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hannah arendt CRISES DA REPUBLICA AM a S, 3B 2 perspectiva ZS nais ¢ intimidar os que resolveram nfo ser intimidados, que preferem ir para a cndeia a verem suas Jiberdades amordugadis, nfo sio suficientes, © provavelmente nfo serio suficientes para destruir a Repiblica. Hi razio para esperar, como o velerano Sr. Lang — um dos dois milhGes e meio da nagio — “que o pais pode re- couperar seus melhores aspectos como resultado da guer= ra, ‘Sei que isso no inspira davidas’, disse, ‘mas tarm- bém no hé outra coisa que cu consiga imaginac’ ce) teem @ DESOBEDIENCIA CIVIL Na primavera de 1970, a Associagio do Foro da Gidade. de New York celebrou seu centenstio com um impésio sobre a sombria questio: “A lei estar mor- ta"? Seria interessante saber © que inspiron precisa- ‘mente este grito de desespero. Teria sido o desastroso aumento do crimes nas ruas, ou a percepedo mais ambi- iosa de que “a eniormidade do mat expresso em mo- ddernas titaniag minou toda #6 sincera na importincia bbisica da fidelidade a lei", além da “ampla evidéncia de que campanhas habilmente organizadas de desobe- digncia civil podem ser muito efieazes na obtengao de ‘mudangas desejadas na lei"? De qualquer-movo, "6s guatide Heian ct Ses Pork’ Cnikty Law Reese Boe gs Sieh Su to Lpicos sobre os quais Eugene V. Rostow solicitow aos patticipantes que preparassem suas notas, claramente feacorajaram um panorama algo mais brilhante. Um de- ‘es propés uma discussio sobre “a relagio da moral do cidadao com a Ici, numa sociedade de consentimen- © as observagies que se seguem sio decorrentes disio. A fiteraturs sobre o assunlo repousa em grande parte sobre dojs famosos encarcerados: — Sécrates em Atenas e Thoreau em Concord. A conduta deles & a Yalegria dos juristas porque aparentemente prova que @ desobediéacia & Jei $6 pode ser justificada se 0 trans- gressor estiver disposto ou mesmo ansioso a aceitar a Dunigfio por seu alo. Poucos ndo concordariam com a * posigao do Senador Philip A. Hart; “Oualquer tolerin- «que eu possa sentir para com contestador depen- de de sua boa vontade em aesitar qualquer punigio que a Jet venhn a impor”®, Este argumento marca ‘um te- trocesso no modo popular de entendimentos, talvez mal ‘entendimento, de Sderates, mas sua grande aceitagio neste pais patece grandemente fortalecida por “um dos aig sérios despropésitos da nossa legislagao (pelo qual um individuo) € encorajado ou mesmo compelido a esta- belecer um dircito legal significativo através de um alo ssoal de desobediéncia tivil"!. Tal despropésito oti- ginou um estranho e, como veremos, nao totalmente feliz casamento teérico da moralidade com a legalids- ds, da conseiéncia com a lei do pats. Como “o nosso duplo sistema de leis possibilita dquo a lei estadual seja incompativel com a lei federal”, =S—~—~——— a Pe ee ‘Reston tm “The Virginie’ Quarteriy, catona. de 1908.” fe ee BFE cea ben Peek Bit giao Ci ed he BOB Ronee ame rege ao ore Fane Pa eee aap ta ealcedae iettnie Rents teat Se cai, pete at ‘unca,ninorade Yeglimia,'e depende dou cidndson cue tents Vanaasm ere bls rae Soi oe oe ee etcereeeey de hts eee eae ee asin es ee 52 9. movimento pelos dirsitos civs nos sous primieos este 1s, embor, coafitasso aberlamente comm as eis © re gulamentos sulistas, podia realmente ser interpretado omo se simplesmente tivesse "apelado, n0\n08s0 ss- toma fedoras, por sobre n lei e atlordade do est do, pira a Ici ¢ autoridade da nagio"; nfo. havin, xem -~ ni obstane cem anos de nao-imposigag "a menor divida de que as dsposigées (extaduais) cram invatidadas pen lel federal” © 0 “desprezo A lei stave sempre com o outro lado”, A primeira vista parecem onsideciveis os métitos desta interprtagio. grands] ditiouldade dos juristas em explicar a compatibtidade da desobedincia ivi com o sistema legal do pa, uma ver que "a lei nfo pode justfiear a violsio ta Tei", Patoce engenhosamente revolvida pela dalidads da le horte-americana e pela identificacdo de desobediéncia ci Vil com wiolaefo da fei com o fim de tstar son cost, tvcionalidade, HA ainda a vantagem adicional, se € que € una vantagem, de que em consegiéncia de seu de plo sistema, 8 lel norte-americana, em conteaposigdo Outros sistemas legis, descobria un agar wise, nfo- -ficticio, para a chamada “mais alta lei”, & qual a “ju- risprudéocia ainda se pega, de uma manera ou de outea”. Seri ecesirio umna grande dose de ingenuidade para defendor esta doutrina no campo tv6rico: a cone Aigdo do homer gue testy a Tepiimadade de uma ei ndova € "apenes perifercamente se tao, a con Aigio de contestador cil" ¢ 0 contestador que apela Para ma "mais alta Tel” por agie com grande convie- $20 moral, estranhars quando tver que Teconhessr que inimeras decioes da Corte Suprema através dos 56 culos foram fnspiradas nesta Tei nema de todas as Lis ja principal caractersticn 6 a imutablidade, Ao nivel dos fates, contado, a doutcinn fol refuted quando os siepis do moviestogulen zs cis sivenente ram para resistentes do movimento anibeico aoe slaramonte.desobeeciam & Tel federal © eta rfwtagio tornor-s defintiva quando a Corte Suprema se recesou onsets Cis, the Bolen ofthe, Conmabiiy of Gn ie 2 it uanoe aba p28 BB Meare Mite al ia fa deliberar sobre a legalidade da guerra do Vietn’ por ‘causa da “doutrina da questao politica”, ou seja, exatan mente pela mesma rozo pela qual leis’ anticonstitucio- pais foram toleradas darante tanto tempo sem qualquer empecilho. Entrementes o nimero de contestadores civis, ov potencialmente contestadores — aqueles que voluntaria- Iente participam de manifestages em Washington — tem erescido sensivelmente, ¢ com ele a tendéncia do governo em tratar os manifestantes ou como criminosos comuns ou entio exigir deles a suprema prova de Sauto-secrficio”: © contestador que violasse lei vitida deverin “bendizer seu castigo”. (Harrop A, Freeman assinalou corretamente absurdo