You are on page 1of 85

A Economia Brasileira do Último Quarto de

Século

Daví José Nardy Antunes*

Introdução: As Raízes Estruturais da Crise da


Economia Brasileira

Como o objetivo desta tese é tratar da desigualdade social


brasileira deste último quarto de século, deve-se mostrar um panorama
da economia brasileira no período, que servirá como pano de fundo para
a discussão final. O que se pretende é traçar um cenário do que ocorreu
com a economia brasileira neste último quarto de século. Isto significa
que é preciso primeiro diagnosticar quais eram os seus principais
problemas e como estas questões evoluíram ao longo do tempo.
Dessa forma, a discussão deve começar pela crise da dívida e seu
ajustamento mas isto não significa concordância com o diagnóstico,
muito disseminado, de que suas raízes estão fincadas na crise da dívida
e na forma que o ajustamento a ela assumiu tanto interna como
externamente. Os problemas da economia brasileira são mais profundos
e estão ligados à questão da incapacidade de se montar uma estrutura
empresarial adequada às necessidades do desenvolvimento capitalista
em seu momento histórico específico1. Isto não significa desconsiderar a
importância dos impactos da crise da dívida externa e de seus
desdobramentos mas sim colocá-los numa perspectiva mais apropriada,
em que a própria crise da dívida é vista como manifestação destes
problemas estruturais da acumulação de capital no Brasil.

1
* Professor da FACAMP (Faculdades de Campinas) e Pesquisador do CESIT-
IE/UNICAMP (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho).
A este respeito, ver CARDOSO DE MELLO (1982), introdução.

1
“O capitalismo monopolista de Estado assume no Brasil
características particulares decorrentes da própria
industrialização tardia. De um lado, a estrutura monopolista é
marcada pela existência de um setor produtivo estatal na
indústria de base e pela profundidade do processo de
internacionalização do sistema produtivo, e conseqüentemente
por uma fragilidade congênita do capital monopolista nacional”
(CARDOSO DE MELLO, 1977, p. 16).

Partindo deste ponto de vista, deve-se esmiuçar estes elementos


para se entender a semi-estagnação subseqüente. A articulação
montada no âmbito do nacional-desenvolvimentismo, que ficou
conhecida como o modelo do tripé, funcionou bem para implementar a
indústria pesada no país mas começou a apresentar problemas, que não
eram passíveis de solução sem modificações estruturais importantes. Os
principais problemas eram relacionados com a estrutura de capital das
grandes empresas instaladas no Brasil, nacionais, estatais ou
estrangeiras.

“Copiamos tudo menos o que é essencial: formas de


organização capitalista capazes de assegurar um mínimo de
capacidade autônoma de financiamento e inovação. Nossa
industrialização esteve apoiada sobretudo: 1) na liderança da
empresa multinacional; 2) na grande empresa nacional
produtiva, que tinha um poder financeiro e de inovação frágil e
estava inteiramente desvinculada do sistema bancário nacional,
dedicado, por sua vez, certamente com grande proveito, às
suas funções tradicionais (financiamento de curto prazo às
empresas, crédito ao consumidor, reempréstimo de recursos
externos); 3) na grande empresa estatal situada nos setores de
base (aço, energia, petróleo, telecomunicações)” (CARDOSO DE
MELLO & NOVAIS, 1998, p. 646).

2
Quer dizer que, da forma como estava montada a indústria
brasileira, era premente a necessidade do redirecionamento da
economia para a continuidade do desenvolvimento capitalista. Naquela
quadratura, a questão central era relativa a quem seria capaz de
assumir o papel de carro-chefe da acumulação de capital na economia
brasileira, i.e., que setor seria capaz de comandar a sua reorientação. A
economia brasileira se encontrava numa encruzilhada, pois o modelo de
industrialização implantado, que exigiu uma divisão de tarefas muito
específica e que foi muito bem-sucedido no que se refere à implantação
dos setores pesados, demandava uma reorganização do tripé em que
ela foi baseada. Não era mais possível manter uma estrutura
segmentada em que a centralização do capital está bloqueada para
qualquer uma das pernas do tripé, em que a conglomeração natural e
necessária a uma economia desta etapa do desenvolvimento capitalista
está impossibilitada. Os fatores que não permitem que este
desenvolvimento avance é que são discutidos em seguida.
Dadas as características do capitalismo monopolista em vigor no
mundo desenvolvido desde o início do século XX, e de acordo com
HOBSON (1894(1985)), a acumulação de capital se baseia cada vez mais
no domínio que as empresas conseguem obter sobre os mercados, já
que esta é forma mais adequada para se ampliar a lucratividade e,
dessa forma, a própria acumulação de capital. Isto significa que a
ampliação da empresa para os outros elos da cadeia produtiva vai se
tornando uma necessidade, já que isto aumenta o domínio da empresa
sobre os seus fornecedores e sobre os seus clientes, o que lhe garante
uma maior parcela do excedente disponível2. Em sendo bem-sucedida, a
2
“Os limites reais à concentração do capital e do trabalho em empresas isoladas, à
diferença do que acontece com unidades fabris isoladas, não se devem, em medida
significativa, a considerações de caráter técnico, mas de administração e de mercado.
Por essa razão, uma proporção maior das mentes mais capazes, empenhadas na vida
empresarial, direciona-se para a experimentação e para a descoberta de métodos
administrativos, inclusive organização empresarial e finanças, com o duplo propósito
de realizar grandes economias de custo da oferta e, assim, monopolizar ou controlar
mercados, a fim de impedir que os ganhos passem para o consumidor, em virtude da
concorrência entre os produtores” (HOBSON, 1894, 1985, p. 106).

3
empresa acaba por criar limites à sua própria expansão na sua cadeia
produtiva, já que a continuidade da expansão dentro do próprio setor
poderia levar a uma queda da lucratividade do mesmo.

“Qualquer forma de capital ‘trustificado’ conduz


necessariamente a uma concentração de capital financeiro que
não pode ser reinvestido dentro da própria indústria
trustificada. Deve expandir-se para fora. Os novos lucros têm
que ser transformados em capital financeiro geral e dirigidos
para a formação e financiamento de outras grandes empresas.
(...) A expansão contínua dos lucros excedentes obriga a busca
de mercados externos, tanto para as mercadorias quanto para
os investimentos diretos e exportação ‘financeira’ de capital”
(TAVARES, 1985, p. XVIII).

Dessa forma, esta conglomeração, ao ser exitosa, tende a se


espraiar para os outros setores da economia assim como para outros
países, já que a fronteira para a utilização do crescente excedente
financeiro está fechada no ramo específico de sua atividade. Esta
internacionalização também se torna uma defesa fundamental da
empresa frente à conjuntura macroeconômica, já que ela pode operar
com receitas em moeda estrangeira e dessa maneira se defender de
movimentos conjunturais através de operações internas a ela, seja
através do comércio exterior, seja através do câmbio. Este movimento
se impõe através da concorrência3, que impõe as determinações
internas da valorização do valor como leis externas das quais não se
pode fugir, sob a pena da exclusão do mercado.
O resultado deste processo é, via de regra, o surgimento de
grandes empresas com enorme potencial financeiro e capazes de
suprirem suas próprias necessidades tecnológicas, o que é em muitos
3
“A concorrência não desaparece mas se amplia com a produção em grande escala.
Mais do que isso, os novos métodos de produção à escala ampliam o espaço e o tempo
do mercado” (TAVARES, 1985, p. XII).

4
sentidos dependente desta capacidade financeira4, que permite às
grandes empresas um capacidade de gasto crescente em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D). É importante lembrar que este
desenvolvimento financeiro não pode se desgarrar de sua base real de
acumulação industrial: este avanço financeiro sobre outros setores é
realizado sempre com os excedentes financeiros, que permitem uma
expansão segura ao não colocar em risco a fonte dos próprios
excedentes.
Dentro desta perspectiva, a articulação do tripé colocou bloqueios
à centralização do capital, que se expressaram na pífia conglomeração
das empresas, fundamental para o desenvolvimento capitalista pleno e
para a sua continuidade. Estes bloqueios eram relativos
fundamentalmente ao papel de cada uma das partes no processo de
industrialização, o que, no caso das empresas de capital estrangeiro, se
refletia na incapacidade, do ponto de vista da economia brasileira, de as
empresas se conglomerarem e de se expandirem de acordo com as
exigências do desenvolvimento capitalista nacional.
Não que elas não conseguissem realizar este processo de
conglomeração; o problema, para o desenvolvimento capitalista
nacional, é que este movimento ocorria fora do país. Inclusive, a
estratégia de participação das empresas estrangeiras na economia
brasileira pode ser vista como fruto deste movimento de
transbordamento da acumulação de capital, o que não quer dizer que
tais filiais não possam ser altamente lucrativas e que as mesmas não
realizem vultosos investimentos5. Mas sim que os ganhos advindos da
internacionalização e da conglomeração se restringem às matrizes das

4
O excedente financeiro em questão também pode ser transferido pelas empresas
aos bancos, que se tornam responsáveis pela canalização deste excedente para a
continuidade do processo de conglomeração, ou pode ser utilizado em operações
especulativas por parte das próprias empresas.
5
“A penetração de algumas economias latino-americanas como espaços de
acumulação por frações do capital estrangeiro ocorre antes que a industrialização seja
o movimento central de nosso desenvolvimento” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA &
DAIN, 1982/3, 1998, p. 253).

5
empresas já que as filiais são, na verdade, parte desta estratégia de
conglomeração encabeçada pela sede da empresa, que se expande
fundamentalmente no país de origem, centro de seus interesses mais
profundos e fonte de sua dinâmica cíclica6.
Assim, tais empresas não buscam uma estratégia de
conglomeração agressiva, que lhes permita assumir o papel de
protagonista da acumulação de capital no Brasil: este papel já é
desempenhado no seu país de origem. “A filial, como fração de um bloco
de capital externo, é um instrumento da estratégia de valorização do
bloco como um todo. A penetração é a expressão de um desdobramento
específico da competição intercapitalista. Como fração disporá, para sua
valorização no espaço nacional periférico, dos atributos à disposição do
bloco e procurará cumprir as orientações empresariais que emanem de
seus sistemas de decisão. Mas, como capital que se valoriza em um
espaço nacional, terá sua lógica macrodeterminada pelo dinamismo da
economia capitalista em que penetrou” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA &
DAIN, 1982/3, 1998, p. 253). Além disso, em momentos de crise as filiais
servem de colchão de amortecimento das matrizes, através das
operações cambiais e de comércio exterior.
Com relação às empresas privadas de capital nacional, a
problemática é de outra natureza, relativa à estrutura do capital destas
empresas e motivada por fatores de ordem política e social. As
empresas, nunca grandes empresas monopolistas mas quase sempre
familiares, possuem vícios de origem extremamente perniciosos pois ao
serem oriundas da estrutura exportadora colonial e de seus
desdobramentos, estas empresas são marcadas por uma visão estreita
em que, ao não se expor ao risco de ser tomada por seus concorrentes

6
“Finalmente cabe assinalar a importância crucial e habitualmente desconsiderada
da relativa fragmentação de interesses das ET (empresas transnacionais), que provêm
de países distintos, atuam em setores industriais diferentes, obedecem a uma
dinâmica de acumulação diferente e não reagem da mesma forma às conjunturas
econômicas favoráveis ou adversas ou a controles e limitações impostos pela política
econômica governamental” (SERRA, 1982/3, 1998, p. 85).

6
já que a propriedade é familiar e ela não está suscetível a tomadas
ainda que hostis, ela também tem a porteira fechada para a
centralização do capital. Ademais, o pacto montado para a formação do
tripé, estabelece uma divisão de esferas de competência em que as
tarefas principais da industrialização cabem ao Estado e à empresa
estrangeira, sendo reservado espaço diminuto dentro da esfera
industrial para o desenvolvimento do capital nacional.
Não que este espaço seja insuficiente para que os capitais
nacionais se valorizem mas é que as suas órbitas de valorização são
grosso modo não-industriais, pouco propícias à criação de um capital
financeiro que tenha pretensões monopolistas. “O Plano de Metas de
Juscelino (...) objetivava implantar no Brasil os setores industriais mais
avançados (...) ou levar adiante indústrias estratégicas, como a do aço,
a do petróleo e a da energia elétrica. A entrada nessas indústrias, que
exigiam um volume de capital inicial verdadeiramente extraordinário e o
domínio de uma tecnologia extremamente complexa, só estava aberta à
grande empresa multinacional ou à grande empresa estatal” (CARDOSO
DE MELLO & NOVAIS, 1998, p. 590).
O capital industrial nacional tinha áreas muito bem delimitadas de
atuação, como o setor de autopeças e a construção civil, compatíveis
com o seu tamanho no momento de implantação da indústria pesada. Já
os capitais estabelecidos na esfera financeira eram incapazes de
fazerem este movimento ao serem excessivamente ligados à esfera
mercantil, sua origem, e alicerçados em ganhos de curto prazo. Ainda
assim, os capitais nacionais fracionados possuem altos ganhos ligados à
“(...) permissividade com os movimentos especulativos, a obliqüidade
patrimonialista, a hipervalorização dos prédios urbanos e rurais, as
inflações seculares, etc. (...) Os capitais nacionais tendem a obter
massas de lucros que ultrapassam sistematicamente as oportunidades
de valorização de suas órbitas” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA & DAIN,
1982/3, 1998, pp. 260-261).

