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ae Dee et teen re toned inconsciente que nao a percebemos mais, de tal maneira afinada com nossas expectativas que dificimente conseguimos repé-la em questéo. ee ee eee ee ee eee eee eed Be ee ee ees Ce eee eee eee are habitual de colocar 0 problema: como se processa o trabalho Cee ce ere ee Escola ou Estado ~ que realizam o trabalho de reproducio? £ possivel Bee ee ec eee lai Bourdieu A Dominacdo Masculi SUING W [27, A oes 19, BERTRAND BRASIL 2 BERTRAND BRASIL CAPITULO I UMA IMAGEM AMPLIADA Como estamos inciuides, como homem ou mulher, no proprio objeto que nos esforcamos por apreender, incorporamos, scb a forma de esquemas inconscientes de percep- 40 e de apreciagho, as estruturas historicas da ordem masc arriscamo-nos, pois, a recorter, para pensar a dominagio lina, a modos de pensamento que sio eles préprios produto da dominagdo. Nao podemos esperar sair deste circulo se néo encon- trarmos ua estratégia prética para efetivar uma objetivagao do sujeito da objetivacao cientifica. Essa estratégia, que éa que vamos aqui adotar, consiste em transformar um exercicio de reflexdo transcendental visando a explorar as “categorias do entendimen- to” ou, na expressao de Durkheim, “as formas de classificacao” ‘com as quais construimos o mundo (mas que, originarias deste mundo, estao essencialmente de acordo com ele, mesmo que per- manecam desapercebidas), em uma espécie de experiencia de Jaboratorio: a que consistiré em tratar a andlise etnogréfica das estruturas objetivas e das formas cognitivas de uma sociedade his- t6rica especifica, ao mesmo tempo exotica e intima, estranha e familiar, a dos berberes da Cabilia, como instrumento de um tra- balho de socioandlise do inconsciente androcéntrico capaz de operar a objetivagdo das categorias deste inconsciente.! 1. Sen divi, (Passeo 20k cobia (V. Weal, Le Promenade au phore, To the lighthouse, had. de M. Lo Stock, 1929, p. 24 e tiene OURDIEU / A DOMINAGAG MASCULINA Os camponeses das montanhas da Cabilia salvaguardaram, acima das conquistas e das conversdes, sem diivida em reagdo a clas, estruturas que, protegidas sobretudo pela coeréncia pratica, relativamente inelterada, de condutas e de discursos parcialmente arrancados ao tempo pela estereotipagem ritual, representam ‘uma forma paradigmtica da viséo “falo-natcisica” e da cosmolo- gia androcéntrica, comuns a todas as sociedades mediterraneas ¢ que sobrevivem, até hoje, mas em estado parcial e como se estivessem fragmentadas, em nossas estruturas cognitivas e em ‘Acscolha da Cabilia em particular justi- fica-se quando se sabe, por um lado, que a tradigao cultural que af se manteve constitui uma realizaco paradigmética da tradicao mediterranea (e podemos convencer-nos disso consultando as pesquisas etnogréficas consagradas ao problema da honra e da vergonha em diferentes sociedades mediterraneas, na Grécia, Italia, Espanha, Egito, Tarquia, Cabilia, etc.2)s e que, por outro ado, toda a érea cultural européia partilha, indiscutivelmente, dessa tradi¢3o, como 0 comprova a comparacio de rituals obser- ‘yados na Cabilia com os que foram registrados por Arnold Van Gennep na Franga de principios do século XX.? Poderfamos, sem divida, ter-nos alicercado na tradigto da Grécia antiga, em quea psicandlise buscou o essencial de seus esquiemas interpretativos, graces as imimeras pesquisas de etnografia historica que Ihe foram consagradas. Mas nada pode substituir 0 estudo direto de ‘um sistema que ainda est em funcionamento e que permaneceu relativamente A margem de reinterpretagdes semi-eruditas (por nao haver uma tradicdo escrita): de fato, como jé comentei ante- riormente,ta andlise de um corpus como o da Grécia, cuja produ- Dh | Pecwiony ed, Horowr end Shema: the Vives of Mediterranean Society, Chicago, Unveaty of Cleago Press, 1974, ¢ tanbim J ithe, Madierranson CauntyrcanExoys inte Social Aniropelegy ofthe Medieranean, Poristotoye, Matton, 1968. 3. tan Ganoep, Manse de foilere Frangais contempercin, Pars, Picard 9 woh, 1997-1958. _ 4. GLP Bourdieu "lecur, locwurs, lata, litércure", ro Choses les, P's, Eins de Mina, 1987, pa!92-143. UMA IMAGEM AMPLIADA 15 ‘lo se estende por varios séculos, corte o risco de sincronizar arti- ficialmente estagios sucessivos e diferentes do sistema e, sobretu- do, de conferir um mesmo estatuto epistemolégico a textos que submeteram o antigo fundo mitico-cultural a diversas reelabora- oes, mais ou menos profundas. O intérprete que pretends agir como etnégrafo arrisca-se, assim, a tratar como informantes “ingénuos” autores que jé estavam agindo também como (quase) etnégrafos e cujas evocacdes mitolégicas, mesmo as aparente- mente mais arcaicas, como as de Homero ou Hesiodo, so j4 miitos elaborados, que implicam omissbes, deformagoes e reinter- pretagdes (e 0 que dizer quando, como o fez Michel Foucault no segundo volume de sua Histéria da sexualidade, algném decide comecar por Platio a indagacio sobre a sexualidade e 0 sujeito, ignorando autores como Homero, Hesfodo, Esquilo, Séfocles, Herddoto ow Arist6fanes, sem falar nos fildsofos pré-socraticos, nos quais o antigo alicerce mediterréneo aflora mais claramente?).. A mesma ambigiiidade pode ser encontrada em todas as obras (sobretudo as médicas) que se pretendem eruiditas, nas quais ndo se consegue distinguir 0 que pediram de empréstimo a autorida- des (como Aristételes, que, em pontos essenciais, converteu ele préprio a velha mitologia mediterranea em mito erudito) e o que foi reinventado a partir das estruturas do inconsciente e sanciona- do, ou ratificado, pela caucdo do saber adquirido. A constaucio sociat Dos conros Em um universo em que, como na sociedade cabila, a ordem da sexualidade ndo se constitui como tal, e no qual as diferencas sexuais permanecem imersas no conjunto das oposigoes que organizam todo 0 cosmos, os atributos e atos sexuais se véem sobrecarregados de determinacies antropoldgicas e cosmolégi- cas. Ficamos, pois, condenados a equivocar-nos sobre sua signifi- «casio profunda se os pensarmos segundo a categoria do sexual em si. A constituisgo da sexualidade enquanto tal (que encontra sua is FIERRE SOURDIEU / A DOMINACKO MASCULINA Ye eizaee sOURDIEU / A DOMINACAD MASCULINA realizagao no erotismo) nos fez perder 0 senso da cosmologia sexualizada, que se enraiza em uma topologia sexual do corpo ‘socializado, de seus movimentos e seus deslocamentos,imediata- rife revestidos de significagio social — 0 movimento para 0 alto sendo, por exemplo, associado ao masculino, como a eresao, ou. posi¢go superior no ato sexual. Arbitraria em estado isolado, a divisdo das coisas ¢ das ativi- dades (sexuais e outras) segundo a oposigéo entre o masculino ¢ 0 feminino recebe sua necessidade objetiva e subjetiva dé sta inser- ‘Gio emi um sistema de oposigoes homdlogas, alto/baixo, em cima Jembaixo, na frentelatrés, direita/esquerda, reto/curvo (e