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A CONSTRUCAO INTERIOR RODRIGUES DE FREITAS E A QUESTAO DA INSTRUCAO JORGE FERNANDES ALVES oedaule de Lewras do Pow) Neste coléquie dedicado & obra de José Joaquim Rodrigues onde j4 foram abordadas diversas facetas do autor, nao podei chamar a atengio para o problema da nucleares da sua obra, Além disso, as intervengdes que Rodrigues de Freitas produziu sobre a instrugde foram das que mais contribuiram para sedimentar © seu prestigio, quer no dominio politico, quer no dominio civico. Bastard referir, por um lado, que, dos escassos ués opiisculos de intervengdes parlamentares que ao longo da sua vida se editaram, um é precisamente o “Discurso Parlamentar sobre a Instrugao Publica’”!; por outro lado, so numerosos os artigos dedicados a esta causa, como frequentes eram as suas intervengdes em associagées portuenses, organizadas em torno da instrugao em geral e que reclamavam © seu patrocinio, de que destacarei a Sociedade de Instrugio do Porto. Esta preocupagio com a educagio é s6 por si relevante, embora natural num professor da Academia Politécnica do Porto, tanto mais que se inlegrava num contexto intelectual de cariz positivista, onde predominava a crenga na educagto como elemento motor da regeneragiio da sociedade. Importara, porém, ir um pouco mais longe € perguntar se, por exemplo, as intervengGes sobre educagio proferidas por Rod: de Freitas constituem, algo mais do que meras “oragdes” ao sabor da oportunidade de intervengio de um politico experimentado ¢ “leader” da oposigao republicana, paralelamente professor © economista, ou se, para além disso, configuram um discurso estratégico sobre a educagio. Ou seja, encontra- remos nestes textos de Rodrigues de Freitas um discurso sobre a educagaio, enquanto alinhamento coerente de ideias, produtor de uma mensagem dotada de uma légica interna que tome claros os principios e os fins do modelo defendido, com as justificagdes respectivas assentes numa retrica com capacidade para persuadir, argumentar e seduzir?? de Freitas, deixar de instrugdo", na verdade, um dos temas “ Trabaiho desenvolvice no Ambito do projecto “Estruturas s6ei ‘zaigao no Norte de Portugal (sees. XIX-XX)", com 0 apoio da INICT. econdmicas ¢ indusiriali~ 271 RNANDES ALVES As primeiras manifestagées Se seguirmos uma linha estritamente cronolégica na andlise do discurso de Rodrigues de Freitas sobre a educagio, teremos de remontar pelo menos a 1855, quando surge no trissemandrio progressista Pedro Quinto um seu artige de adolescente (tinha entdo 15 anos), muito eritico para com o ministério da regeneragto. Vivia-se um periodo eleitoral © 0 entao precoce publicista procurava superar a propaganda regeneradora, que batia a tecla do adiantamento das comunicagdes e vias puiblicas. Assim, Rodrigues de Freitas denunciava os problemas econémicos ligados ao endividamento, & inseguranga publica ameagada pelo banditismo & solta que campeava nas aldeias, & manutengiio do status quo de que era exemplo 0 monopdlio do das promessas da sua abolicao pelo governo regenerador, i da coacgtio eleitoral. Endo faltava a dentincia sobre a educagio, com uma argumentagio peculiar, que mostra j4 0 papel de base que atribuia a instrugdio na sua concepgiio de progresso, numa expressividade que, apesar de ainda se revelar algo ingénua, valerd a pena transcrever: O derramamento da instrugde piibl comparado com o longo espago de quase cinco anos. A instrugao nas aldeias tem-se derramado muito pouco e se hé muitos mestres régios, so pela maior parte indignos do sacerdécio magistral e incapazes de ensinar instrugdo primdria por nece Isto nasce de ndo serem obrigados os pais « mandarem seus filkos para as escolas, a fim de obterem essa riqueza, que quanto mais se dé ca ndo & quase nenhum, ssitarem de ensino. com mais se