dosta exigéncia do ponto de vista do advogado: “Nenhum advogndo diz hho tribunal, “Meritissimo, este homem deseja. ser pa~ nido™,) A insisténcia nesta infeliz e inadequada alter hativa s6 ¢ natural talver. “num periodo tumultuado”, quando “a distingdo entre tais atos (o individuo que viola a lei para testar sua constitucionalidade) © vio- Téncia comum se tora muito mais frégil", e quando nao as leis Jocais, mas “o poder legislative ‘nacional” esté sendo desafiado", ‘Quaisquer que sejam as eausas reais do periodo de tumulto — que sio, € claro, fatuais e politicas — a ‘tual confusdo, polarizagio © crescente amargor de rnossos debates, tem por causa também o fracasso te6- ico em se compreender e chegar a um acordo com 0 verdadeiro carter do fenémeno. Sempre que os juris- tas procuram justificar a desobediénein civil em termos de moral e legelidade, interpretam sua causa ima gem ov do objetor de conscigneia® ou do homem que festa @ constituctonalidade de wm estatuto. O problema E que a condigio de contestador civil nfo tem qual quer nnalogia com neahum dos casos, pela simples a~ Zo que ele nunca existe como um dnico individuo; ele ek pe eR Ee 7 consis ebecior. agucle que faz obo de, consti, ne 34 s6 pode funcionar @ sobreviver como membro de um grupo, Raramente isto é admitido, ¢ mesmo nestes ra- os exemplos $6 & mencionado de passagem; “é impro- swivel quo desobediéncia civil praticada por um sinico elemento tenha algum efeito, Ele sera enearado como um _excéntrico mais interessante de observar do que de su- primir. Deste modo, a desobediéncia civil significativa ferd praticnda por um certo nimero de. pessoas com identidade de interesses”". Mesmo uma das caracteris- ticas principais do ato em si — jé notivel no caso dos. Freedom Riders — a assim chamada “desobediéncia indizeta” — onde o contestador viola leis (por exemplo, regulamentos de irdnsite) som as achar passiveis de abjesio em si, mas para protestar contra regulamentos injustos ou decretos © politica do governo — pressupse jo de grupo (imaginem um sinico individuo des- respeitando as leis de transitol) e foi corretamente cha- ida de desobedigncia “no sentido estrito™®. # precisamente esta “desobediéneia indireta”, sem sentido ‘no casa do objetor de consciéncis ou no do hhomem que viola uma lei especifica para testar sua cons titucionalidade, que parece ser injustificdvel legalmente. ‘Assim, € necessitio diferenciar os objetores de conscién- ‘ia dos contestadores eivis, Estes iltimos so na ver ‘dade minorias organizadas, delimitadas mais pela opi- rnido comum do que por interesses comuns, e pela de cisso de tomar posiggo contra a politica do governo mesmo tendo razbes para supor que ela & apoiada pela maioria; sua aco combinada brota de um compromis- 0 miituo, € € este compromisso que empresta crédito ‘e conviegio A sua opinitio, no importando como a te- ‘nham originalmente atingido. Argumentos levantados fem prol a conseiéncia individual ou de atos indivie duais, ou seja, os imperativos morais ¢ os apelos a “mais alta Tei", seja ela secular ou transcendente%, so ina- sch Se tei Ge ers rt Gh Nett Greas areere me Gt seme sigur intra oe ds Sr Te ees contite care ot dittes do ote elie 6 Sind 55 doquados quando aplicados & desobediéncia civil; neste nivel ser4 niio somente “dificil”, mas impossivel “impe- dle n desobedignein civil de ser uma filosofia subjeti- va... intensa e exclusivamente pessoal, de modo que qualquer individuo, por qualquer razio, possa contes- tor" As imagens de Serates ¢ Thoreau nfo aparceem s0- ‘mente na Titeratura sobre nosso assunto, mas também, © Principalmente, nas mentes dos ps6prios contestadores civis. Para os que foram educados na tradigdo ocidental dle conseiéneia — @ quem nio o foi? — parece natural Sonsidrar seus goondos som ooleos como secunditios fem relagio & decisio soliviria in foro conscientiae, como seo que eles tivessem em comam com 0 outros nfo fosse absolutamente uma opiniao o um juizo, mos uma ‘eonscigneia comum, E como 08 argumentos usados para io siio quase sempre sugeridos por ‘ou_menos vagas do que Séerates Thoreau diziam sobre “a relagio da moral do cidadio com a lei”, talver scja melhor comosar estas consice~ ‘rages cont um breve exame daquilo que estes dois ho- ‘mens realmente tinham a dizer sobte assunto. ‘Quanto a Sderates, o texto decisivo €, sem dévida, Grito de Platao, sendo 03 argumentos af’ apresentados ‘bom menos evidentes e certamente menos dteis para a pretensiio do submissio prazerosa a punigao do que in- Siauam o8 compéndios sobre eis e filosofia, Em primeiro Iigar porque Scrates, durante sew julgamento, munca contestou as leis om si mesmas — mas sim aquele erro judicial especitice, ao qual ele se referin como 0 “aci- ‘dente’: (rz) que Ihe tinha ocorrido. © seu infortinio pessoal nao Ihe dava o direto de "romper seus contratos Tomo econ do, toma sm pad, etd 6 jiten at SHR a toi eno Eto posico e-m comsidocn pas, «cagad ig fea ioe, ge aio push it fom pricnic®” CA" hey") aes 18, Sie Sint a vi oof ne sa eet tem epee se Pld om Cova W8"em '* (18) Pontes, Nicholas W. Op. it 6. 708. 56 ¢ acordos” com a leis; sua desavenga mio era com as Teis, mas com es juzes. Além disso, como Séerates mos- trou a Crito (que tentou porsuadi-lo a fugir ¢ exilar-se), nna époen do julgamento as prépras leis the tinham ofe- recido uma alternativa: “Nagucle tempo poderias fa- zer com 0 consentimento do Estado 0 que agora teatas fazoe som, Tu 10 vanglosiaste de estar preparado para morrer, Disseste que proferias a morte ao exilio” (52). _Sabetnos ainda da Apofogia, que ele poderia tet optado ‘por repudiar sen exame publico das coisas, que sem dvi- ia gerava incerteza sobre as crengas e costumes estabe- lecidos, «© outra ver ele tisha preferido a morte, pois “uma vida nfo-questiondvel no vale a pena ser vivida”. Em outras palavras, Sécrates no teria honrado suas prOprias palavras se tivesse tentado fg; teria desteuido tudo 0 que tinha feito durante o julgamento — teria “ra- tiffeado a opiniao dos juzes ¢ tera feito parecer que 0 veredicto deles era justo” (53). Ele se impos a si mes- ‘mo, © aos cidadios aos quis se expressava, ficar ¢ morrer, “E o pagamento de uma dlvida de honra, 0 pa- gamento de um cavalhciro que perden uma aposta © pa- 8, porque do outra forma nio poderia mais conviver Consigo mesmo. Houve na verdade um contrato, € 0 econceito de contralo oeupa toda a segunda metade do Grito, mas... 0 contrato vinculante 6. .. 