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Anotações sobre o universal e a diversidade

Anotações sobre o universal e a diversidade*

Renato Ortiz
Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

O termo universal é polissêmico, o uso que dele camente), passível de ser compreendido e ordenado
fazemos remete a diferentes tradições de pensamento. segundo a razão: a humanidade.
Uma primeira acepção vincula-se à herança do Foucault (2002) acredita que esse seria um dos
Iluminismo. Universal define uma qualidade da “natu- pilares da epistéme moderna que se consolida no fi-
reza humana”. Os pensadores dos séculos XVII e XVIII nal do século XVIII. Existiria assim uma história uni-
divergiam na sua avaliação a respeito da sociedade, da versal; ela é teleológica para Hegel, um aperfeiçoa-
passagem do estado selvagem para a vida coletiva, das mento contínuo para Condorcet; malgrado as
formas de governo dos povos (democracia, despotis- diferentes abordagens, permanece um núcleo
mo, monarquia), da hierarquia das raças e da origem inalterado, o substrato de toda e qualquer universali-
da linguagem. No entanto, eles partiam de um mesmo dade. Este é o sentido do texto de Kant (1991): O que
princípio: o homem. Esse é um ser objetivamente dado, é o Iluminismo?. Sua resposta à pergunta é clara: é a
raiz de toda sociedade, independentemente da forma saída do homem para fora do estado de tutela pelo
como ela se autogoverna ou se estrutura. Ser racional, qual ele mesmo é responsável. Postula-se portanto a
capaz de sair do estado da natureza por meio de um existência de um homem guiado pela razão (ele é ca-
contrato social no qual o bem comum seria superior à paz de sair do estado de tutela) e um conjunto de va-
vontade individual desregrada. O humanismo das Lu- lores pelos quais ele age no mundo: espírito de liber-
zes funda-se nessa categoria transcendente e abstrata, dade, uso público da razão, responsabilidade.
ela permite as generalizações filosóficas sobre um con- “Natureza humana” associa-se, assim, a metavalores
junto diverso (historicamente) e homogêneo (filosofi- cuja realização seria evidentemente necessária. Quan-
do Habermas escreve que “a modernidade é um pro-
jeto inacabado”, ele pressupõe a manifestação desses
* Conferência de abertura da 29ª Reunião Anual da ANPEd, valores universais; eles seriam transcendentais e an-
realizada em Caxambu, MG, de 16 a 20 de outubro de 2006. teriores à sua efetivação histórica, e em princípio fun-

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dariam e legitimariam a existência das sociedades confirmação) da origem e da evolução dos hominí-
modernas. A mesma premissa encontra-se em autores deos. No entanto, há algo de insatisfatório nisso tudo.
como Karl Apel, que considera imprescindível a exis- No momento em que se determina um substrato co-
tência de uma ética universal no contexto da globali- mum a todos, um elemento específico os distancia: a
zação. Somente ela, o solo partilhado por todos os cultura. A linguagem é uma faculdade universal dos
habitantes do planeta, seria capaz de estabelecer o seres vivendo em sociedade, mas as línguas, enquan-
diálogo permanente entre os indivíduos e as civiliza- to atualização da linguagem, os separa e os divide.
ções em conflito. Há vários inconvenientes em rela- Esse é o dilema de Babel, evento que alimentou em
ção a esse tipo de abordagem. Prudentemente, ela evita muitos pensadores a ilusão da existência de um idio-
tocar nos pontos problemáticos que a desmerecem: ma primevo, perfeito, anterior ao evento da confusão
colonialismo, imperialismo, eurocentrismo, enfim, as das línguas narrada na Bíblia. A diversidade das falas
relações de poder. Tudo se passa como se a expansão sobrepõe-se assim ao traço comum que lhes dá su-
dos povos ocidentais coincidisse com a difusão das porte. Contrastada ao reino animal, há realmente uma
Luzes. E, como sublinha Bourdieu (1997), ela se es- história do desenvolvimento dos hominídeos. Ela pode
quece ainda de que esse universal é histórico, surge ser apreendida através de um conjunto de indícios,
em determinado momento da vida de algumas socie- aumento da massa craniana, aprimoramento de algu-
dades européias, e que na disputa pelo seu “monopó- mas funções biológicas, surgimento dos utensílios, das
lio interpretativo” existem os interesses particulares vestimentas e dos funerais. O homo sapiens sapiens
daqueles que verdadeiramente o enunciam. distingue-se dos outros homo, assim como das diver-
Um outro sentido do termo exprime-se no con- sas formas de vida existentes no planeta. Entretanto,
traste que se faz entre sociedade e natureza, homem e quando lemos sobre o Paleolítico Superior, às vezes
mundo animal. Um exemplo, a distinção estabeleci- nos esquecemos de imaginar que esses homens são
da pelos lingüistas entre língua e linguagem. Esta úl- também diferentes entre si, cultivam deuses e espíri-
tima seria uma faculdade universal, ou seja, uma ca- tos diversos, inserem-se em sociedades com estrutu-
pacidade inerente ao homo sapiens. Discute-se se sua ras de parentesco específicas, falam línguas e pos-
aquisição seria um fenômeno que teria ocorrido por suem tradições particulares. Um exemplo, preferido
etapas ou abruptamente, mas há consenso em dizer de Lévy-Strauss, pode ser apontado. O incesto existe
que somente um determinado tipo de hominídeo a em todas as sociedades humanas, ele seria universal.
possui na sua plenitude (a elaboração do discurso). Não há por que negar tal afirmação, os estudos antro-
Por isso, todos os sapiens (para ser mais preciso, os pológicos a atestam, porém ela diz muito sobre o que
sapiens sapiens) partilham uma mesma qualidade. O as sociedades não são e pouco sobre como elas se
mesmo pode ser dito em relação à evolução do tama- organizam. O universal termina onde começam a cul-
nho do crânio e do patrimônio genético. Os arqueólo- tura e a língua. Esse é o problema.
gos, paleontólogos e geneticistas buscam, assim, pe- Na tradição sociológica, a noção investe-se de um
los traços universais dos seres humanos, e alguns outro significado. Para Durkheim não existe o homem,
chegam a dizer que o Paleolítico Superior (40.000 a.C. mas sim a sociedade. Sua compreensão contrapõe-se
a 10.000 a.C.) inaugura a etapa da “modernidade” à perspectiva filosófica que postula a existência de uma
humana. A metáfora não é fortuita, pois o atributo da essência a-histórica, a natureza humana. As socieda-
universalidade está intimamente associado à noção des são distintas entre si e sui generis, envolvem os
de modernidade. indivíduos e os inserem numa rede de relações sociais.
Não há como negar a importância das descober- Nesse sentido, não existiria humanidade, unidade ge-
tas arqueológicas e das pesquisas genéticas; de fato, nérica na qual “todos” estariam incluídos. Isso fica
elas permitem traçar um quadro plausível (sujeito à claro no debate com Kant (1991) a respeito das cate-