fica, a que se chama instrugdo ow saber; os concursos também ndo sao rigorosos ¢ os ordenados so diminutos do que deviam ser: a instrugdo € mais necessdria como as vias férreas; entre os bons governos sempre o nec sdrio procede o util; porém a regeneracdo entende o contrarios. Saltemos, porém, no tempo, procurando maior maturagdo. Doze anos depois Rodrigues de Freitas é j4 um jovem engenheiro, acabado de ser admitido como docente na Academia Politécnica do Porto, ¢, dada a sua precocidade, apresenta entdo uma considerdvel experiéncia de escrita em jornais e em publicagdes de caricter econémico. Um importante texto de Rodrigues de Freitas sobre a educagio é 0 capitulo que faz inserir em Notice Sur Le Portugal (1867), um texto encomendado pelo governo para acompanhar a pacticipagdo portuguesa na Exposigdo internacional realizada em Paris. Sendo uma obra de cariz administrativo-estatistico para apresentagdo no exterior, o autor ndo formula af juizos de valor significa tivos, mas mostra-se bem informado sobre o sistema de ensino € seus 272 A CONSTRUGAO INTERIOR apresentando as grandes linhas organizativas com base na legislagdio e importantes dados estatfsticos que revelam uma gradual methoria no que respeita a criagfio de escolas principais sectores ¢ outros dados afins, Mas o intelectual criado na sombra do Sclembrismo ¢ dos circulos radicais ligados aos irmios Passos nfo poderia deixar de sublinhar que a instauragiio do liberalismo ¢ do s1 representativo, simbolizando o fim do arbitrio da realeza, era a expresso da inteligéncia nacional. ideia veiculada nos relatérios que precediam os decretos de 1836 © 1837 que reformavam 0 ensino © que propunham a permanente methoria deste servigo piblico como forma de dilatar o principio da representatividades, Estamos, assim, numa linha de filiagao setembr afirmada frequentes vezes. ‘Ainda nesse mesmo ano, competindo-lhe 0 discurso de abertura da Academia Politécnica por ter ingressado entZio como docente, ele chama a atengio do auditério para a necessidade de ligagio entre ciéncia e virtude, clamando pelo dever de nos entregarmos por inteiro 2 cultura de nés mesmos, de forma a tirarmos o melhor partido das nossas faculdades pessoais. E, antecedendo as descrigdes biogriificas de dois “modelos morais” = Cobden c Franklin, coloca a interrogagao: , frequéncias, orgamentos dos La, que sera re Que haverd. portanto, a esperar das instimuigdes de ensino piiblico, se 0 espirito da mocidade se abater a ponto de esperar tudo dos esfore adquirir ciéncia? De que vale uma carta de engenheiro civil ou de agricultor, de engenheiro de minas ou de artista, se aguele que sai com ela apenas a estudou para a aleangar, ¢, logo depois de obtide, Joxe dos livros ¢ da meditagdo, como de bagatelas que bem podem ser substituidas pelo nepotismo? De que valem os titulos oficiais de scibio quando mascaram a ignorancia ou 0 desteixo? (...) Desagrada saber que & muito pequeno o nimero de alunos verdadeiramente distintos que frequentam as escolas piblicas; ¢, apesar disto, he muitos talentos em Portugal: mas aplicam-se pouco ¢ néio fazem por adguivir convicgdes profundas; parecem desconfiados do éxito dos seus esforgos, ou que nunca pensaram nas magnas vantagens que podem tirar deles; assim passam anos € anos; enquanto que sé reflectissem no poder do trabalho inteligente, seriam titeis a sie aos seus concidadtios.. 