0 compromisso envotvido no julgamento” (0 sito & nosso) ®, © aso de Thoreau, embora muito menos dramético (ele passou uma noite na cadeia por se recusar @ pagar impostos para um govetno que permitia a esctavidio, ‘mas deixou que sua tia pagasse por cle nz manh se- inte), parece & primeira vista mais pertinente para nosso presente debate porque, ao contrério de Socrates, cle protestou contra a injustiga das feis em si mesmas, © problema com este exemplo € que um “On the Duty of Civil Disobedience", 0 famoso ensaio nascido dest in- cidente e que tomnou 0 termo “desobedincia civil” pate de nosso vocabuliio politico, ele debate sua causa m0 no campo da moral do cidadtio em relacio A lei, mas ‘moral da eonseignecia: “Nibo & dever do homem, natu- ralmente, devotar-se & ertadicagao de um etto, mesmo 0 9), Mey geste ane de NA Camano Coie soot Gee le ei Pe 8, {Rapes SS pao el ai as oats Sa Tea ae 37 maior deles; cle ainda pode ter outros interesses oportue ‘nos em que se empenliar; mas pelo menos & seu dever nfo se comprometer com o erro, © nfo lhe dar apoio na pratica no caso de ndo se impoctar com estas coisas”. Thoreau nao pretendia que o descomprometimento de um homem com o erro pudesse fazer 9 mundo melhor, ‘ou que alguém tivesse qualquer obrigaedo de agie assim. ‘O-homem "nfo veio ao mundo com o fito principal de forné-lo um bom lugar para morar, mas para morar Jnele seja bom ou mau”. Na verdade, € assim que todos [chegamos a0 mundo — € sorte se 0 mundo € a parte |dele onde chegamos é um bom lugar para se viver na ‘época da chegada ou pelo menos um lugar onde os extos ‘eometidos nao sejam “de tal ordem que nos obrigue ser um instrumento de injustiga para alguém". Pois so- mente se for este © caso “entio, eu digo, viole a lei”. E Thoreau estava certo: a conscitncia individual no requer nada além*. ‘Aqui, como em toda parte, a consciéncia & apoliti- cca, Nao est primordialmente’interessada_no mundo onde © erro & cometido on nas conseqiitacins que este ter no curso futuro do mundo. Ela nio diz. como Jel ferson, “Estromego por mew pais quando reflito que Deus 6 justo; que Sua justica nao pode dormir para sempre", pois ela estremece pelo individuo em sie por sua integridade. Fla pode, no entanto, ser muito ‘mais radical e dizer como Thoreau: “Este povo precisa dcixar de possuir escravos ¢ guertear com 0 México ainda que isto the custe a existéncia como um povo” (0 gtifo é nosso), enquamto que para Lincoln “ob- jetivo supremo”, ‘mesmo na luta pela emancipagao ddos escravos, continuava sendo, como ele esereveu em 1862, “salvar a Unido c nao. .. salvar ou destruir a es- cravidio"™, Isto mio significa que Lincoln estivesse alhelo “A monstruosa injustiga da escravidiio em si”, €0- mo a tinha chamado oito anos antes; significa que ele também estava ciente da diferenca entre seu “dever off cial” e seu “desejo pessoal que todo homem, em qual- ‘quer parte, pudesse ser livre”. E esta diferenca, se 0p Tele engi sds “Ont Day of Cnt ast {NP ster onthe Site of Vira, Quake XVUME (TL 85), US BSS 1st eee ta Me he antts SF nce a antes at Encaas, SEG. EGS ie te soi Pied ein Re Hoe 58 espojada das cixcunstincias hist6ricas sempre comple= xas ¢ equ basicamente a mesma de Maquiavel Pu amo minba cidade natal mais que rinha propria sla A'dlserepdincin entte “dover of cial” © “desejo pessoal” no caso de Lincoln nio indica tuma caréneia de compromisso mora, assim como a dis- crepancia entre cidade e alma nfo indica que Maguiavel ra ateu ¢ no ucteitava em salvagio © daagdo eternas, Este contlito posstvel entre “o homem bom” ¢ 0 “bom cidadio”, entre o individuo em si com ou sem renga numa outra vida, ¢ 0 membro da comanidade (se= ‘gundo Aris6teles o homem bom s6 postin ser um bom idadao num estado digno; segundo Kant, mesmo uma “raga de demdaios” poderia resolver satisfatoriamente © problema de estabelecer uma constituigio “se forem a0 ‘menos inteligentes”), ou come dirfamos hoje, entre me- ralidade e poltca, € muito antigo — mais antigo mes- mo que a palavra “consciéncia” que na sua conotagiio atual € de origem relativamente recente. E quase tio velhas sao as justificativas para a posicao de ambos. Thoreau era sitficientemente cocrente para reconhecer ¢ admitir que estava exposto ao assalto da ieresponsabi- lidade, © mais velho assalto contra © “homem bom” Disse explicitamente que “nao era responsivel pelo bom funcionamento do mecanismo da sociedade”, nio era “0 filho do engenheiro”. O adigio Fiat justicia er pereat ‘mundus (Taga-se justiga mesmo que @ mundo perega), comumente invocada retoricamente contra os defensores da justiga absoluta, normalmente para justi cries, expressa nitidamente a esséncia do dilema, Contuido, 1 razZo pela qual “ao nivel da moralidade individual o problema da desobedigneia a lei & totalmen- ‘consciéiicia no so somente apoliticas; sio sempre €x- pressas de maneira puramente subjetiva. Quando Sécri- 16s afirmou que “é melhor sofrer © erro que cometé-l0”, cle claramente pretendeu dizer que era melhor para el, assim como era mefhor para cle “estar em desacordo com multdées do que, sendo um 86, estar em desacordo consigo mesmo", Politicamente, ao contririo, 0 gue conta é que um erro foi cometido; para a lei é irrde: ‘York, 196K, ca Ta ttt un GS Gaon O70, 9 vvante quem resultou melhor com isso: 0 autor ou a vitima, Nossot eédigos penais diferenciam entre crimes, nos quais a acusagdo