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Yi-Fu Tuan Kspaco e@ Lugar A Perspectiva da Experiéncia Tradugao de Livia de Oliveira (Professora-Adjunta do Departamento de Geografia do Instituto de Geociéncias e Ciéncias Exatas da UNESP — Campus de Rio Claro) mo] DIFEL Ditvebo Eta SA s BAS BC/BIBLIVI ELA UE uitwuia c seunyivoin ; * 3S Lrvpapia € O1STRIBUIDORA CURITIBA LTDA BS ors 4,080.00 “SF Terma No.801/93 Registro:212, 901 04/10/33 BN 000 2 1364? ‘Titulo Original: - Space and Place: The Perspective of Experience fiw Copyright © 1977 by the University of Minnesota 23 Capa: Natanael L. de Oliveira CIP-Brasil. Catalogagao-na-Publicagao CAmara Brasileira do Livro, SP Tuan, Yi-Fu, 1930- ‘Te20 Espago ¢ lugar : a perspectiva da experi tradugao de Livia de Oliveira. — Si Paulo: 1, Espago — Percepyao 2. Percepgdo geogrifica |. CDD-153.752 83-0697 -155.96 Indices para catélogo sistematico: 1. Espaco : Influéncias : Psicologia 155.96 2. Bspago : Percepyao humana ; Psicologia 153.752 3. Homem : Percepgto do espago : Psicologia 153.752 4, Lugares : Imagens mnentais : Psicologia 155.96 5. Percepeo geogrifica : Psicologia 155.96 1983 Direitos de tradugo reservados para o Brasil por: 5) DIFEL Sede: Av. Vieira de Carvajho, 40 — 5? andar CEP 01210 — Sao Paulo — SP Telex: 32294 DFEL-BR Tels.; 223-6923 ¢ 223-4619 Vendas: Rua Doze de Setembro, 1.305 — V. Guilherme CEP 02052 — Sao Paulo — SP Tel.: 267-0331 JRRUSNESSSENENNN NEEM Prefacio vida: um livro se origina de outro assim como, na esfera do compromisso politico, uma aco conduz a outra. Escrevi um livro intitulado Topofilia premido pela necessidade de separar e ordenar de alguma maneira a ampla variedade de atitudes e valores relacionados com o meio ambiente fisico do homem. Embora apreciasse observar a riqueza ¢ a amplitude da experiéncia | do homem.com-o-meiouinbienté, nao pude nessa época encontrar um tema ou conceito abrangente com o qual estruturar 0 A vida das idéias é uma est6ria continua, como a propria u heterogéneo material; e, portanto, mui- rer a categorias convenientes e conven- cionais (como subiirbio, vila, cidade, ou tratar separada- mente os sentidos humanos) em vez de usar categorias que evoluissem logicamente de um tema central. Neste livro pro- curo alcangar uma posigéo mais coerente. Para tanto re- duzi meu enfoque para “espaco” e “lugar” enquanio ele- mentos do meio ambiente, intimamente relacionados. Ainda mais importante, procurei desenvolver_meu_ material-detma unica perspectiva ==-a_da_experiéncia. A_complexa_natu- réza da experiéncia humana, que varia do sentimento prim4- tio até a concep¢ao explicita, orienta o contetido e os temas deste livro. Pe 4 OAM ee VO Ce ee eve 2 G. an a ees ~<—wvevveve Prefacio Freqiicntemente, tem-me sido dificil o devido reconheci- mento das obrigacdes intelectuais. Uma raz4o é que devo tanto a tantos. Um problema ainda maior é que posso deixar de agradecer as pessoas a quem devo mais. Eu as “‘devorci’’! Suas idéias se transformaram em meus pensamentos mais profundos. Os meus mentores andnimos sao os estudantes e colegas da Universidade de Minnesota. Confio que eles sejam indulgentes com qualquer apropriag4o inconsciente de seus insights, e todos os professores sabem que esta é a forma mais sincera de reconhecimento, Tenho, também, agradecimentos especificos e 6 com pra- zer que os fago. Sou profundamente grato a J. B. Jackson ¢ P. W. Porter por terem encorajado meus esfor¢os iniciais; a Su-chang Wang, Sandra Haas ¢ Patricia Burwell pelos dia- gramas que atingiram a elegfncia formal que em meu texto ficou apenas no nivel da inten¢io; e a Dorian Kottler da University Press pelo meticuloso trabalho.de revisio. Desejo, também, agradecer As seguintes instituigdes pelos recursos que me permitiram trabalhar no Espago e Lugar, com peque- nas interrupgdcs, nos dois tltimos anos: 4 Universidade de Minnesota, por conceder-me a licenca para viagem de estu- dos, seguida de mais um ano de afastamento; A Universidade do Havai, onde pela primeira vez explorci os temas deste livro, com um pequeno grupo de estudantes de pés-graduagao, inte- ressados no assunto; A Fundac&o Educacional Australiano- Americana (Programa Fulbright-Hays), por me ter possibili- tado uma visita A Australia; ao Departamento de Geografia Humana, da Universidade Nacional da Australia, por ter me propiciado um anibiente agradavel e estimulaute para pensar e escrever; e A Universidade da Calif6rnia, em Davis, por um ano de sol e calor, tanto humano como climatico. Yi-Fu Tuan Ano Novo Chinés, 1977. Sumario Preficio V Hlustragdes IX 1 Introdugao 3 2. PerspectivaExperiencial 9 6° Espaco, LugareaCrianga 22 4 Corpo, Relacées Pessoais e Valores Espaciais 39 5 6 7 8 ‘5 Espaciosidade e Apinhamento 58 4 ; Habilidade Espacial, Conhecimento ¢ Lugar 76 ; ) Espago Mitico e Ligar 96 8 Espaco Arquiteténico e Conhecimento 113 9 ‘Tempo no Espaco Experiencial 132 * Experiéncias Intimas com Lugar 151 Afeigdo pela Patria 165 Visibilidade: A Criagto de Lugar 179 13 Tempo e Lugar 198 14 Epilogo 220 Notas 227 en PN ORS It. 17. 18. 19, ILUSTRACOES . Espago definido como localizagao relativa e como espaco demarcado. Mapas do mundo dos Aivilik. . A estrutura do corpo humano, espago e tempo. “Centro” sugere “elevacio” e vice-versa: 0 exemplo de Pequim. Organizagoes egocéntricas ¢ etnocéntricas do espago. De espago a lugar: a aprendizagem de um labirinto. Distorgdes nos labirintos desenhados. Etak — navegagao celeste microné: Concepcao do espaco como Iugar-repleto (oceano Paci- fico) de Tupai . Espacos mitico-conceituais. 10. Cosmos ptolomaico. Casas com patios internos: 0 grande contraste entre o “interior” e 0 “exterior”. . Oyurt mongole o pantedio de Adriano: o-domo simbélico e suas expressdes arquitet6nicas. . A casa como cosmos ¢ mundo social: 0 exemplo da casa dos Atoni no Timor indonésio. . Acampamento pigmeu: a separagio do espaco social e sagrado. . Espago e tempo dos Hopi: os reinos subjetivo e objetivo. . Mito cosmogdnico e espaco orientado: viagens mitol6- gicas dos herdis ancestrais dos Walbiri na Australia cen- tral. Espaco sagrado simétrico (Ming T’ang) e Cidade do Ho- mem assimétrica. O lugar como um simbolo piiblico nitidamente visivel: as places royales de Paris, segundo o plano de M. Patte. Lugares duradouros: rochedo de Ayers e Stonehenge. ‘ oe ae eee & Ge Oe ECRMABEEAELECEES \ vey ~+-+eevvrvevyey 20. 21. 22. Aldeias, cidades comerciais ¢ areas comerciais: lugares visiveis e “‘invisiveis”. Movimento, tempo e lugar: a. caminhos e lugares linea- res; b. caminhos e lugares ciclicos/pendulares. Os anéis de crescimento (tempo) das muralhas de Paris. Espago e Lugar A Perspectiva da Experiéncia 1 Introducao Ge 6 spaco" e ‘‘lugar'’ so termos familiares que indi- FE: cam experiéncias comuns. Vivemos no espaco. Nao ha lugar para outro edificio no lote. As Grandes Planicies do a sensaco de espaciosidade. O lugar é seguranga eo espaco é liberdade: estamos ligados ao _primeiro-e_deseja- mos 0 outro, Nao hé lugar como o lar. O que é lar? fia velha isa, Ovelho bairro, avelha cidade ou a patria .Os gebgrafos luda os fugares. Os planejadores gostam de evocar “um sen- tido de lugar”. Estas so expresses comuns. Tempo e lugar siio componentes bAsicos do mundo. vivo,.nés_os ad: Quando, no entanto, pensamos sobre eles, po- dem assumir significados inesperados e levantam questdes que nao nos ocorreria indagar. Que é espago? Vejamos um episédio, da vida do tedlogo Paul Tillich que serviré de enfoque A questao sobre o signi- ficado do espago na experiéncia. Tillich nasceu e cresceu em uma pequena cidade da Alemanha Oriental em fins do século passado. A cidade tinha caracteristicas medievais, Circun- dada por uma muralha e administrada do edificio da prefei- tura municipal construido na Idade Média, dava a impressio de um pequeno mundo, protegido e auto-suficiente. A uma crianga imaginativa, a cidade pareceria estreita e limitadora. 