1s alheios, em vez de ser perseverante no trabalho para Fez entio um apelo ao trabatho, 2 necessidade da auto-formagao, justifi- cando deste modo a opgao feita para o ritual da abertura escolar por um discurso morali c em “modelos de bem viver, de ciéncia ¢ de fi, com ba 273 cons ciéncia™, quando, dizia, the seria mais facil arengar contra as misé: da instrugiio primaria ou pedir mais universidades, escolas ou conser- vat6rios, mas uma das reformas mais importantes era também a do “espfrito dos alunos" Na verdade, para 0 economista da escola liberal que Rodrigues de Freitas personificava, capital ¢ trabalho eram duas faces da mesma moeda, pelo que, consequentemente, a valorizagdo do trabalho passava pela instrugio. Assim, vamos encontrar a defesa da insteugio em artigos puramente econd- mics, come, por exemplo, na série “O Crédito e a Agricultura Portuguesa”, publicada em 1869. Delendendo af, naturalmente, a necessidade de capitais sullores e a urgéncia da criagiio de bancos préprios para o sector, do exemple escocés, onde a par de varios factores, incluindo © 0, evidencia 0 papel da difustio do ensino: desde 0 século XVII, cada -ocesa era obrigada a {er a sua escola, © povo estava convencido de que “o desenvolvimento da inteligéncia podia compensar a ingratidéio do solo”, os pobres “olham a instrugdo como a primeira necessidade de seus fithos; mais depressa se privariam de uma parte do sustento, do que deixarem de os mandar & escola”. Nesta perspectiva, a escola era encarada por Rodrigues de Freitas como um elemento de efics , zir 6 combinar Forgas humanas com as da natureza”, sendo que 0 desenvolvimento nao poderia ser equacionado sendo globalmente: precisumos, sim, de instituigdes de crédito, de instrugio. de economia, de para 0s agi socorre: banedi paréquia a € eficiéncia economi estradas; cuidemos quanto antes de alcangar estes admirdveis instrumentos civilizadores, manejemo-los avisadamente, ¢ a nagio portuguesa ocupari lugar notével no mundo, niio pela preponderdncia politica, mas pela ventura real que pode gozar"7. Consideragées no mesmo sentido tinha j4 produzido a propésito da indiistria, desconfiando do simples proteccionismo pautal: “O que mais urge é ter da protecgio: as pautas formam o sistema atrasado; seja 0 dustrial 0 seu natural sucessor”®. Posigdes deste tipo fizeram-no alvo de violentas eriticas dos proteccionistas portuenses, alguns dos quais se afirmavam contra a a instrugdo, militando em absolute pela detesa pavtal (basta ler © Inquérito Industrial de 1881, onde um empresirio afirma que operdrio seu que saiba ler € de imediato despedido). Rodrigues de Freitas defendera que “todo 9 progresso consiste no desenvolvimento das facul- dades do homem, no acréscimo dos meios de trabalho” € aos proteccio- tas evoca Passos Manuel, que “nfio era grande defensor do sistema proteccionista” apesar da fama em sentido contririo, lembrando-thes que se publicara as pautas, também reformara todo o ensino paiblico, pretendendo que as diversas instituigdes de ensino “servissem de auxiliar a indistria com a ciéncia”, enquanto os industriais que tanto clogiavam as pautas jamais reivindicavam a realizagdo da reforma do ensino®, 274 A CONSTRUGAO INT OR Se bem que as suas preocupagdes com a educagio aflorem quer no parlamento, durante os primeiros mandatos de 1870 a 1874, ou em textos publicados na imprensa, as ideias de Rodrigues de Freitas ganham, no entanto, nova dimensdo piiblica com as intervengdes parlamentares de 7 e 9 de Maio de 1879, entio ja eleito como deputado republicano. A esta acrescida qualidade dos seus textos ¢ intervengées nao sera estranha uma maior abrangéncia das suas preocupagdes para 14 do estritamente econd- mico, com uma declarada dedicagao ao estudo a partir de 1874, entao liberto das tarefas parlamentares, ao qual afirma querer dedicar-se na sequéncia da derrota eleitoral por escassos votos (¢ paca a qual nada fez para vencer). reconhecendo num comicio posterior de agradecimento que precisava ainda de se instruir muito para ser bom legislador!. Aspecto que methorara desde logo com a aprendizagem do alemio, por via do segundo casamento com uma senhora austrfaca, que Ihe permite © contacto no original com autores de outras correntes de pensamento; de igual modo