JR. GUZZ0 AGONIA MORAL OEX-PRESIDENTE LULA perdeua batalha mais importante de sua vida. ‘Tem pela frente, aac, um demorado ti roteio nas altas, médias e baixas cortes da Justiga Penal brasileira. Mas ndo tem. mais esperangas de sobreviver a uma doenga para a qual no existe cura co- ecida:a destrugdo de sua forga moral. ‘Trata-se do conjunto de atributos que realmente separa os homens, e mesmo as nagées, em matéria de sucesso ou fra- ‘€4850, €0 qual Se costuma dar onome genético de carter. Sabe-se desde sem- reo queentranesseconjunto, Entram ai valor da palavra dada, reputago, 0 respeitoaosoutrose as proprio, acapa- cidade detransmitirconfianga. Ba forga (que faz uma pessoa falar e ser natural- mente acreditada, Ba coragem paraas- summit responsabilidades, enfrentar mo- mentos adversos, nfo abanidonar os amni- gosem dificuldade. E o exercicio da ho- nestidade eda integridace comuns. Em summa, &0 quem linguagem do dia 2 dia se chama de “vergonha na cara” — ou hon pessoal, Muito mais que fara, for- ‘sou riqueza,¢0 que realmente faz adi: ferenga, Fard toda aditerenga para Lut Sua batalla esti perdida porque ele per- eu o bem mais precioso que poderia ter —2forga moral decisiva para tornar-se alguém que val a pena como pessoa e ‘como homem pibico. Hoje, vivendo acuado num prédio de escrtbrios do bairro paulistano do Fanga, com suas despesas pagas por magnatas, cercado nao pela massa dos pobres que diz ter salvato, mas por ne- ociantes de “marketing”, burocratas do PT, parasitasvariados euma armada de advogados que pouguissimos brasieiros poderiam pagar, Lula esté 36. Do povo, ao 20EwaRce nem sinal. O homem que tanto menos- prezou os adversérios falando de sua opularidade de 100% no pode ira um ‘campo de futebol — nem ao estéidio do Corinthians, em Itaquera,cuja constru- 0 impds para a Copa do Mundo de 2014, da gual no conseguiu assistir a tum tnico jogo. Nao pode ir jantar um frango com polenta em Séo Bernardo, Nao pode ir ¢ uma loja, comer um paste! de feira ou andar sem a protegio de um regimento de segurancas. Néo pode it ao infelizsitio de Atibaia que tanto fre- ‘quentou até faz pouco, eno qual emprei- teiros amigos soceram uma fortuna em reformas — nem, menos ainda, a esse amaldigoado triplex do Guarujé. Nao pode, no fim das contas, saira rua —e, | como se fosse um castigo, nfo pode gastar livremente no préprio pais os milhes de reais que ganhou fazendo palestras para construtoras de obras piilicas e outros colossos da elite empresarial bra- sileira, Que lider de massas €es3e? Aos “7Oanos de dade, Lula veio acabar meti- dona situagto contréria & que Guima- res Rosa descreve num conto particu- Jarmente genial de sua vasta colegio de contos genais, o Burrinho Pedrés. Como se lembramos leitores da historia, omo- desto burrinho sabia uma eoisa mais im- portante que todasas outra, para quem, como ele, tnha sido sorteado com uma vida dificil — jameis entrava em lugar algum de onde nao soudesse como sair depois, O ex-presidente entrou com tu- do. Agora precisa sair, mas nao sabe on- deestia sada. Eccerto que Lula ndo seré ajudado, nessa procuira por um caminho capaz de tiré-lo do buraco, por nenhuma das | rmanobras que vem utilizando hé trinta. | anos para dar a volta em seus proble- ‘mas, A causa verdadeira do colapso que hoje 0 fato deter entrado.em esta- dode coma moral — eisso ndoseresol- ‘vechamando um gerente de propagan- <éaparabolar comerciais de TV, da mes- ma forma que “imagem”, por mais ¢s- perteza que se empregue em sua cria- fo, ndo substtui carater, Também nto adianta gastar dinheiro com advogados ‘que passam o tempo armando chicanas processuais e outros truques destinados a impedir que se julgue o mérito real dos fatos alegados contra ele; sso pode funcionar como estratégia de fuga, mas no cria valores em cima dos quais se ‘consiga construir uma reputagio. Nao é Possivel sairdo higar em que oex-presi dente se enfiou distribuindo camisetas vermelhas, fretando énibus e pagando Aisrias, sempre com dinheiro pablico, a milicias que se apresentam como “mo- vimentos sociais”, Dé errado, cada vez mais, continuar atirando em Fernando Henrique Cardoso — isso para ficar apenas no alvo que se tornou sua idea fixa — na esperangs de provar que "to- do mundo é igual"; quanto mais tentam fazer a comparacio, mais chocantes f- camas diferengas de conduta entre os dois. Enfim: tem-se tentado de tudo, € nada dé certo, Continuard assim, pois nada aitera a pane central que existe nessa historia: Lula nd é o homem que dizer Também ndo € o que seus admi- adores, de boa-fé ou por interesse, acham que seja. ‘A desmontagem da estrutura ética do ex-presidente esté sendofeita unice mente através de fatos, nao de alegi ‘gbes; esi fatos que nao precisam mais, ser provados, pois todas as provas jé foram exibidas e confirmadas. Mai: nenhum deles, até agora, foi apresenta- do ao piblico brasileiro pela oposigdo, que se limita a acompanhar sua