7
A disputa fratricida entre os diversos capitais, que faz parte do
jogo normal de uma economia capitalista e que leva à centralização do
capital é bloqueada: como aqui ela é impedida pois uma empresa não
pode comprar a concorrente, o desenvolvimento capitalista está
bloqueado no que depender do papel das empresas privadas nacionais,
que nunca se tornarão grandes empresas monopolistas. Elas nunca
alçarão vôos mais elevados pois não conseguem acompanhar os
requisitos de tamanho do capital demandados por esta etapa do
desenvolvimento capitalista; dado o bloqueio ao processo de
centralização do capital, sabidamente mais violento e eficiente, a
alternativa que resta às empresas é o processo de concentração do
capital, que é baseado na reinversão do excedente obtido no próprio
empreendimento, o que faz com que os requisitos mínimos de porte do
capital se tornem cada vez mais distantes7.
Nesse sentido, é exemplar o caso da instalação da CSN
(Companhia Siderúrgica Nacional) no primeiro Governo Vargas, em que
nenhum empresário nacional fica com a companhia, a despeito do
interesse governamental na privatização da mesma8, dado o consenso
de que se alguém dominasse a empresa, se tornaria muito mais forte
que o restante do empresariado e romperia o pacto de dominação,
centralizando o capital9. Quer dizer, há uma forte resistência política e
7
Novamente, não é demais lembrar que os capitais nacionais, “pela peculiar
constituição de nosso capitalismo, obtém do político uma fração substancial do
excedente geral do sistema” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA & DAIN, 1982/3, 1998, p.
261).
8
“Volta Redonda was, finally, a major victory for Getúlio Vargas and the politics of
conciliation. (…) Ultimately, however, the decision to conciliate as many interests as
possible was made by Vargas. Luis Simões Lopes, the former civil service chief,
observed that Vargas was a nationalist who did not believe in State ownership for its
own sake. In fact, the President would have preferred a private steel solution” (WIRTH,
1970, pp. 127-128).
9
“A participação direta das empresas estatais não foi apenas um substituto da
fragilidade financeira da burguesia local no que tange à capacidade de realizar per se
os investimentos pesados – foi também um substituto da ‘não-escolha’ (no sentido de
ser um tema pouco presente na agenda do executivo) de ‘campeões industriais’ para
liderar os investimentos pesados. E isto não porque todas as frações burguesas e
regionais fossem fracas, mas porque muitas eram politicamente fortes demais (senão
para conduzir certas, pelo menos para torná-las fora de cogitação)” (ZAHLUTH BASTOS,
2001, p. 223).

8
social por parte da elite dominante em relação ao funcionamento livre
do capitalismo e de sua conseqüente monopolização, o que impõe uma
barreira aparentemente intransponível à liderança deste setor no
desenvolvimento capitalista brasileiro. Ainda mais se se percebe que o
setor industrial convive com interesses contraditórios do setor financeiro
e do setor exportador, nem sempre afinados com os interesses da
grande empresa nacional, ambos com dinâmicas muito diferenciadas da
industrial.
Em contraposição à situação brasileira em que havia esta série de
interesses a bloquear o processo de centralização do capital, é
importante olhar para o caso da Coréia do Sul onde não havia bloqueios
a este processo, que foi liderado pelo Estado. "In 1961, however, the
field was clear for the assumption of state power. The landed nobility
had been destroyed; the peasantry was less rebellious as a result of a
land reform; and the 'captains of industry' were beholden to the state for
their regeneration. Only workers and students remained as opponents to
military rule. Industrial workers, however, were still only a small portion
of the population. As for the students, their role in an industrialization
based on learning became pivotal. The Hangul generation, the first
generation of students since the nineteenth century to escape education
under the Japanese, came off the streets and into the modern factories
of the 1970s as managers" (p. 52).
Cabe, portanto, analisar a possibilidade de a empresa estatal
assumir a proeminência da acumulação de capital como na Coréia do
Sul, até porque a sua participação no processo de desenvolvimento é
absolutamente essencial e aparenta não padecer de problemas similares
aos apontados no setor privado nacional e estrangeiro. Não pode se
esquecer que a industrialização não é um processo espontâneo, mas sim
o resultado de uma ação efetiva e de um esforço maiúsculo do Estado
brasileiro, dado que o Brasil é um late-late-comer – entra no processo de

9
industrialização quando as bases técnicas e financeiras já estão
bastante desenvolvidas e complexas.
Se, para um país de industrialização atrasada, já era fundamental
a participação do Estado, no caso brasileiro, de industrialização tardia,
se exige ainda maiores tarefas (SERRA, 1982/3, 1998, p. 82). O
problema é que o Estado tem uma liderança ambígua, no sentido de que
ele é quem comanda as principais decisões de investimento desta
economia, abrindo espaço para que o investimento privado venha a
reboque do seu movimento – reduzindo o risco do investimento privado,
que de outra maneira seria insuportável – ao mesmo tempo em que
possui um papel absolutamente passivo na acumulação de capital, que
se concentra nas mãos da grande empresa estrangeira – que, como já
foi supracitado, não tem interesse em liderar este processo de expansão
capitalista em território estrangeiro.
Em termos da situação histórica em questão, a tentativa do Estado
de se colocar como o líder do processo de expansão com o II PND (Plano
Nacional de Desenvolvimento) cumprindo o papel da grande empresa
conglomerada do capitalismo monopolista, era inexeqüível. Há várias
razões para isso, algumas de caráter mais estrutural e outras de origens
mais conjunturais. O período imediatamente anterior, o Milagre
Econômico, reforçou o poder dos grupos que já eram dominantes
anteriormente, ou seja, o dos setores de bens de consumo duráveis
(BCD) dominados amplamente pelo capital estrangeiro.
Dessa maneira, era necessária uma modificação radical na
economia no sentido de que os privilégios no acesso ao crédito, por
exemplo, teriam que ser voltados para a expansão da grande empresa
estatal, em detrimento do financiamento aos bens de consumo duráveis,
pois o centro da expansão passaria a ser a empresa estatal não mais a
empresa estrangeira. “(...) Recursos reais financeiros da economia
deveriam ser desviados de suas antigas alocações, para tornar possível
a esse novo personagem, a esse novo conjunto de personagens, realizar

10
as metas propostas. Essa reassignação, a nível real e a nível financeiro,
exigiria, por conseguinte, que, em paralelo à declaração em pról de
novas prioridades, medidas que comprimissem, que contivessem, que
freassem a expansão dos anteriores setores prioritários” (MACHADO
RIBEIRO DE LESSA, 1977, p. 54).
A própria política das empresas estatais teria que ser modificada,
já que elas fundamentalmente forneciam subsídios às empresas
privadas, nacionais e estrangeiras. Esta foi uma política deliberada de
incentivo aos ganhos privados mas que, dada a problemática
apresentada, eram antagônicos aos interesses do desenvolvimento
capitalista nacional ao impedirem a formação da grande empresa
monopolista privada ou estatal10. O fornecimento de toda a gama de
subsídios às outras pernas do tripé foi danoso pois transferia volumosos
excedentes para setores da economia que eram incapazes de liderar a
reprodução do capital em escala ampliada, o que acabou sendo inócuo
em termos da continuidade do desenvolvimento capitalista.
Se tais subsídios ampliassem a capacidade de geração de
excedentes por partes das empresas que estivessem liderando o
processo, isto seria mais que justificável. Mas como o necessário era que
a grande empresa estatal comandasse a acumulação de capital, este
quadro precisava ser revertido, o que traria ainda mais
descontentamento aos setores relegados a segundo plano, que seriam
achatados por este movimento. “(...) O chamado setor produtivo estatal
não possui autonomia financeira suficiente para saltar à frente e liderar
a expansão futura. Isto porque, desde logo, não há nenhuma articulação
orgânica entre as várias empresas públicas que atuam como oligopólios

10
“Compete ao Estado, dentro de um país como o nosso, realizar os investimentos de
base, dar sentido ao processo de acumulação, centralizar os capitais, alterar a
estrutura de preços e custos de modo a elevar a taxa de rentabilidade das empresas,
garantir demanda às empresas, etc.etc. Em outras palavras, ‘alimentar a vaca’.
Compete à empresa privada se situar (...) nas atividades lucrativas, etc. Qual é o bônus
adicional? Para a empresa, ela o tem, e o ônus adicional do Estado é receber o epíteto
de incompetente, etc. (...) O problema não é tanto o peso do Estado na Economia, mas
saber quem se beneficia desse peso” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA, 1977, pp. 70-71).

11
isolados, de modo que não há a possibilidade de uma gestão conjunta
de recursos que permitisse a centralização do capital e sua canalização
para novos investimentos” (CARDOSO DE MELLO & MELLO BELLUZZO,
1982/3, 1998, p. 182).
Sem falar no fato que o redirecionamento da economia também
supunha uma transformação radical do espaço geográfico brasileiro, na
direção uma maior desconcentração espacial, em detrimento do Estado
de São Paulo, a locomotiva do processo até então (MACHADO RIBEIRO
DE LESSA, 1977, p. 60). Em meio a isso, ainda há que se considerar o
apelo ideológico contrário à estatização, sempre mal-vista nas elites
brasileiras, e as contradições entre a política econômica restritiva de
combate à inflação e o II PND, que se baseava num ambicioso plano de
investimentos estatais. Além destes problemas, o que fica claro é que a
economia brasileira precisava de uma grande modificação estrutural que
não podia ser realizada por um Estado ditatorial dominado pelos
interesses econômicos privados que precisavam ser postos de lado. E
mesmo no setor privado, não havia concordância:

“(...) em torno de cada projeto definido pelo Estado, há


que se compor interesses específicos das empresas de cada
segmento. Ocorre que nenhum dos interesses é capaz de se
impor, viabilizando o objetivo fixado pelo Estado. Nestas
circunstâncias, o Estado se vê dardejado por uma onda de
solicitações contraditórias que é incapaz de atender e conciliar”
(CARDOSO DE MELLO, 1977, p. 16).

Visto desta maneira, o desenvolvimento capitalista no Brasil


possuía entraves severos11, o que resultou numa tentativa de continuar
com o crescimento econômico baseado numa estrutura claramente
inadequada para o mesmo e que, posta a impossibilidade de algum
11
“Falaríamos de uma equi-impotência em termos de monopolização como um
detalhe específico da América Latina” (MACHADO RIBEIRO DE LESSA & DAIN, 1982/3,
1998, p. 259).

12
interesse se impor sobre os outros, levou mais adiante a uma saída
liberal em que a solução da questão ficou a cargo do mercado. A
gravidade destes problemas se apresenta de uma maneira ainda mais
gritante na ausência do financiamento do investimento, fundamental
para a continuidade da acumulação de capital. Esta falha na estrutura
da organização capitalista decorrente dos problemas supracitados levou
a economia brasileira a um impasse no momento anterior ao Milagre
Econômico: sem solução para este problema, a estagnação parecia o
cenário mais provável. Dadas as condições supracitadas, as fontes de
financiamento para a acumulação de capital eram restritas pois é a
própria geração de excedente financeiro por parte das empresas que
provê fundos para novos investimentos o que, no caso brasileiro, era
restringido pela impossibilidade da centralização do capital.
Uma alternativa possível talvez fosse o sistema bancário brasileiro,
mas ele sempre foi muito vinculado às atividades mercantis e não tinha
força suficiente nem interesse em fornecer fundos para tal empreitada.
O mercado de capitais criado pelas reformas financeiras realizadas no
âmbito do PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo) se mostrou
incipiente, dada a baixa liquidez das ações e o conseqüente alto custo
do capital – o que, na verdade, apenas revelava outra faceta do
problema da estrutura familiar das empresas: grande parte das
empresas não tinha ações negociadas em bolsa, o que reduzia a liquidez
do mercado como um todo; e mesmo as empresas que possuíam ações
em bolsa, não colocavam o controle da empresa em jogo, o que retirava
boa parte da atratividade deste mercado12.
Frente a estas impossibilidades todas, a única saída disponível que
não se confrontava com nenhum interesse importante estabelecido
naquele momento foi a tomada de créditos no exultante euromercado.
Este mercado de dólares possuía uma enorme liquidez em conjunto com
12
A este respeito ver DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ (1994), apesar de o autor não
considerar adequadamente a importância da questão da centralização do capital
bloqueada no Brasil.

13
prazos e taxas de juros extremamente atraentes13. Dessa maneira, a
opção pelo endividamento externo em euromoedas se torna insopitável:
o financiamento da acumulação de capital era barato e farto vis-à-vis
uma absoluta penúria no que se refere às possíveis fontes de
financiamento internas. Este processo de endividamento externo,
portanto, surgiu como conseqüência destes problemas expostos e, ao se
tornar uma panacéia, introduziu mais um complicador à já delicada
situação existente: ao se tornar descontrolado, o endividamento externo
levou o país à bancarrota14.
Dessa forma, fica patente que os problemas de fundo da economia
brasileira são muito maiores que os relativos ao endividamento externo
e suas danosas conseqüências: os últimos 25 anos são marcados
violentamente pela crise da dívida, mas o problema já claro e premente
do modelo econômico ficou posto de lado. Feitas estas considerações da
mais alta importância, pode-se descer a uma análise mais factual para
se vislumbrar o movimento da economia do período. Tal movimento foi
muito influenciado pela dinâmica dos fluxos de capitais, já que eles
influenciaram decisivamente no quão estrangulada deveria ficar a
economia brasileira ao longo dos últimos vinte e cinco anos.

Tabela 1: Taxa de Crescimento Econômico do Brasil, Porcentagem


do PIB
Ano Taxa de Crescimento do PIB %
Média Histórica (1948-1981) 7,1
1982 0,8
1983 -2,9
1984 5,4
1985 7,8
1986 7,5
1987 3,5
1988 -0,1
1989 3,2
1990 -4,3

13
PÁDUA LIMA (1985) debate a questão da formação e expansão do euromercado.
14
A discussão do processo de endividamento externo é realizada DAVIDOFF DAS
CHAGAS CRUZ (1984(1999)), especialmente nos capítulos 1 e 2.

14
1991 1,0
1992 -0,5
1993 4,9
Média do Período de Ajustamento 2,2
(1982-1993)
1994 5,9
1995 4,2
1996 2,7
1997 3,3
1998 0,1
Média do Novo Ciclo de Endividamento 3,2
(1994-1998)
1999 0,8
2000 4,4
2001 1,3
2002 1,9
2003 0,5
2004 4,9
2005 2,3
Média do Novo Período de Ajustamento 2,3
(1999-2004)
Fonte: IBGE.

Não que eles, em algum momento, possibilitassem a volta aos


patamares anteriores de crescimento econômico mas o problema é que
a economia brasileira se tornou refém do endividamento externo e de
seus custosos serviços; toda vez que os fluxos de capital se tornaram
disponíveis, o país voltou a se endividar, conseguindo taxas de
crescimento pouco mais significativas apenas momentaneamente, dado
que o novo ciclo de endividamento e a redução da liquidez internacional,
via de regra, levaram a economia a ficar numa condição ainda pior. Este
movimento é visível nas taxas de crescimento econômico do país: a
média do novo período de ajustamento (2,3% ao ano) é tão medíocre
quanto a do primeiro período de ajustamento (2,2% ao ano); assim como
a taxa de crescimento do último ciclo de endividamento (3,2% ao ano), é
inferior à média histórica do pós-guerra até a crise da dívida (7,1% ao
ano), o que pode ser visto na tabela 1.