se teri verificado um aprofundamento das suas relagdes magénicas © 0 apuramento da sua sensibilidade laicista, depois de ter sido iniciado provavelmente em 1869!1, sua O diseurso parlamentar de 1879 sobre a instrugio Nao admira, assim, que nesse memordvel discurso parlamentar, que obteve uma profunda repercussao na opinido ptblica, os argumentos aduzidos para 0 seu combate pela instrugdo entrelacem a necessidade de superarmos 0 nosso histérico “abatimento intelectual”, de que resu)tou lermos sido “longamente dominados ¢ oprimidos, como 0 fomos, pela teocracia € 0 absolutismo", com a urgéncia de melhorarmos a “capacidade industrial” do trabalhador portugués. Esta dupla perspectiva permite-lhe relacionar a instrugio com os mais va pectos da vida social © eviden so, quer econdmico, quer ad iar © seu caricier determinante no progres politico, interrogando-se: — Questiio financeira? Como aumentar a matéria colectavel se niio crescer a capacidade industrial de cada individu para aumentar o produto do trabalho industrial? — Questia econémica? Como concorrer com os outros poves sem progressos rapidos no trabalho, sem aumentar a instrugdo ual? indi — Questio politica? Como levar os cidadios a compreender bem os seus direitos ¢ deveres, sem uma opinifo publica que auxilie eficazmente governos ¢ parlamentos? 215 JORGE FERNANDES ALVES Esta leitura do papel da instrugdo, levava-o, por uma questo de coeréncia, a preocupar-se € a responsabilizar o Estado gradualmente com os varios niveis de ensino, colocando em primeiro lugar primario (sem esquecer a apologia da infantil), 36 depois 0 secunddrio ¢, em dltime Lugar 0 superior, numa clara defesa da necessidade de uma escola de massas, designio tipico da modernidade que acredita na escola como factor de transformagao, Mas, para além de reclamar a urgéncia da publicago dos regulamentos relatives & reforma do ensino primario de 1878, ¢ de incentivar o Estado a canalizar a forga da sua maquina burocratica no sentido de provocar a criagio de associagdes que subsidiassem as criangas, propagandeassem a escola & animassem os professores, discorre sobre os programas € os métodos de ensino, fazendo propostas entiio inovadoras face A tadigio de tipo jesuitico que ainda predominava. Comenta os programas sa da introdugao de rudimentos de ciéncias fisico- logo no primeiro grau do ensino primirio, através de comentirio de textos e experiéncias simples ¢ elucidativas de que da exemplos; critica o ensino da histéria, baseado em reis ¢ batalhas, sugerindo um modelo gradual que comegasse por biografias de grandes homens que representassem as diversas épocas. dado © gosto infantil de ouvir histérias, para mais tarde se 0 de factos capitais, a descrigdio de monumentos e costumes, ©, num terceiro grau, apresentarem-se entiio os “factos sinteticamente”; a geografia, deveria comegar pela aposta na topografia, examinando o local, de fornia a expor alguns principios geograficos e geolégicos, em vez de se decorarem as listagens de nomes de ries, paises e cidades sem qualquer liga- Ao a0 espago. Mas é no método que assesta as suas baterias, falando em toada rousseauneana sobre a necessidade de as criancas amarem a escola, de se climinar a sua tristeza derivada de se exigir que elas sejam como homens feitos, pautando-se-Ihes os movimentos pelos manuais de civilidade. Chama a exemplo As Farpas, de Ramatho Ortigio, como paginas denunciadoras da tristeza das criangus portuguesas, ¢ defende a necessidade da brincadeira como elemento de formagao: 6 entdo que formula a defesa do ensino infantil, invo- cando o exemple dos jardins de infancia, segundo 0 modelo do Kindergevten de Frocbel, o qual sistematizou jogos e recreagdes formativas com base no gosto das criangus pela brincadeira. Rodrigues de Freitas faz ainda uma defesa cerrada da edueagdo feminina, contra 