3 wu ~~~ veervvrvvv Fey Introdugao Todos os anos, no entanto, o jovem Tillich podia escapar com sua familia para o mar Baltico. A viagem para 0 litoral — 0 espaco aberto e o horizonte sem limites — era um grande acontecimento, Mais tarde Tillich elegeu um lugar no oceano Atlantico para viver apés a aposentadoria, deciséo esta que sem dtvida deve muito as experiéncias da juventude. Quando crianga, Tillich também péde escapar as limitagdes da vida de uma cidade pequena fazendo viagens a Berlim. As visitas 4 grande cidade curiosamente Ihe'lembravam o mar. Berlim, também, deu a Tillich a sensacdo de amplidao, de infinito, de espaco sem limitagdes.' Experiéncias deste tipo nos levam noyamente a refletir sobre o significado de uma palavra como “espago” ou “espaciosidade”, que pensamos conhecer bem. Que é um lugar? O que da identidade ¢ aura a um lugar? Estas perguntas ocorreram aos fisicos Niels Bohr e Werner Heisenberg quando visitaram o castelo de Kronberg na Dina- marca. Bohr disse a Heisenberg: Nao & interessante como este castelo muda to logo a gente imagina que Hamlet viveu aqui? Como cientistas, acreditamos que um castelo consiste s6 em pedras, ¢ admiramos a forma como o arquiteto as ordeneu. As pedras, © teto verde com a piitina, os entalhes de madeira na igteja constituem o castelo todo. Nada disto deveria mudar pelo fato de que Hamlet morou aqui ¢, no entanto, muda completamente. De repente os muros ¢ os baluartes falam uma linguagem bem diferente. O proprio patio se transforma em um mundo, um canto escuro nos lembra a escuridao da alma humana, e escu- tamos Hamlet: "Ser ou nfo ser”, No entanto tudo o que realmente sabemos sobre Hamlet 6 que seu nome aparece em uma crénica do século XIII. Ninguém poder provar que ele realmente existiu, e menos ainda que aqui viveu. Mas todo mundo conhece as questdes que Shakespeare o fez, per- guntar, a profundeza humana que foi seu destino trazer A luz; assim, teve também que encontrar para si um lugar na Terra, aqui em Kronberg. Uma ver. que sabemos disto, Kronberg se forna, para nés, um eastelo bem dif rente.’ Estudos etolégicos recentes mostram que animais nao humanos também tém um sentido de territério e lugar. Os espacos sao demarcados e defendidos contra os invasores. Os lugares sao centros aos quais atribuimos valor e onde s&o satisfeitas as necessidades biolégicas de comida, Agua, des- canso e procriagdo. Os homens compartilham com outros ani- Introdugao mais certos padrdes de comportamento, mas como indicam as reflexdes de Tillich e Bohr, as pessoas também respandem_ao ago € ao lugar de maneiras. _complicadas, que.ndo.se.conce- bem no reino ‘animal, Como é possivel que tanto o mar Baltico como Berlim évoqiiem uma sensagAo de vastidao e infinito? Como é possivel que uma simples lenda assombre 0 castelo de Kronberg e transmita uma sensac¢do que permeia as mentes de dois cientistas famosos? Se ha seriedade em nossa preocu- pagdo com a natureza e qualidade do meio ambiente humano, estas s4o, certamente, perguntas basicas. Entretanto, poucas vezes clas tém sido levantadas. Ao contrdrio, estudamos ani- mais, como, por exemplo, ratos ¢ lobos, e dizemos que o comportamento humano e os seus valores so bem parecidos com os deles. Ou medimos_¢ mapeamos 0 espago e lugar, € adquirimos leis espaciais e inven’ ‘Arios de OSSOS~ eSfOTKO: Estas sio abor dagens | precisam ser_complenientad: 5s Somos, humanos. Temos 0 privilégio de acesso a ¢ dos de espirito, pensamentos € sentimentos. Temos a visio do interior dos fatos humanos, uma asserg’o que n&o podemos fazer a respeito de outros tipos de fatos. As pessoas as vezes se comportam como animais encur- ralados e desconfiados. Outras vezes também podem agir como cientistas frios dedicados a tarefa de formular leis e mapear recursos. Nenhuma das duas atitudes dura muito. As pessoas sao seres complexos. Os dotes humanos incluem 6r- gios sensoriais semelhantes aos de outros primatas, mas so coroados por uma capacidade excepcionalmente refinada para a criag&o de simbolos. Saber como o ser humano, que est4 ao mesmo tempo no plano do animal, da fantasia e do calculo, experiencia e entende o mundo é 0 tema central deste livro. Considerando os dotes humanos, de que maneira as pes- soas_atribuem significado e organizam 0 espago e 0 lugar? Quando se faz esta pergunta, o cientista social tentado a ver acultura como um fator explicativo. A cultura 6 desenvolvida unicamente pelos seres humanos. Ela influencia intensamente Introdugao 0 comportamento e os valores humanos. A sensa¢Ho de espaco e lugar dos esquimés é bem diferente aa