Os primeiros fsicos do ocidente eram sobretudos poetas. Na verdade nem havia
diferena entre ser poeta, fsico, filsofo, matemtico, pois em todas essas coisas havia a dimenso do sagrado. Estes eram homens espantados diante da complexidade da physis que se erguia com seus grandes milagres e tempestades. O mesmo espanto que, milhares de anos depois, acompanha o cientista de hoje diante da imprevisibilidade das partculas e da grandiosidade do cosmos. O sol do tamanho de um p humano disse Herclito, numa afirmao que, antes de ser cientfica potica e antes de ser potica sagrada. No uma afirmao ingnua, como poderiam pensar alguns. Herclito sabia da distncia do sol, mas sabia tambm que o sol era sim, como ainda hoje , a medida do homem. Esse sol adquiria uma dimenso poeticamente moldvel como o horizonte de Manuel de Barros, onde se enfiam pregos, ou a florflamejante de Sousndrade. a dimenso onde as coisas so e deixam de ser.
A ns, homens modernos, depois do cogito cartesiano, depois da metafsica
kantiana, depois que o homem expulsou os deuses de seu convvio e se tornou seu prprio deus atravs da cincia em detrimento da poesia, isso tudo parece distante e absurdo. No entendemos que o conhecimento cientfico uma interpretao do mundo to fantstica e falha quanto qualquer outra. A cincia explica que a lua um satlite. Mas esta no a lua, uma das facetas da lua. A lua isso e muito mais. A lua a lua de Lin Sao, que pende madura na ponta de um galho, a lua de So Jorge, Selene, a lua dos mitos, todas diferentes e a mesma. Os prprios cientistas hoje se do conta do absurdo que a realidade. Ilya Prigogine, prmio Nobel de fsica, afirmou ser a realidade somente uma das realizaes do possvel.
O absurdo da poesia no nada mais que o absurdo do real. A poesia e a arte
no surgiram num momento especfico, mas surgem a cada instante e com ela o homem, pois nisso consiste a cultura, a constante atualizao do homem como homem. Pois o homem s pode ser sendo, homem, num constante processo de realizao potica. Nos percebemos humanos e mortais a cada ato, e disso que vem a poesia. Por isso, ao contrrio da viso linear do senso comum, a arte no um jogo subjetivo de gnios excntricos. Sua essncia sagrada est na fsica moderna e clssica, est nas habitaes, na matemtica, em todos ns. A poesia a linguagem primordial de todo espanto e est na essncia de tudo que produzimos, enquanto ato criador no alienado. A poesia o que permite o real, ainda que hoje o real a oculte, entulhado na rotina dos sistemas.