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gorias de espaço e tempo. Para os filósofos, tais no- fornecer às famílias aristocráticas (como o faz mais
ções seriam abstratas e universais; Durkheim toma o tarde Maquiavel) um código para governar. Entretan-
caminho inverso, procura demonstrar que elas são so- to, nessa época, o confucionismo era apenas uma en-
ciais e dependem da organização das diferentes socie- tre diferentes escolas de pensamento. É somente com
dades. Existiria, pois, uma sociologia das categorias a unificação do Estado chinês (221 a.C.) que seu des-
de pensamento inteiramente distinta de sua suposta tino se modifica. Nesse momento, a fragmentação do
universalidade. Também Weber nos ajuda a compreen- poder imperial, manifestada nas disputas do feudalis-
der a problemática que nos interessa. Ele denomina mo vigente, é superada por uma força política que
de religiões universais um conjunto de crenças, tais encontra sua justificativa na teoria do “governo pela
como: judaísmo, confucionismo, budismo, bramanis- beneficência”. O confucionismo, como doutrina de
mo, cristianismo, islamismo, cuja apreensão do mun- Estado, adquire agora a capacidade “universal” de
do propõe uma ética na qual o indivíduo escolheria, integrar as partes do império chinês dentro de uma
com maior ou menor grau de autoconsciência, o ca- mesma totalidade simbólica.
minho de sua salvação. Weber contrapõe essas reli- A perspectiva sociológica permite-nos afirmar:
giões às crenças mágicas, nas quais o elemento de es- existem vários universais que se contradizem uns aos
colha, de individuação, estaria contido pelas exigências outros e competem entre si (confucionismo versus
das divindades locais e as práticas do costume. budismo, budismo versus bramanismo, cristianismo
Do ponto de vista sociológico, algumas dimen- versus islamismo etc). Eles não existem em abstrato,
sões dessa universalidade, além da questão da ética, devem ser situados historicamente e qualificados em
merecem ser sublinhadas. Há, primeiro, a oposição suas especificidades. O mesmo ocorre com o termo
ao particularismo, ou seja, aos costumes, valores e diferença: ele é também polissêmico.
poderes restritos aos limites das localidades. As reli- A antropologia nos ensina que a noção de diver-
giões universais, obras de intelectuais, repousam na sidade encontra-se intimamente associada à idéia do
escrita e têm uma maior capacidade de “universaliza- outro. Debruçando-se sobre as sociedades ditas pri-
ção”. A escrita é fundamental nesse processo. Con- mitivas, os antropólogos do século XIX queriam com-
trariamente à oralidade, ela é um fator tecnológico preender um tipo de organização social radicalmente
que propicia a descontextualização das normas. O tex- distinta do mundo que conheciam. Relações de pa-
to possibilita uma liberação dos limites provinciais, rentesco, crenças mágicas e mitos encontravam-se a
abrangendo um raio de maior amplitude. Ele favore- tal ponto distantes das concepções existentes que al-
ce a expansão religiosa, via conversão, dando-lhe um guns autores, penso em Lévy-Bruhl, acreditavam ser
alcance que supera em muito o localismo das crenças impossível compreender a mentalidade pré-lógica
particulares (o mito). Outro aspecto diz respeito à desses povos.
capacidade de integração dos povos dentro de uma As pesquisas antropológicas logo descobrem que
mesma norma de sentido. As religiões universais as- as sociedades indígenas não apenas se contrapõem à
sociam-se às civilizações, e muitas vezes constituem- modernidade, como cada uma delas constituía uma
se num centro irradiador de sentido. Elas conseguem, cultura específica, uma identidade própria. Guarani,
dessa forma, integrar partes distintas dentro de um nuer, hauça são elementos descontínuos, sociedades
mesmo cosmo significativo. É o caso da China na particulares diversas umas das outras. Por isso o de-
Antigüidade. Uma de suas tradições filosóficas nas- bate sobre o relativismo cultural atravessa as discus-
ceu no século IV a.C., tendo sido codificada pelos sões dos antropólogos desde o início de sua discipli-
discípulos de Confúcio ao longo dos anos. Mêncio na. Apesar da existência de correntes teóricas de cunho
(371-298) organiza os seus ensinamentos numa ver- universalista, como o estruturalismo, a antropologia
são política coerente e orgânica, cujo objetivo seria é marcada por uma perspectiva que valoriza a unida-