falso), seco/timido, duro/mole, temperado/insosso, claro/escuro, fora (pablico)/dentro (privado) etc., que, para alguns, correspondem a movimentos do corpo (alto/baixo//subir/ descer, fora/dentro// sairfentrar). Semelhantes na diferenga, tais oposig6es sdo suficien- temente concordes para se susientarem mutuamente, no jogo & pelo jogo inesgotével de transferéncias préticas e metéforas; e também suficientemente divergentes para conferir, a cada uma, tama espécie de espessura semantica, nascida da sobredetermina- Gao pelas harmonias, conotagdes e correspondéncias$ Esses esquemas de pensamento, de aplicacdo universal, regis- tram como que diferencas de natureza, inscritas Ha objetividade, das variagdes.c dos tracos distintivos (por exemplo em matéria corporal) que eles contribuem para fazer existir, 20 mesmo tempo «que as “naturalizam’, inserevendo-as em. um sistema de. diferen- ‘odas igualmente naturais em aparéncia; de modo que as pre- vvisdes que elas engendram so incessantemente confirmadas pelo curso do mundo, sobretudo por todos os ciclos biolagicos e c6s- sicos. Assim, néo vemos como poderia emergir na consciénca a relacdo social de dominacio que est em sua base e que, por uma inversao completa de causas e efeitos, surge como uma aplicagao entre outras, de um sistema de relagbes de sentido totalmente 5. Poo un quodro detalhodo de dlsrtuieSo dos otvidodes ene os sexos, of. P Bove, ke Sane protioue, ape,» 358. UMA IMAGEM AMPLIAOA Zz independente das relagdes de forga. O sistema mitico-ritual desempenha aqui um papel equivalente ao que incumbe ao cam- po juridico nas sociedades diferenciadas: na medida em que os prinefpios de visdo e diviséo que ele propbe estao objetivamente ajustados as divisdes pré-existentes, ele consagra a ordem estabe- lecida, trazendo-a a existéncia conhecida e reconhecida, oficial A divisio entre os sexos parece estar “na ordem das coisas’, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a pon- to de ser inevitavel: ela esté presente, 0 mesmo tempo, em estado objetivado nas coises (na case, por exemplo, cujas partes sio todas “ em todo o mundo social e, em estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepcao, de pensamento e de aco. (Quando, por necessidade de comunicacao, eu falo, como aqui, em catego- rias ou estruturas cognitivas, arriscando-me a parecet cair na filo- sofia intelectualista que tenho seguidamente criticado, seria melhor falar de esquemas priticos ou de disposicdes; mas 2 pela~ __¥ra “categoria” impoe-se por vezes porque tem 0 mérito de desig- nar ao mesmo tempo uma unidade so cultores —e uma es —a categoria dos agri- ., ¢ de tornar manifesto o elo que as une.) E 2 concordancia entre as estraturas objetivas e as natura cog: vas, entre 2 conformagio do ser e as formas do conhecer, entre o curso do mundo e as expectativas 2 esse respei- to, que torna possivel esta referéncia 20 mundo que Husserl des- crevia com o nome de “atitude natural’, ou de “experitncia doxi- <2” — deixando, porém, de lembrar as condigbes sociais de sua possibilidade. Essa experiéncia apreende o mundo social e suas arbitrarias divisdes, a comecar pela divisio socialmente construl- da entre os sexos, como naturais, evidentes, e adqnire, assim, todo um reconhecimento de legitimacao, E por nao perceberem os ‘mecanismos profandos, tais como os que fundamentam a con- cordincia entre as estruturas cognitivas e as estruturas sociais, e, por tal, a experiéncia déxica do mundo social (por exemplo, em nossas sociedades, a ldgica reprodutora do sistema educacional), que pensadores de linhas filos6ficas muito diferentes podem 8 hovsDIEU / A DOMINACAO MASCULINA imputar todos os efeitos simbélicos de legitimagao (ou de socio- dicéia) a fatores que decorzem da ordem da representagao mais ou tra e nfo ter Je de se enunciar em discursos que vise. {a7 A order ose funcion como uma mesa magni s; €a estrutura do espa- Ha ou de mercado, reservados aos fodos de gestacSo, femininoss 0 corpo como realidade sexuada de visto e de divisdo sexualizan- tes. Esse programa social de pezcepgdo incorporada aplica-se a todas 2800 1ando ¢, antes de tudo, ao préprio corpo, em sua 12 oben au, alo ve percep wo qtone ra ingwegen, se ness cove algo n60 arco, de ato forme neo, be ver. prscbidos opener come pretaine cv euseias Fos sur lo prcapionselole dei Fev", Ate de le rectoche en sclancos ‘aur toda © onéise do stems ‘cramp, sobre 9 essire do expore intro da cose: Quando os dominados aplicam aquilo que os domina esque- “mas que sfo produto da dominagao ou, em outros termos, quando seus pensamentos e suas percepcbes estdo estruturados de confor- midade com as estruturas mesmas da relagio da dominacio que posta, seus atos de conhecimento sto, nente, atos ecimento, de submisséo. Porém, por mais exata que seja 2 correspondéncia entre as realidades, ou os processos do mundo ipios de visto e de divisao que lhes sto aplicados, ‘es antegdnicas, oferecendo aos dominados uma possibilidade de lica, B por isso queas 12, Sob eaqueor de chela/wozio @ su preorder, prot, op. ct, pp. A52.452, ov cin p. 397 (a propéatio do vexpa UMA IMAGEM Amsuiaps 2 tes (alto/baixo, duro/mole, reto/curvo, seco/iimido) que 2s jevam @ uma representacao bastante negativa do préprio sexo,!? para pen~ sar os atributos sexuais masculinos por analogia com as coisas que pendem, moles, sem vigor (Jadlaleg, asadlag, usados também para a cebola ou a carne em postas, ou acherti devetho, por vezes associado a ajerbub, andrajo)s¥ ou até tirar par- tido do estado minimizado do sexo masculino para afirmar 2 supe- Tioridade do sexo feminino — como no ditado: “Voc, sua equipa- gem (laAlaieg) despenca, diza mulher ao homem, ao passo que ev, ti sou uma pedra bem Assim, a definicdo social dos orgaos sexuais, Jonge de ser um simples registro de propriedades naturals, diretamenie expostas @ percepeio, ¢ produto de uma construgio efetuada & custa de uma série de escolhas orientadas, ou melhor, através da acentuacao de certas diferencas, ou do obscurecimento de certas seriiliancas. A Fepresentacdo da vagina como um fal sem vigor, positivo ¢ 0 negativo, o direito e o avesso, do momento em que o principi {A tothnal) pore expresso « alice (cara de “olhna’ & © ros omavo, sem @ modelogen que dé un bois 150, pelo menos nos dsignecdeseufemisicas, comporodes 0 instumen Iho", “moun” ee} 0 ue taer se deve tlaciongr com ofto de ote, of hoje, & ‘moniplogac dos objco terieoe cola sitomoticarerts oe her 18.CET. YocineTiooh, “Anfropologia de lo pau, foc. cit 16.M.C. Pouce, Corps or Chivrpie 8 opagée di Meyen Age, Paris, Bammoton, 1982, a Figkee sousDiey / & DOMINACAO MASCULINA sao vistos como dues variantes, superior e inferior, da mesma fisiologia, compreendemos por que, até 0 Renascimento, nBo se dispusesse de terminologie anatomica para descrever em detalhes co sexo da mulher, que é representado como composto dos mesmos 6rgtos que 0 do homem, apenas dispostos de meneira diversa.17 Por isso, como demonstra Ywonne Knibiehler, os anatomistas de principios do século XIX (sobretudo Virey), ampliando o discur- 30 dos moralistas, tentam encontrar no corpo da mulher a justifi- cativa do estatuto social que thes é imposto, apelando para oposi- ges tradicioneis entre o interior e o exterior, a sensibilidade e a razio, a passividade e a atividade.'