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Copyright © 1998 Magda Soares rmoxro cxasco Cristiane Linhares Mirella Spinel Rejane Dias (Gobre 0 quadro “As Meninas” de Renoir) ooRDENACAO CEALEIFaE - UFMG DMTORACADELETRONCA Clarice Maia Scott Luiz Prazeres Rosa Maria Drumond Costa ‘Ana Carolina Lins Brando Rejane Dias Totos os direitos reservados pela Autintica Editra, Neshuma parte desta publicacio poder ser reproducide, sea por melcs mectnicos, elernics, sia va ebpia xeroraia, seem a autorzac prévia da Etre AUTENTICA EDITORA LTDA. Belo Horizonte So Paulo ua Aimorés, 981, * andar. Funcondrs Ay, Paula, 2073 . Conunto Nacional 30140-07182 Horizonte. MG Horsa 1. 1° andar Cor. 1101. Cerqueca Tel: 65 30) 3222 6819 ‘cesar 01311-9400 Paulo. SP Televendas: 0800 283 13 22 Tels (65 11) 3034 4468 wa auteticaectora com be Dados Internacionais de Catalogacéo na Publicacio (CIP) (Cam ra do Livro) Soares, Magda. etramento: um tema em és géneros / Magda Soares. - 3. ed. ~ 1, reimp, ~ Belo Horizonte : Auténtica Ealtore, 2072. 128p. ISBN 978-85.86583-16-2 1, Alfabetizaglo. 2. Letura. 3. Esra. Titulo. $6761 cou-s724 APRESENTAGAO, Letramento em verbete (© QUE LETRAMENTO? Letramento em texto didatico (© QUE £ LETRAMENTO. E ALFABETIZAGAO LETRAMENTO: COMO DEFINIR, COMO AVALIAR, COMO MEDIR Letramento é palavra recém-chegada ao vocabulario da Educagaio ¢ das Ciéncias Linguisticas: € na segunda metade dos anos 80, ha cerca de apenas dez anos, por- tanto, que ela surge no discurso dos especialistas dessas eas. Uma das primeiras ocorténcias esté em livro de Mary Kato, de 1986 (No mundo da escrita: uma pers- pectiva psicolinguistica, Editora Atica): a autora, logo no. inicio do livro (p.7), diz acreditar que a lingua falada culta *€ consequéncia do letramento” (grifo meu).’ Dois anos mais tarde, em livro de 1988 (Adultos ndo alfabeti- ‘zados: 0 avesso do avesso, Editora Pontes), Leda Verdiani ‘Tfouni, no capitulo introdut6rio, distingue alfabetizacao de letramento: talvez seja esse 0 momento em que letra- mento ganha estatuto de termo técnico no léxico dos campos da Educagao e das Ciéncias Linguisticas. Desde entio, a palavra torna-se cada vez mais frequente no discurso escrito e falado de especialistas, de tal forma que, em 1995, jé figura em titulo de livro organizado por Angela Kleiman: Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a pritica social da escrita (grifo meu, ver referéncia na nota 1). "Angola Kleiman levanta hipétese de que Mary Keto € que ter cunhado 0 temo lesaneno (ver aoa p17 em KLEIMAN, A (Ong). Os signfcadar do tramento a nwa porgecta sobre 4 pritca socal da exci. Campiaas: Mercado de Veta 195). 16] teramenco © que explica o surgimento recente dessa palavra? No- vas palavras sao criadas (ou a velhas palavras dé-se um novo sentido) quando emergem novos fatos, novas ideias, novas maneiras de compreender os fenémenos. Que novo fato, ou nova ideia, ou nova maneira de compreender a presenca da escrita no mundo social trouxe a necessidade desta nova palavra, letramento? Se a palavra etramento ainda causa estranheza a mui- tos, outras palavras do mesmo campo semintico sempre nos foram familiares: analfabetismo, analfabeto, alfabeti- zar, alfabetizacao, alfabetizado e, mesmo, letrado ¢ ile- trado, Analfabetismo, define 0 Novo Diciondrio Aurélio da Lingua Portuguesa, € 0 “estado ou condicao de analfa- beto”, e analfabeto é 0 “que nao sabe ler e escrever”, ou seja, € 0 que vive no estado ou condigio de quem nao sabe ler e escrever; a aco de alfabetizar, isto é, segundo © Aurélio, de “ensinar a ler” (e também a escrever, que 0 dicionario curiosamente omite) é designada por alfabeti- zacdo, ¢ alfabetizado & “aquele que sabe let" (¢ escre- ver). Jé letrado, segundo 0 mesmo dicionério, € aquele “versado em letras, erudito”, ¢ iletrado € “aquele que nao tem conhecimentos literdrios” e também o “analfabeto ou quase analfabeto". O dicionario Aurélio nao registra a pa- lavra “letramento”. Essa palavra aparece, porém, num di- cionario da lingua portuguesa editado ha mais de um século, 0 