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de de cada cultura. Os povos dispersos no planeta si”, uma “estrutura” ou “essência” atemporal. A di-
constituem assim uma série diversificada na qual cada versidade existe em situações históricas determina-
elemento possui características intrínsecas e irredutí- das, ela deve também ser qualificada. Nesse sentido,
veis. A história também tematiza a multiplicidade dos não é tanto a oposição em relação ao universal que
povos que se interpenetram e se sucedem ao longo do interessa, mas como a mudança de contextos incide
tempo: egípcios, sumérios, gregos, romanos, chine- sobre a nossa compreensão desses conceitos.
ses, árabes, persas. Quadro que se transforma da An- Isso nos remete à problemática da globalização.
tigüidade à Idade Média. Muitas civilizações desapa- Não tenho a intenção de trabalhá-la em suas diferen-
recem, alimentando a crença de alguns historiadores tes dimensões (o fiz em outros escritos). Quero, no
de que as sociedades humanas seriam análogas aos entanto, sublinhar um aspecto relevante para a dis-
organismos vivos. Toynbee e Spengler vulgarizaram cussão que nos concerne. Não creio na existência de
a concepção de que cada civilização experimentaria uma “sociedade global”, ou seja, em uma unidade
um momento de ascensão e outro de declínio, de vida sociológica homóloga às sociedade nacionais, na qual
e de morte. Postuladas pela metáfora organicista, suas o processo de integração das partes se faria de manei-
forças vitais extinguiriam-se com o tempo. Cada ci- ra coerente e ordenada. Ou seja, uma metassociedade
vilização possui um centro e um território geográfi- englobando todas as outras. O espaço transnacional
co; com seus costumes, língua, deuses, formas de não é da mesma natureza dos espaços nacionais. A
governo (cidade-estado, império, monarquia), que metáfora “sociedade global” ilude-nos nesse sentido
constitui uma modalidade específica. Nesse sentido, (por exemplo, muitos afirmam a existência de um es-
diversidade significa diversidade de civilizações. Por paço público transnacional como se ele fosse homó-
fim, a sociologia mostra-nos que as sociedades mo- logo ao espaço público nacional). Tampouco acredito
dernas são marcadas pela diferenciação. Elas se con- que as sociedades sejam sistêmicas. Afirmar a pre-
trapõem às sociedades tradicionais, nas quais predo- sença de um world system parece-me problemático.
minaria o espírito comunitário. Nelas há uma maior Prefiro dizer que o processo de globalização define
divisão de trabalho, uma relação mais complexa en- uma nova situação. Uma situação é uma totalidade
tre as diferentes instâncias que arbitram a vida social. no interior da qual as partes que a constituem são
Durkheim trabalha essa complexidade por meio dos permeadas por um elemento comum. No caso da glo-
pares dicotômicos solidariedade mecânica e solida- balização, essa dimensão penetra e articula as diver-
riedade orgânica; Tonnies, sociedade e comunidade. sas partes dessa totalidade. Colocar a problemática
O pólo tradicional tende a ser pensado como algo nesses termos permite-nos evitar, primeiro, um falso
mais homogêneo, enquanto a modernidade é vista problema, a oposição entre homogêneo e heterogê-
como um processo de diferenciação crescente, cor- neo, levando-nos a pensar simultaneamente o comum
rendo, inclusive, o risco de transformar-se em anomia. e o diverso. A idéia de globalização sugere-nos mui-
Dentro dessa perspectiva, a cidade torna-se o lugar tas vezes a de unicidade.
privilegiado das relações anônimas e impessoais, em Quando se fala de economia global tem-se em
contraposição aos agrupamentos rurais nos quais os mente uma única estrutura marcando as trocas comer-
contatos face-a-face favoreceriam os traços de coe- ciais em todo o planeta. Os economistas podem in-
são. Por isso Simmel a considera como o lugar no clusive medir a dinâmica dessa ordem globalizada
qual “explodem as diferenças” e se afirma a irreduti- utilizando um conjunto de indicadores: trocas e in-
bilidade do indivíduo. A modernidade carrega em seu vestimentos internacionais. O mesmo pode ser dito
bojo um forte elemento diferenciador. em relação à esfera tecnológica: ela é marcada pela
Essa digressão leva-nos a uma conclusão análo- unicidade das técnicas (computadores, satélites, ener-
ga à anterior. A diferença não possui um valor “em gia nuclear etc.). Mas teria sentido pensarmos a di-

