on appelait autrefois les "ouvrages de Tesprit” et qu’on désigne maintenant du nom de littérature» (apud R.Wellek, loc. cit, p. 82). TEORIA DA LITERATURA 4) Retérica, expresso artificial. Verlaine, no seu poema Art poétique, escreveu: «Et tout le restt, est littératures, identi- ficando pejorativamente literatura e expressio retérica, falsa e artificial. Este significado depreciativo do lexema data do Ultimo quartel’ do século XIX (2) e é de origem francesa, mas a contraposi¢a0 poesialliteratura procede de teorias romin- ticas que correlacionam poesia com natureza ¢ literatura com civilizagao (21). A desvalorizagio do conceito de literatura, que pode proceder de uma atitude filosdfico-existencial de tipo vitalista — e nesta perspectiva se compreende bem o significado negativo de um sintagma como fazer literatura (22?) —, de uma ()—Este significado depreciativo de literatura—e de literério— esta bem documentado, por exemplo, nas Palavras loucas (Coimbra, Franga ‘Amado, Editor, 1894) de Alberto de Oliveira: “[...] nada que apetega reler nos dias em que se tem o nojo da Literatura ¢ a amarga certeza de que a Vida no sio anedotas” (p. 18); “E veria, em seguida, que na obra de Goncourt n3o h4 um largo sopro de humanidade: tudo ali é literdrio méveis velhos” (p. 19) ; “Que insuportavel ¢ falso que V. é, com toda essa literatura! E chamam a isso finura de anilise, subtileza, compreensio da Nuanga. No meu ponto de vista, tudo isso é literatura, e da pior. Incoerente, postico, construido sobre a areia movedica de uma sugestdo que eu nego” (p. 42). Outro lexema do mésmo paradigma etimoldgico de literatura que adquiriu um significado fortemente pejorativo foi literato (¢ derivados seus como literatice, literatismo, literatagem, literatelho, literateiro, etc.). (21) — Veja-se uma andlise das raizes roménticas desta contraposicio, segundo uma perspectiva histérico-literdria prevalentemente italiana, em Raffaele Sirti, Che cosa é la letteratura, pp. 86 ¢ ss. No plano teérico- “conceptual, a contraposi¢ao poesialliteratura foi sobretudo fundamen- tada e desenvolvida por Benedetto Croce. Dentre a copiosa bibliografia de Croce, cf. sobre tal problema o volume La poesia (Bari, Laterza, °1963) € 0 ensaio «La posta, opera di verita; Ia letteratura, opera di civilt’», inserto na sua obra Indagini su Hegel e schiarimenti filosofici (Bari, Laterza, 21967). (22) —Cf, e.g., José Régio, Péginas de doutrina e critica da «Presengav (Porto, Brasflia Editora, 1977): «O exagerado gosto da retérica (e diga-se: da mais cediga morde os proprios temperamentos vivos; ¢ se a obra dum mogo traz probabilidades de prolongamento evolutivo, raro esses germes de literatura viva se desenvolvem. O pedantismo de fazer literatura cor- rompe as nascentes» (p. 18). A literatura viva, isto é, «aquela em que 0 artista insuflou a sua prépria vida, contrapée Régio a literatura profis- sional, a literatura mais ou menos mecdnica (op. cit., p. 18), a literatura fradesca, a literatura livresca, a literatura de literato Cp. it, p. 54)- & OS CONCEITOS DE LITERATURA LITERARIEDADE stura vanguardista que rompe iconoclasticamente com a iteratura institucionalizada —foi o caso do dadaismo — ou de uma concepg4o- m4gico-oracular e esotérica da escrita poé- tica—e assim aconteceu com o romantismo, o simbolismo e 0 surrealismo—(?3), conduz logicamente ao conceito de anti- literatura, ou seja, conduz a teoria € 4 prdtica de uma escrita que pretende corroer e destruir as convengdes, as normas ¢ os valores socioculturalmente aceites como caracteristicos da literatura.(24) e) Por elipse, emprega-se simplesmente literatura em vez de histéria da literatura. Por meton{mia, literatura significa também manual de historia da literatura. g) Literatura pode significar ainda conhecimento sistemati- zado, cientifico, do fenémeno literrio. Trata-se de um signi- ficado caracteristicamente universitério do lexema e ocorre em sintagmas como literatura comparada, literatura geral, etc. Génese histérico-cultural do conceito de lite- ratura Como se conclui dos elementos expostos em 1.1., foi na segunda metade do século XVII que, em virtude de impor- (23) —Numa entrevista concedida em 1962, André Breton afirma: Je continue & ne