Analisamos o aumento da criminalidade feminina no mundo do tráfico de drogas e seus efeitos na vida das mulheres e filhos a partir de pesquisas sócio-antropológicas e da psicanálise. A abordagem clínica do singular de cada mulher presa que solicita atendimento psicológico em penitenciárias femininas da capital permite elucidar o motivo da entrada no tráfico e sua finalidade
Analisamos o aumento da criminalidade feminina no mundo do tráfico de drogas e seus efeitos na vida das mulheres e filhos a partir de pesquisas sócio-antropológicas e da psicanálise. A abordagem clínica do singular de cada mulher presa que solicita atendimento psicológico em penitenciárias femininas da capital permite elucidar o motivo da entrada no tráfico e sua finalidade
Analisamos o aumento da criminalidade feminina no mundo do tráfico de drogas e seus efeitos na vida das mulheres e filhos a partir de pesquisas sócio-antropológicas e da psicanálise. A abordagem clínica do singular de cada mulher presa que solicita atendimento psicológico em penitenciárias femininas da capital permite elucidar o motivo da entrada no tráfico e sua finalidade
Buscamos explicar o aumento da criminalidade feminina no
mundo do trfico de drogas e seus efeitos na vida das mulheres e filhos. Analisamos pesquisas scio-antropolgicas e apresentamos a contribuio da psicanlise. Caracterizamos a subjetividade da sociedade de consumo a partir das teses lacanianas e da contribuio de Lipovetsky, Lebrun e Safatle sobre a modalidade de gozo prpria do discurso capitalista e do mecanismo que a vigora o desmentido. A abordagem clnica *ao singular de cada mulher presa que solicita atendimento psicolgico em penitencirias femininas da capital permite elucidar o motivo da entrada no trfico e sua finalidade Palavras-chave: criminalidade feminina, trfico de drogas, desmentido, penitenciria feminina.
Freud props a no disjuno entre psicologia individual e
coletiva, dobradia que foi lida por Lacan atravs dos termos Sujeito e Outro e que permitiu ao analista agregar prtica clnica do um-a-um a funo de crtico da cultura que testemunha. Para Lacan, essa funo to essencial que o analista deve renunciar ao exerccio da psicanlise, se "no
*Departamento de Psicodinmica, curso de Psicologia da FACHS da PUCSP, So Paulo, Brasil,
Doutora em Psicologia Clinica. puder alcanar, em seu horizonte, a subjetividade de sua poca" (1998: 322). No Brasil, anualmente, o nmero de homens presos cresce 4% e o de mulheres 11%, evidenciando a insero do universo feminino na problemtica da criminalidade. Estudos do Departamento Penitencirio Nacional em 2008 indicaram que as mulheres encarceradas representavam 6,12% da populao total, ndice absoluto baixo, mas acompanhado de curva ascendente nos ltimos dez anos.
At o sculo XX, os crimes femininos eram ligados
maternidade e moral familiar e foram gradualmente passando do mbito privado para o pblico, prevalecendo os crimes relacionados ao trfico e consumo de droga, seguido do roubo/furto e o homicdio qualificado (Almeida, 2001). Na atualidade, o trfico de drogas corresponde ao total de 60% das condenaes femininas, enquanto que na populao masculina ele de 20%. ( Depen, 2008). Para Espinoza, a conduta delitiva que tem mulheres como sujeito ativo adquiriu uma conotao desvinculada da categoria de gnero para se alinhar no que pode se chamar de criminalidade de pobreza". (2004, 126). Ele destaca que 80% das mulheres tinham emprego antes do encarceramento, a maior parte como empregada domstica, enquanto que, no universo masculino, a grande maioria de desempregados. Frinhani e Souza (2005, 72) assinalam que as dificuldades scio econmicas podem estar relacionadas a questes afetivas como a necessidade de criar e educar filhos sozinhas. Quanto ao fator propulsor da entrada da mulher no trfico, as pesquisas apontam duas respostas: a relao amorosa e/ou o parentesco com parceiro do trfico e meio fcil e rpido de ganhar dinheiro, resposta que vem crescendo desde 1970. Teria a psicanlise algo a acrescentar a essa presena do feminino no universo do trfico de drogas? Lipovetsky caracteriza a subjetividade da sociedade globalizada como Homus consumus, mas adverte que, nas camadas sociais atingidas pela precariedade, o inferno no a espiral interminvel da atividade consumidora, o subconsumo das populaes frgeis no seio de uma sociedade de hiperconsumo (2007 191). Populao que vive a questo crucial Por que alienar sua vida e sua liberdade num trabalho que rende to pouco? (2007 193). Assim, os excludos do consumo so eles prprios uma espcie de hiperconsumidores, privados da verdadeira participao no mundo do trabalho (...) buscam compensaes no consumo (2007, 194). A violncia funciona ora como estratgia instrumental de aquisio de bens mercantis, ora como vetor de singularizao pessoal, revertendo um fracasso em valorizao de si (2007, 197). A pobreza material vivida como falta de autonomia e de projeto (2007, 199) tem efeitos na educao dos filhos: fazer tudo para que o filho no fique insatisfeito, correspondendo ao ideal dessa sociedade. O sujeito servo da linguagem e, mais ainda, servo de um discurso (Lacan, 1998,498). O sujeito preso alienao do discurso da sociedade cujos mandatos se associam ao ideal hedonista ligados a imagens de juventude e beleza torna-se presa fcil de uma oferta como a do trfico de drogas