formal é obrigatéria porque a co- rmunidade como um todo foi atingida, e infragoes nas ‘quais somente autores ¢ vitimas so envolvidos, que po- dem pretender ou nio abrir processo, No primeiro caso fo estado de espirita dos envolvidos ircelevante, a azo Ser quando a. premeditagio é parte integrante do ato fn sio levadas em conta circunstincias atemuantes; no faz diferenga se a vitima esté inclinada a perdoar ou se 9 autor tem completa certeza de que no totnard a faeé-lo. Em Gérgias Socrates niio visa aos cidadios como na Apologia, ou no Crito, 0 relorgo da Apologia. Aqui Platio foz. Sécrates falar como 0 fil6sofo que deseobri ue o homem se comuniea nio somente ppanheiros humanos, mas também consigo n fltima forma de comunicagio — mew ser comigo mes- ‘mo somento — presereve certas regras para a forma lanterior. Séo as tegras da consciéacia, e so — como laquelas que Thoream descreveu no sew ensaio — in- telramente negativas. Blas nao dizem o que fazer, dizem 19 que nao fazer. Elas no sugerem prineipios para a ‘io, colocam demarcagdes que as ages nao devem anspor. Elas dizsm: Nio procedas mal ou terds que ‘iver para sempre junto a um malfeitor. Plato, nos til- timos didlogos (0 Sofista e 0 Teeteto), aperteigoou esta comunicaglo soeritica do eu comigo mesmo ¢ definiu © ppensamento como sendo o diflogo silencioso do proprio eu; existencialmente falando, este didlogo, como todos (0 didlogos, requer que 0s patecitos sejam amigos. A va Tidade das proposigdes socraticas depende da espécie de hhomom que as profere e da espécie de homem a quem & dirigida, So verdades evidentes por si para homens en- {quanto seres pensantes; para os que nfo pensam, os que no se comunicam consigo mesmos, elas nio’si0 evidentes por si nem podem ser provadas*. Estes ho- mens — e eles so as “multiddes” — s6 podem con seguir um adequado interesse acreditando neles mesmos, Bde eas Mie ahaa, ota NS Shae Seatac Sen trey et wets antes OST SSE Tbs Seatac ees jg aimee ‘Soavam Que mee" tpe' de racosiio henna’ da ninga tombe 60 segundo Platdo, num futuro mitico cheio de castigos & recompensas. Assim, a$ regras da consciéneia dependem do in teresse no cu. Blas dizem: Evite fazer coisas com as quais no poderds convivever. Bo mesmo argumento ue levou & “énfase de Camus na necessidade de resis- {éncia & injustiga pela propria satide e bem-estar do in dividuo resistente” (o gtifo € nosso)". O problema legal fe palitico com tal justificativa € duplo. Primeiro, nao ppode ser generalizado; para conservar sua validade tera ‘gue ser sempre subjetivo. Uma coisa com a qual eu nao possa conviver no pode molestar a consciéncia de ou tro homer, © resultado é que a consciéncia fear con- tra a consciéncia, “Se a decisfo de violar a lei depende realmente da conscigneia individual, & dificil saber pela lei se o Dr. King esta em melhor situagio que 0 Go- vernador Ross Barnett do Mississipi, que também acre es de faetcunpa a cigposgbes sobre tlcy de ro fas asatov.a no ama ernie, Cone Tando que au chances que os eriminowos des at tas ldm de nunen sere dsidos sto de ue pars nen, e que somente um em nda com porte cada, Ge'suepeender ques estiaalgade ndo eas Nor Jo due fet. (Conforneo relatorio de 1967 da Com Sto Presdeosat para a Inposkgdo da Lae. Admini tag da Jong, bem mult Gatto dos eimas mute ca so rlatados h poles, "deste que S16, menos de tm quarto st esdarciios pel dstapto, Ouas» me thde ‘das detngbeyreuliom em dams de eargos™ come 96 etivessomos engjpdos mn apenas de ‘imbitoncional para deneoir quntos ciminosos oi potencial = ito pessoas queso dein de omer ter eres sob 0 pode'deintintagho ele 2 tal Imes existe numa detsrminada soeredade, Os Fault dy talvee mo ej suit ensorajadors paras que fustentam qe todo impulse sriminoao.¢ tn aberaeto Sao 6, so impulses de gente mentamente doce uc ago sob a conpulio da doen Aveda amps CTrasttatora € que sob cteustncis de permisidade focal legal as pions se entegaro. go mals Jane. comporumento crininoso; pesos esas que et Steuntanie moras tvs penason en ts nc, de cometé-los*, ee pat, Eee CE arbres sqft abs altel ry dome oe at ieee sue "antlth Ge rae Se Teena tere Satay ea eg ‘in ofies saul e cue” cam losipaws park 0 ‘sc? lke nee 65 Na sociedade de hoje, nem os transgressores et po- fencial (eriminosos ndo-profissionais @ nio-organiza dos), nem os cidadios cumpridores da lei precisam de claborados estudos para informé-tos de que as agies cri- minosas provavelmento — 0 que vale dizer, previsivel- mente — nfo teri qualquer conseqiiéncia legal. Apren- demos, para nossa dosgraga, que o erime organizado & menos temivel que os assaltantes nao-profissionais — ‘gue se aproveitam de oportunidades — com sua inteira- mente justificada “despreocupacdo com a punigio"; e este estado de coisas mio 6 nem alterado nem estlarec- do por pesquisas sobre a “eonfianga do pablice no pro- ceesso judicial norte-americano”®*. Nao somos contra 0 processo juclicial, mas contra o simples fato de que os Atos criminosos ‘comumente nio tém qualquer conse- iléncia legal; io so seguidos de processo judicial Mas por outro lado, deve-se indagar 0 que acontecet se 0 poder policial fosse restaurado até o nivel razoé veliem que 60 9 70% dos crimes fossem adequadamen- fe esclarccidas com detengées ¢ adequadamente julga- dos, Haveria algama daivida de que isto significaria 0 colapso das ja desastrosamente sobrecarregadas cortes de justign © que teria conseqiiéncias tertiveis para o igualmente abarrotado sistema carcerario? O mais assus- tador, na_atual sitiagio, nao & somente © fracasso do poder policial em si, mas também 0 fato de que reme- iar radicalmente cal situagio espalharia o desastre para 0s outros ramos igualmente importentes do sistema jue Adicidto. ‘A resposta do governo para isto, e para o igual- mente evidente colapso dos servigos piiblicos, tem sido Invariavelmente a ctiagio de comissbes de estudo, euja fantistica proliferagao nos dtimos anos fez dos Estados Unidos provavelmente mais pesquisado pais do mun- do, Nao hi dtvids de que estas comissbes, depois de star muito tempo ¢ dinheiro para descobrie que “quan- —.r~—~—.