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mensão cultural da mesma maneira? Existiria “uma sões em vias de desaparecimento; trata-se de enten-
cultura global” ou “uma identidade global”? Certa- der como esses níveis são redefinidos. Na situação de
mente que não (Ortiz, 1994, 2006b). Por isso prefiro globalização co-existe, portanto, um conjunto dife-
diferenciar entre os termos globalização e mundiali- renciado de unidades sociais: nações, regiões, tradi-
zação. O primeiro aplica-se bem à realidade técnica e ções e civilizações. A diversidade é parte integrante
econômica, o segundo adapta-se melhor ao universo dessa totalidade.
da cultura. A categoria mundo articula-se assim a uma Esse é o contexto no qual se deve problematizar
dupla dimensão. Ela vincula-se ao processo de glo- o universal e a diferença. Um primeiro aspecto mere-
balização econômica e tecnológica; sem essa dimen- ce ser sublinhado: uma mudança do humor dos tem-
são material dificilmente discutiríamos a mundiali- pos. Gostaria de marcar essa inflexão através de um
zação da esfera cultural. Mas ela também corresponde exemplo: a busca de uma língua universal. Durante
à noção de “concepção de mundo”, um universo sim- séculos, no mundo ocidental, essa aventura dominou
bólico específico, que se tece no interior do processo a imaginação teórica de diversos autores, da Idade
mas não se confunde inteiramente com ele. Concep- Média ao Iluminismo, da Revolução Francesa à cons-
ção de mundo que se contrapõe a outras visões de trução dos idiomas artificiais. Acreditava-se primeiro
mundo e que marca a diversidade dos elementos cul- na existência de um idioma falado no Paraíso, do qual
turais na situação de globalização. todas as outras falas teriam se originado. Babel rom-
Há ainda um outro aspecto que deve ser ressalta- pe esse equilíbrio, os homens já não mais se compre-
do. Do ponto de vista conceitual, ao se operar com a enderiam entre si e a paz anterior é substituída pela
idéia de situação, consigo evitar um tipo de dicoto- incompreensão generalizada. Como a confusão das
mia comum na discussão atual. Eu refiro-me aos pa- línguas decorre da interferência divina, a passagem
res de oposição: nacional/global, moderno/pós-mo- do uno ao diverso é vista como uma queda, levando à
derno, tradição/modernidade, velho/novo, passado/ separação dos povos. Nos séculos XVI e XVII os pen-
presente. Normalmente, cada um desses termos é visto sadores abandonam a idéia do mito adâmico, mas es-
como uma unidade antitética, como se entre eles exis- tão convencidos da possibilidade de inventar uma lín-
tisse uma incongruência insuperável. Creio ser essa gua universal, capaz de retratar a realidade tal como
uma perspectiva equivocada, cuja lógica excludente ela é, sem a distorção que as línguas vulgares infligi-
percebe a história de forma linear. A crítica à noção riam ao pensamento. Esse é o momento em que são
de progresso (uma das premissas do universalismo construídos diferentes sistemas de linguagem –
do século XIX) já não é mais uma novidade, não há dalgarno, wilkins, lodwick, leibniz. No XVIII, a idéia
por que retornarmos à idéia da evolução unilinear do de língua filosófica inspira-se nos mesmos ideais; ela
tempo, considerando o passado um anacronismo ma- alimenta o debate entre os filósofos e se expressa na
nifestado no presente. A situação de globalização ca- obra máxima da época, L’Encyclopédie. Ao longo do
racteriza-se pela emergência do novo e pela redefini- XIX emergem dezenas de propostas de línguas artifi-
ção do “velho”. Ambos se encontram inseridos no ciais – volapuque (1879), esperanto (1887) e muitas
mesmo contexto; nele, diversas temporalidades se outras, spokil, spelin, mundolíngua, neutral – e até
entrecruzam. Não é, pois, necessário opor tradição a meados do século XX o interesse pela existência de
modernidade, local a global. Importa qualificar de que uma interlíngua manteve-se aceso por um certo
tipo de tradição estamos falando (a tradição da mo- militantismo lingüístico. Cito um exemplo eloqüen-
dernidade ou as tradições dos inúmeros grupos indí- te. Em 1795, ano III da República, o cidadão Jean
genas) e pensá-la nas formas de sua articulação à Delorme (1975) apresenta à Convenção Nacional um
modernidade-mundo. Da mesma maneira, o local e o projeto de língua universal. Ao justificar tal empreen-
nacional não devem ser considerados como dimen- dimento, ele escreve:

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Neste momento de revolução, quando o espírito se seu pensamento, filosofia e sistema de conhecimento do
regenera para os franceses, e se lança com tanta energia, universo que a rodeia. Cada idioma é o meio pelo qual se
não se poderia esperar para tornar pública uma nova língua expressa o patrimônio cultural imaterial de um povo, e con-
que facilite as descobertas ao aproximar os sábios de dife- tinua refletindo-o ainda durante algum tempo depois que o
rentes nações, que seja mesmo um ponto comum a todas as impacto com uma cultura diferente, intrusa, poderosa e ge-
línguas, fácil de ser dominado pelos homens menos susce- ralmente metropolitana, provoca a decadência e destruição
tíveis à instrução, e que faça, com brevidade, de todos os da cultura nele implícita. No entanto, com a morte e extinção
povos uma grande família? ... as luzes aproximam e conci- de uma língua perde-se para sempre uma unidade insubsti-
liam os homens de todas as maneiras. Essa língua, facili- tuível de nosso conhecimento da cosmovisão e do pensa-
tando as comunicações, propagará as luzes. (p. 48-50) mento humanos. (Wurm, 1996, p. 1)