rien apercevoir de commun entre la littérature et Ja poésie, L’une, qu’elle soit tournée vers le monde externe ou se targue d'introspection, selon moi nous entretient de sornettes; l'autre est toute aventure intérieure ct cette aventure est la seule qui m’intéresse» (apud Gérard Durozoi e Bernard Lecherbonnier, Le surréalisme. Théories, th- mes, techniques, Paris, Larousse, 1972, p. 35). Sobre a desvalorizacio do conceito de literatura no dadafsmo e no surrealismo, cf. Albert Léonard, Ts crise du concept de littérature en France au XX* sitcle, Paris, José Corti, 1974, pp. 33-49- (24) — Encontra-se um cstudo minucioso ¢ bibliograficamente muito tico do conceito de antiliteratura, em Adrian Marino, Dictionar de idei literare, Bucuresti, Editura Eminescu, 1973, vol. I, s.v. Antiliteratura. © conceito de ‘antiliteratura est correlacionado com outros conceitos difandidos sobretudo por movimentos da vanguarda literéria: antiarte, anti-herbi, antiromance, etc. TTHORIA DA LITERATURA tantes transformagdes seminticas, o lexema literatura adquiriu os significados fandamentais que ainda hoje apresenta: uma arte particular, uma especifica categoria da criacio artistica e um conjunto de textos resultantes desta actividade criadora. O que explica que tenha sido naquele periodo histérico que se verificatam tais transforrnagdes semanticas? ‘As razdes explicativas so de varia ordem, embora inti- mamente conexionadas. Por um lado, o lexema ciéncia adquiriu entio um signi- ficado mais estrito, em consequéncia do desenvolvimento da ciéncia indutiva e experimental, de modo que se tornou cada vez menos aceitdvel incluir nas belas-letras os escritos de caracter cientifico. Em consonancia com este desenvolvimento da cién- cia indutiva e experimental, ocorreu também uma progressiva valorizacio da técnica, difundindo-se a consciéncia de que tam- bém as obras de contetido técnico nfo cabiam dentro do ambito das belas-letras (25). Paralelamente com esta crescente especificagio epistemo- légica da ciéncia indutiva e da tecnologia, foi ganhando fun- damentacio e consisténcia teor¢ticas o reconhecimento da exis- téncia de uma esfera de valores peculiares ¢ irredutiveis, por exemplo, aos valores da moral ou da ciéncia—a esfera dos valores da arte, dos valores estéticos. Duas datas, 1735 —em que Baumgarten ctia, na sua obra Meditationes philosophicae de nonnulis ad poema pertinentibus, o lexema estética(2*) —e 1790 — em que Kant fundamenta e analisa, na sua Kritik der Urteilskraft, a existéncia auténoma dos valores estéticos —, podem ser consideradas como marcos fundamentais deste pro- cesso de reconhecimento filoséfico da peculiaridade e da auto- nomia dos valores estéticos. Assim se constitufa wma das antinomias fundamentais da cultura ocidental nos dois iiltimos séculos—a antinomia da chamada cultura humanistica versus cultura cientifico-tecnol6- gica. Q fenémeno literério representou, desde o inicio, 0 mais relevante factor do primeiro pélo desta antinomia e a sua (25) — Veja-se 0 citado artigo «Littératurer de Voltaire. (28) Em 1750, publicou Baumgarten a sua obra Aesthetica, 0 pri- meiro livro 1 ser assim intitulado 10 08 CONCEITOS DE LITERATURAE LITERARIEDADE importincia haveria de alargar-se com o romantismo, quer como sistema de valores oposto A ciéncia, 4 técnica ¢ A civi zagio burguesa, cujo progresso dependerd crescentemente do suporte cientifico-tecnolégico, quer como. sistema de valores susceptivel de funcionar em sub-rogacio de cédigos éticos credos religiosos em crise (a literatura erigida em valor absoluto, teorias da arte pela arte, etc.). Ora, como observa E. D. Hirsch, Jr., «Strong evidence, including that accumulated in controlled experiments, exists to support the view that unitary words tend to replace phrases only when a new interest or impor- tance is attached to the concept represented by the phrase.»