15
A Crise da Dívida Externa e a Primeira Metade da
Década de 80

Com um endividamento externo de volume cada vez mais


esmagador, dado o seu rápido crescimento, o país se tornou presa fácil
de um ajustamento extremamente penoso e unilateral, quando da
eclosão da crise da dívida externa após a moratória técnica do México
em 1982. A situação se mostrava muito complicada pois, desde meados
dos anos 1970, já se configurava como um endividamento Ponzi15. Com
a ruptura no financiamento externo, dado o credit crunch decorrente da
moratória mexicana, a necessidade do ajustamento externo se fez
presente, ainda que a política econômica brasileira já tivesse se
modificado na direção do ajustamento16 que viria com o acordo com FMI
(Fundo Monetário Internacional), exigência dos bancos credores
realizada em conjunto com o corte de crédito – estes passaram a agir
em cartel o qual, no caso do Brasil, tinha como responsável o Citibank17.
O problema é que só se procura o FMI quando se tem problemas
de balanço de pagamentos, dada a dureza das políticas de ajuste do
Fundo, conhecidas por levar os países a recessões profundas, mas ele se
apresentava como a única saída para se manter os pagamentos de
juros, sem o tão necessário financiamento externo – condicionado agora
ao entendimento prévio com o Fundo Monetário. Diga-se de passagem,
o problema se tornava ainda maior dada a miopia com a qual o FMI

15
Charles K. Ponzi foi um famoso estelionatário, de origem ítalo-americana, que
conseguiu juntar aproximadamente US$ 10 milhões de dólares na Boston dos anos 20,
prometendo, aos investidores em seus títulos, pagar via uma tramóia com taxas de
câmbio e selos postais 50% de juros, após 45 dias. Ele pagava os títulos vencidos com
o que ele arrecadava com os novos títulos colocados no mercado, i.e., ele pagava
dívidas com dívidas ainda maiores. Ele morreu pobre no Brasil, em idos de 1940.
16
Do final de 80 até 82, o país passou por um ajuste voluntário do Balanço de
Pagamentos.
17
Os bancos credores, se o governo fizesse o acordo com o Fundo e implementasse
as políticas “sugeridas”, emprestariam algum montante de recursos, de forma
conjunta, cartelizada. No caso do Brasil, ofertariam o suficiente para termos um
superávit na Conta de Capitais.

16
enxerga os problemas de Balanço de Pagamentos: o diagnóstico é de
que se um país tem um problema deste tipo, é porque ele tem um
excesso de absorção, isto é, vive além de seus meios ao absorver mais
recursos do que dispõe18.
Logo, a solução é a redução do déficit externo, que permite que os
juros sejam saldados, mas isso passa por uma redução da demanda
interna. A miopia deste diagnóstico é patente pois com uma recessão
podem cair as exportações e a atividade interna, só piorando o déficit do
Balanço de Pagamentos, num contexto em que a demanda agregada
está menor (BACHA, 1983, p. 117). Mas na verdade, a questão da miopia
era apenas uma justificativa para a implantação dos verdadeiros
interesses do Fundo, que passavam por uma reversão da balança
comercial, com o único objetivo de facilitar o recebimento dos
pagamentos dos juros por parte dos bancos estado-unidenses. Bom, se
esse era o objetivo, contrações da demanda interna sempre
correspondem a uma melhora rápida da Balança Comercial, o que
significa que a decisão foi acertada, pelo menos do ponto de vista dos
credores19.
Portanto, a orientação geral do ajuste era muito clara: déficit zero no
Balanço de Pagamentos, o que implicava uma Balança Comercial
sensivelmente superavitária. Esta, desde logo, nunca foi uma questão
consensual dentro do país já que a oposição ao regime militar no Brasil
18
A visão do FMI sobre os problemas de endividamento do Terceiro Mundo é baseada
no ajuste monetário do balanço de pagamentos. Segundo este enfoque ortodoxo,
desenvolvido por J. J. Polak nos idos de cinqüenta dentro do próprio FMI, um
desequilíbrio de balanço de pagamentos é um fenômeno monetário gerado por a
economia se encontrar além do pleno emprego. Sendo válidos os pressupostos dos
saldos reais constantes e da demanda por moeda como função exclusiva da renda, os
agentes com mais encaixes passam a gastar seus novos recursos. Como a oferta
interna não pode crescer e o preço é dado internacionalmente, também por suposição,
eles passam a demandar mais ativos e bens do exterior. Portanto, o problema do país é
que sua absorção de recursos está acima das suas possibilidades e a saída é fazer
políticas restritivas para reduzir a demanda agregada (BACHA, 1983).
19
O professor Barros de Castro diria que o grande saldo comercial dos anos 80 foi
fruto dos investimentos do II PND, que permitiram o crescimento com o pagamento da
dívida externa, via geração de saldos comerciais (BARROS DE CASTRO & PIRES DE
SOUZA, 1985). Esta discussão não faz parte do escopo deste trabalho e foi
devidamente refutada em MEDEIROS CARNEIRO (1991).

17
era favorável a uma interrupção ativa dos pagamentos, sendo a
moratória um instrumento de ação política para provocar a renegociação
com os bancos em novas bases (BARROS DE CASTRO & PIRES DE
SOUZA, 1988, p. 94). Afinal de contas, a culpa mais imediata da crise
era da ação unilateral da política monetária estado-unidense. Mas como
o poder ainda estava nas mãos do governo autoritário, foi iniciado o
programa do FMI, que ficou conhecido pela programação ao contrário do
setor externo.

Dado que os bancos definiam o quanto podiam emprestar para países


que cumpriam os acordos realizados com o Fundo, eles acabavam por
determinar também o montante do déficit em transações correntes
possível. Como o déficit em serviços possui certa estabilidade e é
praticamente irredutível, dado os pagamentos de juros, ficava clara qual
era a necessidade do saldo comercial a ser obtido. Como as exportações
podem ser incentivadas mas em última estância são uma venda, não
dependendo de uma decisão soberana do país mas sim das decisões dos
compradores externos, o governo brasileiro deveria apertar a economia
de modo a reduzir as importações no montante equivalente ao déficit da
conta de serviços. E como as importações eram fortemente vinculadas
ao crescimento econômico, ainda mais se se leva em conta a
importância do petróleo no total das mesmas20, eram os grandes bancos
internacionais liderados pelo Citibank que definiam o tamanho da
recessão brasileira.

Diante do sucesso do ajustamento em termos externos, ficava ainda


mais claro que o objetivo do FMI era garantir os fluxos dos serviços da
dívida externa. Todavia, este sucesso estava ancorado em graves
assimetrias que levaram a economia brasileira a um impasse profundo:
em que pese os saldos comerciais enormes, que atingem quase US$ 20
bilhões em 1988 (gráfico 1), a taxa de crescimento econômico se
20
“(...) Quando ocorreu o segundo choque do petróleo (1979-81) o Brasil ainda
importava 87% do que consumia deste insumo energético” (BAER, 1993, p. 73).

18
reduziu fortemente (de 8,84% ao ano nos anos 70 para 1,96% na
primeira metade dos anos 80 – gráfico 2), a taxa de inflação passou a
ser descontrolada (gráfico 3) e o desemprego aberto surgiu como um
novo problema, entre tantos outros da primeira Década Perdida. A
diferença de custo do ajuste externo entre credores e devedores ficou
conhecida como a assimetria externa do processo de ajustamento, dado
que o resultado foi muito desigual, quando se compara o que aconteceu
com os credores vis-à-vis o Brasil.

Nesse sentido, o país arcou com o custo de um ajuste resultante da


desordem econômica internacional, marcada pelo crescimento explosivo
do euromercado, mas as políticas corretivas só implicaram sacrifícios
por parte do Brasil. É claro que, como foi apontado no item anterior,
existiam raízes estruturais complexas que inviabilizavam a formação de
mecanismos de financiamento da acumulação de capital no país, o que
empurrava os agentes internos na direção do endividamento externo.
Mas o que se deseja mostrar é que a crise da dívida não é conseqüência
apenas destes problemas, mas também uma conseqüência dos
desajustes e da crise latente decorrente do fim do acordo de Bretton
Woods.

Gráfico 1: Balança Comercial do Brasil, US$ milhões

19
20
Gráfico 2: Taxa de Crescimento do Brasil, Porcentagem do PIB

90 90
19
19
89 19
89
19
88 88
19 19
87 87
19 19
86 86
19 19
85 85
19 19
84
19 84
19
83
19 83
19
82
19 82
19
81
19 81
80 19
19 80
79 19
19
79
78 19
19
78
77 19
19
76 77
19
19
75 19
76
19
74 75

Fonte: Banco Central do Brasil.


19 19
73 74
19 19
72 73
19 19
71 72
19 19
70
19 71
19
70

0
5000

-5000
25000

20000

15000

10000

-10000
19

-5
15

10

-10
Fonte: IBGE.

Gráfico 3: Inflação do Brasil, IGP-DI, Porcentagem Anual

2000
1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
70
71
72
73
74
75
76
77
78
79
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
Fonte: FGV, Conjuntura Econômica.

Não pode se esquecer que os bancos internacionais estabelecidos


na Europa, ao operar com moedas estrangeiras, estavam livres da
regulamentação imposta tanto pelos bancos centrais dos seus países de
origem como dos bancos centrais dos países em que eles estavam
efetivamente instalados, o que lhes abria possibilidades de expandir o
crédito a seu bel prazer – uma operação de risco elevado mas que trazia
compensações extraordinárias21. Ao longo de toda a década de 70, eles
fizeram políticas absolutamente inconseqüentes de expansão do crédito,
já que a concentração dos empréstimos a poucos países se tornava
crescente, comprometendo fortemente o patrimônio dos mesmos frente
a poucos agentes, ainda que isso fosse compensado com o aumento dos
spreads22.
21
PÁDUA LIMA (1985) analisa a expansão do crédito sem regulamentação, a
formação da taxa de juros, prazos e outros detalhes das operações altamente
lucrativas dos bancos participantes. Ver, principalmente, o capítulo 4.
22
Esta política era totalmente contrária aos princípios do risco crescente e da boa
gestão bancária. Ver PORTELA FILHO (1988), capítulo 1 e também NOGUEIRA BATISTA
JR. (1983), parte I.

21
Portanto, a culpa pela situação não é apenas dos mal-resolvidos
problemas estruturais da economia brasileira, mas também dos bancos
emprestadores, sem falar no fato de que os Bancos Centrais envolvidos
na regulamentação dos mercados em que tais bancos atuavam não
fizeram nada frente à clara ampliação dos riscos. Contudo, no momento
em que ocorreu a crise, os bancos se defenderam através do governo
estado-unidense e do FMI, o que significou o repasse de todo o ônus
para os devedores23. Não houve redução do montante do
endividamento, não houve redução da taxa de juros 24, não houve
ampliação dos prazos de pagamento, não houve políticas expansivas
deliberadas por parte dos países credores que visassem à absorção das
exportações brasileiras, não houve uma mínima margem de manobra e
de tempo para que se realizasse este ajuste draconiano25.
Quando se observa o que ocorreu dentro da economia brasileira,
percebe-se que houve uma segunda assimetria neste processo de
ajustamento já que os grandes grupos privados passaram
absolutamente ilesos por ele, sendo alguns até muito beneficiados,
enquanto o setor público sofreu as mais graves conseqüências. Essa
discussão remete necessariamente ao processo de estatização da dívida
externa pois como já foi demonstrado anteriormente, a inexistência de
financiamento ao investimento, determinada pelo desenvolvimento
capitalista deformado pela impossibilidade da centralização de capital
dentro do país, impôs o caminho – aparentemente fácil e sem riscos – do
endividamento externo às empresas privadas, principalmente
estrangeiras, no período do Milagre Econômico.

23
Sobre o processo de renegociação dos débitos externos, ver BAER (1993), capítulo
2.
24
As taxas de juros eram baseadas no sistema conhecido como roll-over, no qual
eram flutuantes já que acompanhavam as variações da Libor (taxa de juros básica do
mercado londrino, London Interbank Offer Rate) ou da Prime Rate (taxa básica dos
Estados Unidos), o que impunha a sua repactuação a cada 3 ou 6 meses. Quer dizer,
quando o Federal Reserve eleva bruscamente as suas taxas de juros, o serviço da
dívida externa aumenta abruptamente.
25
Ver PORTELA FILHO (1988) para uma análise mais detalhada do assunto, capítulos
1 e 2.

22
Desta feita, o estoque de passivos com o exterior que começou a
se formar no final da década de 60 era majoritariamente privado, porém
chegou aos anos 80 quase que todo estatizado. A primeira fase deste
processo de estatização ocorreu com a implantação do II PND pois o
esforço do Estado Brasileiro para reorientar a economia brasileira pôde
não ter obtido o sucesso almejado mas demandou um elevado volume
de investimento enquanto durou. Isto significa que os pagamentos de
juros realizados pelas empresas privadas foram financiados pela nova
dívida externa obtida pelas empresas estatais que estavam realizando
os investimentos referentes ao II PND, ocorrendo um crescimento da
participação relativa do Estado nesse estoque – a estatização da dívida
via fluxo26.
Uma segunda fase ficou marcada pela transferência de
titularidade da dívida externa contraída pelo setor privado, em que a
dívida terminou inteiramente absorvida pelo Estado. Com a criação de
mecanismos de incentivo à captação externa, notadamente a Instrução
nº. 432 e a Circular nº. 230, abriu-se a possibilidade de, em um
momento de crise, se transferir a dívida em dólares para o Banco
Central do Brasil, mediante o pagamento da mesma em cruzeiros27. O
BACEN se tornava então o responsável pelos pagamentos de juros e do
principal, ainda que a empresa pudesse em tese retirar esse depósito no
futuro.
Só que o problema externo em que a economia brasileira estava
envolvida levou o então ministro da Fazenda Delfim Netto a realizar uma
maxidesvalorização cambial, com o intuito de melhorar a posição do

26
DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ (1995), item III.
27
Tais mecanismos tinham o objetivo de incentivar a captação de recursos externos,
ao transferir o risco cambial para o Estado, num momento em que a sua necessidade
era premente para a manutenção do fluxo de pagamentos de juros. No início, esse
mecanismo não foi muito utilizado, dado que se seguia uma política de
minidesvalorizações periódicas. É importante lembrar, de qualquer forma, que o
diferencial de juros interno-externo era um grande incentivo às captações externas
para aplicações nos títulos públicos, sendo um dos fatores responsáveis pela
introdução da Ciranda Financeira. MOURA DA SILVA (1979) discute estas questões mais
a fundo.