® Bastaria seguir a hist6ria da “descoberta” do dlitéris, tal como a relata Thomas Laqueur,® pro- freudiana da ligagao da sexualidade femi- nina do clitéris para a vagina, para acabar de demonstrar que, lon- ge de desempenhar o papel fundante que lhes é atribuido, as dife- rengas Visiveis entre 0s dzgfios sexuais mascalino e femining so jue encontra seu principio nos principios de divisio da rardo androcéntrica, ele prépria fundamenteda na dos estatutos sociais atribuidos ao homem e & mulher?” ‘Os esquemas que estruturan <3 yam a percep¢io dos Grates sexuais e, mais ainda, da atividade sexual se aplicam também ao proprio UMA IMAGEM AnPulaDas 2s sendo a fronteira delimitada pela cintura, signo de clausura (aque- Ja que mantém sua cintura fechada, que nao a desamarra, é consi- derada virtuosa, casta) e limite simbélico, pelo menos para a mulher, entre o puro ¢ 0 impuro. A cintura é um dos signos de fechamento do corpo ferninino, bracos cruzados sobre 0 peito, pernas unidas, vestes amarradas, ue, como intimeros analistas apontaram, ainda hoje se impoe as mulheres nas sociedades euro-americanas atuais.2! Ela simboliza a barreira sagrada que protege a vagina, socialmente constituida em objeto sagrado, e portanto sabmetido, come o demonstra a endli- se durkheimiana, a regras estritas de esquivanca ou de acesso, que determinam muito rigorosamente as condigdes do contato consa- grado, isto é, os agentes, momentos e atos legitimos ou, pelo con- trdrio, profanadores. Tais regras, particularmente visiveis nos ritos matrimoniais, podem também ser observadas, até nos Estados Unidos de hoje, nas situagdes em que um médico do sexo masculi- no tem que praticar o exame vaginal. Como se se tratasse de neu- tralizar simbélica ¢ praticamente todas as conotagoes povencial- mente sexuais do exame ginecoldgico, 0 médico se submete a um verdadeiro ritual visando a manter a barreira, simbolizada pela cinturd, entre a pessoa publica e a vagina, jamais vistas simultanea- mente; em um primeito momento, ele se dirige a uma pessoa, face a face; a seguir, apés a pessoa ter-se despido para ser examinada, em presenga de uma enfermeira, ele a examina, deitada ¢ recober- ta por um lencol que lhe cobre a parte superior do corpo, obser- vando a vagina como algo dissociado da pessoa ¢, por tal, reduzida & condigéo de coisa, em presenga da enfermeira, a quem ele faz suas observagées, falando da paciente em terceira pessoa} enim, em um terceiro momento, ele se dirige novamente a mulher, que jé se vestiu de novo fora de seus olhares.2® £, evidentemente, porque 21, CF por exenploN M Henly, Body 2 ‘ication, Englewoad Cit (N.,Pentie Hol 1977, especleinenle pp. 89 a eg 22.1.1. Hendin, MA, Bigg “The Soci —_ Henin (ed), Down 20 Fart Seciclogy, New YackOxlers, The Fee 207, res, Power, Sox and Nonverbo Comme 2 A DOMINACAO MASCULINA a vagina & sagrada, segredo e tabu, que o comércio do sexo co: To, certo erot ino associa a busca do gozo ao exercicio brutal do poder sobre os corpos reduzidos a0 estado de objetos ¢ 0 sactilégio que consiste em transgredir a lei segundo a qual o cor- po (como 0 sangue) no pode ser sendo doado, em umato de ofer- ta inteiramente grat e a suspensio da violéncia.2# © corpo tem sua frente, lugar da diferenca sexual, ¢ suas cos- tas, sexualmente indiferenciadas e potencialmente femi seja, algo passivo, submisso, como nos fazem lembrar, pelo gesto ou pela palavra, os insultos mediterraneos contra a homossexua- lidade (sobretudo o famoso “bras d'honneur” “dar uma bana- nna”); tem suas partes pilblicas, face, fronte, olhos, bigode, boca, ‘reaos nobres da apresenttagao, nos quais se condensa a identidade social, 0 ponto de honra, o nif, que obriga a enfrentar ou a olhar (05 outros de frente, e suas partes privadas, escondidas ou vergo- 1osas, que a honra manda dissimular. £ igualmente através da Aivisdo sexual dos usos legitimos do corpo que se estabelece o vin- culo (enunciado pela psicandlise) entre o falo e 0 ldgos os usos puiblicose ativos, de parte alta, ina, do corpo — fazer fren- te a, enfrentar, frente a frente (qabel), olhar no rosto, nos olhos, ZB. All omencana proba “var de gonh ue eign que 9 2 we dearée do s2x0 lgitine e que o anar vanal 80 settle pr excelncio, por sero commlo com © que 0 corpo fom de mois sepfodo (el G. Phaleron, “The Whore ‘Sec! Test 97, 1993, pp. 39-64 Come 8 fee Inlet, gowod) UMA IMAGEM AMPED 2 tomar a palevra publicamente— sio monopélio dos homens; a ia, mantém-se afastada dos lugares publicos, m modo renunciar a fazer uso piblico do préprio rosto e de sua palavra (ela anda em publico com os olhos baixos, mesmo tempo que refietida e calculada).26 Embora possa ser visto como a matriz original a partir da qual sto engendradas todas as formas de unio dos dois ‘opostos— arado e sulco, céu e terra, fogo e 4gua ete. —, 0 préprio ato sexual é pensado em fungao do prinefpio do primado da mas- culinidade. A oposicao entre os sexos se inscreve na série de opo- sigdes mitico-rituais: alto/baixo, em cima/embaixo, seco/timido, quente/frio (do homem desejante se diz: “seu kanoun esté-verme- Iho’; “sua panela esta pegando fogo’, “seu tambor esté quente”s heres se diz que eles tém a capacidade de “apagar o fogo”, iar de beber”), ativo/passivo, mével/imével (0 ato sexual € comparado & m6 do moiaho, com sua parte superior, mével, e sua parte inferior, imével, fixada a terra, ou & relacao centre a vassoura, que vai e vem, e @ case)27 Resulta dai que a posi- do considerada normal é, logicamente, aquela em que o homem “fica por cima’. Assim como a vagina deve, sem ditvida, seu caré- ter funesto, maléfico, 20 fato de que nao s6 é vista como vazia, mas também como 0 a posic&o amorosa na ‘qual a mulher se poe por sobre o homem é também explicitamen- te condenada em imimeras civilizacoes.2* E a tradigio cabila, embora seja pouco prédiga em discursos justificativos, apela para 26. Sacundo « gia Feb, que & & de preconzato dstworswl, 0 ropresert {50 motculine pode candunar ot eazacidodae ov of incopocidedes‘emivinas que io enige, ou cue de mesne contibu pore prodvzis obsencse, asim, que "e man bo per cade des mole dos «soe noite dl feladetes «, sobrende, poser fcor sale gue, pote deonsar sue concordne 28. Segundo Cherles Molemoud, o sénscrto ws pore qusliies ¢ poewe Viparto, “verio", enpregede tonbém pare detignor © murdo co conti, «serido de ema erbsi, 2 RE BOURDIEU / A DOMINACAO MASCULINA uma espécie de mito de origem para legitimar as posigdes atribui- das aos dois sexos na divisto do trabalho sexual ¢, em decorréncia da diviséo do trabalho de producao e reproducao, em toda a