—“*@C=sSCSCS ID SELIG ec ins ile te el Sod pees tae bas Dr OER UR SM ee ESN : 66 tw mais pobre se 6 maior 6 a chance de se softer de séxia desnutrieao” (genfalidade que motivon até 0 Quow tation of the Day do New York Times)", mauites vezes sparecem com recomendagies razoiveis. Estas, no en- tanto, raramente tm algum efeito © so muitas vezos submetidas @ um novo rol de pesquisadores. Todas a comissdes tém em comum um esforgo desesperade om descobrir algo sobre." enustsprofundns” do_probl ma, qualquet que seja cle — especialmente se se trata de vioigncia — e uma vez que causas “profundas” so por definigdo ocultas, a conclusdo final da equipe de _pesquisn quase nunca passa de hipdtese teoria sem demonstragio. A conseqiiéncia evidente que a pesquisa ‘Homou-se um substituto para a ago, enquanto as “ea | Sas ptofundas” vio ocultando as causas Gbvias — fre alentemente tio simples que nenhuma pessoa “séria” | ¢ “letrada” poderia the dar alguma ateneio. Certamente | descobrir remédios para deficigncias bias mio asse- gura a solugio do problema; mas negligenciélas.sig- [mifica que o problema nao sera sequer adequadamente |definido®. A pesquisa se tornou uma técnica de evasio [to certamente nio melhorov a jt minada reputaio ‘Uma vez que contestagao e desprezo pela autorida- dle sdo sinais gerais de nosso tempo, & tentador ver a lesobedigaeia civil como um simples caso especial. Do ponto de vista dos juristas, a let € violada tanto pelo ontestador civil como pelo criminoso © 6 compreenst- vel que as pessoas (especialmente 0s advogados) achern que a desobediéncia civil, precisamente por sar excrei- da em pitlico, esteja na origem da gama criminal — ido obstante toda evidéncia € argumentos em contrario, pois no é apenas “insuficiente” mas inexistente quale ‘quer evidéncia “para demonstrar que atos de desobe- ‘digneia civil... Jevam a... uma propensio para 0 eri- ae cringe ease age 3 “Smenicrn ceo ‘oat El ASS ee pf So Otis § ene tone See or Embora soja verdade que os movimentos radi cis ¢ principalmonte as revolugécs atraem elementos ctiminosos, nao seria nem correto nem inteigente iden= fificar 08 dois; 08 etiminosos so tio perigosos para os movimentos politicos quanto para a sociedade em geral [Alem disso, enquanto a [desobedidncia civil pods ser ‘considerada’ como uma indieagio de perda significativa da autoridade da lei (ainda que diftcilmente possa ser Wista como sua causa), a'desobediéncia criminosal nio |S mais que a consoqilgneia inevitavel da slesastrosn ero~ {slo da eompetBacin e do poder policil, Propostas para ‘vestigar a “ments criminosa” com testes de Rorschach ‘oa com agentes informantes parecem sinistras, mas per encom elas também as t6enicas de evasao. O ‘incessante fluxo de sofisticadas hipsteses sobre a mente (a mais avdilosa das propriedades do homem) do eriminoso afo- 2 0 fato solide de que ninguém & capaz de agarrar seu corpo, como se hipotelicamente as “atitudes nega vas latentes” dos policiais encobtissem sew patente ri corde negativo em solucionar crimest! ~“Aldesobediéncia civil aparece quando un nimero significativo de cidadfos se convence de que, ou os ea rnuis normais para mudangas }é nao funcionam, e que as queixas ndo serio ouvidas nem terio qualquer efeto, ‘ou entio, pelo contrario, o governo est em vins de efe tuar mudangas ¢ so envolve e persiste em modos de ‘agit cuja legalidade © constitucionalidade estio expos- tas w graves dividas. Ha imimeros exemplos: sete anos de guerra nio-declarada no Vietnd; a erescente influén- ‘ia dos servigos secretos nos negdcios puilicos; ameagas faberias ow ligeiramente veladas as liberdades garanti das pela Primeira Emenda; tentativas de privar 0 Ss nado de seus poderes constitucionais seguidas da inva sho do presidente ao Camboja em aberto menosprezo 3 Constituigio que exige explictamente aprovagio do Con- ‘gresso para desencadear guerra, sem mencionar a ne~ fasta referénoia do vice-presidente aos resistentes © dis sidentes como“ ‘abutres’... e ‘parasitas’ (os quais) podemos providenciar para que sejam separados... da nossa sociedade sem maior remorso do que sentitiamos to jogar fora as macs podres de um caixote” — refe- réncia esta que desafia ndo somente as leis dos Estados “8 Unides, mas toda ordem legal! Em outeas palaveas, desoberéncia civil pode servir tanto para muxlangas ne- cessirias e dosejadss como para preservagio ow res- tauragio necessaria ¢ desejada do status quo — preser: vagio dos direitos garantides pela Primeira Emenda ow restauraciio do equilibrio dos poderes do governo, amea gado pelo poder executive e pelo enorme crescimento do poder federal em detrimento dos direitos dos es- tados. Fm nenhum dos casos a desobediéneia civil pode set comparada 2 desobedigneia criminosa, Hi um abismo de diferenca entre o eriminoso que vita os olhos do paiblico e o contestador civil que toma a [oi em suas proprias mios em aberto desafio. A dis- tingdo entee a violagio aberta da lei, exccutada em plblico, ¢ a violacio clandestina é to claramente ébvia {que s6 ‘pode ser ignorada por preconceito ou ma von- fade, Atualmente isto 6 reconhesido por todos os. es- crilores sérios do assunto e € nitidamente a condigao primeira para qualquer tentativa de debater a cory Filiade da. desobetigncincivil-com a leislagio © as insttuigSes governamentais norte-americanas. Além dis- 50, 0 transgressor comum, mesmo que pertenga 2 uma ‘organizacao criminosa, age exclusivamente em seu pré- prio beneficio; recusa'se a ser dominado pelo consen- limesto dos outros e $6 cederé ante a violéncia das en- fidades mantenedoras da lei, Ji o contestador civil, ainda ue seja normalmente um dissidente da maiotia, age em nome © para o bem de um grupo; ele desefia a let as autoridades