23
balanço de pagamentos brasileiro. “Estranhamente”, os depósitos
remunerados em moeda estrangeira (DRME) ligados à Instrução nº. 432,
às vésperas desta maxidesvalorização, cresceram rapidamente; mais
interessante ainda é perceber que pouco após isto, ocorreu o choque
dos juros nos EUA28. O impacto da desvalorização cambial em
associação com a elevação dos juros, foi devastador para o setor público
já que este esquema resultou numa deterioração extremamente pesada
das finanças públicas29.
E essa situação se complicou ainda mais com o ajuste recessivo
que se aplicou em seguida, sob o comando do FMI. Ora, como já foi
exposto, para se gerar saldos na magnitude exigida foi requerida uma
política econômica que solapava constantemente os próprios
fundamentos do Estado brasileiro, mostrando que na verdade a saída
apresentada pelo FMI e aceita pelo país, era uma não-saída ao provocar
uma brutal contração da economia, que levava a um círculo vicioso. As
políticas ativas de câmbio e juros utilizadas para levar o país a se ajustar
eram nefastas por que as desvalorizações cambiais e os juros elevados
levavam a uma aceleração da inflação, o que corroía o valor real da
arrecadação de impostos ao mesmo tempo em que reduzia as receitas
governamentais na outra ponta pari passu com a perda de efeito da
desvalorização cambial – o que exigia uma nova rodada desvalorizações
cambiais e aumento dos juros via dívida pública crescente.

28
DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ (1995), item IV.
29
Há ainda uma terceira fase no processo de estatização da dívida, denominada de
estatização via depósitos de projetos. Ela surgiu no bojo das negociações com o Fundo
Monetário e era o dinheiro que o cartel dos bancos aceitava emprestar ao país. O
dinheiro, de prazo razoavelmente curto e custo elevado, ficava depositado no BC à
espera de tomadores finais. Enquanto isso, BC arcava com os compromissos dos
Depósitos de Projetos. Desde logo, o setor privado fugia do endividamento, como será
apresentado mais à frente no texto. Mas as Estatais espremidas pelo peso do ajuste
que tinham que realizar, num momento em que precisavam ainda colaborar com a
política de combate à inflação traçada pelo governo, tomavam estes recursos até por
não haver outra opção disponível a elas: as tarifas e preços públicos eram cada vez
menores em termos reais; a receita operacional estava 10% abaixo da de 1980 em
83/85 e o crédito local estava bloqueado assim como o externo, à exceção deste
disponível no Banco Central (DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ, 1995).

24
“As reiteradas tentativas de desvalorização real do câmbio e as
medidas de sustentação da paridade por meio das minidesvalorizações
diárias provocaram o crescimento, em termos reais, do estoque da
dívida externa sob a responsabilidade do setor público” (MELLO
BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 14). Este ajustamento
externo ainda tinha o problema de demandar uma grande renúncia
fiscal com o intuito de fomentar a exportação30, o que infligiu um outro
fardo a ser carregado por um setor público alta e rapidamente
endividado que possuía receitas em queda e despesas em rápida
ascensão, por todos os fatores apontados.
Como o Estado também não podia se financiar pela emissão
monetária, dada a já presente explosão da inflação e a necessidade de
se restringir o crescimento econômico, o único caminho que lhe restou
foi a emissão de dívida interna31. Mas por crescer aceleradamente, a
dívida pública foi sofrendo sensível piora no seu perfil, dadas as
sucessivas reduções de prazo e aumentos dos juros, que implicavam
aumento do gasto público financeiro. Postos estes fatores, já era
possível perceber que tal ajustamento não levava à superação da crise
mas só a sua ampliação. Tudo isso resultou num crescimento
avassalador da dívida pública, que não resolveu os problemas anteriores
todavia criou mais um32.
A partir deste ponto, os problemas estruturais da economia
brasileira passaram a ser acompanhados pela dívida externa, pelas
políticas de ajustamento e pela dívida interna. Esta precisa ter alguns
pontos elucidados, principalmente a respeito de quem se beneficiava

30
Da qual fazem parte os subsídios providos pelas empresas estatais, que são
obrigadas a realizarem este sacrifício também em prol da contenção da inflação.
31
“Já foi visto que a aquisição das divisas se faz num contexto de total
constrangimento fiscal-financeiro das entidades públicas – queda da carga tributária,
redução real de preços e tarifas, desaparecimento da poupança governamental, corte
de investimentos etc (sic) – implicando a ampliação da dívida interna a juros reais
crescentes” (DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ, 1995, p. 140).
32
A este respeito, ver DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ (1995) e NOGUEIRA BATISTA JR.
& MELLO BELLUZZO (1992), especialmente o texto de MELLO BELLUZZO & GOMES DE
ALMEIDA (1992).

25
dela. A dívida pública interna, possibilidade aberta pela criação da
correção monetária no âmbito do PAEG através da instituição da
correção monetária, se iniciou com o acúmulo de reservas oriundo do
primeiro impulso ao endividamento (DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ,
1984, 1999, p. 19).
Ao longo dos anos 70, ela foi inflada rapidamente com as políticas
econômicas contraditórias que acentuavam a diferença entre os
sistemas financeiros real e nominal existentes na economia brasileira,
que engendraram a Ciranda Financeira33. “O ajustamento determinou
um agravamento progressivo da situação financeira do setor publico.
Isto porque foi se ampliando, ao longo do tempo, o hiato entre os fluxos
de receita derivados do poder fiscal e dos ativos do governo, de um
lado, e, de outro, os compromissos nascidos dos passivos acumulados
pelo Estado. Nessas condições, foi inevitável a expansão do
financiamento através da dívida pública interna” (MELLO BELLUZZO &
GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 15).
Quando se olha para o movimento do setor privado, o que se
percebe é que, ocorreu com ele o oposto: dada a perspectiva de
recessão duradoura, as empresas passaram a se defender reduzindo o
endividamento da maneira mais rápida possível – o que ampliou o
movimento de fuga da dívida externa, que se configurou como um
movimento de fuga de qualquer espécie de endividamento, tanto pelo
elevado custo do endividamento como pela falta de horizonte para
investimentos. “Esse enorme desequilíbrio do setor público foi, no
entanto, condição para o reequilíbrio corrente e patrimonial do setor
privado” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 16).
A atuação do Estado explica o fato de o processo de ajustamento
não ter resultado em uma centralização do capital de grandes
proporções num setor privado com grande dívida externa mas,
concomitantemente, ela criou um descompasso entre a acumulação de
33
A este respeito ver MOURA DA SILVA (1979).

26
capital e a acumulação de direitos sobre a riqueza financeira, por parte
tanto dos empresários como dos rentistas (pp. 97-98).
Em face da brutal recessão determinada pela política de
ajustamento, a queda do lucro geral da economia, em seu sentido
macroeconômico, foi inevitável34. Isto levou os agentes privados a
repensarem seus planos de investimento, buscando dessa forma reduzir
o seu nível de endividamento, frente à nova situação de queda da
produção corrente. Mas isto também significou que qualquer tentativa
de redução do endividamento por parte de todos os agentes desta
economia era impossível, dado que resultaria num endividamento
involuntário por parte dos mesmos. Algumas empresas,
microeconomicamente falando, poderiam obter êxito, “(...) mas isso só
seria possível à custa do aprofundamento da ‘dívida forçada’ das outras”
(MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 107). Aí é que entrou
o papel do Estado Brasileiro: ao realizar um ajuste irracional, do ponto
de vista de seus interesses e dos interesses do país como um todo, o
Estado criou a possibilidade de, através dos seus pagamentos de juros
via superávit comercial do setor privado, manter a acumulação de
capital interna num cenário de queda do investimento.

“Do ponto de vista patrimonial, isso permitiu a formação


de posições líquidas credoras em favor do setor empresarial, o
que seria impossível nas condições em que se combinavam o
recuo do investimento privado e a reversão do déficit primário
do setor público. As condições do ajustamento impuseram J pe
(os juros pagos pelo setor público ao exterior) como ‘excedente’
privado e como ‘déficit’ do setor público, originário, em boa
medida, da estatização da dívida com o exterior. Foi isso que

34
“A economia capitalista não dispõe de mecanismos ‘automáticos’ e endógenos,
capazes de compensar a queda do lucro macroeconômico. (...) A ‘correção’ da queda
do lucro agregado só pode ocorrer se um ‘agente externo’ tomar decisões de gasto (...)
É o caso do gasto público e das intervenções de ‘última estância’ do Banco Central”
(MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 101).

27
impediu o endividamento involuntário ou ‘forçado’ das
empresas, permitindo o sucesso das decisões tomadas no
âmbito das empresas de cortar gastos, contrair despesas e
postergar ou cancelar novas inversões para defender o lucro
líquido e assim melhorar a posição credora/devedora do setor
privado” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, pp.
106-107).

Quer dizer, a ação pública de defesa dos interesses privados


permitiu uma saída do endividamento para o setor privado ao mesmo
tempo em que gerou um excedente líquido importante que não poderia
ser reinvestido, dada a situação e as expectativas. Mas este excedente
poderia ser valorizado com facilidade pela dívida pública, o que tornou o
setor privado, como um todo, rentista e patrimonialista. Entretanto, a
conseqüência disto foi um aumento da incerteza ligada à precariedade
da situação cambial, à alta e crescente inflação e à crise fiscal e
financeira do Estado.
Dessa forma, se percebe que a dívida interna do setor público foi
realizada majoritariamente com o setor privado, que se tornou
crescentemente líquido, dentre o qual se destacavam os setores
exportadores, ganhadores de benesses expressivas para realizarem a
venda externa de suas mercadorias. Em se olhando a questão mais de
perto, vê-se que havia um novo e importante canal de transferência de
recursos do setor público para o setor privado exportador.
A situação parecia completamente ilógica, pois o setor público
subsidiava fortemente a geração de divisas e reaparecia, no momento
seguinte, comprando as próprias divisas que subsidiou a preço de
mercado com emissões de dívida pública. O fato do setor público não ser
exportador impunha este problema: o Estado precisava comprar divisas
para pagar a dívida externa, num cenário em que, não bastasse a
elevação dos juros externos, ocorria uma importante deterioração dos

28
termos de troca. Como foi explicitado, os juros jogaram um papel
decisivo para a criação do saldo comercial, levando o Governo Militar a
também consolidar definitivamente a Ciranda Financeira: comprava
dólares a juros altos, criando uma gigantesca dívida interna35.
A forma como se deu o ajuste das contas externas, via estatização
da dívida não era necessariamente o único caminho disponível para o
encaminhamento da resolução da crise da dívida externa de 1982.
Quando se olha para o caso sul-coreano, o que se percebe é um
movimento na direção oposta a este, ou seja, ocorreu uma privatização
da dívida externa sul-coreana pouco percebida e discutida pela literatura
sobre o assunto. O Estado sul-coreano transferiu seus bancos estatais,
altamente endividados no euromercado, para os chaebol num processo
extremamente positivo para a continuidade do seu desenvolvimento
econômico.
A Coréia do Sul, quarto maior devedor do mundo atrás apenas do
Brasil, do México e da Argentina, se utilizava de um mecanismo de
captação de recursos semelhante à Resolução nº. 63 do Banco Central
brasileiro. O sistema financeiro local, fortemente controlado pelo Estado
seja via regulamentações, seja via propriedade direta sobre os maiores
bancos, tomava recursos no euromercado e os reemprestava às
empresas locais que não tinham acesso ao mercado internacional. É
certo que no direcionamento dos empréstimos havia uma preferência
deliberada do Estado nacionalista sul-coreano pela indústria química e
pesada e pelos setores exportadores, algo visto como inexplicável e/ou
equivocado por boa parte da literatura sobre o assunto36.
Quando da eclosão da crise da dívida, o governo sul-coreano,
também fez um acordo com o Fundo Monetário Internacional que, entre
35
DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ (1995), item VI.
36
Sobre a falta de entendimento sobre a preferência do Estado sul-coreano pela
indústria química e pesada, as distorções alocativas no sistema financeiro e a pretensa
importância de capital humano sul-coreano, ver CHO & COLE (1986), DORNBUSCH &
PARK & COLLINS & CORBO (1987) e SACHS & WILIAMSON (1985). Sobre o importante
papel do Estado sul-coreano na industrialização, ver MARDON (1990) e CUMINGS
(1989).

29
outras exigências, incluía a liberalização financeira e comercial por parte
dos sul-coreanos e também a privatização dos bancos de propriedade
estatal37. Como não houve interesse pela aquisição dos bancos por parte
do sistema financeiro internacional, o Estado sul-coreano transferiu a
propriedade dos bancos para os principais grupos exportadores, os
conhecidos chaebol, que eram os principais beneficiários da tomada de
recursos no euromercado38.
Ao fazer isso, a Coréia do Sul conseguiu uma mais que satisfatória
solução da crise da dívida como mostram os dados sobre o seu
crescimento econômico: de 1981 a 1986, a economia sul-coreana
cresceu 8,7% ao ano (DORNBUSCH & PARK & COLLINS & CORBO, 1987,
p. 393). Os chaebol, agora donos dos bancos foram obrigados a
realizarem um movimento ainda maior de extroversão, em que as
exportações se tornaram uma prioridade absoluta dada a necessidade
de dólares para o pagamento da dívida externa 39. Passado o momento
crítico imediato, o aumento das exportações proporcionou uma
vantagem crescente para as mesmas empresas pois os seus indicadores
de solvência só melhoravam com o passar do tempo – a relação
endividamento/exportações e a relação endividamento/capacidade
produtiva eram cadentes e acabaram por impulsionar ainda mais o

37
CHO & COLE (1986), AGHEVLI & MÁRQUEZ-RUARTE (1985) e KIM (1993).
38
“The chaebol had a strong presence in this industry (heavy industries) and so were
the largest beneficiaries of the loans” (KIM, 1993, p. 241). Ver também (CHO & COLE,
1986).
39
A participação das exportações no PIB, que já era de elevados 30,6% em média no
período 1974-1980, passou para 38,6% do PIB sul-coreano no período 1981-1986
(DORNBUSCH & PARK & COLLINS & CORBO, 1987, p. 393).

