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Michel Foucault A SOCIEDADE PUNITIVA INDICE Nota. Curso, anos 1972-1973... Aula de 3 de janeiro de 1973 su. svi Classifieagio de sociedades: incinerantes ¢ inumantes, assimilantes ¢ excludentes. Insuficiéncia da nogdo de exchusie. Hospital psiquidttico, Insuficiéncia da nogio de transgressio. ~ Objeto do eursa: erica as nnogies de exclusio ¢ de transwresséo, anélise das titicas finas da san. 0. (1) As quatro titicas penais: 1/ excluir; 2/ impor compensagio; 3! marcar; 4/ encarcerar, — MipOtese inicil: classificagto das socied de exclusio, de resgate, de marcagio ou de reclusio, - Objegdes poss veis e resposta: as penas constantes tém fungdes diferentes nas quatro titicas penais. O easo la mutta, O caso dk pena de morte, Damiens © @ ppodcr do soberano. A pena de morie como reclusto redobrada na atin Jidade. (11) Tomar aut6nomo o nivel das titieas penais: If eolocé-las dentro da esfera do poder; 2/ examinar as lutas e contestagdes politicas em (oro da poder. — A .werra civil como matriz des Intas de poder: Aiticas de luta © penalidade; esteatégin da reclusao, Aula de 10 de janeiro de 1973... ‘Os quatro elementos de wma anil ferma a sociedade; 2/ sistema penal nem universil nem univoeo, mas Feito por uns para os outros; 3 estrutura da vigil universal; 4 sis- tema de rechasio, (I) Teor da nogio de guerra civil, (A) A guerea civil ‘como ressurgéncia da guerra de todos contra tades, segundo Hobbes. (B) Distingio entee guerra civil e guetta de todos contra todas. Cale vidades novas; exemplo da Revolta dos Nu-pieds [Descalgos] e do me- ‘mento ludésta, (C) A politica camo continuagio da guerra civil. (1) O status do crianinoso como inimigo social, A pritica judiciévia como declaragio de guerta piblia, ~ Efeitos de saberes: apreensto do crimi- rnoso e do desvio pela psicopatoloxi ou peta psiquiatria, ~ Efeitos epis- x1 a {émicos: sociologia da eriminalidade como patologia soctal, 0 crimino- ‘so como conector, transcritor, comitador. Aula de 17 de janeiro de 1973 ‘Aparecimento do eriminoso como inimigo social. Idemtificagao ca das primeiras manifestaydes. (I) Anise econdmica ds delingoéneia to séeulo XVII pelos fistocratas, Le rosne, Mémoire sur lex wagabonds [Dissertacae sobre os vagabundos] (1764): Mais que propenso psico- Hogica, como a ociosidade, ou fendmeno sovial, como a mendicidade, «| vagabundagem & a matt do crime © um flagelo para a economia; ela produz a rarefagio da mio de obra, a elevagao dos salivios es redugo ‘a produio,— Leis inadequadas; medidas preconizadas por Le Trosne: 11 eseravizagio; 2/ por fora da lei; 3/ autodefesa dos eammponesess 4/ ‘orivoeagéo militar em massa. ~ Semelhangas entre errantes € nobres. (I) O criminoso-inimigo social como toms literirio. Gif Blas eo inicio do séeulo XVII: 0 continwim € a onipresenga da delingusneia, Roman- ces de terre fim do séento XVII: delinguénca localizada e extrass0- cial. Emergéncia das duatidades crime-inoc&neia, mal-bem, Aula de 24 de janeiro de 1973... i . (Ul) Outros indicios da emergncia do criminoso-inimigo socal. Debate sobre a pena de morte em 1791, (IV) Relagio entre os efeitos tebtico politicos de um discurso e as tticas punitivas na mesma época. Sistema principal de castigo: a Inglaterra, instauragao do sistema penitencidaio ‘em 1790-1800; na Franga, instauragio em 1791-1820, Hetetogencidade entre © criminoso-inimigo social ¢ a prisfo: fissura entre o penal ¢ 0 penitenciétia. - Segundo a teoria penst, punigio como defesa social; donde os seguintes prinefpios: relatividade; graduagdo; vigiléncia, po- blicae infalivel; e 1s modelos de punigao: infimia, tlio, escravidao, 'Na pristo: tempo, dnica variivel graduada. Forma-prisio ¢ forma -saliio: das formas historicamente gémens. Pader capitalisia e siste- rma penal: © poder sobre © tempo. Aula de 31 de janeiro de 1973 FPormapristo eforma-saliro (eontinuagao}. A tomada de poder sobre 0 ‘tempo: condigao de possibilidade do sistoma capitalistae da reelusio. ~ Da arqueologi & genealogia, - Objecdes ao miodelo religiso e respos- tas. (A) A cela monéstica: exchuiro mando, eno pum. (B) Os guakers: rejeigto a0 edigo penal inglés e& pena de morte. ~ Oposigioa Becearia relativamente &infragdo e& culpa; concepgao de pecado. (C) Organiza- io da prisio de Filadétfiae de Walnot Stret; primeira mento & “peni- ‘enciéria”, (D) Consequéncias: /introdugao