ordem social, , ultrapassando-a, na ordem césmica. na fonte (tala) que o primeiro homem encontrow a pri- meira mulher. Ela estava apanhando agua quando o homem, arrogante, aproximou-se dela e pediu de beber. Mas ela havia che- gado primeiro e ela também estava com sede. Descontente, 0 homem a empurrou. Ela deu um passo em falso e caiu por terra. Entdo o homem viu as coxas da mulher, que eram diferentes das suas. E ficou paralisado de espanto. A mulher, mais astuciosa, ensinou-lhe muitas coisas: ‘Deita-te, disse ela, ¢ eu te direi para que servem teus 6rgdos. Ele se estendeu por terra. Ela acariciou seu pénis, que se tornou duas veres maior, ¢ deitou-se sobre ele. O hhomem experimentou um prazer enorme. Ele passou a seguir a mulher por toda parte, para voltar a fazer 0 mesmo, pois ela sabia que ele, como acender o fogo etc. Um dia, o homem “Bu quero te mostrar que eu também sei fazer coi- sas. Estende-te, e ett me deitarei sobre t?. A mulher se deitou por terta, eo homem se pés sobre ela. E ele sentit o mesmo prazer. E. disse entao a mulher: ‘Na fonte, és tu (quem dominas); na casa, sou eu, No espirito do homem sao sempre estes iltimas propési- tos que contam, e desde entao os homens gostam sempre de mon- tar sobre as mulheres. im que eles se tornaram os primeiros e sao eles que deve governar”? A intenggo da sociodicéia se afirma equi sem subterfiigios: 0 mito fundador na origem mesma da cultura entendida como ordem social dominada pelo principio masculino, a oposi- sao constituinte (jf inflltrada, de fato, através, por exemplo, da oposisdo entre fonte ea casa, nos dads que sorvem para justifi- entre a natureza e a cultura, entre a “sexualidade” da natu- ° , realizado na revae a “sexualidade” da cultura: 20 ato anémi apcogie de a pau, k UMA IMAGEM AmPLiAgA Ea fonte, lugar feminino por exceléncia, e& iniciativa da mulher, ciadora perversa, naturalmente instrufda nas coisas do amor, opde-se o ato submetido ao ndmos, doméstico e domesticado, exe- cutado por exigéncia do homem e conforme a ordem das coisas, a hierarquia fundan tima do princfpio masculino sobre o principio fe zada na supremacia da viga mestra (asalas alemmas) sobre 0 central vertical (thigejdith), forquitha feminina aberta para o céu. Mas, em cima ou embaixo, ative ou passivo, essas alternativas paralelas descrevem 0 ato sexual como uma relagio de dominacio. Demodo geral, possuir sexualmente, como em francés baiserou em inglés to fuck, ¢ dominar no sentido de submeter a seu poder, mas significa também enganar, abusar ou, como nés dizemos, “possuir” (ao passo que resistir a sedugdo € no se deixar enganar, ndo se dei- at “possuir”), As manifestacoes (legitimas ou ilegitimas) da viili- dade se situam na logica da proeza, da exploracio, do que traz hon- ra. E, embora a extrema gravidade de qualquer transgresstio sexual proiba de expressd-la abertamente, o desafio indireto a masculina dos outros homens, que encerra toda al contém o prince que se declara em outras regides da drea mediterranea e além dela. Uma sociologia politica do afto sexual faria ver que, como sempre sed em uma relacao de dominaclo, as préticas e as repre- sentacbes dos dois sexos nao sto, de maneira alguma, Nao s6 porque as mogas e os rapazes tem, até mesmo nas socieda- des euro-americanas de hoje, pontos de vista mi sobre a relagdo amorosa, na maior parte das vezes pensada pelos homens coma légica da conquista (sobretudo nas conversas entre amigos, que dao bastante espaco a um contar vantagens a respei- to das conquistas femininas),*° mas também porque o ato sexual ‘30. CEB. Envensich, The Haars of Men, American Dreams ond from Commitment, Decbleday Anchor, Gardan Ci, Naw York, 1983; E Anlesan, ‘Srostwse: Race, Clas and Change in on Urbon Comminty, Chcage, Chieage Univesity Press, 1990. SOURDIEU / A DOMINACAO MASCULINA em sié concebido pelos homens como uma forma de dominagio, de apropriagio, de “posse”. Dai a distincia entre as expectativas provéveis dos homens e das mulheres em matéria de sexualidade — eos mal-entendidos que deles resultam, ligados a més inter- pretagbes de “sinais”, as vezes deliberadamente ambiguos ou enganadores. A diferenca das mulheres, que esto socialmente preparadas para vivera sexualidade como uma ex e fortemente carregada de afetividade, que nao inclui necessa ‘mente a penetracdo, mas que pode incluir um amplo leque de ati- vidades (falar, tocar, acariciar, abracar etc.*1), os rapazes tendema “compartimentar” a sexualidade, concebida como um ato agre vo, e sobretudo fisico, de conquista orientada para a penetragdo e 0 orgasmo.? Embora neste ponto, como em todos 0s outros, as variagdes sejam evidentemente consideréveis, segundo a posigao social? a idade — e as experiéncias anteriores —, pode-se inferir, por uma série de entrevistas, que priticas aparentemente simétri- cas (como @ felacio ¢ 0 cunnilingus) tendem a revestir-se de signi ficacdes muito diversas para os homens (que tendem a ver nelas atos de dominio, pela submissdo ou 0 go70 obtidos) e para as, mulheres. © gozo masculine é, por um lado, goz0 do gozo femini- no, do poder de fazer gozar: assim Catharine MacKinnon sem. duivida tem razéo de ver na “simulagdo do orgasmo” (faking orgasm) uma comprovacao exemplar do poder masculino de fazer ‘com que a interagdo entre os sexos se dé de acordo coma visi dos homens, que esperam do orgasmio feminine uma prova de sua Virilidade e do goz0 garantido por essa forma suprema da subinis- s4o.# Do mesmo modo, 0 ass6dio sexual nem sempre tem por fisn 29, Embota, por rox homens sem faze to dfrerciagéo soci inpBe 20 principio eet on fe and Lew, Combilge p58. UMA IMAGEM AMPLIADA 3 exclusivamente a posse sexual que ele parece perseguir: 0 que acontece é que ele visa, com a posse, 2 nada mais que a simples afirmagio da dominago em estado puro.33 Se a relacdo sexual se mostra como uma relagao social de dominacio, é porque ela esté construida através do principio de Aivisao fundamental entre 0 masculino, ativo, eo feminino, passi- iva, expressa e dirige o dese- como dominacao nam, ao mesmo tempo, sua possibilidade e sua signi penetragio, sobretudo quando se exerce sobre um homem, é uma das afirmagoes da libido dominandi, que jamais esta de todo ausente na libido masculina. Sabe-se que, em imimeras socieda- des, a posse homossexual é vista como uma manifestagéo de “poténcia”, um ato de dominagio (exercido como tal, em certos casos, para afirmar a superioridade “feminizando” o outro) e que &a este titulo que, entre os gregos, ela leva aquele que a sofre 8 desonra e a perda do estatuto de homem integro e de cidadao:3* 20 passo que, para um cidadao romano, a homossexualidade “passiva” com um escravo é considerada algo “monstruoso”2” Do ‘mesmo modo, segundo John Boswell, “penetracao e poder esta- vam entre as intimeras prerrogativas da ‘igente masculina; 1982, pp. 190 es. 37. Veyee, ‘Vhomosenvalté& Rone", Communications, 38, 1982, pp. 2632 2 PrERRE BOUEDIEU / A DONINACRO MASCULINA autoridede”s® Compreende-se que, sob esse ponto de vista, que liga sexualidade a poder, a pior humilhacdo, para um homem, consiste em ser transformado em mulher. E poderiamos lembrar aqui os testemunhos de homens @ quem torturas foram delibera- damente infringidas no sentido de feminilizd-los, sobretudo pela hrumilhacao sexual, com deboches a respeito de sua virilidade, acusacoes de homossexualidade ou, simplesmente, a necessidade dese conduzir com eles como se fossem mulheres, fazendo desco- brir “0 que significa 0 fato de estar sem cessar consciente de seu corpo, de estar sempre exposto & humilhacéo ou ao ridiculo e de ‘encontrar um reconforto nas tarefas domésticas ou na conversa fiada com os amigos” A INCORPORAGAO DA DOMINAGAO Embora a idéia de que a definigao social do corpo, e especial- mente dos érgios sexuais, é produto de um trabalho social de construcdo se tenha banalizado de todo por ter sido defendida por toda a tradicao antropoldgica, o mecanismo de inversdo da rela- cdo entre causas e efeitos, que eu tento aqui demonstrar, ¢ pelo qual se efetua a naturalizacao desta construcao social, nao foi, a meu ver, totalmente descrito. O paradoxo esta no fato de que sto as diferencas visiveis entre 0 corpo feminino eo corpo masculino que, sendo percebidas e construidas segundo os esquemas préti- cos da visio andracéatrica, tornam-se o penhor mais perfeita- mente indiscutivel de significagbes e valores que esto de acordo com os principios desta visto: nao € 0 falo (ou a falta de) que € 0 fundamento dessa visto de mundo, e sim é essa visto de mundo gue, estando organizada segundo a divisdo em géneros relacionais, BE. J Bowl, “Sone! ond Ethel Categorias tn Promoderm Europe", em P. Mi 1 5. Sanders, J. Berech, Homosexiliy/Motarosewolty: Concests of Sexual rchon, New Yeck, Oxford Univer Pres, 1990. once, Facing the Bhicol Vareun", em J ‘he Edge, Sate Terr and ric Pres, 1992. UMA IMAGEM AMPLIADA 33 masculino e feminino, pode instituir 0 falo, constitufdo em sim- bolo da virilidade, de ponto de honra (nif) caracteristicamente masculino; ¢ instituir a diferenca entre os corpos biolégicos em fundamentos objetivos da diferenca entre os sexos, no sentido de géneros construides como duas esséncias sociais hierarquizadas, Longe de as necessidades da t@producao biolégica determinarem a organizacio simbélica da divisdo social do trabalho e, progressi- vamente, de toda a ordem natural e social, é uma construcao arbi- tréria do biol6gico, e particularmente do corpo, masculino e feminino, de seus usos ¢ de suas fungSes, sobretudo na reprodu- so biolégica, que dé um fundamento aparentemente natural & visto androcéntrica da divisio de trabalho sexual e da divisto sexual do trabalho e, a partir dai, de tado 0 cosmos. A forsa parti- cular da sociodicéia masculina Ihe vem do fato de ela acumulat & condensar duas operacbes: ela legitima uma relagao de domiinagio * ‘TascreTeRAG-a em uma natureza biolégica que é por sua vez, ela propria uma construgao social naturalizada. (O trabalho de construggo simbélica nao se reduz a uma ope- racdo estritamente performativa de nominagio que oriente e estruture as representagdes, a comecar pelas representacbes do cor- po (0 que ainda nfo é nada); ele se completa e se zealiza em uma transformagao profunda e duradaura dos compos (e dos cézebr0s), {sto é em um trabalho ¢ por um trabalho de construgio pratica, que impoe uma definigao diferencial dos usos legitimos do corpo, sobretudo os sexuais, ¢ tende a excluir do universo do pensivel do factivel tudo que caracteriza pertencer ao outro género—e em particular todas 2s virtualidades biologicamente inscritas no “per- verso polimorfo” que, se dermos crédito a Freud, toda crianga € — para produzir este ariefaio social que é um homem viril ow uma mulher feminina. O némos arbitrério que institui as duas classes na objetividade nao reveste as aparéncias de uma lei da natureza (fala-se comumente de sexualidade ou, hoje em dia mes- mo, de casamento “contra a natureza”) sendo ao término de uma somatizagio das relagdes sociais de dominagao: € custa, e 20 final, de um extraordinério trabalho coletivo de socializacao difusa e continua que as identidades distintivas que a arbitrariedade cultu- ue fleeee souEDIEy / 4 DOMINACAG MASCULINA s claramente diferenciados ante e capazes de perceber 0 do segundo este pi ‘Tendo apenas uma existéncia relacioncl, cada um dos dois s é produto de trabalho de construgdo diacritica, ao mesmo ca, que ¢ necessirio & sua produgao.como-cor- ‘aciado do genero aposte {sob todos os pontos 16 6, como habitusyiril,e por- nao masculino. A agio do amplo do termo, que opera do compo nao assume sendo muito parcial- e expressa. Ela é automadtico, e sem agente, de uma ente organizada segundo 0 principio ‘a enorme forga de pressio nos corpos at 10 do trabalho ow dos ritanis colet cuprivados (bas. as medidas que excluem as mulheres das jarido-thes lugares inferiores parte baia de extrada ou do tude), ensinando-hes a posture carvads, com os bragosfechados sobre o pit, dante de fas penosas, baixas e mesquinhas (séo elas que Sedeas, nas, so elas que as juntam no chio, com as. nas, enquanto os hi a vara para fazé-las das devores), enfim, em geral tirando partido, no sentido dos pres- ndamentais, das diferengas biol 2 das diferengas sociais. 7 de toda a ac ndo s6 como faz crer a nogio de rito de passa~ UMA IMAGEN ApciADA as gem, entre os que jé receberam a marca distintiva e os que ainda nndo a receberam, por serem ainda muito jovens, como também, ¢ sobretudo, entre os que sao socialmente dignos de recebé-la e as idas, isto 6, as mulheres. Ou, como no caso da circuncisio, rito por exceléncia de instituigao da lade, entre aqueles cuja virilidade ele consagra ao pre- , @ aquelas que nao esto iacdo, e que nao podem deixar de se que a ocasido e 0 suporte do ritual de con- iade representam. Assim, 0 que o discurso mitico professa de maneira, apesar de tudo, bastante ingnua, os rtos de insituigdo realizam da forma insidiosa, sem divida, porém mais eficaz, simbolicamente. Eles se inscrevem na série de operagdes de diferenciagdo visando a destacar em cada agente, homem ou mulher, os signos exteriores mais imediatamente conformes definisdo social de sua distingao sexual, ou a estimular as praticas que convém a seu sexo, proibin- do ou desencorajando as condutas impréprias, sobretudo na rela- <0 com 0 outro sexo. E, por exemplo, o caso dos ritos ditos “de separagdo”, que tém por fan¢do emancipar um menino com rela~ do & sua mie e garantir sua progressiva masculinizacdo, incitan- do-o e preparando-o para enfrenter o mundo exterior. A pesqui- sa antropologica descobre, realmente, que o trabalho psicolégico que, segundo certa tradicdo psicanalitica,#! os meninos tém que Inatitor ~ 9 nsigSo de um hace} 2 nore de ilo de pasogen, que sem cv mois gue ums prénogae do “let ree The Reprodcton of Wether: Prychoanalss University of Colfornie ress, 1978. pielpcimente NJ. Chedere ‘ond the Sociology of Gand, Br 4 PIERRE BOUSDIE / A DOMINACAO MASCULINA «para cortar a quase-simbiose original com amdee afirmar identidade sexual propria é expresso e explicitamente acom- parhado, ou mesmo organizado, pelo grupo que, em toda uma série de ritos de instituigia sexuais orientados no sentido da viri- lizacio e, mais amplamente, em todas as praticas diferenciadas e diferenciadoras da existéncia didria (esportes e jogos viris, caga sicorajam a ruptura com o mundo materno; ruptura da qual as (bem como, para sua infelicidade, os “filhos de vitiva”) estéo isentos — 0 que Ihes permite viver em uma espécie de con uidade com a mie.