que desconsidera o esforo, o tempo e a renncia ao gozo imediato elementos que construram a sociedade ocidental. Lebrun nomeia-a economia coletiva perversa porque a castrao no funda mais o lao social, os sujeitos juntos a renegam, embora no tenham se tornado perversos individualmente. O lao social se apresenta como que criado por eles, sem mais nada que legitime qualquer subtrao de gozo em proveito do coletivo (2008 39). Modelo que no leva solidariedade e responde pelo aumento de violncia, pois o sujeito nega o papel do Estado na limitao do gozo e pacificao de seus membros, s vindo encontr-lo no momento da punio que limita sua liberdade, fato que sempre surpreende essas mulheres. Ao acompanhar o estgio de alunos de psicologia em penitencirias femininas da capital nos aproximamos do universo da criminalidade feminina num contexto tico de tratamento que visa humanizar o criminoso e lograr seu retorno ao social como cidado. A abordar a singularidade atravs da escuta obtivemos dessas mulheres a resposta para sua entrada no trfico : o ganho fcil e rpido do dinheiro, confirmando as pesquisas. Porem a resposta sobre a finalidade do dinheiro - dar tudo para o filho se revela paradoxal uma vez que o crime acaba por lev-las priso, ao abandono do filho, depresso e adio s drogas. O efeito mais devastador se d na vida do filho que fica no desamparo, dejeto nas mos de parentes, negligenciado em instituies ou largado ao crime. Lacan afirma que o inconsciente a poltica, poltica do gozo que se articula a uma poltica de discursos. O segredo de todo o discurso poltico que seu fundamento o gozo; ele lida com o gozo, mesmo que o escamoteando na forma de uma tentativa, sempre fracassada, de uma universalizao ou de uma moralizao(Lacan, 1992, 209). Na atualidade, o mal-estar decorre do discurso ideolgico que despoja o sujeito de sua capacidade de desejar e o coloca diante da voracidade de um supereu que o empurra ao excesso de gozo enquanto se compraz em v-lo fracassar. Safatle explicita que os processos de socializao levam a um tipo identificao e introjeo atravs de um supereu no mais vinculado represso, mas ao imperativo do gozo (2008, 11). "uma sociedade da insatisfao administrada, os sujeitos no so mais chamados a se identificar com tipos ideais construdos a partir de identidades fixas e determinadas, o que exigiria engajamentos e uma certa tica da convico, o que impossvel em uma situao de crise de legitimidade como a nossa. Eles so cada vez mais chamados a sustentar identificaes irnicas, ou seja, identificaes em que, a todo momento, o sujeito afirma sua distncia em relao quilo que ele est representando ou ainda, em relao a suas prprias aes. ( 2008, 104).
Essa posio subjetiva que internaliza a desvinculao entre
imperativo de gozo e contedos normativos privilegiados prprios a essa figura social do supereu explicita a entrada dessas mulheres no crime e a devastao do filho. Fascinadas pelas mensagens do discurso capitalista, negando as consequncias do ato, amparando-se num semblante de sacrifcio, elas acabam por inserir o filho na lgica do consumo, pois no transmitem mais a necessidade de subtrao de gozo especfico ao humano que permite a instalao da gramtica do desejo (Lebrun, 2008, 94). Se no imaginrio social no h essa exigncia, a me pode no renunciar a ser tudo para seu filho e fazer dele sua nica coisa, impedindo-o de crescer. Modelo que Lebrun nomeia de mreverso (2008,251), porque o desmentido no discurso que a orienta a gozar sem limites embora ao mesmo tempo saiba muito bem que o limite do gozo necessrio (2008, 266) A famlia opera no mais protegendo a criana dos traumas inerentes vida social, mas protegendo os filhos da sociedade, contribuindo para a fragilizao dos mecanismos de limitao a partir do referencial coletivo. A resposta do sujeito permanecer apenas filho de sua me, fazendo do desmentido seu prprio modo de subjetivao, o qual lhe permite aniquilar a alteridade do outro. Embora no haja pesquisas sobre a relao crime da me e destino do filho, na escuta dessas mulheres se constata essa relao, pois se culpam pelo abandono do filho, por sua entrada no crime ou por sua morte. Jovens convidados pelo discurso social a funcionar na prevalncia do regime da relao com a me, deixados em suspenso, abandonados perverso perversa polimorfa infantil, sem nada que lhes prescreva sair dali, nova forma de infanticdio da sociedade consumo-lazer.
Referncias Bibliogrficas
Almeida, R. O. Mulheres que matam: universo imaginrio do crime
no feminino Rio de Janeiro, Relume Dumar: UFRJ, Ncleo de Antropologia da Poltica, 2001
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Espinoza, O. A Mulher Encarcerada em Face do Poder Punitivo. So
Paulo, IBBRIM,2004
Frinhani, F.M.D.; Souza, A L. Mulheres encarceradas e espao prisional:
uma anlise de representaes sociais. Psicologia: teoria e prtica, 7(1):61-79,2005.
Lacan, J. A funo e campo da fala e linguagem In Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed, (1953/1998
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Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1953/1998
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Jorge Zahar, 1969-1970/1992 Lebrun, J-P. A perverso comum: viver juntos sem o outro. RJ: Campo matemico, 2008
Lipovetsky, G. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de