da moral exist na justiga , Nio queto discutir essa hipétese, por si mesma um tanto ov quanto liidica, E bem possivel que tal oposigio possa ter valor descritive em se tratando de identificar ou analisar coisas como a antropofagia ou o rito do bode expiatério®, Mas nio acredito que possi ser considerada operacional se quisermos fazer win anise de tipo histérico, ¢ isso por varias razdes Essa noglo de exeluséa parece-me, para comegar, ampla demais e, prineipalmente, compésita e artificial. Digo-a eam mais razao porque en mesmo fiz uso dela e, talvez, abuso", De fato, els servin para caracterizat, designar de modo bastante vago 0 estatuto conferido, numa sociedade como 4 nossa, a delinquents, minorias étnicas, religiosas e sexuais, a doentes ‘mentais, a individuos que ficam fora das circuits de produc: mo, enfin a todos aqueles que possam ser eonsiderados anormais ou des- viantes, Nao neredio que essa nogao | ico intl; em dado momento, cla pokle exereer unva fungao eritica iil, visto que se tratava de reverter as nogdes psicolégicas, sociolégicas ou psicossociolégicas que Linham inva: ido 0 campo das ciéneias humanas, tais como as de desvio, inadaptagao © anomalia, cujo contetido psico¥igico ocultava um fimgio bem preci _mascarar as (écnices, 08 provedimentos e os aparatos com os quais a so- ciedade exclufa alguns individuos, para apresenti-los em seguida como anormais, desviantes, Daquele modo, foi importante a fungi de inversao critica da nogio de exclusio em relagio as nogaes psicossocioldgicas de Manuserito (ol. 18) "squcle das operas, das ties, das etatégias pena ©. Mamscrta (ls, 19:20) "Ou sj, nessa antlisew que sora post em einen plane sent as Formas de lta enteo poder polio, falcon exerido numa sociedak, e ayeeles — individuos ov gropes que pracanan exer a este poy, ce v contest local gush ‘mente, que conteriam stardom ss ep.” © texto seguir ado Figura no manusrito, qs, porn, comténs quatro gina denotes (tetris ij, p. 1), referents is consequéreis metodoligias implica por ess ¢8 ‘oa téxia, ber conn os diferentes inipasies do fancionalism sociolipicn, “4 Asoctedede pve funcionamento de determinada estratégia da penalidade: a da reclusie. O que vou (entar mostrar ¢ o jogo, na sociedade do séeulo XIX, entre uma guerra civil permanente e as titicas opostas do poder’ Notas 1. cafes dos socedades segundo seu modo de teal os ores leguete 03 laos histcices, aopalégices ¢argucolégiees da década Ge 1830 4 d8cada de 1960, em espevial a arqucolgia da pristria europeia E possivel remetersenotadamente ao artigo 2. Quato pigs de nts no in do mannserit (ols, 20-28), que no Fram usc du rate 0 crs, ene "0 que std posto em prime plano, portant, std fa coats, ot con, opel poder sso implica, como eansequencia metodalgce ue & precise expurgro ancionalismsocie- Viico, Livers da isio de que a sociedad inte, naigament, rage 30 criné on Aclpaem abscuracancentos =e que essa reas ¢configuradaem eg, leis costumes que definem as pealida- des; de que o poder pe esas penliades em ag, de mancira mais ou menos regular (€ com algunas istrges,abusos ou favoresiments). Expurgar esse funciomatisna€coloear no image da prticapeual no as cages soci, masa as pelo poder. Expurger ess foncionaismo sociolgico™ também & mostrar como cle Format coma, no info do stsulo XIN, corre un curiosissimatrnafréacia de esponsabliade, cm oui temo =a sociedads apareceu como aque que produza o crime (segundo vi cesttisticas les socol6cas); a sociedad aparcozu como agua qu ea erido, lestd,prsuicado pela lafagdo, A sowie prokr seu péio ma,sseita sen pcp ini; ‘sociedad aparezen como aquifo que exip'a do poder o castigo pos ertmes em razBo de grandes ops moras, ssa ransferénin de responsbidle mascarou 0 fata de que o que etavn on guetdo ro crime eat em jogo oa sua repress no era a sviedade, mae © poder, Ea se radu, no nivel da teria penal, pela ieia de que # muir inkeessadn na pongo ¢ «sociedad ede que nicaa deve era fing de protect pa a sciedae (Recor, Rena). ‘Traduzinse, no ael da prt, pela genecalizagio do jr: ro & 0 poder nem os repre- sentntes do poder que devem dizor sa socedade & lesa, mas sin ol mesa ‘Teaduin-se, no nivel da especulagdo, pela constitu de ama socioogia da criennat- dade ou da delinguneie om ep, pln ben dos mecaniszus socinis subjacentes tanto @ crim nate quanto as exigineas de sua repress. Esse mascaramento da olagdea de pods por luis