30
crescimento das empresas e do país40, propiciando um ajuste virtuoso à
crise da dívida.
Quando se volta os olhos novamente para o que ocorreu no Brasil,
a questão do equívoco do ajustamento fica ainda mais clara dado que o
enorme sacrifício exigido ao país resultou num crescimento da dívida
externa mesmo com os enormes pagamentos de juros realizados (tabela
2). Quer dizer, o esforço brutal realizado pelo país, pelo Estado e pela
população mais empobrecida especificamente, não levou à solução da
crise da dívida.
De 1982 a 1986, um período de cinco anos, as políticas de
ajustamento externo levaram o país a pagar em juros (US$ 55.747
milhões) o equivalente ao total da dívida externa do país em 1979 (US$
55.803 milhões), ano do choque dos juros que detonou a crise da dívida
em 1982. Ainda assim, o montante total da dívida externa em 1986 era
de US$ 111.203 milhões. Não é que a adoção das medidas duras, porém
necessárias, trariam de volta os fluxos de capital tão desejados e a
normalidade econômica de antes. Estas medidas não só não
solucionaram o problema como ainda o intensificaram, num contexto de
crescente deterioração das condições econômicas do país, cuja marca
foi a inflação, discutida a seguir.

40
Sobre os precedentes históricos de renegociação de dívidas externas, ver BIGGS
(1987) e PORTELA FILHO (1988). Segundo MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA
(2002), item 1.3 do capítulo 3, se os juros pagos ao exterior não fossem de
responsabilidade estatal mas sim privada, o setor privado perderia esta fonte de
geração de excedente ao mesmo tempo em que teria que realizar os cortes de
despesas e de novos investimentos, aumentando o seu endividamento “forçado”. Isto
levaria a “(...) explosão do endividamento privado. As elevadas taxas de juros internas
e externas, as desvalorizações do câmbio e os limites impostos ao crédito doméstico –
medidas centrais do ‘ajustamento’ – tenderiam a agravar a queda em Gk (gasto
capitalista), seguindo-se nova rodada de endividamento para o conjunto das empresas.
Isso poderia tornar insuportáveis os riscos dos devedores (o risco empresarial de não-
cumprimento dos compromissos financeiros) e dos credores. Nesse caso, o sistema
bancário seria contaminado por uma deterioração da qualidade dos seus ativos. Uma
crise geral só seria evitada se a política de ajustamento alterasse rapidamente sua
orientação” (p. 114). Isto quer dizer que, dada a forma como foi realizado o
ajustamento, não havia outras opções: era necessária a estatização da dívida e todas
as políticas adotadas, inclusive o déficit do setor público. Se os juros externos fossem
pagos com um superávit primário, as condições do setor privados seriam agravadas
pela redução ainda maior da demanda efetiva.

31
Tabela 2: Dívida Externa do Brasil e Despesas com Juros no
Exterior
A Dív Despe
ida Externa
sas com Juros
(U (US$
S$ milhões)
milhões)
1 6.240 284
970
1 8.284 344
971
1 11.464 489
972
1 14.857 840
973
1 20.032 1.370
974
1 25.115 1.863
975
1 32.145 2.091
976
1 37.951 2.462
977
1 52.187 3.344
978
1 55.803 5.348
979
1 64.259 7.457
980
1 73.963 10.305
981
1 85.487 12.551
982
1 93.745 10.263
983
1102.127 11.449
984
1105.171 11.239
985
1111.203 10.245
986
1121.188 9.319
987
1113.511 10.591
988
1115.506 10.937
989
1123.439 10.868
990
Fonte: Banco Central do Brasil.

A Inflação dos anos 80 e o Plano Cruzado

A partir de 1983, com o Brasil passando a transferir para o exterior


“(...) mais de 5% do PIB e a cerca de 40% das exportações de bens e
serviços não-fatores” (NOGUEIRA BATISTA JR., 1987, p. 11), a
desorganização da economia brasileira acabou por engendrar um

32
Regime de Inflação Alta (FRENKEL, 1979): conseqüência de um ambiente
econômico extremamente incerto pois o setor público não possuía nem
um mínimo de solvência, a crise cambial era iminente, a atividade
econômica se contraía, o emprego diminuía e a inflação ia saindo do
controle em conseqüência das sucessivas desvalorizações41. É
importante dar relevo à inflação porque nos anos 80 ela possuía um
caráter diferente, ligado à crescente instabilidade e ao estreitamento do
raio de manobra da gestão monetária.
Tal regime se diferencia de um regime de inflação baixa porque
naquele o mecanismo de fixação de preços se modifica na direção da
flexibilização dos mark-ups, dado o aumento da incerteza na economia.
“A experiência (e a intuição) sugerem que, sob inflação em aceleração,
o risco de capital supere o de renda” (CARDIM DE CARVALHO, 1990, p.
77). Os produtores como um todo são obrigados, pela racionalidade
econômica, a correr o risco de perder renda por aumentar
excessivamente os preços em detrimento do risco, inaceitável, de
perder o seu capital, caso o seu reajuste de preços seja inferior à taxa
de inflação verificada ex post. Isto os levaria a sofrer uma perda frente à
alternativa de não-venda de um produto – que se configuraria em um
investimento em estoques – que, ainda que seu retorno não fosse o
melhor possível, não seria uma perda. Sempre os produtores vão
preferir errar ao fixar preços mais altos, dada a dispersão dos preços
relativos, e esta tendência, vista no tempo, será de uma inflação
aceleracionista pois, se é melhor errar para cima que errar para baixo,
vai se errando os aumentos dos preços cada vez mais para cima, ainda
mais se a incerteza quanto ao futuro se eleva. Portanto, é imanente a
este mecanismo a aceleração da inflação.

41
Para uma análise mais aprofundada da inflação ver, além de FRENKEL (1979),
TAVARES & MELLO BELLUZZO (1986), CARDIM DE CARVALHO (1990) e KANDIR (1989).
Para outras visões, LOPES (1988), BRESSER-PEREIRA & NAKANO (1986) e LARA
RESENDE (1986).

33
Dado o ajustamento supracitado, o setor privado doméstico ficou
numa situação muito privilegiada graças ao aumento do grau de
monopólio, resultado da maior restrição às exportações. Isto levou ao
que ficou conhecido como financeirização dos preços. Para entender
este mecanismo de formação de preços é preciso que faça uma
diferenciação importante, que é relativa ao mercado para o qual se
produz, i.e., em relação ao uso do ativo, se ele é usado para a produção
doméstica ou se ele é usado para a exportação. A diferença mais
importante e marcante é o fato de que a produção voltada para a
exportação tem um maior grau de certeza com relação à rentabilidade e
ao risco, dado que é indexada pelo câmbio: seus preços possuem certa
independência em relação aos condicionantes do mercado interno, a
indexação cambial garantia que no mínimo os seus preços seriam
reajustados de acordo com os índices internos de preços e a
periodicidade dos reajustes era menor que qualquer outra, dado o
regime de minidesvalorizações. E, com a aceleração da inflação, as
variações imprevistas que ocorrem durante o período de produção
também estão mais controladas pela indexação cambial (MELLO
BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, capítulo 4, item 2).
Além disso, “a estratégia empresarial predominante pautou-se por
reduzir os investimentos, sobretudo os de ampliação ou nova
capacidade, o que tinha um significado importante: preservar certa
escassez do capital global para defender o seu grau de utilização.
Habilitou-se então ao benefício das vantagens de proteção da produção
para o mercado externo para compor um nível médio mais baixo de
risco nas decisões de produção, resguardando-se da instabilidade da
economia doméstica pela graduação, na margem, do direcionamento
dos ativos entre a produção interna e para o mercado externo” (MELLO
BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 171).
Para se produzir para o mercado interno, passa-se a incluir uma
taxa de risco sobre o rendimento esperado nos mark-ups, que ajuda a

34
flexibilizá-los para cima ainda mais, para se garantir que a rentabilidade
interna seja equivalente à externa, já que o uso do ativo para a
produção interna tem um risco muito maior: a indexação é tida como
inferior e as vendas não resultavam em dólares. “Nessas condições,
sobressai o poder dos detentores dos ativos de exportação. A crise da
dívida e a concentração no Estado dos compromissos de pagamento de
juros ao exterior transformou este poder em poder privado (porque era
predominantemente privada a posse dos ativos de exportação) e, mais
ainda, virtualmente um poder de monopólio ante o Estado devedor”
(MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 177). Assim, o
Estado estava preso à relação câmbio-juros prevalecente naquele
momento, já que para os detentores dos dólares ambos (câmbio e juros)
apresentam certa complementaridade42. Sendo assim, a referência-
padrão de ajuste do preço dos bens se torna a taxa de juros nominal de
curto prazo, dada a interligação entre o câmbio e o juros e os
diferenciais de risco e rentabilidade de uso do ativo para a exportação
ou para a produção local43.
Fica claro que a indústria, numa situação destas, fica em
compasso de espera, se sustentando numa estratégia defensiva, frente
às incertezas, calcada em investimentos na Ciranda Financeira e em

42
“Durante a segunda metade dos anos 80, foi possível, em alguns momentos,
retardar o câmbio para assim refrear de imediato uma aceleração inflacionária. Mas
então as taxas de juros tenderam a subir e o potencial inflacionário retardado pela
medida deu o ar da graça um pouco mais à frente, mediante o agravamento da crise
financeira do Estado e do aumento dos preços de oferta dos produtos pressionados
pelo maior custo de crédito. Também se pretendeu, em algumas ocasiões, restringir a
liquidez interna dos exportadores e reduzir as taxas de juros de curto prazo. Nesse
caso, surgiam pressões para acelerar as desvalorizações cambiais, porquanto não era
possível (ou a política econômica não desejava) suportar reduções do saldo comercial e
do nível de reservas. A pressão inflacionária, nesse caso, viria do outro lado e a política
econômica depararia com outro problema: o de como enfrentar as prováveis reações
dos rentistas (digamos, dos rentistas não-exportadores) ante os mais baixos níveis de
liquidez e de taxa de juros)” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 179).
43
“Estamos chamando a atenção para o fato de que, na economia brasileira, a
formação de preços dos bens se adaptou para impedir que uma crise de liquidação de
ativos refletisse integralmente as ‘forças de mercado’. (...) Nessa economia, a negação
do valor da moeda foi necessária para afirmar o valor da riqueza, do lucro e até de
rendas do trabalho assalariado” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, pp.
174-175).

35
aumentos de preços. A mudança para um novo paradigma de produção,
baseado na microeletrônica, na automação flexível integrada e numa
revolução nos processos de trabalho, passou ao largo da economia
(SUZIGAN, 1992). À falta de perspectivas de expansão da demanda
também se soma a idéia de manter certa escassez que permitisse
regular o grau de utilização das plantas, o que contribuiu para tolher a
modernização do parque industrial: sem perspectivas de crescimento da
produção, ninguém pensava em investir, ainda mais com o
desproporcional poder de mercado de que gozavam as empresas, do
qual a prova cabal era a própria inflação e o poder de elevação dos
mark-ups.
Destarte, a década de 1980 significou um enorme potencial de
acumulação de lucros para as empresas, que se aproveitaram de uma
situação muito confortável pois não precisavam investir em inovações
para continuarem a dominar um mercado mais que cativo e, no caso de
serem exportadoras, ainda tinham o monopólio da verdadeira liquidez,
que podiam usar contra o conjunto da sociedade (MELLO BELLUZZO &
GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 181).
Quando se olha para a situação das empresas líderes na primeira
metade da década, o que se vê é uma grande redução do nível de
endividamento, mark-ups bastante mais elevados, despesas financeiras
declinantes e taxas de lucro superiores às existentes no período pré-
recessão44. A melhora da situação da empresas foi claramente
conseqüência da possibilidade de flexibilizar os mark-ups e da
recomposição do seu endividamento possibilitada pela ação pública. “O
ajuste privado, ao processar-se contra o setor público – obrigado a
absorver enormes desequilíbrios financeiros e a perder as principais
fontes de financiamento de seus investimentos – e contra o mercado
interno – restringido progressivamente pela corrosão dos rendimentos

44
Estes dados todos são apresentados e analisados por MELLO BELLUZZO & GOMES
DE ALMEIDA (2002), capítulo 5.

36
assalariados causada pela inflação e pela natureza defensiva da
estratégia empresarial –, transformou-se ele mesmo numa ‘causa’ do
estado depressivo das expectativas de longo prazo” (MELLO BELLUZZO
& GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 221).

Estes fatores confirmam o apontado anteriormente, ao mostrar


uma situação das empresas até melhor que a do momento pré-crise da
dívida, também em conseqüência de uma nova inserção das mesmas no
sistema financeiro, já que agora elas passam a aplicar os seus
excedentes líquidos na dívida pública interna. Os investimentos
financeiros das empresas líderes, i.e., os ativos financeiros como
porcentagem do total dos ativos da empresa, passaram de uma média
de 20% no período 1978-80 para uma média de 50% em 1985, no caso
da empresas nacionais; e de 14 % em 1978-80 para 51% entre as
estrangeiras. Um avanço extraordinário, que fica marcado pela forte
presença dos rendimentos provenientes de juros (MELLO BELLUZZO &
GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 229).

Este assunto inevitavelmente traz à tona a questão dos bancos no


processo de ajuste, já que eles têm uma importância inequívoca neste
processo, já que possuem uma capacidade ímpar de retirar vantagens
de situações de instabilidade. O que se constatou na realidade, é que os
bancos passavam por uma fase de grande bonança através de lucros
até então inimagináveis45, a despeito do país estar navegando na mais
terrível recessão do pós-guerra. Com o fim da pior fase do ajustamento,
os superlucros continuaram a crescer no setor privado em geral e
especialmente nos bancos.
Esta era uma situação paradoxal já que os bancos, numa situação
de recessão, deveriam perder depósitos ao mesmo tempo em que a
concessão de crédito também deveria se retrair; mas como o Estado se

45
“Em valores reais, o lucro auferido (lucro líquido declarado) pelos grandes bancos
privados nacionais em seu conjunto foi, no período de 1981-83, mais que o dobro do
resultado do triênio 1978-80” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 242).