Diciondrio Contempordneo da Lingua Portugue- sa, de Caldas Aulete: na sua 3* edicio brasileira,? o verbete * Dicionérto Contempordnen da Lingua Portuguesa de Caldas Aulete tve 28 suas lus prmeras edgbes em Lisbon (88, 1925 ¢ 1948) a quan edicio, e primeira Taser, & de 1958 (a segunda edigio brasieira é de 1963 ¢ a tecei, ctada no texto, € de 1979). Como 0 dicionino sofrew numerosas moxficagdes 30 longo de fas sucessivas edges, 56 uma pesquisa nesas edigdes pemitisa determina se 2 Pulivr ltrameno aparece desde a primeira edico, ou se foi introduzida em edicio Posterior, ou se softeu mudanca em sua acepglo ao longo do tempo. Pesquisas ‘Hess ntiteza em diciondros contribuem sobxemaneira para 2 dataco de ftos, leas © fendmenos © pars a ideniheacio do processo de tansfomacio desses fatos ideas © fendmenos 20 longo do tempo. Verbete 17 “letramento” caracteriza a palavra como “ant.", isto é, “an- tiga, antiquada’, lhe atribui o significado de “escrita”; 0 verbete remete ainda para o verbo “letrar” a que, como transitive direto, atribui a acepgio de “investigar, soletran- do” e, como pronominal “letrar-se”, a acepcao de “adqui- rir letras ou conhecimentos literdrios” — significados bem distantes daquele que hoje se atribui a letramento (que, dito, no aparece no Aurélio, como também nele no aparece © verbo “letrar”). Certamente, pois, no fomos buscar no “letramento” dicionarizado por Caldas Aulete, e ja por ele considerado vocdbulo antigo, antiquado, o termo letramento com 0 sentido que hoje Ihe damos. Onde fomos busci-lo? Trata-se, sem dtivida, da versio para o Portugués da palavra da lingua inglesa literacy. Etimologicamente, a palavra literacy vem do latim lit- tera (letra), com o sufixo -cy, que denota qualidade, con- dicdo, estado, fato de ser (como, por exemplo, em innocency, a qualidade ou condi¢ao de ser inocente), No Webster's Dictionary, literacy tem a acepcao de “the condi- tion of being literate”, a condi¢ao de ser literate, e literate € definido como “educated; especially able to read and write”, educado, especialmente, capaz de ler € escrever. Ou seja: literacy € 0 estado ou condicao que assume aque- le que aprende a ler e escrever. Implicita nesse conceito esti a ideia de que a escrita traz consequéncias sociais, culturais, politicas, econémicas, cognitivas, linguisticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o individuo que aprenda a usi-la. Em outras pala- vras: do ponto de vista individual, o aprender a ler € es- crever - alfabetizar-se, deixar de set analfabeto, tornar-se * Baquanto ji incorporamos a0 portgués a pala lerament, comespondente 20 inglés Iteracy, ainda nko temos palavra correspondente 20 inglés Hteate, que signa aquele que vive em estado ou na condicao de saber ler e excrever; 9 palavra Teorado ainda conserva, em Portugués, 0 sentido de "verado em letras, erudio 18 Letramerto alfabetizado, adquirir a “tecnologia” do ler e escrever € envolver-se nas priticas sociais de leitura e de escrita — tem consequéncias sobre 0 individuo, e altera seu esta- do ou condigao em aspectos sociais, psiquicos, culturais, politicos, cognitivos, linguisticos e até mesmo econdmi- cos; do ponto de vista social, a introducao da escrita em um grupo até ento dgrafo tem sobre esse grupo efeitos de natureza social, cultural, politica, econémica, lingu © “estado” ou a “condigio” que o individuo ou 0 grupo social passam a ter, sob o impacto dessas mudan- ‘cas, € que € designado por ltteracy:' E esse, pois, 0 sentido que tem letramento, palavra que criamos traduzindo “ao pé da letra” o inglés literacy: letra-, do latim littera, ¢ 0 sufixo -mento, que denota o resultado de ‘uma acao (como, por exemplo, em ferimento, resultado da acto de ferir). Letramento 6, pois, 0 resultado da acio de ensinar ou de aprender a ler e escrever: 0 estado ou a condi- 20 que adquire um grupo social ou um individuo como consequéncia de ter-se apropriado da escrita. Disptnhamos, talvez, de uma palavra mais “vernd- cula’: alfabetismo, que 0 Aurélio (que ndo dicionariza Ietramento, como jA