(27) Quer dizer, em confronto com sintagmas como belles-lettres, polite letters ¢ outros similares, o lexema literatura — uma cuni- tary word», segundo a terminologia utilizada por Hirsch — encontrou, sobretudo desde a segunda metade do século XVIII, circunstancias de ordem cultural que propiciaram e, de certo modo, determinaram a evolugio seméntica que veio' a conhe- cet. O significado da outra «initary word» que poderia ter competido semanticamente com literatura, o lexema poesia, passou a estar cada vez mais, do século XVII em diante, ou circunscrito a um dominio bem particularizado da producio literéria, ou alargado a um ambito, quer relativo ao belo artis- tico, quer relativo ao belo natural, que transctnde a esfera da literatura. Por outro lado, verificou-se nas literaturas europeias, desde as primeiras décadas do século XVII, uma acentuada valori- zagio de textos ¢ géneros literérios cm prosa, desde o romance ao ensaio ¢ A satira ideoldgico-politica. Se o racionalismo neo~ clissico € 0 "espfrito filos6fico” iluminista desempenharam importante papel na valorizagio de uma prosa literdria apta 4 comunicagao e ao debate de ideias, o pré-romantismo rasgou novos horizontes 4 prosa literdria, com 0 romance, a novela, as memérias, a biografia e a autobiografia — géneros literdrios que adquiriram entio um estatuto estético ¢ sociocultural de que nio usufrufam nos séculos anteriores. Esta importancia crescente da literatura em prosa est4 relacionada com um dos (27) —Cf. E. D. Hirsch, Jr., The aims of interpretation, Chicago— London, The University of Chicago Press, 1976, pp. 132-133. 7 TEORIA DA LITERATURA grandes fendmenos culturais ¢ sociolégicos ocorridos.no. século XVIII: 0 alargamento substancial do piblico leitor, alarga- mento que reflecte profundas alteragdes entretanto operadas na sociedade — acesso 4 esfera da cultura de uma classe bur- guesa cada vez mais poderosa ¢ influente em todos os planos € caracterizavel jd, em termos veblenianos, como uma leisure class—e que origina, com naturais efeitos de feedback, um vigoroso desenvolvimento da indistria e do comércio livrei- tos, a proliferacio de instituigdes que possibilitam ¢ promovem a Jeitara (bibliotecas pablicas, gabinetes e sociedades de lei- tura),(?) © aparecimento, pela primeira vez na histéria, de escritores fruindo da possibilidade de viverem do rendimento proporcionado pelas suas obras (*°) e 2 formacio de uma opi- hido piiblica que hi-de exercer wma fancio relevante nio 36 no campo dos problemas ideolégico-politicos ¢ sociais, mas também no dominio das manifestagdes artisticas. (7°) Dentro de tal condicionalismo, nio era poss{vel impor a designago genérica de poesia a uma producdo literaria em que avultavam cada vez mais, quer sob 0 aspecto quantitativo, quer sob 0 aspecto qualitativo, os textos em prosa. Poesia passou a designar prevalentemente os textos literérios que apresen- tavam determinadas caracteristicas técnico-formais (3!) ou entéo (2) — Sobre tal matéria, em rela¢io 4 Franga, cf. Frangois Furet (ed.), Livre et société dans la France du XVIII" siécle, The Hague — Paris, Mouton, 1965-1970, 2 vols. (9) —A constituigio de um piblica leitor suficientemente nume- roso € com capacidade pecunidria para adquirir varios milhares de exem- plates da edi¢3o de uma obra representou o infcio do fim da instituigio mecenatica no 4mbito da literatura e a possibilidade de o escritor se liber- tar das dependéncias e tutelas ccanémico-financeitas que, muitas vezes, condicionayam gravemente a expressio das suas ideias. Acerca da trans- formacio, no século XVIII, da carreira do homem de letras numa autén- tica profissio liberal, veja-se Georges Gusdorf, Les principes de la pensée ay siscle des Lumitres, Paxis, Payot, 1971, t. IV, pp. 503 $5. (2) —A génese ¢ a fungio da opinido pitblica na sociedade burguesa setecentista encontram-se magistralmente analisadas em Jiirgen Haber- mas, Storia e critica dell’cpinione publica, Bati, Laterza, 1977 (titulo ori- ginal: Strukturwandel de Oeffentlichkeit, Neuwied, Hermann Luchterhand Verlag, 1952). (3) —Luzén, na sua Podtica, exprime bem esta tendéncia, ao deli- mitar claramente a poesia stricto sensu da prosa literéria: Digo hecha 12 0S CONCEITOS DE LITERATURA E LITERARIEDADE passou a designar uma categoria estética’ susceptivel de quali- ficar quer obras artisticas ndo-literdrias, quer determinados aspectos e manifestagdes da natureza ou do ser humano.(7”) Tinha de se adoptar portanto outra_designac3o genérica mais extensiva. Essa designacio foi literatura.(?