estabelecidas no terreno da dissengio bbisica, @ nao porque, como individuo, queira algum pri vilégio para si, para fugir com ele. Se o grupo a0 qual prtencd 6 signficativo em niimero c posigio, logo 6 classifieado como membro de uma das “maiorias con- vvergentes” de John C. Calhoun, que #io camadas da popula anfnimes em suas dienes, termo, ite izmente, € aviltado por argumentos escravistas 'e ra~ cistas e no Disquisition on Government, onde aparece, cobre somente interesses, ¢ nZo opinides e conviegdes, de minorias quo se sentem amengadas pelas “maiorias dominantes”. De qualquer modo, 0 caso € que estamos: ‘ratando aqui de minorias oganizadas que sejam impor- (2) Go foneiamete rcomendnds ot dives exe cnr shih Fie Ree dr ge say an oo tantes demais, nfo somente em atimero mas também em qualidade de opin, para serem despreradas sam seo. Cathoun certamente tinka reeio quando sisteatoa que en quest6es de grande importincia nacional, a “eon wergéncia ou s aguiescéncia das vatias pareclas da. co- Tunidade” € 9 pré-equisito do governo constitucional™ Timapinar as minorias contestadoras como rebekdes ou traidoras vai conta as palavras eo espiito de uma Constituigdo eujosidealizadores eram especialmente sen- | sivels_ aos perigos de um controle desentroado pela De todos os meios que os contestadores civis pos- sam langar milo’ pata a persuaslo e para a dramatiz {0 dos problemas, 0 tinico que pode jstiicar« aleuna de “rebeldes" é-0-ni6io dt violencia) Assim, a segunda earacteristien aecessiia largamente accita pela desobe- Giencia. civil € a nio-violénca, © dai decorre quo. “t dlesobediéncia civil nfo & revolugio, (.-.) O contest ‘dor civil aceite, enguanto 0. revoluciondrio ejeita, a estrutura da autoridade estabelecida e 2 legitimiade ge- ral do sistema de Ieis™, Esta segunda distingdo entre 0 fevoluciondrig e 0 contestador svi, 130 plavsivel & pri meita vista, mostra-se mais dificil de ser sustentada Que 4 distngfo’ entre coutestador civil erlminoxo, 0. cOn- testador civil compartilha com 0 revoluciondrio © desejo dde "mudar o mundo”, ¢ as mudangas gue cle quer exe- | eutar podem ser ealmentedrasticas ~~ como, por exem- plo, no caso de Gandhi, sempre citado como 0 jaior Exemplo, neste contexto, da nfo-voléncia. (Por caso Gandbi ncsitou a “estrutura da autoridade estabelecida”, que era o dominio Britinico na fndia? Acaso respitou & Tegitimidade geral do sistema de leis” na coldnia?) “As coisas deste mundo estio num flax0 tho co tante que nada permanece muito Tempo no mesino es tado", Se esta Sentenca, escrita por Locke a trezentos anos attis, foste proferida hoje, soaria como o cufemis- mmo do séeylo. No entanto serve para nos Tembrar qe ia mudanga| iio € um fenbmeno contemporineo, € ine- rente aunt mondo habitado estabelecido. por scres Inumanos que mele chegam pelo nascimento corto esta geiros e reeéa-chegudos (roy 08 NOVOS, COMO OB gre- (2) A Blew m Goneromnt (8D. New Yor 194. 1D Gone Ce" e's EE) cotee! tar send Pla of Goverment me 5 70 0s costumavam chamar os jovens) Tamento quando adquitem a éxperiéneka& a familiaridade ge. podem em algons raros casos eapacité-los a serem “Tsabios” pelos caminhos do mundo, "Homens sibios" deseraperharam diversos, algumas vezes signficativos, papéis nas quest6es humanas, mus o eas9 6 que sempre foram velhos, em vias de desaparceer do mundo, Sa sabedoria, adguirda na proximidade da partida, néo po- de dirigir'um mundo exposto a0 constantc ataque vio- lento da inexperigncia ¢ das “olices” dos reeénchega- dos, ¢ & provivel que sem esta, condigao interreacio- nada de Ratatidade e mortalidade, que assegura.a mu dianga © torma 0. dominio da sabedoria imposivel, raga humana jd estivese extinta ha muito tempo, vitina de insuportavel téio. ‘A transformacio & constant, ineren gifo hummana, masa rapider da transform Varia muito, de pais a pais, de século a rado com o vaivém das geragées,.0 fluxo das coists do ‘mundo ocorre ido devagar que o imundo oferece um ha- bitae quase estivel para os que chegam, fieam e parte Oa: pelo menos foi assim ducante milhaees do anos inclusive nos primeiros séculos da Idade Contemporé nea, até que apareceu a idéia de mudanga pela mu- danga em nome do. progresso. Talvez seja este nosko século 0 primeiro no qual a velocidade de transforma- Ho das caisas do mundo suplantow a troce de seus hrabitantes. (Um alarmante sintoma desta revravolta é a resolute diminuigio no intervulo entre ns geragdes. DO palrio tradicional de tr86 ou quatro geraebes por s6- fulo, que correspondia a um hiato de goragoes “natural” entre pais e fihos, chegamos agora a tm ponto em que {quatro ou cinco anos de diferenen ma idade sho suc emtes para estabelecor um histo entre as goragics.) ‘Mas mesmo sob as extraordinarias eondigdes do séeulo vite, que fazem as adverténcias de Marx sobre seforma do mundo soar como uma exortagéo a despejar égua no mar, dfilmente se poderia dizer que © apetite do ho- mem pela mulanga cancelou sux necessidade de esta- Dilidade. & perfetamente sabido que o mais radical dos revolucionatios se tornara um conservador no dia s0- {guinte 2 revolugio. Obviamente nem a eapacidade do fhomem para a mudanga nem sua capacidade pasa a pre- servagdo so ilmitadas, sendo a primeira limitada pela fe partem dele jus- nu extensio do passaddo no presente — nenhum homem co- mega ab ovo — © a segunda pela imprevisibilidade do futuro. © anseio do homem por mudanga € sua ne- cxssidade dle estabilidude sempre se equilibraram ¢ con frolaram mutuamente; e o nosso vocabulirio corrente, que distingue duas facgées, os progressistas e 08 conser vadores, indica um estad6 de coisas no qual esta bar Janga fol desregulada, Nenhuma civilizagio —— 0 artefato humano para | abrigar geragdes sucessivas — teria sido jamais possivel sem uma estrutura de estabilidade que proporcionasse 0 ccenirio para o fluxo de mudanga, Entre os fatores es tabilizantes vém em primeiro lugar os sistemas legais que regulam nossa vida no mundo © nossas questoes difrias ons com outros, € sio mais duradouros que mo- ddas, costumes e tadigées. Bis a razio poydue a lei pa rece, muma época de ripidas transformagdes, inevitave!