dito) registra, atribuindo a essa pala- via, entre outras acepgdes, a de “estado ou qualidade de alfabetizado”. Entretanto, embora dicionarizada, alfabetis- ‘mo nao é palavra corrente, e, talvez por isso, ao buscar uma palavra que designasse aquilo que em inglés ja se designava por literacy, tenha-se optado por verter a pala- vra inglesa para o portugués, criando a nova palavra le- tramento. Curiosamente, em Portugal tem-se preferido o termo liferacia, mais proximo ainda do termo inglés. Vale a pena citar as palavras de Ant6nio Névoa em prefaicio Xa lingua francesa, a palavea correspondente a ilteracy € iletrisme, que se Aitingue de analphabeme analphabee &0 que nio sabe ler © exrever,iletré € fo qe ee excreve mal, € no sabe fazer uso da leturae da esr, veroare | 19. que faz. a obra recente de Justino Pereira de Magalhaes,* porque elas abonam 0 uso de Iiteracia e ainda afirmam a diferenga entre esse termo € 0 termo analfabetismo, escla- recendo 0 sentido do primeiro: Anténio Névoa lamenta que Portugal va “fechar 0 século XX com niveis intoler4 veis de analfabetismo (talvez. da ordem dos 15%) © com niveis ainda mais baixos de literacia, entendida aqui como a.utilizagio social da competéncia alfabética” (grifos meus). £ significativo refletir sobre o fato de nao ser de uso corrente palavra alfabetismo, “estado ou qualidade de alfabetizado”, enquanto seu contririo, analfabetismo, “es- tado ou condig’o de analfabeto’, é termo familiar e de universal compreensio. O que surpreende € que o subs- tantivo que nega - analfabetismo se forma com o prefixo grego a(n), que denota negacio ~ seja de uso corrente na lingua, enquanto o substantivo que afirma — alfabetis- ‘mo — nao seja usado. Da mesma forma, analfabeto, que nega, € também palavra corrente, mas nem mesmo temos um substantive que afirme 0 seu contririo (j4 que alfabe- tizado nomeia aquele que apenas aprendeu a ler € a escre- ver, no aquele que adquiriu 0 estado ou a condicao de quem se apropriou ta leitura e da escrita, incorporando as priticas sociais que as demandam). A explicagio no € dificil € ajuda a clarear 0 sentido de alfabetismo, ou letramento. Como foi dito inicialmente, novas palavras sto criadas, ou a velhas palavras dé-se um novo sentido, quando emergem novos fatos, novas ideias, novas maneiras de compreender os fendmenos. Conhecemos bem, € ha muito, 0 “estado ou condigio de analfabeto”, que nao € apenas o estado ou condigaio de quem nao dispde da “tecnologia” do ler e do * Lave escrever no mundo rural do Antigo Regime: um contrbuto para a bisa da llfabetzagao e da excolarizago em Portal. Universidade do Minho, Instito de Educagio, 199, cescever, 0 anaifabeto € aquele que nio pode exercer em eae plenitude os seus direitos de cidadio, € aquele aque a scedade marginaliza, é aquele que ndo tem acesso aie cultursis de sociedades letradas e, mais que isso, aos eae eas pve, conecemos bern, ff muito, esse elt analabet, sempre nos foi necessira uma pa- lama po designt-lo, a conhecida © corrente analfabe- fauna eaado 04 condiao de quem sabe ler e escrever, reve estado 08 condicio de quem responde adequada- oS ntensas cemandas sociais pelo uso amplo € dife- mee eis € da scr, esse fendmeno sO recentemente Teeenfgurou como Um salidade em nosso contexto so- Se ties, nose problema era apenas © do “estado ou feat nos permitia perceber esta outa realidade, o seat on condlieao de quem sabe ler e escrever”, €, por S82 ino analfabettsmo nos basta, 0 Se opesto— penaismo os etramento — n20 nos era necesito $6 alfabarente Se POS! tomou-se necessirio, porque tecentemente passamos a enfrenar esta nova realidade socal em que Mo basta apenas saber ler e escrever, € Precio rambéat saber fazer uso do ler e do escrever, viper esponder as exigencias de leitura e de escrita que a sociedile faz continuamente — dai o recente surgi- do temoletramento (que, como jé foi dito, vem- menorando Ue uso corrente, em detrimento do termo raise): Cusiosamente, © mesmo fendmeno ocor- angus nglesa, em que illiteracy foi ermo corrente mente 2 tr de aalfabeto” ~ a enorme