A luz da razão aproxima os homens, os integra Há uma inversão das expectativas. O diverso é
numa mesma comunidade e supera a ignorância entres sinônimo de riqueza, patrimônio intocável. Cada idio-
eles e as nações. Apreender e divulgar essa nova lín- ma, na sua modalidade, é um universo irredutível aos
gua é comungar os valores universais do Iluminismo. outros, sua morte seria uma perda para o conjunto
O quadro lingüístico muda radicalmente no sé- das visões de mundo dos diferentes povos. As noções
culo XXI. O otimismo anterior cede lugar a um pes- de confusão e incompreensão, intrínsecas à polêmica
simismo agudo, e os valores universalistas do mono- anterior, são substituídas por outras, elas agora pre-
lingüismo passam a ser vistos com desconfiança. Na zam o diverso e o plural. A idéia de unificação asso-
década de 1990 surgem inúmeros trabalhos sobre os cia-se então à de pesadelo, ao declínio da vida huma-
idiomas “em risco”, “em perigo”, “em sério perigo”, na. Ocorre assim uma ressemantização do mito de
“moribundos” ou “ameaçados”. A crônica dessa mor- Babel. Suas qualidades nefastas transmutam-se em
te anunciada espelha-se no Atlas de las lenguas del positividade. Pluralidade significa riqueza, e a proli-
mundo en peligro de desaparición. Elaborado pela feração dos idiomas é o sinal de sua manifestação.
Unesco, ele nos revela a agonia lenta das falas dos Em contrapartida, o unilingüismo associa-se à idéia
pequenos grupos dispersos na face da Terra. Enfren- de restrição; ele empobreceria a mente e as experiên-
tando situações profundamente adversas, diminuição cias culturais.
drástica do número de falantes, perda de prestígio, Uma maneira de se reagir a essa mudança de
necessidade de se adaptarem à convivência com as humor seria abraçar a idéia do “fim” do universal.
línguas mais fortes, elas lutam desesperadamente pela Lyotard (1979), em seu clássico livro A condição pós-
sobrevivência. A história bíblica condenava a multi- moderna, dizia que os grandes relatos tinham perdi-
plicidade das línguas, a redenção residia na espera do toda credibilidade, sendo incapazes de legitimar
messiânica e na depuração da decadência original. Ao as formas de interpretação do mundo. Restaria aos
hipertrofiar o uno, a diversidade inevitavelmente pen- pequenos relatos a capacidade de ressignificá-lo. Ha-
dia para a imperfeição. A mudança do contexto tem veria assim uma supremacia das diferenças diante das
agora novas implicações. No Atlas de las lenguas del narrativas totalizadoras. Em parte Lyotard tem razão.
mundo en peligro de desaparición, um dos argumen- Alguns relatos certamente perdem força (por
tos centrais na luta contra esse estado das coisas enun- exemplo, aqueles tecidos pelos partidos políticos, que
cia-se assim: acreditavam ser capazes, a partir de uma ideologia
específica, de construir uma ordem orgânica e totali-
Toda língua reflete uma cosmovisão e uma cultura zadora). Entretanto, alguns não significa todos. Pelo
únicas, e mostra como uma comunidade lingüística resol- contrário, é possível reconhecer, no contexto da glo-
veu seus problemas de relação com o mundo e formulou balização, no qual as certezas pós-modernas são diri-

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midas, a emergência de novos relatos totalizadores e cação, às indústrias culturais, às corporações trans-
a reatualização de antigos relatos. Esse é o caso das nacionais, aos ídolos da música pop, às estrelas de
religiões universais. Ao definirem-se como algo para cinema, constituindo uma verdadeira cultura mundia-
“além das fronteiras” elas dispõem de um potencial lizada. Como dizia Baudrillard (1970), ele é uma
de ação “universalizador”, ou seja, mundial. Na me- moral, requer uma forma de conduta – e, eu acrescen-
dida em que têm capacidade de agregar pessoas em taria –, contrapondo-se a outras moralidades de en-
escala ampliada, elas criam laços sociais e memória vergadura mundial. Daí o antagonismo, por exemplo,
coletiva. Enquanto linguagem, ideologia, concepções entre islamismo e consumismo. Alguns autores cap-
de mundo dispersas mas extensivas a grandes áreas tam muito bem esse movimento ao contrapor o
territoriais, elas vinculam os interesses e coordenam shopping à mesquita. O shopping seduz, estimula os
as ações coletivas. sentidos, imerge o indivíduo no reino das coisas, ofe-
Uma política religiosa, dispondo agora de meios recendo-lhe a sensualidade das oportunidades; em
de comunicação mais eficazes (canais de televisão, contraste, a mesquita anula sua corporeidade, retira-o
cassetes, correio eletrônico, vídeos) pode então se con- do fluxo cotidiano, sua arquitetura imponente impres-
cretizar (do interesse papal ao fundamentalismo siona, o transcende, revelando sua condição finita
islâmico). Sabemos que toda identidade é uma cons- diante da imensidão de Deus. No shopping prevalece
trução simbólica que se faz em relação a um referente, o hedonismo, a realização imediata dos desejos – I
e há certamente uma multiplicidade deles: étnicos, na- want and I want it now é o seu lema –; na mesquita
cionais, de gênero etc. Os relatos universais, para cons- eles estão suspensos, asceticamente contidos pela ema-
truírem suas centralidades, necessitam de um referente nação divina. Ela é o lugar de oração, de predicação,
mundial. Por exemplo, o discurso ecológico. Ele cons- na qual o fiel atentamente escuta os sermões que lhe
trói-se a partir do referente Terra comum a todos. Pode- ensinam a luta eterna entre o bem e o mal, o Islão e o
se assim articular uma forma de compreensão dos pro- Ocidente. O mundo feérico dos objetos é um anáte-
blemas e dela, inclusive, retirar uma ética de ação no ma, tentação a ser evitada. O consumo oferece uma
mundo: a defesa do planeta. Na situação de globaliza- promessa de vida que contradiz e compete diretamente
ção, os relatos de vocação “universalista” são com a conduta rígida e ascética religiosa. A literatura
reativados, inclusive os elementos de “resistência”, produzida pelos teólogos católicos e protestantes é
como o movimento alter-globalista, cujo intuito seria repleta de exemplos análogos. Ela nos explica que a
encontrar os caminhos para uma “outra globalização”. instituição mercado existe de longa data na história
Creio ser possível dizer que muitos desses rela- das sociedades, e nada há de errado nisso. Porém, no
tos competem e colidem entre si. Esse é o caso da passado sua existência teria sido guiada por outras
oposição entre religião e consumo. É comum perce- forças, a tradição moral, as restrições legais, e sobre-
bermos o consumo como algo exclusivo ao reino tudo as concepções religiosas. O mercado global é o
material, mera apropriação dos bens escolhidos se- contrário disso tudo, funcionaria sem nenhum freio,
gundo o gosto e as inclinações de cada um. Na verda- uma espécie de Prometeu desacorrentado. Cox (1999)
de, ele pressupõe uma ética, uma disposição alimen- escreve:
tada pelo imaginário coletivo. A publicidade não é
apenas uma técnica de venda, ela é também fonte per- [...] como teólogo cristão sugiro que a religião do
manente de exemplaridade, de estilos de vida. Como mercado, que é a substância do mercado global, de uma
as religiões, o consumo é uma floresta de símbolos, perspectiva cristã é claramente uma idolatria, uma falsa
um universo repleto de signos, mitos, um mundo com religião, mas que ao invés de combatê-la, como fizeram os
particularidades e exigências próprias. Universo de cristãos em Éfeso, eles hoje freqüentemente são coniventes
abrangência planetária, devido aos meios de comuni- com ela, e algumas vezes até mesmo a sacralizam. (p. 388)