0 ensino restrito ¢ elitista de apenas ensinar Iinguas, piano e canto, com a outra face da moeda que era a negagio de ensinar a ler ¢ escrever a larga maioria das mulheres, defendendo a generalizagao da educagio feminina, para tornar racional € harmoniosa a tarefa da mulher na esfera doméstica, Como método para aprender a ler, faz a apologia do apresentado por Jodo de Deus, método substancialmente mais econdémico e superador dos “martirios” das criangas provocados pelos anteriores. Facilitado 0 276 A CONSTRUGAO INTERIOR nfancia, benefi ibalho da classe laborios: ensino da ar-se-fa a inddstria, dadas as qualidades de wa portuguesa, pelo que urgia aumenté-las com a instrugiio, Defendeu a das caixas econdmicas escolares, j muito populares em outros paises curopeus, como forma de dinamizar o espirito de poupanca atr criangas, no qual vé mesmo possibilidades de higienismo soctal, através da veiculagio destes habitos p: familia numa aftura em que nos meios populares grassava 0 alcoolismo, para cuja superagio exemplar apontava situagées verificadas por esta via. Sublinha a necessidade da reforma do ensino das belas-artes € a criagiio de museus para salvaguardar © patriménio artistico abandonado ou saqueado A medida que se extinguiam os conventos, de que relata alguns exemplos veriticados, recomendando para essa reforma a ligagio da componente do desenho ao ensino industrial, sugerindo a utilizagio das trés obras afins de Joaquim de Vasconcelos. Defende a criagao tanto de bibliotecas adminis: trativas como o incentivo as privadas, bem como o aproveitamento pelo Estado das iniciativas particulares na criagio de escolas, com 0 apoio a acgdes unto de beneméritos como de diversas associagbes que se organiza- vam para essa finalidade, nomeadamente no meio operatic. Em conereto, as suas propostas eram as seguintes © interior da — u recomendagao ao governo para a criagdo de jardins de infancia, segundo o método de Froebel, que deveriam comegar por surgir como anexos As escolas normais para exercicios priticos de pedagogia e como modelos que poderiam enter e ser seguidos; SI — 4 introdugdo oficial do método Jodo de Deus nas escolas piblicas, ja aplicado por essa altura em cerca de 600 escolas, para a qual pedia uma dowigio de sei formagio dos professores para esse efeito; a abertura de concurso para varios compéndios (histéria, geografia, gindstica, higiene, desenho, ciéneias fisico-naturais). contos de réis, sendo em parte destinada & — accriagio de bibliotecas administrativas nos distritos; — a criagio de museus junto das academias de Lisboa ¢ Porto, para coleccionar os objectos do Estado com interesse artistico ou histérico; — a recomendagio ao governo de um proposta de lei sobre caixas econémicas escolares. Este programa, relativamente modesto aos othos de hoje, nfo poderia deixar de causar admiragao na altura, Rodrigues Sampaio, na altura ministro do Reino, procurou fulminé-lo, citando-the 0 final de Thomas Morus na Utopia: “0 que deixe aqui apontado desejo-o mais do que espero se realize”. 277 JORGE FERNANDES ALVES. E mostra-ihe 0 ¢: suas teses: * 0 lustre deputado [...] nilo espera que real do que viu 14 por fora; viu jardins que recordam os das Hespérides, e viu muitas mais coisas e eu também as vi". Mas 0 ministro no teve outro remédio sento divagar eruditamente pelo: autores latinos ¢ reconhecer amavelmente o mérito de Rodrigues de Freitas: lembrando Cicero a propésito da eleigo dos juizes, 0 qual declarava que ndo percebia porque razio era castigado © corruptor por dinheiro € n&o o era © que corrompia pela eloguéncia, considerava Rodrigues de Freitas “um dos maiores corruptores que temos entre nés, porque o seu talento e a sua afubilidade seduzem mais do que as ameagas ¢ do que o dinheiro”!2, Com esta intervengao parlamentar, Rodrigues de Freitas, para 14 da defesa da massificagio do ensino, dava voz aos defensores da “escola nova” que no seio associativo © em diversas publicagdes faziam a apologia de novos métodos de ensino, baseados no reconhecimento da crianga como um. ser evolutivo, em formagito, cujo crescimento social era estruturado pela educagao, vocdbulo entio utilizado para exprimir a socializagao pelas insténcias familiar e religiosa, pela instragao, designando a aquisigio formal de competéncias através da escola, embora os dois vocabulos fossem cada vez mais usados indistintamente. 