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Repensar a Distribuição#

Quando a extensão de portfólio não basta

* Rodrigo Catani, (rcatani@gsmd.com.br), sócio diretor da GS&MD

Em recente encontro com o proprietário de uma bem sucedida indústria do setor de


alimentos, ele confidenciou que, apesar da empresa ter investido um bom dinheiro
em novas linhas de produtos, 90% do faturamento ainda vinham da centenária linha
de produtos criada pelo seu avô. Por que a demanda e os clientes não responderam
da maneira esperada? Como isso aconteceu, se os melhores engenheiros de
alimentos foram contratados com a missão de criar (e segundo ele criaram) produtos
melhores do que os da concorrência e que lideram o mercado?
Os produtos de fato são muito bons e podem até ser melhores do que os líderes de
mercado, porém investigando mais detalhadamente percebe-se que dois aspectos
fundamentais foram minimizados: marca e estratégia de distribuição. De fato, não
houve um trabalho aprofundado de inteligência de mercado que analisasse potencial
de consumo, oportunidades não exploradas pela concorrência, posicionamento
adequado, pesquisas com os consumidores (para avaliar até que ponto a marca
poderia ser expandida de modo consistente) e pesquisas com os canais de
distribuição para estimar o grau de aceitação que os novos produtos teriam.
Tampouco a estratégia de distribuição foi repensada, avaliando se o modelo utilizado
pelo produto original seria o mais adequado para todos os novos produtos lançados
no mercado. O resultado, até agora, foi que os lançamentos ainda não foram
vendidos às grandes redes de supermercados, limitando-se a ser empurrados para
os atacadistas, com margens inferiores às planejadas. Quando conseguiram
introduzir os produtos, não houve preocupação em trabalhar a linha toda e buscar
uma exposição adequada nas prateleiras.
Se a equipe de vendas não acreditava nos novos produtos, por que foi a favor de
lançá-los quando questionados na última convenção de vendas, continuava
perguntando o aflito empresário. A questão é que os produtos originais eram bem
conhecidos e tradicionais, o que facilitava muito o trabalho da equipe de vendas, que
praticamente se limitava a tirar pedidos e negociar grandes volumes, em troca de
descontos adicionais, prazos mais dilatados ou bonificações. No caso dos novos
produtos, era preciso fazer um trabalho de convencer o <i>trade</i> de que valeria a
pena introduzir novas linhas de produtos em categorias já bastante competitivas,
negociar degustações de produtos nas lojas e bons pontos de exposição, enfim,
gerar demanda para produtos ainda desconhecidos do consumidor.
A armadilha nesse caso estava armada: o consumidor desconhecia os produtos, pois
não houve divulgação na mídia, e não era possível fazer divulgação na mídia para
um produto mal distribuído. Como quebrar esse círculo vicioso?
Uma vez que os novos produtos estão definidos, cabe uma revisão completa da
estratégia de negócios da empresa, pensando agora com um portfólio muito mais
amplo. Os principais pontos a analisar são:
* Canais de distribuição diretos e indiretos, determinando quem atender diretamente
ou quem atender via atacadistas e distribuidores;
* Modelo de gestão dos grandes varejistas, para que não seja tão oneroso atendê-
los com todas as cláusulas contratuais que existem;
* Modelo de gestão dos canais indiretos, para que eles possam desempenhar o
papel esperado de pulverização dos produtos em clientes pequenos e de difícil
acesso para a indústria;
* Localização e cobertura dos estoques, redefinindo os locais mais adequados de
armazenamento dos estoques e em que quantidade;
* Modificações na logística de distribuição, considerando o grau de fracionamento
das entregas;
* Segmentação de clientes, adequando produtos, políticas e nível de atendimento
aos diferentes tipos de clientes, com diferentes necessidades;
* Nível de serviço diferenciado por segmentos, pensando na disponibilidade de
produtos, tempo de atendimento, grau de fracionamento dos pedidos e outros;
* Redefinição das estratégias de comercialização, considerando descontos,
bonificações, prazos de pagamento e faturamento mínimo, entre outros;
* Políticas e verbas de trade marketing, englobando todas as ações promocionais,
tanto as feitas para empurrar os produtos para os canais de distribuição (sell in)
quanto as destinadas a incentivar o giro dos produtos (sell out);
* Redefinição da estrutura organizacional mais adequada para gerir o novo modelo
de negócios e o mapa de indicadores de desempenho adequados.

Agora entra a parte mais difícil da questão: implantar tudo isso, considerando as
resistências das pessoas às mudanças, a reação dos canais de distribuição e as
quebras de paradigmas que precisam acontecer. Gestão de mudanças é a palavra
mais adequada para sintetizar tudo o que precisa ser feito em uma implantação que
mexe com a espinha dorsal da empresa. Haverá percalços, idas e vindas e pessoas
que irão dizer que tinham alertado para que não se mexesse no que estava indo
bem. Justamente por isso é importantíssimo que sejam feitos projetos-piloto das
alterações para ajustar o modelo à realidade do mercado e para que os benefícios
possam ser medidos. Somente assim o projeto ganha força internamente para
capturar todos os ganhos esperados.
A extensão de portfólio precisa ser pensada dentro de uma estratégia maior de
negócios, que contempla a empresa como um todo. Caso contrário, pode significar
um tiro no pé e uma boa oportunidade para a concorrência avançar.

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