*? [A“intengdo” objetiva de negara parte feminina do masculino (esta mesma que Melanie Klein pedia 8 psicanélise para resgatar, por uma operacdo inversa & que realiza o ritual), de abolit 0s lagos e€0s culos com a mae, com a terra, com a umidade, com a noi- te, com a natureza, manifesta-se, por exemplo, nos ritos que se m no momento denominado “a separagdo en ennayer a gennayer), como 0 primeiro corte de cabelos do mé em todas as ceriménias que marcam a ultrapassagem do mundo masculino e que terdo seu coroamento na circuncisao. Seria infindavel a enumeragio dos atos que visam a separar 0 menino de sua mae — pondo em agdo objetos fabricados pelo fogo e adequados a simbolizar 0 corte (e a sextualidade viril): faca, punhal, relho ete, Assim, depois do nascimento, a crianga é colo- cada & direita (Jado masculino) de sua mae, que esté por sua vez deitada do lado direito, e colocam-se entre eles objetos tipicamen- te masculinos, tais como um pente de cardar Ia, uma grande faca, ‘um relho, uma das pedras do lar. Dai @ importancia do primeiro corte de cabelos, que esta, igualmente, ligado ao fato de que a cabeleira, ferinina, é um dos elos simbolicos que unem o menino 20 mando materno. £ ao pai que incumbe dar este corte inaugu- Em oposado oon que so chords por vezss no Colic de “fihos dos homens", etjo edveogdo compete © wétos hemen 18 de vive" 50 vidos ‘om sipeig de taem escopodo 00 reba de edos os inant que € necessrio pero enor gus os menines 4 orem nl Jo dbandonador 8 ace Feminiizente da pebpic me etd tected ral, com a navalha, ayer” e pouce antes da pri Virilizacao (ow de deste prossegue por ocasito desta introducao no mundo dos homens, do ponto de honra (nif) e das seda, recebe uma espada, um cadeado e um espelho, enquanto sua mie depde um ovo fresco no capuz de seu capote. Na porta do mercado, ele quebra o avo e abre o cadeado, atos viris de deflora~ slo, ese olhe no espelho, que, tal como o limiar, um operador de no mercado, mundo exclusivam: -0 aos outros homens. Na volta, pram uma cabega de bi — por seus cornos — associado 20 nif © mesmo trabalho psicossom: nos, visa a virlizé-l neles restar de ferninino — como no caso do “filho de vitiva”— assume, no caso das meninas, uma forma mais radical: a mulher estando constituida como uma entidade negativa, definida apenas jes mesmas s6 podem se afirmar em uma dupla negacdo, como vicio negado ou superado, ou como mal menor. Todo o trabalho de socializagac tende, por conseguinte, a impor-the limites, todos eles referentes 20 corpo, definido para tal como siprado, Haram, e todos devendo ser 0 que, aplicado aos meni- pios fundamentais da arte de vier feminine, da boa condta separavelmente corporal e moral, aprendendo a vestir e usar as diferentes vestimentas que correspondem a seus diferentes esta- dos sucessivos, menina, virgem nibil, esposa, mae de familie, e, adquirindo insensivelmente, tanto por mimetismo inconsciente quanto por obediéncia expresse, a maneira correta de amarrar sua cintura ow seus cabelos, de mover ou manter imével tal ou qual parte de seu corpo a0 caminhar, de mostrar o rosto ede diri- gir oolhar. a 2s srenne pounoiey / A DOMINACKO MASCULINE ssa aprendizagem 6 ainda mais eficaz por se manten: no moral feminine se irapoe, sobretudo, através de Gna diseiplina incessante, relative a todas a5 partes do CO#PO: © que se faz Jembrar¢ se exerce continuamente através da coaeio quanto 20s tras 0 aos penteados. Os principios antagOsis de rentidade masculine e da identidade feminina se inscrevem, cob forma de maneiras permaanen'es de se servis do corpo, Sade manter a postusa, que sio come que @ realizado, ow me- Thor a naturalizagao de uma ética. Assim como a moral da honra saawailina pode ser resumida em uma palavia, cem vetes repetida frentar, olhar de frente e coma posts- ar perflado entre 63), essencial, 8s pelos informantes, qabel, e corresponde a de um mil do mesmo modo a submissio ra ereta (q prove da retidao que ela faz feminina parece encontrar linar, abaixar-se, curver-se se acima de”), nas posturas carvas, flexi tradugio natu sabmeter (o contrério de “por- is, ena docilidade cor- mentar tende, ou qual de suas relativa que se julga convir & mulher. A educagi ‘a inculcar mangiras de postar todo 0 corpo, © partes (a mao direita, masculina, oe. mao esquerda, feminina), & vnaneira de andar, de erguer a cabece ou os olhos, de olbar ce frente, nos olhos, ou, pelo contrério, abaixa-los para o8. pés ete. maneiras que esto prenhes de uma ética, de uma politica ede vima cosmologia (toda a nossa ética, sem falar em nossa estética, assenta-se no sistema dos adjetivos cardeais, elevad tortorto, rgiovfiexivel,aberto/fechado, uma boa parte dos quais designa também posigoes ou disposigoes do corpo ou de alguma de suns partes — eg, 2 “fronte alta” ou a “cabega baixa”). ‘A postura submissa que se imp6e as mulheres cablas repre" genta o limite méximo da que até hoje se impoe as mulheres, tan- fo nos Estacios Unidos quanto na Europa, ¢ que, como inmesos ibservadores jé demonstraram, revela-se em alguns imperatives: Iigedo s orewecdes béxens do s¥7o BS. Sobew oro gabe, ave sao Sens pratique op. ch. ® 151 coe de ted o visdo de mond sorrir, baixar os olhos, aceitar as interrupgbes etc, Nancy M Henley mostra como se ensina as mulheres ocupar 0 esp2¢0, caminhar e adotar posigbes corporais convenientes, Frigga Heug também tentou fazer ressurgir (com um metodo gue chamou de memory work, visando a resgatar histérias de infancia, discutidas ¢ interpretadas coletivamente) os sentimentos relacionados com as diferentes partes do corpo, com as costas a serem mantidas retas, com as pernas que nao devem ser afastadas efc. e tantas outras posturas que estao cartegadas de uma significagio moral (centar de pernas abertas € vulgar, ter batriga ¢ prova de falta de vontade ete.) 4 Como sea feminilidade se medisse pela arte de “se (© feminino, em berbere, ver sempre em dimina- jeres encetradas em uma espécie de cero in (do qual o véu no € mais que a manifestacéo visivel), Timitando o territorio deixado aos movimentos ea0s deslocamen- tos de seu corpo — enquanto os homens tomam maior lugar com seu corpo, sobretudo em lugares piiblicos. Essa espécie de confina~ mento simbélico 6 praticamente