6 essa corrente da “escola nova” que ele evoca, na sua publicacdo a propésito do centendrio froebeliano: Montuige, Comenius, Rousseau, Pestalozzi, Froebel. Contra 0 ensino assente verbiagem”, Rodrigues de Freitas sublinha os conceitos ¢ expressdes cenwrais para a instrugio das criangas ao nfvel do jardim de infancia froc- beliano: ligito das coisas, livre actividade, jogos, construir, Faculdade indus- trial, exercicios gindsticos, cantos singelos, jardineiras'3, E, para essa cor- vente, era essencial ter uma voz no parlamento, como foi entao a de Rodri- gues de Freitas, numa altura em que se processava a nivel parlamentar a reforma educativa de Rodrigues Sampaio, que decorreu entre 1878 e os pri- meiros anos da década de 80, com a sucessiva aprovagio de regulamentos. © discurso parlamentar de Maio de 1879 funcionou para Rodrigues de Ficitas como uma espécie de rampa de langamento para uma vasta acgao no campo do publicismo sobre a instrugio. Sao algumas dezenas os artigos € as inter. vengdes posteriores sobre esta problemitica, glosando, ampliando ¢ divul- gando junto do grande pitblico as linhas de forga expre: Deputados, artigos que, pelo seu alcance, the conferem um papel relevante na hisiéria da edueagdo em Portugal. A questo da instrugdo era para Rodri- gues de Freitas, na verdade, a grande questio nacional, de que sentia 0 dever de promover e defender, congregando para o problema nio 56 0 Estado mas também as Jamilias, tal como dizia a respeito da educagiio infantil na ssas na Cémara dos Como negécio piiblico. prende ; depende dele, em grande parte, 0 futuro do pais, e do modo mais intimo aa 278 A CONSTRUCAO INTERIOR porque dele dependem muito as geragdes por vir. Como negécio particular, liga-se com a prosperidade da familia, com a alegria, com os afectos, com a saiide, com a aptiddo para adquirir meios de subsisténcia!4, O problema da formagtio de professores, nomeadamente a necessidade de incluir a pedagogia nos respectivos curricula, levou-o a sugerir solugées expedilas para ultrapas téncia das es existissem ja na lei. Rodrigues de Freitas advogava a criagdo de um Ministério préprio para 0 Ensino (entio distribuido pelo Ministérios do Reino e das Obras Publicas), lembrando o papel positivo desenvolvido durante 08 anos de 1868, com o bispo de Visew, ou mesmo pela ditadura de 1870 (liderada por Saldanha, mas que teve em D. Anténio da Costa 0 primeiro. mas efémero, minisiro da Instrugio em Portugal), depois anuladas pela vontade de reprovar os movimentos politicos em si!5. E incentivava os amigos da instrugzio popular a organizarem congressos pedagdgicos como forma de propagagio das novas preocupagées ¢ metodologias!®. De uma forma necessariamente sintética, anotaremos em seguida algumas linhas de forga da sua argumentacio para os diversos nfveis de r a inex’ colas normais, embora estas ensino. Os Jar s de infaincia Desde 1878 que surgem artigos de Rodrigues de Freit apologia dos métodos pedagdgicos de Pestalozzi e de Froebel, e, especifica- mente, dos desenvolvimentos froebelianos do jardim de infancia ou Kindergarten. Assim, partindo do prinefpio de que “os homens aprendem ¢ mutuamente ensinam desde © nascer até & morte”, reconhece-se que a cada €poca da vida cube um certo grau de ensino, surgindo o