37
responsabilizou por assumir o “endividamento forçado”, os bancos
rapidamente puderam aplicar os seus fundos nos títulos da dívida
pública de taxas de juros elevadas. “Somente entre 1979 e 1984, vale
dizer durante a mais grave recessão econômica já presenciada e em
simultâneo a uma rapidíssima ‘desmonetização’ da economia, o número
de agências bancárias aumentou de 9,5 mil para 12,3 mil, pouco menos
de 30%” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 245). É um
feito extraordinário, que foi realizado com o intuito de captar o mais
rapidamente possível os recursos disponíveis, com o intuito de se
aproveitar da alta inflação e das altas taxas de juros. Havia ainda a
opção de se realizar empréstimos para o setor público diretamente, via
empréstimos bancários a empresas e órgãos estatais. Era um bom
negócio, na medida em que a retração do crédito em geral era grande,
pois o setor público era considerado de menor risco. Juntamente, estes
dois processos levaram o setor financeiro a ser o setor mais beneficiado
pelas políticas de ajustamento e pela crise da dívida, ainda com mais
destaque que o próprio setor exportador.
No que se refere aos seus impactos sobre a sociedade como um
todo, o que se percebe é um agravamento das desigualdades. “A
distribuição de renda é (...) afetada, à medida que, na ausência de
controle de preços, o poder de reação de firmas a pressões inflacionárias
é sempre superior ao dos trabalhadores. Estes estabelecem suas
demandas a partir de suas expectativas de preços. Já para as firmas, os
salários acordados são um dado a partir do qual sua política de preços é
estabelecida” (CARDIM DE CARVALHO, 1990, p. 70). Além disso, o
mercado de trabalho atravessou um período sui generis em que a sua
estrutura, baseada num crescimento acelerado do emprego urbano, se
manteve a despeito do menor dinamismo e do crescimento da
informalidade. Com todo o ocorrido em consequência da crise da dívida,
o que se viu foi uma profunda estagnação econômica, com grande
redução das taxas de investimento privadas e públicas, que levaram a

38
uma subsequente redução da demanda de mão-de-obra e o
conseqüente aparecimento do desemprego aberto, além do crescimento
da informalidade no mercado de trabalho.
Como a economia estava ainda mais fechada ao exterior e a
firmas se mantinham numa estratégia defensiva – que significava a
ausência de novos investimentos mas ao mesmo tempo também não
levava a uma reestruturação industrial que reduzisse o emprego de
maneira acelerada – isto proporcionou certa estabilidade do volume de
emprego. Quer dizer, nos anos 80 como um todo o que se viu foi uma
manutenção da estrutura do emprego do período anterior, mas com a
ausência do crescimento acelerado. Isto significou também uma corrida
constante na direção da recomposição das perdas inflacionárias, que se
intensificaram no decorrer da década ao mesmo tempo em que a falta
de emprego nos grandes centros se tornava um fenômeno corriqueiro,
favorecendo o crescimento da informalidade e da rotatividade
(ANDRADE BALTAR, DEDECCA & HENRIQUE, 1996). Entretanto, a idéia
de que o crescimento econômico acelerado eliminaria a pobreza e
induziria naturalmente à melhoria das condições de vida da população,
através da inserção social pelo mercado de trabalho – em voga ao longo
dos anos 70 – estava sepultada.
Pode-se dizer então que os problemas que afligiram a economia
brasileira nos anos 80 podem ser demarcados em diversos níveis, todos
correlacionados fortemente: a questão do bloqueio extra-econômico à
centralização do capital que impedia o desenvolvimento financeiro pleno
e a estruturação adequada do capital monopolista, pode ser colocada
como a raiz do problema do desenvolvimento capitalista brasileiro,
sendo a questão do desenvolvimento tecnológico também debitada em
grande parte nesta conta. Este problema, associado aos desarranjos
internacionais decorrentes do fim de Bretton Woods, levou ao
endividamento externo que impôs uma longa e ainda não resolvida
estagnação, resultante da crise e das políticas adotadas desde então. O

39
resultado da crise e as exigências de seu ajustamento levaram à
disparada da inflação, ao crescimento insopitável da dívida pública, à
estagnação da capacidade produtiva e a um agravamento das questões
sociais decorrentes destes problemas: aumento da concentração da
renda, da pobreza e do desemprego.
Se se percebe que a problemática é esta, fica mais fácil de
entender as tentativas de recolocar a economia brasileira nos trilhos e
as soluções propostas, não necessariamente implantadas, que juntavam
tanto soluções para o combate imediato à inflação como medidas
direcionadas a estabelecer mecanismos de financiamento à acumulação
de capital. Fica clara aqui a necessidade de medidas que combatessem
o problema da precária situação econômica do país. Para se resolver o
problema da inflação, por exemplo, era necessário a reversão de pelo
menos parte das políticas de ajustamento implantadas, de forma a se
estabilizar os preços do câmbio e dos juros, assim como ampliar as
bases de financiamento do Estado. Tal como já foi apresentada, a saída
apontada pelo FMI e utilizada até então só solapava ainda mais o
Estado, tanto pelo lado das receitas, como pelo lado das despesas. A
volta do crescimento era essencial por diversos fatores, já que só assim
seria possível modificar os mecanismos de formação de preços em vigor
na economia, controlar à dinâmica da dívida pública, reconstruir as
bases financeiras do Estado, reativar o investimento público e o privado,
minorar os impactos sociais do ajustamento e, mais importante ainda,
iniciar as tratativas que poderiam levar à solução dos problemas
estruturais do Brasil.
É nesse sentido que surge o Plano Cruzado. Ele ficou marcado
mais pelo combate à inflação pelo congelamento de preços e salários do
que pelas modificações estruturais propostas. Na montagem da
estratégia de ataque aos problemas, o congelamento de preços foi
utilizado como a medida central de combate à inflação, mas os seus
objetivos e propostas não se restringiam ao mero congelamento de

40
preços e salários46. O próprio congelamento de salários foi realizado de
maneira a favorecer os setores menos privilegiados da sociedade
brasileira: baseado nos valores salariais dos últimos 6 meses, ele foi
realizado em conjunto com um abono de 8% para todos os assalariados,
exceção feita aos que recebiam o salário mínimo já que estes receberam
16% de abono47.
Ainda nesta mesma direção foram tomadas medidas importantes
como o fim da indexação via ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional), que se tornou a fixa OTN (Obrigações do Tesouro Nacional) e
a tablita, que visava a uma adequação dos contratos em vigor, que
ainda trariam a inflação dos meses anteriores. “Para as empresas que
promoveram os ajustes acima descritos, o Plano Cruzado significou uma
abrupta e surpreendente paralisação dos processos defensivos
desenvolvidos, cujos frutos começavam a colher. Esse ponto é
importante porque é contrário ao senso comum – difundido na época –
que afirmava a neutralidade dos efeitos do plano. Não existiu esta
neutralidade em termos da distribuição da renda, ou da distribuição da
riqueza do público (entre riqueza real e financeira), tampouco em
termos dos ativos, passivos e operações bancárias ou, ainda, da
rentabilidade das empresas. Pelo menos a princípio, o plano representou
um bloqueio arbitrário dos benefícios propiciados pelos ajustes das
empresas” (MELLO BELLUZZO & GOMES DE ALMEIDA, 2002, pp. 229-
230).
O efeito sobre a inflação foi muito forte já que o seu nível se
estabeleceu em torno de 16,5% ao ano – na escalada em que ela se
encontrava, chegaria aos 400% ao ano. O boom de consumo foi muito
significativo, já que resultava dos efeitos conjuntos do abono salarial, do

46
A respeito dos detalhes do Plano Cruzado, ver BAER (1993), capítulo 3. Sobre os
bastidores, ver SARDENBERG (1987).
47
Foi instituída ainda uma política salarial que garantia que, se a inflação dos últimos
3 meses fosse maior que 20%, seria “disparado o gatilho” e os salários receberiam o
reajuste referente a tal inflação, além de se manter os dissídios já obtidos (BAER,
1993).

41
consumo reprimido por anos de recessão e da volta do crédito com juros
reais relativamente baixos. Deixado funcionar dessa maneira, o Plano
Cruzado levava a uma reversão do ajustamento externo realizado, já
que o crescimento da demanda interna significava uma redução do
saldo comercial, tanto pela queda do excedente exportável como pelo
aumento das importações, e, portanto, a impossibilidade de se manter o
pagamento de juros aos credores internacionais com os portentosos
saldos comerciais. Este foi um dilema que se colocou rapidamente: com
a economia voltando a crescer rapidamente, o ajustamento externo
estava acabado, dada a pressão da demanda interna; se se
bloqueassem as importações na tentativa de evitar a redução do saldo
comercial, o desabastecimento apareceria e o ágio se tornaria
generalizado, trazendo de volta a espiral de inflação-desvalorizações
cambiais.
Portanto, esta disjuntiva tinha que ser acompanhada por políticas
que resolvessem as questões mais profundas já explicitadas, quais
sejam: a questão da dívida externa e a do financiamento do
investimento. Se tais medidas não fossem tomadas o rápido crescimento
daquele momento terminaria numa nova crise inflacionária e num
estrangulamento cambial de grandes proporções. Necessitava-se,
naquele momento, de uma solução para o constrangimento externo
provocado pelos débitos acumulados no bojo da dívida externa ao
mesmo tempo em que se fazia premente o estabelecimento de
mecanismos que permitissem à economia retomar a acumulação de
capital via investimento produtivo, o que requeria a criação de bases
para o financiamento do investimento tanto público como privado.
Um dos problemas aqui era a renegociação dos termos da dívida
externa, de forma que isto não constrangesse mais o crescimento da
economia brasileira. Dada a tática dos credores, de dividir os devedores
ao mesmo tempo em se cartelizavam sob os auspícios do FMI, era muito

42
difícil de se obter concessões por parte deles48. Como parte deste
esforço de assegurar melhores condições para o crescimento da
economia brasileira, foi decretada uma moratória por tempo
indeterminado para forçar os credores a aceitarem novos moldes para
os pagamentos. A idéia seria alongar a dívida ao mesmo tempo em que
se colocaria um teto aos pagamentos do serviço da dívida. Mas o
momento em que foi realizada já era muito complicado, dado que as
pressões de demanda generalizaram o ágio e, mais importante ainda, o
governo não se interessava àquela altura por tomar medidas que
ferissem interesses sociais importantes.
Com o objetivo de atacar os problemas de financiamento, foram
propostas a criação do FND (Fundo Nacional de Desenvolvimento) e a
holding das estatais. O FND era um fundo parafiscal, que financiaria o
investimento público e privado com recursos de longo prazo e baixo
custo; para isso, foi criado um empréstimo compulsório, restituível em 3
anos, sobre as compras de automóveis, combustíveis, moeda
estrangeira e passagens aéreas. Ele tanto serviria para conter a
demanda interna, diminuindo ainda que pouco a pressão do consumo
interno sobre o balanço de pagamentos, como funcionaria como fonte
de financiamento ao investimento produtivo para, dessa maneira, dar
continuidade ao crescimento econômico sustentado.
Já a holding das estatais significaria uma saída para o problema já
exposto no primeiro item deste capítulo por CARDOSO DE MELLO &
MELLO BELLUZZO (1982/3(1998)): “(...) O chamado setor produtivo
estatal não possui autonomia financeira suficiente para saltar à frente e
liderar a expansão futura. Isto porque, desde logo, não há nenhuma
articulação orgânica entre as várias empresas públicas que atuam como
oligopólios isolados, de modo que não há a possibilidade de uma gestão
conjunta de recursos que permitisse a centralização do capital e sua

48
BAER (1993), capítulo 2, discute as negociações com os credores e as táticas
empregadas por eles.

43
canalização para novos investimentos” (p. 182). Com a holding, este
problema estaria sanado pois o capital estaria centralizado e o
excedente financeiro poderia ser direcionado para novos investimentos.
Destarte, os problemas ocasionados pela implementação do Plano
Cruzado – com os bancos estado-unidenses no front externo e com o
setor privado internamente, afastado do lucro fácil resultante do
ajustamento e submetido agora aos controles administrativos impostos
pelo congelamento de preços – foram fortes demais para um governo
interessado apenas em se aproveitar da popularidade resultante de
haver acabado momentaneamente com a inflação e pouquíssimo
interessado em apoiar mudanças estruturais que dessem fôlego ao
processo de desenvolvimento econômico. Dada a falta de apoio político,
foi abortada a única tentativa séria e conseqüente de se resolver os
problemas estruturais da economia brasileira e, dessa forma, promover
o seu relançamento. A experiência do fracasso do Plano Cruzado
mostrou que a solução dos impasses da economia brasileira é muito
difícil politicamente, dado que todos os interesses relevantes das elites
brasileiras são contemplados de alguma forma pelo ajustamento e seus
juros elevados – exceção feita, evidentemente, à população em geral
que arca com as conseqüências da falência do Estado e do baixo
crescimento econômico.
O problema é que o ajustamento à dívida externa impulsionou
ainda mais um movimento já crescente nos anos 70: o do ganho fácil
financeiro nas costas do Estado Brasileiro. A partir da crise da dívida, ele
será a única possibilidade de composição dos diversos interesses das
elites brasileiras, que já viviam em desacordo desde o início dos anos
70. É certo que na década de 90 parte dos impasses foram resolvidos
através do mercado, mas sempre soldados pelo ganho financeiro: com a
introdução das reformas neoliberais, as forças de mercado são liberadas
para agir, resolvendo parte dos impasses através da eliminação de
produtores mas a nova onda de internacionalização da economia

44
contraditoriamente favoreceu o crescimento do rentismo na sociedade
brasileira, ao transformar empresários em rentiers. Dessa maneira, a
submissão da economia às desventuras da conjuntura internacional que
já vinham travando a economia desde a crise da dívida só foi
aprofundada.
Depois do Plano Cruzado, medidas heterodoxas de combate à
inflação como o congelamento de preços foram regularmente tomadas
ao mesmo tempo em que perdiam cada vez mais a eficácia, o que foi o
caso do Plano Bresser e do Plano Verão. A inflação disparou ainda mais
(tabela 3) já que o cenário ficou muito pior com perdas de reservas e os
crescentes desequilíbrios externo e financeiro do setor público. Com
Maílson da Nóbrega de ministro da Fazenda, a política econômica do
“arroz com feijão” mostrava exatamente o objetivo do ajustamento: a
inflação saiu de 1035,5% 1988 para 1782,9% em 1989 mas o saldo
comercial cobriu as necessidades de pagamentos de juros. A dívida
pública interna chegou a patamares inimagináveis e a massa de riqueza,
aliás, de direitos sobre a riqueza, cresceu tornando qualquer movimento
brusco de enorme potencial disruptivo (gráfico 4).