assegurado por suas roupas (0 que é algo mais evidente ainda em épocas mais antigas)¢ tem pot efeito nao s6 dissimular 0 corpo, chamé-lo continuamente 2 ordem (tendo a saia uma funcéo semelhante & sotaina dos padres) sem precisar de nada para prescrever ou proibir explicitamente (“minha mae nunca me disse para no ficar de pernas abertas”): ‘ora com algo que limita de certo modo os movimentos, como os saltos altos ou a bolsa que ocupa permanentemente as mos, © sobretudo a saia que impede ou desencoraja alguns tipos de ativi- dades (a corrida, algumas formas de se sentar etc.)s ora 86 as per mitindo a custa de precaugdes constantes, como no caso das jovens que puxam seguidamente para baixo ume saia demasiado we Semalzcion. A Coleco Work of Memory, lords, ene, 1987, Emboea os euors noo porerom exis conacents dito, ste ooren po, gu se ds com. cumplicidode dos mubsres, opavor ape, & fanemare merceda socilenta, © ne3"B0- rego de Fennilido po ircorporaebe do cities, 08 methor Bomenospeao pels vlgordede oribuie os decoles mute ousados, Ge miso envsiode cuts a &s moauilogens mulo sobrecaregedos nes no mee pote dos seams tescome mute “eirios" 2 PLERRE BOURDIEY / A DOMINACAO MASCULINA ‘curta, ou se esforgam por cobrir com o antebraco uma bluse exces- sivamente decotada, ou tém que fazer verdadeiras actobacias para apanhar no chao um objeto mantendo as pernas fechadas.#3 Essas_ maneiras de usar 0 corpo, profundamente associadas & atitude moral ¢ 4 contengao que conyém as mulheres, continuam @ Thee ser impostas, como que & sua revelia, mesmo quando deixaram de_ thes ser impostas pela roupa (como 0 andar com passinhos répi- dos de algumas jovens de calgas compridas e sapatos baixos). Eas poses ouas posturas mais relaxadas, como o fato de se balangarem na cadeira, ou de porem os pés sobre a mesa, que sd0 por vezes vistas nos homens — do mais alto escalo — como forma de demonstracdo de poder, ou, 0 que dé no mesmo, de afirmagéo so, para sermos exatos, impensiveis para uma mulher. ‘Aos que objetariam que intimeras mulheres romperam atual- mente com as normas e formas tradicionais daquela contencio, apontando sua atual exibicéo controlada do corpo como um sinal de “liberacao”, basta mostrar que este uso do proprio corpo conti- nua, de forma bastante evidente, subordinado ao ponto de vista masculino (como bem se vé no uso que a publicidade faz da mulher, ainda hoje, na Franca, apés meio século de feminismo): 0 corpo feminino, ao mesmo tempo oferecido e recusado, manitfes- 1a a disponibilidade simbdlica que, como demonstraram iname- 10s trabalhios feministas, convém & mulher, e que combina um poder deatracao e de seducao conhecido e reconhecido por todos, homens ou mulheres, e adequado a honrar os homens de quem 38, 80:91 « tombim pp. 142.144: roproducéo pare Homans", que moska “e absurdo des poe in oe moos ats doe ees, ‘sco een thor a co sci cor coméval,"raspondergeniinana’), oe "compost, fo, do sobs: por forse @ de mensite dese vei (sem coves borane, demosiodo fore ou ogee vos" ¢ dese moguier. UMAIMAGEM AMPLiABA ela depende ou aos quais esta ligada, com um dever de recusa sele~ tiva que acrescenta, ao efeito de “consumo ostentatério”, 0 prego * da exclusividade. As divisdes constitutivas da ordem social e, mais precisamen- te, as relagdes sociais de dominacao e de exploracao que esto ins- tituidas entre os géneros se inscrevem, assim, progressivamente em duas classes de habitus diferentes, sob a forma de hexis corpo- Fais opostos ¢ complementares e de princfpios de visto e de divi- sto, que levam a classificar todas as coisas do mundo e todas as préticas segundo distingdes redutiveis & oposigao entre 0 masculi- no © 0 feminino. Cabe aos homens, situados do lado do exterior, do oficial, do puiblico, do direito, do seco, do alto, do descontinuo, realizar todos os atos a0 mesmo tempo breves, petigosos e espeta- culares, como matar 0 boi, a lavoura ou a colheita, sem falar do homicidio e da guerra, que marcam ruptures no curso ordinério da vida. As mulheres, pelo contrério, estando situadas do lado do timido, do baixo, do curvo e do contir véem ser-lhes atribui- os todos os trabalhos domésticos, ou seja, privados e escondidos, ou até mesmo invisiveis e vergonhosos, como 0 cuidado das ctiangas e dos animais, bem como todos os trabalhos exteriores que lhes sao destinados pela razdo mitica, isto é 0s que levam a lidar com a égua, aerva, o verde (como arrancar as ervas daninhas ou fazer a jardinagem), com o leite, com a madeira e, sobretudo, ‘0s mais sujos, os mais mondtonos e mais humildes. Pelo fate deo mundo limitado em que elas esto confinadas, 0 espaco do vilare- jo, @ casa, a linguagem, os utensilios, guardarem os mesmos ape- los 4 ordem silenciosa, as mulheres nao podem seniio tornar-se 0 que elas sao segundo a razdo mitica, confirmando assim, e antes de mais nada a seus préprios olhos, que elas estao naturalmente des- tinadas ao baixo, a0 torto, ao pequeno, ao mesuinho, a0 fitil ete, Elas esto condenadas a dar, a todo instante, aparéncia de funda- mento natural & identidade minoritéria que Ihes € socialmente designada: éa elas que cabe a tarefa longa, ingrata e minuciosa de catar, no chao mesmo, as azeitonas ou achas de madeira, que os homens, armados com a vara ou com o machado, deitaram por iach aa aaa a a TEN 2 PiEREE BOURDIEY / A DOMINACKO MASCULINA terra; sZo elas que, encarregadas das preocupagdes vulgares da esto quotidiana da economia doméstica, parecem comprazer-se com as mesquinharias do caiculo, das contas e dos ganthos que o homem de honra deve ignorar. (Eu me lembro, assim, que em minha infincia os homens, vizinhos e amigos, que haviam mata- do 0 porco pela manha, em uma breve exibicdo, sempre um tanto ostentatéria, de violencia — gritos do animal fugindo, grandes facdes, sangue derramado etc. — ficavam a tarde toda, e &s vezes até dia seguinte, jogando tranquilamente batalho, interrompen- do apenas para erguer algum caldeirao mais pesado, enquanto as mulheres da casa corriam para todos os lados preparando os chouricos, as salsichas, os salsichGes e os patés.) Os homens (e as proprias mulheres) nao podem sendo ignorar que é a l6gica da relacao de dominacao que chega a impor e inculcar nas mulheres, 20 mesmo titulo das virtudes e da moral que Ihes impéem, todas as propriedades negativas que a visio dominante atribui & sua notureza, como a asticia ou, para lembrar um trago mais favord- Forma peculiar da tucidez especial dos dominados, o que cha- mamos de “intuigao feminina” é, em nosso universo mesmo, inse- parivel da submissio objetiva e subjetiva que estimula, ou obriga, 8 atencio, ¢ as atencbes, 2 observacdo e 2 vigilancia necessarias para prever os desejos ou pressentir os desacordos. Muitas pesquisas puseram em evidéncia a perspicécia peculiar dos dominados, sobretado das mulheres (e maito especialmente das mulheres duple ou triplicemente dominadas, como as donas de casa negras, de que fala