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Religião e mercado surgem assim como entida- Dizer que a diferença é produzida socialmente
des morais concorrentes entre si. Cada uma com seus nos permite distingui-la da idéia de pluralismo. Tra-
deuses, suas exigências, sua ética própria. duzir o panorama sociológico em termos políticos é
A historicidade das diferenças exige também que enganoso, pois pressupõe que cada uma dessas múl-
elas devam ser qualificadas. Um primeiro aspecto diz tiplas unidades possui a mesma validade social. Nes-
respeito à sua não-equivalência. Dito de outra manei- sa perspectiva, a questão do poder se esvai. Desen-
ra, elas são diferentes entre si. Na situação de globali- volveu-se recentemente um tipo de literatura que gira
zação encontramos tribos indígenas, civilizações, paí- em torno da passagem do homogêneo para o hetero-
ses, nações, classes sociais etc. Os grupos indígenas gêneo. Ela está presente sobretudo nos escritos dos
nada têm de semelhantes, eles congregam povos nô- executivos das transnacionais e de certos economis-
mades, como no interior da Amazônia, e segmentos tas. A história é apreendida em termos dicotômicos,
populacionais majoritários em países como Bolívia, como se estivéssemos no umbral de uma nova era,
Peru e Paraguai. Alguns lutam pela defesa da terra, e uma “terceira onda”. Para essa perspectiva, o passa-
para preservar seu modo de vida desejam se afastar do teria sido unívoco, privilegiando os “grandes rela-
das formas modernas de organização social. Outros tos”; em contrapartida, o presente se caracterizaria
reivindicam uma maior participação na vida pública, pela disseminação das diferenças e da multiplicidade
votam, elegem presidentes da república, são parte ati- identitária. Aplicada ao mercado, tal visão otimista
va do espaço político. A diversidade das nações é tam- das coisas assimila o homogêneo ao fordismo, à pro-
bém patente, dos países que conheceram a Revolução dução em massa, e o heterogêneo ao diverso, à flexi-
Industrial ainda no século XIX aos africanos, cuja bilidade. O mundo atual seria múltiplo e plural. Dife-
emancipação ocorre somente em meados do século renciação e pluralismo tornam-se assim termos
XX. Cada nação possui uma história própria, seus con- intercambiáveis e, o que é mais grave, ambos se fun-
flitos e mitos. A diversidade manifesta-se também na dem no conceito de democracia.
esfera do mercado. Os produtos são orientados para Há nessa operação lógica algo de ideológico.
grupos específicos de consumidores, eles penetram em Ela se esquece de dizer que o pluralismo hierarqui-
determinados nichos, não em outros. Longe de ser ho- zado organiza as diferenças segundo uma relação de
mogêneo, como pensavam os teóricos da comunica- forças. Como corolário deste argumento, pode-se
ção de massa, o mercado é atravessado por uma miríade dizer que as diferenças também escondem relações
de diferenças, basta olharmos a diversidade dos esti- de poder. Assim, o racismo afirma a especificidade
los de vida. Entretanto, não devemos pensar a diferen- das raças, para, em seguida, ordená-las segundo uma
ça como um Ser, uma essência; ela é sempre relacional escala de valor. Por isso é importante compreender
e encontra-se situada num contexto determinado. Toda os momentos em que o discurso sobre a diversidade
diferença é produzida socialmente e é portadora de oculta questões como a desigualdade. Sobretudo
sentido histórico. O relativismo é uma visão que pres- quando nos movemos no interior de um universo no
supõe a abstração das culturas de suas condições reais; qual a assimetria entre países, classes sociais e etnias
tem-se a ilusão de que cada uma delas seria inteira- é insofismável. É insatisfatória a imagem de que o
mente autocentrada. Esse estatuto, postulado pelo ra- mundo seria multicultural, formado por um conjun-
ciocínio metodológico é negado pela história. As so- to de “vozes”. Ele dificilmente poderia ser visto como
ciedades são relacionais, mas não relativas. Suas um caleidoscópio, metáfora freqüentemente utiliza-
fronteiras entrelaçam-se e muitas vezes ameaçam o da por vários autores, instrumento que combina os
território vizinho. O debate sobre a diversidade não se fragmentos coloridos de maneira arbitrária em fun-
restringe, pois, ao argumento lógico-filosófico; ele ne- ção do deslocamento do olho do observador. As in-
cessita ser contextualizado. terações entre as diversidades não são arbitrárias. Elas