Tabela 3: Taxa de Inflação do Brasil, IGP-DI,


em Porcentagem
Ano Taxa de Inflação
1980 110,2
1981 95,2
1982 99,7
1983 211,0
1984 223,8
1985 235,1
1986 65,0
1987 416,0
1988 1037,5
1989 1782,9
1990 1476,7
1991 480,2
1992 1157,8
1993 2708,2
1994 1093,9

45
Fonte: FGV, Conjuntura Econômica.

Gráfico 4: Dívida Pública Interna do Brasil, Porcentagem do PIB

40

35

30

25

20

15

10

0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994

Fonte: Banco Central do Brasil.

Em relação aos entraves que obstaculizavam o desenvolvimento


capitalista brasileiro, o que se vê é que a situação se tornou ainda mais
difícil pois o setor produtivo estatal ficou completamente imobilizado
pela crise e por seu ajustamento, que empurrou o setor privado,
nacional e estrangeiro, na direção de estratégias defensivas em termos
produtivos, o que o tornou basicamente um rentista – isto significa que

46
não havia nenhum setor com condições de dar prosseguimento ao
processo, dado que a acumulação financeira sobre o Estado não
permitia a formação de uma base industrial mais forte – o que ampliava
a distância entre os capitalismos avançados e as empresas
estabelecidas no país, ancoradas numa acumulação fictícia de capital.
Com o Estado imobilizado e com a acumulação privada alicerçada
em ganhos financeiros sobre o Estado, o processo de conglomeração
empresarial necessário estava estancado. Nessas condições, os
requisitos necessários para a continuidade do desenvolvimento ficaram
obliterados por dois fatores adicionais: o elevado endividamento externo
que exigiu elevadas transferências de recursos ao exterior e que ao
mesmo tempo implicaram ausência de crescimento econômico e
tolheram qualquer perspectiva de novos investimentos por parte do
setor privado. Dessa forma, medidas estruturais que visassem a
modificar a situação em prol da retomada do crescimento econômico
através da solução dos problemas do desenvolvimento capitalista
brasileiro, saíram de cena, dada a incapacidade do Estado Brasileiro – e
dos outros estados latino-americanos – de enfrentarem os interesses dos
bancos estrangeiros e mais ainda, por causa da “(...) resistência à
mudança dos grupos enriquecidos da sociedade” (MELLO BELLUZZO &
GOMES DE ALMEIDA, 2002, p. 17).
No início da década seguinte, a situação pouco se alterou. Mas
com a reinserção financeira da periferia, alguns dos problemas
existentes se agravaram. Pode-se dizer que temos três momentos
distintos desde o início dos anos 90. Um primeiro momento, que
antecedeu a reinserção nos circuitos financeiros internacionais e vai,
grosso modo, até 1994 – claramente uma continuidade da década
anterior. Após esta fase, passou-se para um momento em que o
endividamento externo se acelerou novamente, graças à reincorporação
do país aos mercados financeiros internacionais. Este período foi
marcado por entradas maciças de capitais de curto prazo numa primeira

47
hora, que foram complementados por capitais de risco (IDE) ao longo do
tempo, principalmente a partir de 1996. O Novo Ciclo de Endividamento,
em um sentido mais estrito, perdurou até 1998 e foi seguido por uma
nova fase, o Novo Ajustamento Externo (1999 em diante), em que a
ainda mais elevada dependência dos mercados financeiros
internacionais foi sua marca distintiva e a volta dos superávits
comerciais o seu sintoma mais visível. O Novo Ajustamento Externo é
uma continuidade do período anterior, apesar de a situação se mostrar
muito mais delicada que a de então.
O início dos anos 90, dessa maneira, deve ser considerado como
parte da década de 80, no sentido de que os seus primeiros anos são
uma continuação do período em que o país foi obrigado a gerar
significativos superávits comerciais e a conviver com altas taxas de
inflação e semi-estagnação. Em relação aos anos 80, a situação se
modificou em termos políticos já que em 1989 foi realizada a primeira
eleição presidencial desde os anos 60: a possibilidade de mudanças era
muito clara, dadas as candidaturas lançadas. A maioria dos candidatos
com chances de vitória era ligada à esquerda e tinham fortes restrições
às políticas de ajustamento realizadas até então, exceção feita a um
oportunista que se aproveitou da apreensão das classes médias e altas
quanto à possibilidade desta vitória.
A eleição de Fernando Collor marcou o início da mudança de rumo
do país, ao tocar reformas liberalizantes que se contrapunham a tudo
que vinha sendo realizado até então: liberalização comercial e
financeira, privatizações, reforma do Estado com a sua conseqüente
diminuição, entre outras políticas de clara orientação liberal. Na
verdade, este movimento já havia ocorrido nos outros países latino-
americanos mas as resistências a ele no Brasil sempre foram mais
significativas, até porque o Brasil foi o país que mais avançou no
processo de desenvolvimento capitalista na América Latina e estas

48
medidas claramente impunham perdas aos setores ligados ao
desenvolvimento.
O cenário internacional foi marcado por uma nova expansão dos
mercados financeiros internacionais, que serviu de álibi às reformas
liberais implementadas desde então. Mais que isso, este novo ciclo de
expansão financeira internacional levou a um aprofundamento das
ligações entre o mercado financeiro nacional e o internacional. Dessa
maneira, a reinserção externa dos países latino-americanos foi muito
menos um resultado de políticas internas dos países com a intenção
deliberada de atrair capital, do que da globalização financeira e de seu
resultado mais visível, a enorme abundância de capitais voláteis em
busca de valorização elevada49. Esta confluência de interesses internos-
externos resultou na aplicação do Consenso de Washington 50. Após uma
década de incertezas e desorganização das economias latino-
americanas, o conjunto de políticas do Consenso aparecia como uma
panacéia: era a forma pela qual os países em desenvolvimento
conseguiriam superar a crise externa, crescer sustentadamente e se
desenvolver economicamente. Bastava seguir à risca o receituário de
reformas liberalizantes: abertura comercial e financeira, diminuição do
tamanho do Estado e privatizações.
Dessa forma, o Brasil se reinseriu no sistema financeiro
internacional através das usualmente altas e atrativas taxas de juros. O
risco elevado de se investir em países que estavam em crises decenais e
cheios de instabilidade política não eram barreiras às entradas destes
capitais de curto prazo (gráfico 5), principalmente pelo fato de seu
montante ser uma parcela pequena das carteiras de investimento dos
seus possuidores (MARGARIDO, 1999). Esta enxurrada de capitais
externos de curto prazo à América Latina, foi motivada em grande parte
pela diversificação de portfolio dos investidores institucionais e
49
Até porque a existência destas políticas não conseguiria atrair nenhum capital nos
pós-crise da dívida de 1982. Ver MARGARIDO (1997), principalmente cap. 1, item 1.3.
50
Ver WILLIAMSON (1990).

49
permitida pelos movimentos pretéritos de desregulamentação e
desintermediação financeira das economias centrais (RAMOS, 1998).
Mas o caso do Brasil difere de outros países, para o bem e para o
mal, porque o Consenso só foi plenamente implantado mais
tardiamente, i.e., o Brasil demorou mais a fazer as reformas
liberalizantes que davam (e dão) as garantias necessárias à livre
entrada e saída de capitais. A política de juros altos também cumpriu o
seu papel porque permitiu a acumulação de reservas internacionais, que
foi essencial para a estratégia de ancoragem cambial que foi adotada
ainda no fim do governo Itamar pelo candidato à presidência Fernando
Henrique Cardoso. O Plano Real e as reformas constitucionais
promovidas por FHC foram a consolidação do modelo neoliberal, em que
a aparente melhora da situação econômica do país agora sem a inflação
descontrolada escondia a regressão econômica e social que avançava
ainda mais com o novo ciclo de endividamento externo.

Gráfico 5: Fluxos de Capitais Externos, em US$ milhões

Fonte: Banco Central do Brasil.

50
O Novo Ciclo de Endividamento Externo e o Plano
Real

A implantação do Plano Real representou um marco na década


pois ele marcou o fim da inflação ao mesmo tempo em que levou o país
a um boom de consumo de bens supérfluos, financiado com um grande
e novo endividamento externo. A avassaladora liquidez internacional
que invadiu o país tornou possível o crescimento do déficit de
Transações Correntes sem se dificultar o financiamento do Balanço de
Pagamentos em oposição ao que ocorria até então. A estabilização dos
preços, ainda que associada a taxas de juros relativamente elevadas, foi
a detonadora do referido boom de consumo, que elevou um pouco as
taxas de crescimento, mas não permitiu nenhuma reativação do
investimento na economia brasileira nem tratou dos problemas
estruturais do país. Mas os juros elevados, associados à valorização
cambial e à elevada abertura comercial daquele momento, marcaram
uma expansão do consumo que não encadeou efeitos sobre o
investimento na economia brasileira e desestruturaram o mercado de
trabalho que ainda havia resistido às dificuldades dos anos 80.
Diante disto, o portentoso saldo comercial positivo de década e
meia, contrapartida dos serviços da dívida externa, acabou e foi mais
que compensado pelo volume de capitais de curto prazo que aportavam
aqui, num momento de grande euforia com a estabilização. Parecia que,
desta vez, o Brasil estava entrando para o mundo civilizado,
abandonando tanto a recessão como o crescimento inflacionário; as
importações baratas, o crescimento econômico, a estabilização
monetária eram mudanças significativas que haviam ocorrido. E para

51
quem tomava o temporário como permanente, o acompanhamento dos
números do Balanço de Pagamentos era muito animador assim como no
último ciclo de endividamento: de 1993 a 1995 as Transações Correntes
modificaram sua trajetória de oscilação ao redor de zero e ficaram muito
deficitárias mas mesmo assim o superávit do Balanço de Pagamentos
aumentou (tabela 4). Quer dizer, o Brasil do Real parecia um outro país:
cheio de produtos importados baratos, viagens ao exterior baratas,
crédito externo barato; tudo isso financiado pela abundância de capitais
externos que era dada como permanente, visto o novo padrão dos
mesmos fluxos. “Após uma década de inflação, estagnação e impotência
do Estado atolado em crise financeira, delineava-se então um plano que
prometia não somente desenvolvimento econômico sem inflação, mas
também justiça social com a eliminação de privilégios e cartórios”
(BARBOSA DE OLIVEIRA, 1995, p. 12).

Tabela 4: Balança Comercial, Transações Correntes e Balanço de


Pagamentos
(US$ Bilhões)
Ano 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Balança
Comercial 10.752 10.580 15.239 13.299 10.467 -3.466 -5.599 -6.753 -6.575 -1.199 -698
Bal. Transações - - - - - -
Correntes -3.784 -1.408 6.109 -676 -1.811 18.384 23.502 30.452 33.416 25.335 24.225
Bal. Pagamentos
481 -369 14670 8709 7215 12919 8666 -7907 -7970 -7822 -2262
Fonte: Banco Central do Brasil.

A restrição externa à qual estava submetida a economia brasileira


nos anos 80, que exigia superávits comerciais que financiassem uma
economia sem acesso aos mercados financeiros internacionais, foi
retirada pelas novas formas de financiamento externo; mas os seus
impactos econômicos e sociais não foram devidamente levados em
consideração. Os fluxos reabriram a possibilidade da economia
brasileira de, ao se endividar ainda mais externamente, retomar o

52
crescimento econômico, ainda que às custas de um aprofundamento do
problema que levou o país à estagnação no início da década anterior. Se
este processo tivesse, como nos anos 70, levado a um aumento da taxa
de investimento e a um relançamento da economia, os males teriam
sido muito menores, dado que a estagnação teria sido deixada para trás,
abrindo a possibilidade de se avançar na solução dos verdadeiros
problemas, que se apresentariam com mais intensidade. Como foram
criados novos problemas, ficou ainda mais difícil de vislumbrar as suas
raízes estruturais.
A questão da inflação, problema epidérmico, foi solucionada por
uma ancoragem cambial mais flexível baseada na moeda indexada51. A
URV (unidade de referência de valor) serviu, fundamentalmente, para
que os salários fossem convertidos ordenadamente e de forma a não
pressionar os custos, daí a importância do mecanismo da URV no
combate à inflação: ele permitiu que os salários também tivessem o seu
mecanismo de formação de preço modificado – ficaram congelados por
lei por um ano52. E desde então, aboliu-se a idéia de política salarial:
como tudo tinha que ser liberalizado frente a um passado
intervencionista e atrasado, depois de um ano congelados, os salários
passaram a ser definidos de acordo com as forças de mercado – eles só
não poderiam ter reduções nominais. Mas, com o baixo efeito
multiplicador do pequeno crescimento baseado em importações, os seus
efeitos sobre o mercado de trabalho foram: uma queda consistente dos
rendimentos do trabalho, um aumento significativo do desemprego e um
enorme incremento da informalidade, sepultando definitivamente a
estrutura que havia sobrevivido à década anterior.
No que se refere aos outros preços da economia, o que se percebe
é que eles continuaram a subir, ainda que momentaneamente. No caso
dos setores de bens comercializáveis, a convergência para o preço do
51
Esta discussão pode ser vista em LARA RESENDE (1983) e ARIDA (1983).
52
A discussão a respeito das etapas do Plano Real e de seus detalhes é encontrada
em BACHA (1997) e PAULANI (1997).