°) con versos, sefialando el instrumento del cual se sirve la poesia, a distin- cién de las demés artes imitadoras, las cuales se sirven de colores. de hier- ros 0 de otros instrumentos y nunca de versos. A mas de csto, es mi inten- cién excluir con estas palabras del niimero de poemas y privar del nombre de poesia todas'las prosas, como quicra que imiten ‘costumbres, afectos oe acciones humanas (cf. Ignacio de Luzan, op. cit., p. 162). No século XVIII, todavia, ha quem defenda doutrina contratia a esta. Diderot, por cxem- plo, escreve: «D’ott Ion voit qu'une tragédie en prose est tout autant un poéme, gu’unc tragédie en vers; qu'il en est de méme de la comédie et du roman» (cf. Diderot, Oeuvres esthétiques, p. 217). O problema, como 4 ficou assinalado — veja-se a nota 9 do presente capitulo —, nio era novo ¢ veio a tornar-se ainda mais complexo no século XIX, com 0 aparecimento do poema em prosa. Na lingua alemi, aliés, um lexema como Dichtung apresenta um significado que pode abranget também a pros literdria. E em todas as linguas curopeias, actualmente, um lexema como poética funciona com um significado equivalente ao de teoria da litera~ tura. (2) — Nos Essais sur la peinture, afirma Diderot: «Mais en laissant aux mots les acceptions regues, je vois que la peinture de genre a presque toutes les difficultés de la peinture historique, qu'elle exige autant d’esprit, d'imagination, de poésie méme [...]» (cf. Diderot, op. cit., p. 726). E numa das notas que Frédéric-Melchior Grimm escreveu para estes ensaios de Diderot, lé-se: «Quelle que soit la définition de la peinture, il faudra toujours y faire entrer la poésie comme chose essentielle» (ibid., p. 734). A aplicacio da categoria estética de poesia a uma paisagem, a um rosto, a um olhar, a um acontecimento, etc., tornou-se corrente com a lite- ratura_roméntica. (2) — Um testemunho bem significative da nova fungio semin- tica atribuida ao lexema literatura € fornecido pela variagdo do titulo, da primeira para a segunda edicio, da obra em que Aurelio-Georgio Bertola di Georgi deu a conhecer 20 publico italiano, pela primeira vez, a literatura alema: a primeira edigio intitula-se Idea della poesia alemanna (Napoli, 1779), a0 passo que a segunda edigio se intitula Idea della lette- ratura alemarna (Lucca, 1784). A diferenga do titulo explica-se pela inclu- sio, na segunda edicio, de informagdes sobre romances e novelas da lite ratura alema (cf. René Wellek, ‘loc. cit., p. 82). 13 TTRORIA DA LITERATURA 1.3. Do conceito de literatura ao conceito de litera- tiedade © esbogo atrés delineado da histéria semantica do lexema literatura deixa logo prever as dificuldades inerentes ao esta belecimento de uma definic&o do respectivo conceito: o lexema é fortemente polissémico; 0 conceito de literatura é relativa~ mente moderno e constituiu-se, apés mais de dois milénios de produgao literétia, em fungio de um determinado circuns- tancialismo histérico-cultural; a literatura nio consiste apenas numa heranga, num conjunto cerrado e estdtico de textos inscrito no passado, mas apresenta-se antes como um ininter- rupto processo histérico de produgao, de novos textos — pro- cesso este que implica necessariamente a existéncia de especi- ficos mecanismos semidticos nao aliendveis da esfera da histo- ricidade e que se objectiva num conjunto aberto de textos, os quais no sé podem representar, no momento histérico do seu aparecimento, uma novidade e uma ruptura imprevisiveis em felago aos textos j4 conhecidos, mas podem ainda provo- car_modificagdes profundas nos textos até entio produzidos, na medida em que propiciam, ou determinam, novas leituras esses. mesmos_ textos. Na época positivista, as dificuldades e os melindres do estabelecimento do conceito da literatura foram simplista e radi- calmente suprimidos, ao aceitar-se como literatura, seguindo talvez a sugestio oferecida pela etimologia do vocdbulo, todas as obras, manuscritas ou impressas, que representassem a civi- Yizago de qualquer época e de qualquer povo, independente- mente de possufrem, ou nao, elementos de ordem estética: «Considéré historiquement, le domaine de la littérature est des plus vastes. Il comprend dans leur suite tous les ouvrages desprit qui se produisent 4 toutes les époques, chez