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Anotações sobre o universal e a diversidade

se organizam de acordo com as relações de força ma- lizar o termo universal) faz sentido (caso contrário,
nifestas nas situações históricas concretas (países for- nos encerraríamos nos limites de cada diferença). Não
tes versus países fracos; transnacionais versus go- deixa de ser paradoxal (ou talvez irônico) perceber
vernos nacionais; civilização “ocidental” versus que a valorização de uma política de reconhecimento
mundo islâmico; estado nacional versus grupos in- do outro encontra em Hegel (particularmente na dia-
dígenas). lética do senhor e do escravo), um ferrenho universa-
Universal e particular são pares opostos. A dife- lista, os elementos para sua afirmação.
rença associa-se ao pólo do particular, e nesse senti- Na verdade, mesmo na discussão sobre políticas
do seria incompatível com o movimento de universa- concretas em relação às “minorias” nos deparamos
lização. Universal remete-nos à idéia de expansão, com esse aparente paradoxo. Esse é o caso das cha-
quebra de fronteiras, “todos”, humanidade; diferença madas políticas afirmativas (não é minha intenção
associa-se a particular, contenção, limites, identida- defendê-las ou criticá-las nesse momento). Podemos
de. Entretanto, na situação de globalização, muitas considerá-las no seu contraponto com as ações mais
vezes esse par antagônico se entrelaça, mesclando universalistas, republicanas, em princípio dirigidas a
alguns valores antes fixados a apenas um de seus ele- todos. Não obstante, não se pode esquecer que a va-
mentos. A afirmação “a diversidade dos povos deve lorização das diferenças se faz em nome de um ideal
ser preservada”, utilizada em diversos documentos de também universalista: democracia, igualdade, cida-
organismos nacionais e internacionais, nada tem de dania. Por exemplo, os negros criticam as barreiras
natural. Pelo contrário, deveríamos nos surpreender existentes na sociedade porque elas não lhes permi-
diante de sua estranheza, pois ela carrega consigo uma tem ter o mesmo tratamento que os brancos; a reivin-
carga de sentido inteiramente nova. Dizer que as cul- dicação identitária repousa, portanto, na denúncia da
turas são um “patrimônio da humanidade” significa desigualdade. Ora, esse tipo de julgamento pressu-
considerar a diversidade enquanto valor universal. põe uma herança da modernidade, que, longe de se
Todos devemos cultivá-la e respeitá-la. A crítica ao extinguir, legitima o discurso e a ação.
etnocentrismo, assimilada na maioria das vezes à do- Humanidade, democracia, cidadania, igualdade
minação ocidental, somente pode ser validada quan- tornam-se assim valores mundiais, sendo reivindica-
do se manifesta como algo que transcende a provín- dos na sua amplitude, inclusive para ressignificar as
cia de cada cultura, de cada identidade. É isso que diferenças. Eles certamente já não mais possuem o
nos permite dizer: “as culturas minoritárias correm o mesmo significado que lhes atribuía o ideal iluminis-
risco de desaparecer, necessitamos preservá-las”; “as ta. Tampouco as condições para sua realização (diria
culturas precisam ser consideradas nos contextos aos Habermas) se ajustam às expectativas anteriores (se-
quais elas pertencem”; “precisamos valorizar todas pultadas pelo etnocentrismo, as guerras, o capitalis-
as facetas da memória coletiva da humanidade”; “o mo flexível). Entretanto, sua expressão, ao redefinir-se
respeito a todas as culturas é um direito de reconheci- na situação de globalização, mantém-se e transfor-
mento à diferença”. Há nessa operação semântica uma ma-se, tendo agora diante de si o planeta como cená-
redefinição do que seria impensável nos marcos an- rio de sua materialização.
teriores: o diverso torna-se um bem comum. A dis-
cussão sobre o espaço público transnacional (que exis- Referências bibliográficas
te apenas como um ideal), a rigor, pode ser travada
unicamente nesses termos (por isso insistimos em fa- BAUDRILLARD, Jean. La société de consommation. Paris:
lar de “sociedade civil mundial” ou de “cidadania Denoel, 1970.
mundial”). Ao tomar o planeta como unidade de ação, BOURDIEU, Pierre. Méditations pascaliennes. Paris: Seuil, 1997.
apenas uma perspectiva “cosmopolita” (para não uti- COX, Harvey. Pentecostalism and global market culture. In:

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Renato Ortiz

EMPSTER, M.W. alli (org.). The globalization of Pentecostalism. WURM, Stephen. Atlas de las lenguas del mundo en peligro de
Irvine, California: Regnun Books International, 1999. desaparición. Paris: UNESCO, 1996.
DELORMEL, Jean. Projet d’une langue universelle, presenté à
la Convention Nationale. Paris: l’Auteur, 1795.
RENATO ORTIZ, graduado pela Université de Paris VIII,
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins mestre e doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales
Fontes, 2002.
(1975), com pós-doutorado pela Columbia University, École des
KANT, Emmanuel. Qu’est-ce que les lumières. Paris: Flammarion, 1991 Hautes Études en Sciences Sociales, University of Oxford e pela
LYOTARD, François. La condition postmoderne. Paris: Minuit,
The City University of New York, é professor do Instituto de Filo-
1979. sofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campi-
ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense,
nas: Publicações recentes: Mundialização: saberes e crenças (São
1994. Paulo: Brasiliense, 2006); Ciências sociais e trabalho intelectual
. Mundialização: saberes e crenças. São Paulo:
(São Paulo: Olho d’Água, 2004). E-mail: rortiz@terra.com.br
Brasiliense, 2006a.
. Mundialization/globalization. Theory Culture and
Recebido em outubro de 2006
Society, v. 23, n. 2-3, p.401-403, march-may, 2006b. Aprovado em dezembro de 2006

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Resumos/Abstracts/Resumens

Resumos/Abstracts/Resumens

regiões, tradições, civilizações e a di- in determined historical situations and


Renato Ortiz versidade é parte integrante dessa tota- also needs to be qualified. In this sense,
Anotações sobre o universal e a lidade. Conclui que universal e particu- it is not so much the opposition in
diversidade lar são pares opostos. A diferença relation to the universal which interests
O artigo tem por objetivo problemati- associa-se ao particular, à contenção, us but the way in which a change of
zar o universal e a diversidade. Investi- aos limites e à identidade, sendo assim contexts affects our understanding of
ga as possíveis implicações da polisse- incompatível com o movimento de uni- those concepts. It also discusses the
mia dos termos universalidade e versalização. O universal remete à question of the local and the national
diferença, dentro das perspectivas filo- idéia de expansão, quebra de frontei- which are not considered as dimensions
sófica, sociológica e antropológica. ras, “todos”, humanidade. Entretanto, of “global society” on the point of
Destaca que a diferença não possui um na situação de globalização, muitas ve- disappearing. It then seeks to
valor “em si”, uma “estrutura” ou “es- zes esse par antagônico se entrelaça, understand how these levels are
sência” atemporal. A diversidade existe mesclando alguns valores antes fixados redefined, given that in globalization a
em situações históricas determinadas, a apenas um de seus elementos. differentiated set of social unities
ela deve também ser qualificada. Nesse Palavras-chave: universal e diversida- exists: nations, regions, traditions,
sentido, não é tanto a oposição em rela- de; universalidade e diferença civilizations and diversity is an integral
ção ao universal que interessa, mas a Notes on the universal and diversity part of this totality. It concludes that
forma como a mudança de contextos The aim of this article is to universal and particular are opposing
incide sobre nossa compreensão desses problematise the universal and pairs. Difference is associated with the
conceitos. Discute ainda a questão do diversity. It investigates the possible particular, with contention, with limits
local e do nacional, que não são consi- implications of the multiple meanings and with identity and is thus
derados dimensões em via de desapare- of the terms universality and difference, incompatible with the movement of
cimento dentro da “sociedade global”. within the philosophic, sociological and universalisation. The universal refers to
Busca, então, entender como esses ní- anthropological perspectives. It points the idea of expansion, the breaking of
veis são redefinidos, visto que na glo- out that difference does not possess a frontiers, “everyone”, humanity.
balização co-existe um conjunto dife- value “in itself”, nor a “structure” nor However, within the context of
renciado de unidades sociais: nações, a timeless “essence”. Diversity exists globalization this antagonistic pair is

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Resumos/Abstracts/Resumens

frequently intertwined, mixing some


formerly fixed values with just one of its
elements.
Key words: universal and diversity;
universality and difference
Anotaciones sobre lo universal y la
diverdidad
El artículo tiene por objetivo problema-
tizar lo universal y la diversidad. Inves-
tiga las posibles inplicaciones de la
polisemia de los téminos universalidad
y diferencia, dentro de las perspectivas
filosófica, sociológica y antropológica.
Destaca que la diferencia no posee un
valor “en sí”, una “estructura” o
“esencia” atemporal. La diversidad
existe en situaciones históricas determi-
nadas, ella debe también ser calificada.
En este sentido, no es tanto la oposición
en relación a lo universal que interesa,
mas la forma como el cambio de con-
textos incide sobre nuestra comprensión
de esos conceptos. Discute incluso la
cuestión de lo local y de lo nacional,
que no son considerados como
dimensiones en vía de desaparecimiento
dentro de la “sociedad global”. Busca,
entonces, entender como esos niveles
son redefinidos, ya que en la
globalización co-existe un conjunto di-
ferenciado de unidades sociales:
naciones, regiones, tradiciones,
civilizaciones y la diversidad es parte
integrante de esa totalidad. Concluye
que universal y particular son pares
opuestos. La diferencia se asocia a lo
particular, a la contención, a los límites
y a la identidad, siendo así
incompatible con el movimiento de
universalización. Lo universal nos
remite a la idea de expansión, quiebra
de fronteras, “todos”, humanidad. En-
tre tanto, en la situación de
globalización, muchas veces ese par
antagónico se entrelaza, mezclando
algunos valores antes fijados solamente
a uno de sus elementos.
Palabras claves: universal y
diversidad; universlidad y diferencia

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