dos mesaniamos soins € un dos Fenn eaactretios da manta como se exert & ose no capital's insti Temeinos, como simbolo deste mascaramente das coms = a ceng én que «mule assiste 3 exceuyia de um culpa: ou sea, xii signes do pode. Ela se apinha em toro do cada pare ver a exposigao ew suplcios a sna em que a execu ecorre na calc da ite, mas mi qual v exereiekw do poser se maycara ports de uma pesquisa de opine. _Do mesmo modo seria passive! mosirar como a passagem do splicio& recs cores ponds essa ransgfo da telco de poder para o meeanisin sata” 0 tos Ala cde3e aivo de 1973 b ‘anatisadores das relagies de poder, ¢ nao como reveladares de uma ideo- Jogi. © sistema penal como anatisador de poser & 0 tema deste curso. er, em segundo lugar, que, se for verdade que o sistema das titicas penais pode ser visto como analisador das relugdes de poder, 0 elemento consideraclo central seréo elemento da lta politica em toro do poder, contra cle. Ai esti todo a jogo de conflitos, de hutas existentes entre © poder tal como exercido numa sociedade e os individuos ou grupos que, de uma maneira ou outa, procuram escapar desse poder, que o contestam Tocal ov globalmente, que contrariam suns orcens e suas regras. Nao que- +0 dizer que considerarci absolufemente equivalentes a delinquéncia con- siderada de direito comum e a delinquéncia politica. Quero dizer que, para fazer a anélise de um sistema penal, 0 que se deve depreender em primeiro lugar é a natureza das Intas que, numa sociedade, se desenrolam. em torno do poder. Portanto, & a nogdo de guerra civil que deve ser posta no cerne de todas essas anilises dos sistemas penais”. A gueria civil, acredito, é uma noco mal etaborada do ponto de vista filos6fico, politico e histérico. Ha para isso algumas razdes. Parece-me que o encobrimento, a negagio da ‘guerra civil, a afirmagdo de que a guerra civil no existe é um dos primei- tos axiomas do exereicio do poder. Esse axioma teve repercussies tedri- cas imensas, pois, se nos dirigirmos a Hobbes ou a Rousseau, seja como for, veremos que a guerra civil munca é considerada algo positive, central, que possa setvir [em si] de ponto de partida para uma anélise, Ou se fala da guerra de todos contra todos como algo que existe antes do pacto so- cial, ¢, naquele momento, jé nao se trata de guerra eivil, mas de guerra natural; ¢, a partir do momento em que hi contrato, @ gucrra civil s6 pode ser o prolongamento monstiuoso da guerra de todos contra todos numa estrutura social que deveria normalmente ser comandada pelo pacto, Ou. entio, 20 contritio, se concebe a guerra civil como nada mais além do efeito, de certo modo retroativo, de uma guerra exterior sobre a cidade, 0 relluxo da guetta para aquém das fronteizas: portanto, alse (em sobre 0 Estado a projegiio monstrunsa da guerra externa, Tanto numa analise como noutra, a guerra civil é 0 acidente, a anomalia, aquilo que se deve evitar justamente por ser a monstruosidade te6rico-pritica Ora, ct gostaria de fazer a andlise considerando, ao contra, que « guerra civil é o estado permanente a partir do qual & possivel ¢ & preciso compreender diversas dessas titicas de Tuta, entre as quais os sistem: Penais sio precisamente um exemplo privilegiado, A guerra civil é a mae wiz de todas as lutas pelo poder, de todas as estratégias do poder e, por ‘conseguinte, também a matriz ce todas as lutas a propdsito do poder e con- tra ele, B a matriz geral que possibilitard compreender a inslauragio ¢ 0 Aula de 2 janeino de 1973, 1s {de Vere Gordon Child, pubticado ern 1945, “Directional Changes in Funerary Practices during 50,000 Years, lan, vel. 45, pp. 13-9, para ober mais dctalessebre as rajetdias cada das sociedad inrmantese das sociedad incinerate ma Europa aha bis" © ":rematio: hist, segondo sua ersinologia). Foucault i izernalsko 8 easifieag dss soeiedades em soviednes insnerantescsocedadesinanantes em Nessonce de a elingue, Pris, PUR, 1963, 170 [trad bes: O nascinento da ctaice, 7, Ro de Janel, Forenso Universiti, 2011 (descrevendo uma yan tansfermasto da cvilzacla como sendo "da mesma orden} dx luansformagio de vin cultura incinerante em ety inven"). Em 1963, e88a reerenein ‘sev para assnalar a amplitude da transforma soil produzida pe invensto ds astonia| patologiea © do olhar méfico no que se refer, por um fad, & maneia como 0s mdiens 8

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