tous les peoples et qui en marguent T'état intellectyel”tistal, social, le degré de civilisation». (34) C)—-C£. G. Vapereau, Dictionnaire universel des littératures, Paris, Librairie Hacherte, 1876, p. 1259. Defini¢io demasiado abrangente, pot um lado, j4 que abarca textos historiogréficos, textos juridicos, textos teoldgicos, etc.; definicio demasiado e.treita, por outro, jé que exclui os textos da literatura oval. M4 08 CONCEITOS DE LITERATURA © LITERARIEDADE Em clara e consciente reacgio contra este conceito posi- tivista de literatura, que dominou em tantos manuais de his~ téria literdria da segunda metade do século XIX ¢ ainda das primeiras décadas do século XX, os trés mais influentes e mais fecundos' movimentos de teoria ¢ critica literdrias da primeira metade do século actual — 0 formalismo russo, o new criticism anglo-norte-americano ¢ a estilistica (?5) — coincidem no reco- nhecimento da necessidade urgente, metodologicamente prio- ritdria, de estabelecer com rigor um conceito de literatura qua literatura, isto ¢, enquanto fenémeno estético especifico. TAcita ou explicitamente, proponham, ou no, taxativas definicdes de literatura, o formalismo russo, o new criticism € a estilistica advogam 0 princfpio de que os textos literérios possuem carac- teres estruturais peculiares que_os diferenciam inequivocamente dos textos nao-literdrios, dai procedendo a viabilidade ¢ a legi- timidade de uma definic3o_referencial de literatura. Corda. tivamente, A especificidade objectiva dos textos literdrios deverd corresponder a especificidade dos métodos ¢ processos de and- lise desses mesmos textos. Para designar a especificidade da literatura, criou Roinan Jakobson, num dos seus -primeiros estudos, 0 vocdbulo literaturnost’, isto é, literariedade: «Assim, ‘9 objecto da ciéncia da literatura nao é a literatura, mas a lite- rariedade, isto é, 0 que faz de uma determinada obra uma obra literdria». (3°) A. conviccdo de que ¢ possivel ¢ necessirio estabelecer uma definigio referencia] de literatura qua literatura difundiu-se amplamente nos estudos literdrios durante os dltimos anos, quer a nivel da teoria e da investigagio, quer a nivel da difusio escolar. Recentemente, porém, alguns investigadores contra- puseram sérias reservas e objeccdes a tal convicgdo. Dada a (°) —Sobre 0 formalismo russo, 0 new criticism anglo-americano ea estilistica, vide os capitulos 15, 16 ¢ 17 desta obra. (°°) —Cf. Roman Jakobson, Questions de poétique, Paris, Editions du Seuil, 1973, p. 15. Esta afirmagio de Jakobson, que se encontra no seu estudo intitulade ¢A nova poesia russa» (1921), exerceu uma profunda influéncia na constituigio da teoria do chamado’ método formal, como se pode inferir, por exemplo, da relevincia que Ihe concede Boris Ejchen- baum (veja-se, deste autor, © volume Il giovane Tolst3j. La teoria del metodo formale, Bari, De Donato, 1968, pp. 145-146). 1s TRORIA DA LITERATURA importancia intrfnseca destas reservas ¢ objecgGes, vamos pas- sar a analisi-las, 1.4. ObjecgSes a uma definicao referencial de lite- ratura As teservas e objecces ao estabelecimento de uma definicio referencial de literatura sio representadas fondamentalmente por duas ordens interligadas de argumentos: a) Em primeiro lugar, considera-se que «there is no trait or set of traits which all works of literature have in common and which could constitute the necessary and sufficient condi- tions for being a work of literature. Literature, to use Witt- genstein’s terminology, is a family-resemblance notion.»(>") A convics%o assim manifestada por John Searle encontra-se também advogada, com pequenas variagbes, pot outros influen- tes autores: E. D. Hirsch, Jr., afirma que diterature has no independent essence, aesthetic or otherwise. It is an arbitrary classification of linguistic works which do not exhibit common distinctive traits, and which’ cannot be Jefined as an Aristo- telian species» ;(?8) John M. Ellis denuncia «the error of assuming that literariness consists in textual properties, instead of the decision by the community to use the given text in a charac- teristic fashiony;(?°) A. J. Greimas reconhece, de modo con- cordante, que

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