dimensio esse pro~ ta of ice de que a palavra Jotramento € nova no léxico da Lingua sma se 3 estes <2 en st ong A Toray oa versio para o Portugués da importante obra ae it Oca 1995) 0 temo erty, ao m0 tuo dh bre quanto 40 ora jeitlos, fot inadequadamente traduzido por “cultura escrita’, ong ‘ketramento (ox mesmo alfabetismo), ¢ prejudicando-se assim igus © pce do ey que 3 expen cua rt Sorento conceto que ier) ome indi feds 0 sere vertwte 21 muito antes que o termo literacy emergisse: 0 Oxford En- 4glish Dictionary registra 0 termo illiteracy desde 1660, 20 asso que seu contrario literacy s6 surge no fim do século XIX. Certamente 0 surgimento neste momento do termo literacy representa uma mudanga hist6rica das priticas sociais: novas demandas sociais de uso da leitura ¢ da esctita exigiram uma nova palavra para designd-las. (Ob- serve-se que 0 que ocorreu. na Gra-Bretanha em fins do século XIX, motivando 0 aparecimento do termo literacy, s6 agora, em fins do século XX, vem ocorrendo no Brasil, motivando a criagio do termo letramento.) Quanto & mudanga na maneira de considerar o signi- ficado do acesso & leitura € & escrita em nosso pais — da mera aquisicao da “tecnologia” do ler € do escrever 2 insergdo nas priticas sociais de leitura e escrita, de que resultou o aparecimento do termo letramento ao lado do termo alfabetizagao — um fato que sinaliza bem ‘essa mudanga, embora de maneira timida, € a alteracao do critério utilizado pelo Censo para verificar 0 némero de analfabetos € de alfabetizados: durante muito tempo, considerava-se analfabeto 0 individuo incapaz de escre- ver 0 proprio nome; nas tltimas décadas, € a resposta & pergunta “sabe ler e escrever um bilhete simples?” que define se © individuo € analfabeto ou alfabetizado. Ou seja: da verificagao de apenas a habilidade de codificar © proprio nome pa eA verificacao da capacidade de usar a leitura e a escrita para uma pritica social (ler ou escrever um “bilhete simples"). Embora essa priitica seja ainda bastante limitada, ja se evidencia a busca de um “estado ou condicao de quem sabe ler € escrever”, mais que a verificagio da simples presenga da habilida- de de codificar em lingua escrita, isto é, j4 se evidencia a tentativa de avaliagao do nivel de letramento, ¢ nao apenas a avaliaglo da presenca ou auséncia da “tecno- logia” do ler e escrever. Dl reeremeres ‘A avaliagao do nivel de letramento, ¢ niio apenas da presenca ou nao da capacidade de escrever ou ler (0 indi- ce de alfabetizagao) & 0 que se faz em paises desen- volvidos, em que a escolaridade basica € realmente obrigat6ria € realmente universal, e se presume, pois, que toda a populacio ter adquirido a capacidade de ler € escrever. Assim, de um modo geral, esses paises tomam como critério para avaliar o nivel de letramento da popu- lado 0 ntimero de anos de escolaridade completados pe- los individuos (4, 5 ou mais, dependendo do pais que se esteja considerando € ainda do momento hist6rico: 0 ni- mero de anos de escolaridade tomado como critétio cresce ao longo do tempo, a medida que crescem as demandas sociais de leitura € escrita): 0 pressuposto € que a escola, em 4, 5 ou mais anos, teri levado os individuos nao s6 a aquisiclo da “tecnologia” do ler e do escrever, mas tam- bém aos usos € priticas sociais da leitura e da escrita, a uma adequada imersio no mundo da escrita. O que inte- ressa a esses paises é a avaliacio do nivel de letramento da populacio, nao o indice de alfabetizacao, ¢ frequen- temente buscam esse nivel pela realizagio de censos por amostragem em que, por meio de numerosas € variadas questoes, avaliam 0 uso que as pessoas fazem da leitura € da escrita, as praticas sociais de leitura e de escrita de que se apropriaram. Sendo assim, é importante compreender que é a letra- mento que se esto referindo os paises desenvolvidos quando denunciam, como tém feito com frequéncia, in- dices alarmantes de illiteracy (Estados Unidos, Gra-Bre- tanha, Australia) ou de illettrisme (Franca) na populacio; na verdade, no esto denunciando, como se costuma crer