Judith Rollins em Between Women): mais sensiveis aos sinais nao verbais (sobretudo @ inflexdo) que os homens, as mulhe- res sabem identificar melhor uma emocao nao representada verbal- mente e decifrar 0 que esta implicito em um diaiogo;*” segundo ‘ama pesquisa realizada por dois estudiosos holandeses, elas s40 capares de falar de seus maridos dando uma série de detalhes, 20 Eh WN Thonon, Guoiotne Research in Pulle Adshess ond Communi cation, New York Randem Howse, 1967, po. 47-8. asso que os homens no conseguem descrever suas mulheres sendo com esteredtipos muito vagos, vélidos para “as mulheres em geral”* Os mesmios autores sugerem que os homossexuais, tendo necessariamente sido educados como heterossexuais, interioriza- ram o ponto de vista dominante e podem assumir este ponto de vis- taa respeito de simesmos (0 que os inclina a uma espécie de discor- dancia cognitiva e avaliativa capaz de contribuir para sua especial clarividéncia), bem como compreender 0 ponto de vista dos domi- nantes melhor do que cles podem compreender 0 seu. ‘Simbolicamente votadas a resignagio e discrigfo, as mulhe- res s6 podem exercer algum poder voltando contra o forte sua propria forca, ow aceitando se apagar, ou, pelo menos, negar um poder que elas s6 podem exercer por procuracio (como eminén- cias pardas). Mas, segundo a lei entunciada por Lucien Bianco a0 sténcias camponesas na China, “as armas do fraco fo sempre armas fracas" As prprias estratégias simbélicas que as mulheres usam contra os homens, como as da magia, continuai dominadas, pois 0 conjunto de simbolos e agentes miticos que elas poem em agao, ou os fins que elas buscam (como 0 amor, ou a impoténcia, do homem amado ou odiado), tém seu principio em uma viséo androcéntrica em nome da qual elas sio domina- das. Insaficientes para subverter realmente a zelacao de domina- ‘$40, tais estratégias acabam resultando em confirmacao da repre- sentagto dominante das mulheres como seres maléficos, caja identidade, inteiramente negativa, € constituida essencialmente de proibigdes, que acabam gerando igualmente ocasides de trans- gressao. E 0 caso, sobretudo, de todas as formas de violéncia nao declarada, quase invisivel por vezes, que as mulheres opdem a vio- lencia fisica ou simbélica exercida sobre elas pelos homens, ¢ que vao da magia, da astticia, da mentira ou da passividede (principal- CLA. Van Silk oC Wastes, ‘Power Charges ond SeRespect: Comparien of Two Cores of Esoblhed Outsiser Relators", Theory, Cole ond Society, (2, 1987, pp. 477-48 UBionee, “Résitance paysanne’, At Mone, 22, 2 semaca, 1997, pp. 138 182. “ DIEERE BOURDIEU / A DOMINACEO MASE mente no ato sexual) ao amor possessivo dos possessos, como da mae mediterranea ou da esposa maternal, que vitimiza e culpa- biliza, vitimizando-se e oferecendo a infinitude de sua devogao ¢ de seu sofrimento mudo em doagio sem contrapartida possivel, ow tornada divida sem resgate. As mulheres, fagam o que fizerem, estdo, assim, condenadas a dar provas de sua malignidade e a jus- tifica: a volta as proibicbes e ao preconceito que lhes atribui uma esséncia maléfica — segundo a logica, obviamente tragica, que quer que a redlidade social que produza dominacao venha muitas vezes 2 confirmar as representagdes que ela invoca a seu favor, para se exercer e se justificar. A visio androcéntrica é assim continuamente legitimada pelas as que ela determina: pelo fato de suas disposigées re- ncorporacto do preconceito desfavordvel contra o femi- ido na ordem das coisas, as mulheres no podem sendo confirmar seguidamente tal preconceito, Essa l6gica éa de maldigao, no sentido profundo de uma self-fulfilling prophecy pessimista, que provoca sua propria verificacao e faz acontecer 0 que ela prognosti- ca, Ela est em curso, quotidianamente, em intimeras trocas entre os sexos: as mesmas disposigdes que levam os homens a deixar as mulheres as tarefas inferiores e as providéncias ingratas e mesqui- snhas (tais como, em nosso universo, pedir precos, verificarfaturas e solicitar um desconto}, desembaragando-se de todas as condutas pouco compativeis com a idéia que eles tem de sua dignidade, levam-nos igualmente a reprovar a “estreiteza de espirito” delas, ou esquinharia terra-a-terra’, ou até culpi-las se elas fracassam nos empreendimentos que deixaram a seu cargo — sem no entanto chogar a lhes dar crédito no caso de um sucesso eventual.50 nino, inst 150, As enevaton o obras ecotomic do prodicbo de bens somos quando de nosis petqios sabre 9 not deram repeedos scones de verear ‘om di « ber prbxine 0 és (CF. Boureu, x deo recherche ap sconces sociolay, 8182, area pp. 345} Embova os homens nGo poss mais olor sempre © eso cto gore despeze pare eam as praccunayées mesqunhas do ecaromia (sce, ‘cher, nos universes clu], ndo ra afzmaren si ature exci, sobreudo quando “Uncen sou contri UMA IMAGEM AmPLiaDA 4 A domina¢ao masculina encontea, assim, reunidas todas as condigoes de seu pleno exercicio. A primazia universalmente con- cedida aos homens se afirma na objetividade de estruturas sociais e de atividades produtivas e reprodutivas, baseadas em uma divi- sao sexual do trabalho de producdo e de reproducao biolégica e social, que confere aos homens a melhor parte, bem como nos esquemas imanentes a tados os habitus: moldados por tais condi- ‘g6es, portanto objetivamente concordes, eles funcionam como matrizes das percepgdes, dos pensamentos e das ages de todos os membros da sociedade, como transcendentais historicos que, sen- do universalmente partilhados, impoem-se a cada agente como transcendentes. Por conseguinte, a representagio androcéntrica da reproducao biolégica e da reprodusao social se vé investida da “objetividade do seris6’comum, visto como senso pratico, déxico, “Sobre o sentido das praticas-E as proprias mulheres aplicam.a toda realidade e, particularmente, as relacBes de poder em que se véem envolvidas esquemas de pensamento que so produto da incorporagao dessas relacdes de poder e que se expressam nas oposicodes fundantes da ordem simbélica. Por conseguinte, seus atos de conhecimento sao, exatamente por isso, atos de reconheci- mento pratico, de adesao déxica, crenga que nao tem que se pen- sar e se afirmar como tal e que “faz’, de certo modo, a violencia simbélica que ela softest Embora eu no tenhe a menor ilusdo quanto a meu poder de dissipar de antemao todos os mal-entendidos, gostaria apenas de prevenir contra os contra-sensos mais grosseiros que s40 comu- mente cometidos a propésito da nogao de violéncia simbdlica e que tém todos por principio uma interpretacdo mais ou menos redutora do adjetivo “simbdlico”, aqui usado em um sentido que bho is vars av aba verbois que designom ¢ periséo simboicoments omincnla [Jo homem, do nobte, da chefs le| 2b podem ser comproondides [a ‘como os Insgnis miles, que se tem quo saber fer) pslos pessoas que oprenderom ce decor sau “cidige™

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