dos americanos. Esta abordagem é valida, mas nao leva em conta o problema dos tragos comuns, que transcendem as particularidades culturais €, port t ¢fo_humana. Na observacio dos anto, refletem “universais”, ‘a comportamental provavelmente se volta para o comportamento andlogo do primata. Neste tra- balho, reconhecemos nossa heranca animal, bem como a im- portancia desempenhada pela cultura. A cultura é inevitavel, sendo explorada em todos os capitulos. Mas o propésito deste ensaio no é escrever um manual sobre a influéncia das cul- turas nas atitudes humanas em relagio a espaco e lugar. B antes um prélogo & cultura em sua infinita diversidade; e eintrelagaiin: 38 bidlégicos. As criangas tém apenas nogées muito grosseiras sobre espaco e lugar. Com o tempo adqui- rem sofisticagio. Quais so os estégios da aprendizagem? O corpo humano ou esta deitado, ou ereto. Em posigio ereta tem alto e baixo, frente e costas, direita e esquerda. Como estas posturas corporais, divisdes e valores sao extrapolados para o espago circundante? 2) As relagdes de espago e lugar. Na experiéncia, o signi- ficado de espago freqiientemente se funde com o de lugar. “Bspago” € mais abstrato do que “lugar”. O que comega como espaco indiferenciado transforma-se.em_lugar A medida que.o.conhecemos melhor ¢ 0 dotamos.de.yalor. Os arquitetos falam sobre as qualidades espaciais do lugar; podem igual- mente falar das qualidades locacionais do espago. As idéias de “espago” e “lugar” nfo podem ser definidas uma sem a outra. A partir da seguranga e estabilidade do lugar estamos cientes da amplidao, da liberdade e da ameaga do espago, e vice- versa. Além disso, se pensamos no espaco como algo que permite movimento, entdo lugar é pausa; cada pausa no movi- mento torna possivel que localizagio se transforme em lugar. 3) A amplitude da experiéncia ou conhecimento. A expe- riéncia pode ser direta e intima, ou pode ser indireta e con- 7 Introdugéio ! ceitual, mediada por simbolos. Conhecemos nossa casa inti- mamente; podemos apenas conhecer algo sobre 0 nosso pais se ele é muito grande. Um antigo habitante da cidade de Minneapolis conhece a cidade, um chofer de taxi aprende a andar por ela, um gedgrafo estuda Minneapolis e a conhece conceitualmente. Estas so trés formas de experienciar. Uma pessoa pode conhecer um lugar tanto de modo intimo como” a iildadé de ex- pressar 0 que conhece através dos sentidos do tato, paladar, olfato, audigAo, e até pela visio. As pessoas tendem a eliminar aquilo que nao podem expressar. Se uma experiéncia oferece resisténcia a uma Silo comunicagio raépida, a resposta comum entre os praticos “fazedores”’) é consider4-la particular — se nao idiossinera- tica — e portanto sem importancia. Na_extensa_literatura sobre qualidade ambiental, .relativamente poucas-obras-ten- tam compreender-o que as pessoas.sentem. sobre.espago ¢€ lugar, considerar.as diferentes-maneiras.de experienciar-(sen- sorio-motora, tétil, visual, conceitual) e interpretar.espago-e lugar como imagens de sentimentos.complexos — muitas vezes ambivalentes. Os planejadores profissionais, com sua necessidade urgente de agir, apressam demais a produgao de modelos e inventdrios. Por sua vez, 0 leigo aceita sem muita hesitagio, dos planejadores carismaticos e, dos propagan- distas,. slogans sobre 0 meio ambiente que tenha recebido através da midia, esquecendo-se facilmente a rica informagao derivada da experiéncia, da qual dependem estas abstracées. » No entanto, é possivel articular sutis experiéncias humanas, tarefa a que os artistas vém se dedicando — freqiientemente com éxito, Em obras literarias, bem como em obras de psico- logia humanistica, filosofia, antropologia e geografia, est4o registrados intrincados mundos de experiéncias humanas. Este livro chama a atengiio para as questdes formuladas pelos humanistas sobre espago e lugar? Procura sistematizar os insights humanisticos, exp6-los em sistemas conceituais (aqui organizados na forma de capitulos), de modo que sua importancia seja evidente para nds, nado somente como seres pensantes interessados em saber mais sobre a nossa prépria

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