- ‘mente uma forga repressiva, © desta forma uma in- fluéncia negative num mundo que admira a ago posi- tiva"™, A variedade de tais sistemas & enorme, tanto emt ‘etmpo como em espago, mas todos tém algo em comum, algo que justifiea usarimos a mesma palavra para fe ndmenos (o diferentes como a lex romana, a wipe gre ga a forah hebraica: © fato de eles terem sido pli nojados para assegurar estabilidade. (HA uma oute racteristica geral da lei: ela nfo & universalmente vali= da — tanto € limitada tetritorialmente como & etnica- mate restrita, como no caso da lei judaica; mas isto nnjo nos interessa aqui. Onde estejam ausentes as ca- racteristicas de estabilidade ¢ de yalidade limitada — ‘onde quer que as chamadas “leis” da histéria ou da natureza (na forma como sio interpretadas pelo chefe de estado, por exemplo) conservem uma “legalidade” que pode mudar de dia para dia e que clama por vali- dade para toda a espécie humana — estaremos nos controntando com a ilegalidade, embora nio com a anar- ‘quia, uma vez que a ordem pode ser mantida por meio dde uma organizagao coerciva, O resultado evidente € a ‘riminalizagao de todo 0 mecanismo do governo, como jf aprendemos dos governos totalitrios.) cia da velocidade sem precedentes da mudanga no nosso tempo, € por causa do desafio que esta mudanga significa para a ordem legal — tanto (45) La, van H, On n do lado do governo, contorme j4 vis, como do Indo dos eas contestadores —~ arvalmente ¢ ampastem- te sunentado que a mudansa pee er eftuadn pela Ie, 'em eonirapigo iden amterior de que“ 3580 le gol Gio 6, as dsvhoes dn Corte Suprema) podem in- fivenciar modos de vida™”. As duas opines me pi repem estar baseadas tum erro em rologdo, a0 que a Te: pode seansar © 20-gio nao pode. Ale realmente pode estabiizare leglzar uma modanga J score, trata mtlanga cm some resultado de ago extra: iegas Sem dovida a propre io fornece un modo quatelegal de desatar« It violando- ts det= Xando ‘e Tadon questto. de stem ot ndo estas vo- Ingbes atos de destbedi¢eca, 2 Corie Suprema tem 5 dlzeto de escolher entre os casos ttazidos até ela, cstaetcolha €inevitevlentelnluenciads pela opiigo Pilea, O-projlo de lel recentemente aprovado. em Massachusetts pore forgar um teste ta Weadade Ga guerra do Views, sobre o qual a Corte Suprema re- tsou-sen delbear, 6 exatamente o caso, Ni € 6b¥0 ue ets seo legal —~ realmente muito signifiativa — Gra result di desbediencn civil de Tetula tei tenes, ¢ que sua aspragdo era legalza a recusa dos Soldados a0: dever do combate? Toda substancia da Iegslagio.trabalhiaa — 0 direto. 20 acordo sala, odieto de se ongatzat ¢ fazer greve — fol precedida por décndas de desobedtncia, As vezes violent, As lis fue 1g fim das conta se mostraram obsoetas 1 histria’da Desimma Quarta Emendn ferece tal ‘erwin exemplo especialmente insrtiva da relagio en tre alee a midanga, Ela deveta traduit em termos Conaitctonais a mudanga que tka ocoride como te- sullado da Guetra Civil al mudanga nao fora acelta pelos evador sults como resultado de que dis Posies sobre’ a ieualdade racial fo eram impostas ha guase cem anos, Um exemplo ainda mais etree dor da ineapacidade da lel em impor mudangas 6 sem divida a Decina Oiava,Emenda que diz espe 4 Lal Seca, que teve que ser rejeiaday pois demonstrou fer imposiel sua imponigdos A Dein Quarta Emen= i,’ Coulton: New ky Robew G, Mca. da, por seu lado, foi finalmente imposta pela acto te sal da Corte Suprema, mas, ainda que se possa argu- mentor que scmmpre foi “tolal obrigagio da Corte prema combater Tei estaduais. que negassem_ a igual Gade racial", o fato claro € que a corte preterit a assim somente quando 0 movimentos pelos direitos eivis que, no que diz respeito as Tis sulistas, eran n tidamenté -movimentos do desobediéncia civil, tinham acarretado uma driticn mudanga as atitudes, tanto ds cidadios negros como dos brancos. Nio foram as Jes, mas al desobedigncia eivl{que trouxe a luz 0 “die- rma’ ameticaio", ¢ que, talvez Pela primeira vez, tenha obrigado & nacio a reconhecer a enormidade do erime, ‘nfo somente da eseravio, mas também dos beneticios dela esperados — "nico entze todos 0: sistemas scme- Inantes: conhecidos pela civilizacio™® — enja respan- sabildade o povo herdou, junto com tantas béngios, de seus ancestras A perspectiva de mudancas muito répidas sugere que hi “toda probabilidade de ter a desobedigneia civil "um papel progressivamente expansivo nas... democta- ['Eias modernas"™. Se a “desobediéncia civil chegou para ficar”, como muitos vieram 2 acreditar, a questio de sua tibilidade com a lei é da maior importincia; a jo disto poderia determinar se as instituigdes da \fiberdade so ou ndo sio bastante flexiveis para sobre- viverem ao violento ataque da mudance sem guerra ci- vil nem revolucio. A literatura sobre 0 assunto tende a debater 0 caso da desobediéncia civil nos terrenos Ii- rmitados da Primeira Emenda, admitindo a necessidade desta de ser “expandida” e expressando a esperanga de que “as decis6es futuras da Corte Suprema estabelegam tums nova teoria em seu lugar”®, Mas a Primeira Emen- dda claramente defende apenas “a liberdade de expressio de imprensa”, 20 passo que “o diteito do povo de (49) Mecioweny, Raber 6. Op 9.29. {G0} Beore’es pom impli epic sora erence ‘Seniesa Sverss go" sranecy Bk but New York 1955, © Ea ge atin” Op, t's a 183) Bains lop ap ae. 2 ” pavificamente se reunir e requerer ao governo que leve em considetacio suas queixas", que salvaguarda a li- berdade de aco, esti exposto ‘a interpretagies © con- ttovérsias. Pelas decisGes da Corte Suprema, “a eonduta, ra Primeira Emenda, ngo tem as mesmas’regalias que 1 palavra”, e “conduta &, conteitio & palavra, (natucal- mente) endémica”” para