no Brasil, um alto ntimero de pessoas que ndo sabem ler e excrever (fendmeno a que nos referimos n6s, brasilei- fos, quando denunciamos © nosso ainda alto indice de ‘analfabetismo), mas estio denunciando um alto nimero vertete|23 de pessoas que evidenciam ndo viver em estado ou condicdo de quem sabe ler e escrever, isto €, pessoas que nao incorporaram os usos da escrita, nao se apro- priaram plenamente das priticas sociais de leitura e de escrita: em sintese, ndo estio se referindo a indices de alfabetizacao, mas a niveis de letramento. Um exem- plo é a pesquisa desenvolvida na segunda metade dos ano 80 nos Estados Unidos, buscando identificar 0 nivel de letramento (literacy) de jovens americanos (faixa eta- ria de 21 a 25 anos): em primeiro lugar, os instrumentos utilizados avaliaram as habilidades de ler, compreender fe usar textos em prosa, como editoriais, reportagens, poe- mas, etc. e de localizar e usar informacoes extraidas de mapas, tabelas, quadros de hordrios, etc., o que eviden- cia que 0 objetivo nao foi verificar se os jovens sabiam ler e escrever - se eram alfabetizados ~ mas se sabiam fazer uso de diferentes tipos de material escrito, com- preendé-los, interpretd-los e extrair deles informacdes que nivel de letramento tinham; em segundo lugar, a conclusio da pesquisa foi que a illiteracy (a incapaci- dade de ler e escrever, isto €, 0 analfabetismo) nao era um problema entre os jovens, a literacy (a capacidade de fazer uso da escrita, , 0 letramento) € que constitufa 0 problema. A diferenca entre alfabetizacao ¢ letramento fica clara também na Grea das pesquisas em Educagio, em Histéria, em Sociologia, em Antropologia. As pesquisas que se voltam para 0 estudo do ntimero de alfabetizados e analfabetos e sua distribuicio (por regio, por sexo, por idade, por época, por etnia, por nivel socioecondmico, entre outras variaveis), ou que se voltam para o niimero de criangas que a escola consegue levar & aprendizagem da leitura e da escrita, na série inicial, sio pesquisas sobre alfabetizagao; as pesquisas que buscam identifi- car os usos priticas sociais de leitura e escrita em 2A) evramence determinado grupo social (por exemplo, em comunida- des de nivel socioeconémico desfavorecido, ou entre criancas, ou entre adolescentes), ou buscam recuperar, ‘com base em documentos e outras fontes, as priticas de leitura € escrita no passado (em diferentes épocas, em diferentes regides, em diferentes grupos sociais) S40 pesquisas sobre letramento. ‘Uma tltima inferéncia que se pode tirar do conceito de letramento é que um individuo pode nao saber ler e escrever, isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (atribuindo a este adjetivo sentido vinculado a letramento). Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social ¢ economi- camente, mas, se vive em um meio em que a leitura € a escrita tém presenca forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (€ € significativo que, em geral, dita usando vocabulirio e estruturas prOprios da lingua escrita), se pede a alguém que Ihe leia avisos ‘ou indicagoes afixados em algum lugar, esse analfa- beto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da esctita, envolve-se em praticas sociais de leitura ¢ de escrita, Da mesma forma, a crianca que ainda nao se alfabetizou, mas j4 folheia livros, finge lé-los, brinca de escrever, ouve histérias que Ihe sao lidas, esta rodeada de material escrito e percebe seu uso € funcao, essa crianca é ainda “analfabeta", porque nao aprendeu a ler e a escrever, mas jf penetrou no mundo do letramento, ji €, de certa forma, letrada. Esses ‘exemplos evidenciam a existéncia deste fendmeno a que temos chamado letramento ¢ sua diferenca deste ‘outro fendmeno a que chamamos alfabetizagdo, ¢ apontam a importincia e necessidade de se partir, nos processos educativos de ensino € aprendizagem da leitura e da escrita voltados seja para criangas, seja para adultos, de uma clara concepcao desses fe- ndmenos e de suas diferencas € relacoes.

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