Kindergarten para as criangas dos 3 aos 6 anos, onde se procura “sistematizar os recreios da puerfcia”, de tal forma que se aprende folgando, através do jogo © da brincadeira orientada ¢ explorada no sentido da valorizago do corpo ¢ do espfrito, de forma que o desenvolvimento se faga harmonicamente, sem esquecer qualquer faculdade humana. E este, como vimos acima, um dos tomas que depois leva 4 Camara de Deputados em 1879, em relagdo ao qual apresentou propostas coneretas. O seu optisculo sobre Frederico Froebel!7, nas comemoragées do centendrio, culmina esta sua preocupagio, af descre- vendo a respectiva biografia 0 método, desenvolvide depois de Froebel contactar com Pestalozzi. Assim, 0 importante era Froebel ter mostrado “que era indispensdvel tomar as criangas na idade anterior A escola, porque 6 exactamente nos nos que mais preciso se torna colocar os germens da humanidade a fazer a \ciros 279 JORGE RNANDES ALVES em condigées que thes permitam 0 maximo desenvolvimento; aliés quando entraren nat escola, aos Sete anos por exemplo, ja terdo contraide habitos inconyenientes, ou se tera despistado a educacio de faculdades indispen- sdveis: a felicidade humana. Foi destas reflexdes que safu |...] 0 Jardim da Infancia”. A imagem organica ganha aqui relevo, com a crianga a ser pers pectivada como uma planta de jardim, um tema que depois se tornara recorrente em autores jf do nosso século (vejam-se, por exemplo, algun textos de Anténio Sérgio). Salientando que nos primeiros anos o importante niio € acumular conhecimentos, mas sim desenvolver faculdades, Rodrigues de Freitas sublinha que “este desenvolvimento uma estufa, mas sim ao mesmo tempo espontineo ¢ dirigido como o das plantas bem cuiidadas no clima préprio. Nao se wata, pois, de exigir desde logo que a in! frutos, mas estabelegam-se condigdes em que as izes possum profundar © solo, em que os elementos nutritivos sejam facil- mente extraidos deste € vaio transformar-se em parte do vegetat”!, Neste aspecto, nio admira que a sua vox encont um importante eco na opinidio pablica quando afirma que o nosso sistema de educag&o era um sistema de desperdicio de faculdades, nao por falta de recursos pecuniatios mas essencialmente por falta de recursos pedagégicos. E denunciava os processos de ensino, as deficiéncias de material, as condigdes anti-higiénicas da maioria das escolas primarias, o saber médio dos mestres, com a palmat6ria a desempenhar 0 “papel de poderoso auxiliar do professor infeliz”, tornando a es io deve ser artificial como ola num lugar repugnante & maioria dos alunos. Ensino primario “A instrugdo primdria & gratuita a todos os cidaddos”, eis um artigo da Carta Constitucional, datada de 29 de Abril de 1826, que Rodrigues de Freitas recorda quando se debruga sobre © ensino primiirio, esse sistema sempre prometido mas largamente irrealizado, com as escolas a cons trtirem-se a ritmo muito lento ¢ a descurarem quase por completo o ensino do sexo feminino!®. Admite mesmo que, para acelerar a cobertura escolar, fosse pago pelas pessoas favorecidas, sob certas condigdes, uma “taxa de escola”, pois, cizia, “queremos a instrugio primdria gratuita © obrigatéria; ‘mas obrigatéria para quem puder aprender, e gratuita para quem nfo puder pagar; fora disto nem se compreende a obrigagio, nem a gratuitidade € ficil de realizar”, Mas 0 Estado como vasta associagio, obrigada ao principio da mutualidade perpétua, ou seja, através das geragdes, deveria assegurar a escoluridade a quem niio tivesse condigdes econdmicas, como “obra de filantropia € como conveniénca piiblica”, pois, para além da formagio para o wabatho, a ignordncia nao corrigida na infancia ¢ armada mais tarde da forga fisica pode “converter-se em verdadeiro perigo social”, como afirma numa 280

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