a desobediéneia civil, Contudo, o que nos interessa aqui nfio & quando ou até que ponto a desobediéncia civil pode ser justificada pela Primeira Emenda, mas sim com que conceito de lei cla é compativel, Vou debater no que segue que embora © fendmeno da’ desobediénecia civil seja hoje em dia mundial, ¢ apesar de $6 recentemente ter interessado jurisprudéncia ed eifncia poltica nos Fstados Unidos, & contudo primordialmente norte-amerieana em otigem e substineia; nenhum outro pais ¢ nenbuma outea lingua lem ao menos um termo para identificd-lo, e a repi- blica norte-americana é 0 sinico sistema politico que pelo menos tem chance de combaté-lo — niio avez, em conformidade com os estatutos, mas em conformidade com 0 espirito das leis. Os Estados Unidos devem sua origem a Revolugdo Americana, que trazia dentro de si lum novo coneeito de lei nunca completamente enuncia- do, que néo era resultado de teorias, mas fora forma- do pelas extraordinarias experigneias dos primeiros co- Tonos. Seria um evento do maior significado encontrar lum nicho constitucional para a desobedigncia civil — {20 importante, talvez, quanto a descoberta, hé quase duzentos anos, da constitutio Ubertatis. © compromisso moral do cidadiio em obedecer as leis, tradicionalmente provém da suposigdo de que ele, fou ‘deu seu consentimento a elas, ov foi o proprio le- gislador; sob 0 domfnio da lei, 0 homem nfo esti su- jeito a Uma vontade albeia, esté obedecendo a si mee mo — ¢ 0 resultado, naturalmente, é que cada pessoa & a0 mesmo tempo seu proprio senhor ¢ seu proprio os Wey pomeo. Meade de elias cto tal Minorca Svs Se ¢ Sigle’s igi (2) gs soy ‘ary appt. pctlen nto Pode Si bla ‘Gr au aaa a eravo, © 0 que & visto como o contlito original entre 0 cidadio, relacionado com o bem piblico, & 0 eu, que ppersegue sua felicidade particular, lica subjetivado. Esta em esséncia a solugio de Rousseau e Kant para o pro- ‘blema do compromisso, e seu defeito, no mew modo de ver, & que volta novamente & consciéncia — & relagio do eu proprio. Do ponto de vista da ciéncia politica ‘moderna, © problema esti na otigem ficticia do con- sentimento: “Mites... eserevem como se existsse um contrato social ou alguma base parecida para o com- promisso politico de obedecer & vontade da maioria”, € para isso o argumento normalmente preferido 6: Nés numa democracia temos que obedecer a lei, porque temos 0 direito de votar®. Mas & exatamente este di- reito a0 volo, suftigio universal em eleigoes livres, como sendo uma base suficiente para a democracia © uma pretensio de liberdade piblica, que esté sob ataque. No entanto, a proposigio langada por Eugene Ros- tow de que o que deve ser considerado & “o compro- isso do cidadio com a lei, numa sociedade de consen- fimento”, patece-me decisiva. Se Montesquiew estava certo —'e acho gue estava — de que existe algo assim como “o espirito das leis", que varia de pats a pais & E diferente em cada forma de governo, endo podemos di- zet que 9 consentimento, no no yelho sentido de sim- ples aquiescéncia que faz distingao entre controle sobre assuntos de interesse e controle sobre assuntos sem in- feresse, mas no sentido de apoio ativo e participagio contin em todos os assuntos de interesse piiblico, & 0 espitito da lel norte-americana, Teoricamente, este con- sentimento é interpretado como sendo 0 resultado de um contrato social, que na sua forma mais comum — o contrato entre “9 povo © seu governo — é facilmente denunciével como mera fieg 0. Contudo, a questo & que nao era mera fiogdo na pratica pré-revolucionéria norte- americana, com seus numerosos pactos e acordos, des SP Rcubiint irvine 2 $ Bit conte come eae eae eee ae eee %6 de-0 Pacto do Mayflower até o estabelecimento das treze colsnias como uma entidade. Quando Locke formutou sua teoria do contrato social, que supostamente explica- va a origem aborigene da sociedade civil, ele indicou ‘muma nota lateral que modelo tinha realmente em men- te: “No principio © mundo todo era a América”®’ Em teoria, o século dezessete conheceu ¢ associow sob 9 nome de “‘contrato social” trés tipos completa mente diferentes destes acordos aborigenes. Havia, pri- ‘meiro, 0 exemplo do convénio biblico, celebrado entre Jum povo como um todo ¢ seu Deus, pelo qual 0 povo cconsentia em obedecer a quaisquer leis que a divindade todo-poderosa escolhesse revelar para ele, Se esta ver ‘io puritana de consentimento prevalecesse, teria, como ‘bem observou John Cotton, “insttuido a Teocracia, ‘como a melhor forma de governo”™, Havia, em segundo lugar, a variante de Hobbes segundo a qual todo indi viduo celebra um acordo com a autoridade estritamente secular para garantir sua seguranga, por cuja protegio ele renuncia a todos os direitos ¢ poderes. Chamo isto de versio vertical do contrato social. Sem diivida ¢ in- coerente com a idéia norte-americana de governo por- gue reivindica para este um monopélio de poder em Deneficio de todos os que estio submetidos a cle, os quais ndo tém nem direitos nem poderes enquanto’ sua seguranca estiver garantida; a repiblica norte-americana, 20 contririo, repousa no poder do povo — o antigo potestas in popula de Roma — e o poder confiado as auloridades é um poder delegado que pode ser revo- gado. Havia, em terceiro lugar, 0 contrat social abort gene de Locke que gulava no o governo mas a socie- dade — entendendo-se a palavra no sentido latino de societas, uma “alianga” entre todos os individuos mem- bros que depois de estarem mutuamente comprometidos fazem um eontrato de governo, Eu chamo isto de ver= so horizontal do contrato social. Tal contrato limita 0 poder de cada individuo membro mas deixs intacto 0 poder da soviedade; a sociedade entao estabelece wm governo “sobre o firme terreno de um contrato original entre individuos independentes”®, wn Se a Be oe “S8) Abby, Jom Novum Work, Boston, 18S, mV, . HD ”

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