divul- gagdo na imprensa e fazer o minimo possivel de comentarios.A derrota, enfim, nijo veio por causa ‘de nenhuma batalha dessas que fazem tremer a terra —nada de Waterloo, oude invasao da Normmandia no Dia D. Tudo vyeio acabar em mesquinharia e peque- ‘ez, nas miudezas miserdveis da reforma de um sitio de segunda linha, nas 200 caixas de mudanga da “transportadora Cinco Estreias”, nos desvos de uma ara- ppuca imobilidria que lesou 3000 fauni- lias com um golpe na praca. Nao houve a dliseutir, nessa demoligio, uma dniea uestdo de principio, losofia politica ou consciéncia — fleoutudo exclasivamente ‘numa conversa de fim de feira sobre ‘quem é 0 dono do triplex na cooperativa Ialida, quem pagot a cozinha Kitchens, ‘quem mora de graga na casa de quem. Mais que qualquer outra coisa, feouuma palavra-guia, a palavra que nio pode ‘maiscalar na biografia de Lula: empret teira, empreteira, empreiteira. & si, na hora da verdade, que ele encontrou de fato sua perio. Nada destruiu tanto a autoridade mo- ral de Lula quanto seu convivio comas cemprekteiras de obras brasileira, durante depois de seus dois mandatos. Nunca antes, em toda ahistéria do Brasil, houve um presidente da Repiibica com tantos e to intimas amigos entre os empreiteros. Alguém é capaz de citar outro? Em ape- ‘nas quatro anos, de2011 a 2014, momen- toem quea casa comecou enfim a car, Jarecebeu 27 miles de reais para fa- .epalestras encomendadas pelos gigan- tesda construgéo pesadia no pais. Foi pre- senteado, também, com contribuigdes ‘miliondris para sustentar as despesas do seu Instituto Lula —isso e mais viagens dejatinho, uma antena de celular 100 metros do sito que utiliza em Atibaia, eas ‘obras de reforma nesse mesmo € malfa- ado sito, que agora atormentam sua vie da. Os presentes nao vieram apenas das empreiteiras certo, masisso no melhor suasituagéo emi nada — vierain defontes mais sombrias ainda, como um consércio ‘deestaeiros que vive de contratoscom_ ‘a Petrobras, o Banco BTG Pactual, um “centro de estudos” de Angola. Através dda francesa GDF Suez, hé tragos até da inesquecivel Astra Oi, que vendew a Pe- trobraso ferro-velho da rfinaria ame ‘cana de Pasadena, algo tio parecido com uma negociata em estado puro, mas tio parecido, que até hoje néo foi possivel descobrir a diferenca. Ganhar dinheiro fazendo palestras para essa gente esté dentro dale? Est, Est dentro da moral comumn? Nao esti, e € ai que comega e acaba o problema. Um ex-presidente da Repiiblica nio pode, simplesmente nfo pode, aceitar dinheiro de empresas que dependem do Tesouro para sobreviver. £ §s80,eponto final «que tern oditeito de ser rico. Tem, mas no tem. Ndo pode botar no bolso, sem se desmoralizar, 27 milhdes de reais de ‘empreiteiros —nem ser seu amigo inti- mo, prestar-Ihes servigos, permitir que Ihe paguem despesas,aceitar que sejam sécios de um dos seus flhos esabe-se li ainda o que mais. Um homem piblico ‘como ele nao pode, nessas coisas, ser iguel aos demais cidados. Tem de abrir mo de uma porgao de confortos?¢ 0 preco a pagar para manter inteira a sua ‘moral. Seacharinjusto, bastard deixar a vida paiblica; ninguém é obrigado a ser presidente da Repablica, Lula acostumou-se @ achar que tem direito a tudo, e ndo esta sujeito anada. Imaginou que pudesse ser o mais queri- Oex-presidente Lula perdeu o bem mais precioso que poderia ter - a . decisiva para tornar-se alguém que val ace como pessoa e como ee piblico Como seria possivel confiar na im- pparcialidade, na palavrae na integrida- de de valores de alguém que anda em tais companhias, ainda mais quando se sabe da influéncia que exerce no gover- rho que esti ai? Lula recebeu dinheiro ddas empreteiras porque foi presidente 4o Brasil por oito anos, e no por seus ccontiecimentos em matéria de vinctos, ferrovias € usinas hidrelétricas; nin- ‘guém Ihe daria um tostdo furado se ti- ‘esse sido apenas presidente de sindica- 10, Lula diz o tempo todo que s6 chegou ‘a0 comando da nagdo porque 0s pobres votaram nele. Mas ndo vé nenhum pro- biema no atode transformar em din +10 vivo, agora, o apoio que revebeu dos ‘humildes —& quem deve tudo, inclusive sua transformagio em milionério. 0 presidente, de tempos em tempos, doentreas empreiteiras —e queisso no iria Ihe trazer problema algum. Achou {que seus dois filhos pudessem ganhiar milhes fazendo negécios com empre- ‘sas que dependem do governo. Nio viu nada de mais em meter-se com uma quadrilha que vendeu apartamentos na planta a bancérios, roubou o dinheiro ‘que recebeu delese foi faléncia sem en- tregar 0s prédios. Com excegio, claro, de um ou outro que foi concluido por uma empreiteira, maisuma, reservado aos amigos — entre eles 0 que abriga 0 triplex do Guarujé. Oque Lula, que nem bancario é, estava fazenddo no meio des- sa gente? As historias vo adiante adiante;o que apareceu escritoaqui esti muito Jonge de ser tudo, Mas ¢ o sufi- ciente, Este € um combate que clara- ‘mente chegou so fim. m