53
agora concorrente produto estrangeiro ocorreu mais rapidamente. Isso
se deu através da âncora cambial, que nada mais foi que o
estabelecimento de um teto para a cotação do dólar em termos da
moeda local: com a fixação do câmbio, o mecanismo de formação de
preços (mark-ups flexíveis) do setor tradeable teve que ser revertido
dado que o aumento da concorrência, propiciado pela entrada de
produtos importados estabeleceu qual era o limite da remarcação dos
preços.
A abertura financeira, dessa forma, foi uma condição sine qua non
para a mudança do cenário macroeconômico ao possibilitar a entrada
dos capitais externos que financiaram os déficits externos, naquele
momento de grande liquidez internacional. Assim como a abertura
comercial que, associada ao câmbio com teto fixo e crescentemente
valorizado pela inflação residual, modificou o mecanismo de formação
dos preços da economia ao estabelecer um limite ao aumento de todos
os preços dos produtos comercializáveis produzidos internamente. Ou
seja, com a entrada maciça de concorrentes estrangeiros via importação
a preços cada vez mais competitivos, financiados com juros menores e
prazos mais extensos, o produtor local passou a ver o preço do
concorrente estrangeiro como parâmetro, não mais a taxa de juros de
curto prazo.
Quanto aos setores não-comercializáveis, a regra de formação de
preços se manteve a mesma da década de 80 por mais tempo, dado que
o setor não concorria diretamente com a produção estrangeira. Foi só
com a contínua transferência de renda em seu favor que o processo foi
estancando, já que os seus aumentos de preços deixaram de ser
sancionados pelos demandantes e passaram a enfrentar restrições
quanto à elevação dos seus preços, até porque o seu domínio sobre os
mercados era e é muito restrito – os não-comercializáveis em geral são
os setores de serviços não-especializados, onde é muito incomum a
existência de setores oligopolizados com força suficiente para manter tal

54
processo de transferência de renda em curso – é neste mesmo setor que
se concentravam as empregadas domésticas, que em alguns casos até
para a Europa foram, símbolos da propalada melhora na distribuição de
renda durante o início do Plano Real. Dessa forma, o seu mecanismo de
formação de preços também teve que se modificar: foi nesta conjunção
que se assentou a essência do Plano Real e boa parte de suas
conseqüências sobre o balanço de pagamentos e a estrutura produtiva.
Estas medidas tiveram impactos importantes sobre a estrutura
produtiva do país, estagnada havia mais de uma década, que podem ser
divididos em dois tipos, de certa forma interligados: um relacionado com
a internacionalização da economia e outro com a continuidade da
estagnação num contexto de câmbio valorizado e abertura comercial
ampla. Em relação ao primeiro impacto, deve-se salientar a importância
do Investimento Externo Direto (IED): em 1996 ele se aproximou da casa
dos US$ 10 bilhões (ver gráfico 6) e daí em diante passou a ser
relevante também para o financiamento do setor externo do período.
Isto significa que a internacionalização da economia passou por uma
nova onda, tanto por causa das privatizações como pelas fusões &
aquisições (F&A). O programa de privatizações do governo brasileiro
fazia parte das políticas neoliberais em implementação e, com a
deterioração das contas externas – resultado do aumento das
importações e da própria internacionalização da economia –, passou a
ser uma prioridade atrair recursos externos que as financiassem. Com
relação à aquisição de empresas privadas já existentes, este movimento
vinha alicerçado no baixo preço dos ativos e na constatação equivocada
de que o câmbio quase fixo era algo permanente.
Segundo seus defensores, este tipo de capital, tido como de
melhor qualidade por ser menos volátil, além de financiar o balanço de
pagamentos quando da sua entrada, proporcionaria novos investimentos
produtivos, aumentaria a competitividade e a eficiência da indústria
local vis-à-vis a do resto do mundo sendo que, num segundo momento,

55
geraria exportações que continuariam a financiar o balanço de
pagamentos (MENDONÇA DE BARROS & GOLDENSTEIN, 1997). Como os
interesses das grandes empresas transnacionais no Brasil são
fundamentalmente relacionados com o mercado interno, elas
exportaram apenas quando o mercado interno não estava
correspondendo às expectativas de crescimento da demanda ou quando
isto coube nas suas estratégias mundiais (LAPLANE & SARTI, 1997).
Ainda que houvesse um significativo aumento das exportações, como o
coeficiente de importação destas empresas cresceu mais e era bem
maior que o coeficiente de exportação, o problema de balanço de
pagamentos não foi sanado por esta via53.
Quanto à criação de novos ativos produtivos, que gerariam muitos
dos efeitos benéficos como empregos, introdução de novas tecnologias,
externalidades à indústria como um todo, o IED deixou a desejar já que
o seu valor absoluto nesta modalidade só ultrapassou US$2 bilhões uma
vez (gráfico 6). A transferência de controle acionário foi o principal na
sua composição ao longo do tempo fosse para privatizações, fosse para
fusões e aquisições. Mas ainda caberiam efeitos positivos da parte deste
IED, a saber: a introdução de inovações tecnológicas, de processo, de
gerenciamento, entre outras. Só que com a globalização produtiva, as
suas pretensas vantagens desapareceram pois não se colocaram metas
quanto ao desenvolvimento local de mão-de-obra e a pesquisa científico-
tecnológica, o que levou as empresas transnacionais a só se
aproveitarem do acesso à mão-de-obra barata e aos benefícios fiscais
(FURTADO, 1999).

53
Para se exportar mais seria necessário importar mais. Isto fica claro nos dados
elaborados por MESQUITA MOREIRA (1999).

56
Gráfico 6: Investimento Externo Direto (US$ milhões), por
modalidade*

45000

40000

35000

30000

25000

20000

15000

10000

5000

0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

IED para Privatizações IED para Fusões eAquisições(F&A) IED para Novos Ativos

Fonte: Banco Central do Brasil e SOBEET.


* A mensuração das subcategorias do IED é aproximada dado que há outras modalidades nas
quais o investimento direto também é realizado, como a conversão de empréstimos em IED.

Além do mais, com a globalização produtiva, as estratégias destas


empresas se modificaram: abandonou-se a utilização de plantas
multidomésticas e passou-se a produzir as partes, os componentes e a
montagem do produto final em apenas alguns lugares específicos no
mundo; então, o IED se tornou um investimento sem grandes efeitos
encadeadores e multiplicadores para o local onde ele foi realizado
(LAPLANE & SARTI, 1998). Mas a entrada do IED no Brasil, ligada
principalmente às privatizações, foi quase que inteiramente realizada
em setores non-tradeables, o que significou que, apesar de estes

57
investimentos financiarem o setor externo quando da sua entrada, o IED
passou a “desfinanciar” o balanço de pagamentos via das remessas de
lucros e dividendos no médio e no longo prazo, aumentando a
dependência dos fluxos financeiros externos (LAPLANE & SARTI, 1997).
Então, pode-se dizer que o processo de desnacionalização
regressiva da estrutura produtiva teve efeitos danosos para o próprio
financiamento externo. Como também a produção foi se concentrando
em partes específicas do processo em termos internacionais, a
crescentemente internacionalizada indústria localizada no Brasil passou
por uma especialização regressiva em que a cesta de mercadorias
produzidas e exportadas pelo país ficou marcada principalmente pelas
commodities industriais (COUTINHO, 1997).
A junção dos determinantes externos – globalização produtiva –
com os fatores internos à economia brasileira foi explosiva para o tecido
industrial. A este movimento se juntou o rápido avanço das importações
que, nas condições em que se encontrava o país, levou a uma ainda
maior desestruturação do setor industrial, dificultando ainda mais as
possibilidades de conglomeração. Com a abertura comercial agressiva, a
indústria, que vivia num contexto de grande proteção frente à
concorrência estrangeira, passou a enfrentar uma grande pressão
competitiva, ainda mais numa situação de câmbio valorizado e juros
internos elevados. Isto tornou uma substantiva desnacionalização do
parque produtivo inevitável, colaborando sobremaneira com a
especialização regressiva. O saldo deste processo de desnacionalização
em um contexto de abertura comercial e financeira com o câmbio
valorizado foi um significativo crescimento das remessas de lucros,
dividendos e juros ao exterior pari passu com uma regressão da
estrutura industrial em prol de uma especialização que também
incrementou a dependência de importações.
Dessa forma, os resultados do Plano Real foram muito negativos
para a solução das questões mais profundas com as quais o país se

58
debate desde os anos 70, já que a regressão industrial num contexto de
baixo crescimento favoreceu uma ainda maior internacionalização do
parque produtivo. O interessante é perceber que, apesar da
desestruturação do pacto anteriormente existente, não se caminhou
para uma solução adequada. Como o capital estrangeiro, por motivações
supracitadas, não se interessa por avanços no processo de
monopolização do capital no exterior, a solução dos entraves à
monopolização não foi realizada. A privatização das grandes empresas
estatais tampouco permitiu o surgimento de conglomerados nacionais,
dado que também foram vendidos ao capital estrangeiro.
Mas a deterioração da balança de transações correntes causada
pelo boom de consumo estava longe de ter uma solução definitiva, a
despeito do volume de capital de risco vindo do exterior – o que só
relembrou o país que a sua situação externa continuava precária. A
partir da crise do México de dezembro de 1994, ficou claro que o nível
de atividade da economia teria que ser controlado de maneira estrita
também pelo fato de que um déficit de transações correntes muito
elevado era considerado como um fator de exacerbação do risco de
ataques especulativos à moeda nacional.
Já em 1997, as coisas se complicaram de maneira definitiva pois,
enquanto o déficit de transações correntes continuava subindo
velozmente (tabela 4), o contexto internacional favorável sofria um novo
revés: a crise dos países asiáticos. A fuga para a qualidade, dado o
medo de uma moratória generalizada dos mercados emergentes,
afugentou os capitais de curto prazo do mundo todo: a aparente
estabilidade não era tão sólida assim. Com a enorme dependência de
influxos de capital da economia brasileira, as taxas de juros precisavam
ser estratosféricas tanto para reduzir ainda mais a atividade econômica
e com isso a dependência de financiamento externo como para
compensar o risco da aplicação de recursos num país que poderia ser a
próxima “bola da vez” (gráfico 7).

59
Gráfico 7: Taxa de Juros do Brasil Diária, SELIC, Porcentagem Anual

50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
02 29 27 24 22 19 16 13 11 08
/0 /1 /0 /1 /0 /1 /0 /1 /0 /1
5/ 0/ 4/ 0/ 4/ 0/ 4/ 0/ 4/ 0/
19 19 19 19 19 19 20 20 20 20
97 97 98 98 99 99 00 00 01 01

Fonte: Banco Central do Brasil.

Com a moratória da Rússia em 1998, o fim deste ciclo de


endividamento estava decretado pois apesar de o ritmo de deterioração
das transações correntes ter diminuído, seu valor absoluto era muito
grande (US$ 33.416 milhões) e o risco percebido se tornou muito
elevado, tornando o novo salto dos juros praticamente inócuo (gráfico
7). A rápida deterioração das reservas brasileiras levou o governo a
assinar um acordo, tido como preventivo, com o FMI para evitar que o
país entrasse em moratória técnica mas mesmo com este acordo, que
permitiu uma saída ordenada dos capitais externos aqui aplicados, a
manutenção de um câmbio valorizado ficou totalmente insustentável,
dada a escassez de divisas e o aprofundamento da necessidade de
financiamento externo.

Gráfico 8: Dívida Pública Interna, Porcentagem do PIB, e Reservas


Internacionais do Brasil, Conceito de Caixa

60
45 80000

40 70000

60000
35
50000
30
40000
25
30000
20
20000
15 10000

10 0
19

19 01

19 08

19 03

19 10

19 05

19 12

19 07

19 02

19 09

19 04

19 11

19 06

19 01

19 08

19 03

20 10

20 05
91

91

92

92

93

93

94

95

95

96

96

97

98

98

99

99

00

00
12
Dívida Interna Reservas Internacionais

Fonte: Banco Central do Brasil.

No que se refere à dívida pública interna, há que se dizer que este


novo endividamento externo levou a um crescimento muito significativo
da dívida interna também resultado da: inconseqüente luta pela
manutenção do câmbio valorizado, da própria desvalorização cambial de
1999 e de sua própria dinâmica financeira. A necessidade de sustentar
juros altos para atrair capitais e segurar o nível de atividade da
economia em um patamar sustentável pelos influxos, fez a dívida
interna ter uma escalada muito veloz (gráfico 8). Como as taxas
permaneceram elevadas, o acúmulo de reservas internacionais
resultante foi também significativo e pode ser visto como o primeiro
fator de relevo a impulsionar o aumento do endividamento interno
(gráfico 8). Só que o problema foi magnificado pelas crises da Ásia e da
Rússia: a dívida pública definitivamente disparou e sofreu uma sensível
piora de perfil, já que a maior parte dela voltou a ser pós-fixada e o
restante passou a ser indexado ao dólar, tudo ancorado em altos juros
para evitar a desvalorização cambial.

61
Quanto às finanças governamentais propriamente ditas, após a
crise de 1982 o Estado esteve permanentemente sob crise fiscal. Com a
estabilização da economia, as receitas do setor público aumentaram, já
que a remonetização da economia e a maior carga tributária devida ao
miniboom de consumo permitiram que o início do Real fosse mais
tranqüilo. O fim da inflação também deu cabo do efeito Oliveira-Tanzi 54,
o que ajudou e muito as finanças públicas. Só que, a partir daí, os juros
se tornaram o componente principal a deteriorar as contas
governamentais. Em 1994-1995, como foi dito, a situação não era
preocupante pois o Estado estava se financiando tranquilamente e a
dívida pública estava estabilizada. Mas com a necessidade, diversas
vezes repetida, de elevar os juros para conter o déficit de transações
correntes e atrair capitais, o componente financeiro do déficit público foi
se tornando cada vez mais significativo e proeminente.
Aliás, depois de 1994, as necessidades primárias de financiamento
sempre foram muito próximas a zero, sendo o elevado déficit público
nominal quase que de inteira responsabilidade dos gastos com juros
(gráfico 9). Em relação ao período anterior, o que fica claro é que os
juros foram o símbolo da continuidade com toda a política de
ajustamento realizada até o Plano Real: a impossibilidade de reduzir os
juros e de relançar o crescimento da economia brasileira foram as
marcas mais evidentes da crise em que a economia mergulhou no início
da década de 80. Mesmo com a abundante liquidez existente no
período, os juros tiveram que ser elevados para manter a atividade
econômica sob controle e para atrair os capitais externos. Quer dizer,
mesmo com um cenário externo favorável, as condições do ajustamento
foram muito precárias e a facilidade do financiamento da situação
externa era ilusória.

54
É uma redução da arrecadação governamental decorrente da aceleração da
inflação. Como os reajustes de impostos se dão em tempos maiores que o tempo de
arrecadação, quando a inflação se acelera, a arrecadação fiscal em termos reais
diminui. Ver OLIVEIRA (1967) e TANZI (1978).

62
Gráfico 9: Necessidades de Financiamento do Setor Público
Nominal e Juros Nominais Pagos pelo Setor Público (Milhões de Reais
Correntes)

R$ 140.000,00
R$ 130.000,00
R$ 120.000,00
R$ 110.000,00
R$ 100.000,00
R$ 90.000,00
R$ 80.000,00
R$ 70.000,00
R$ 60.000,00
R$ 50.000,00
R$ 40.000,00
1994 1995 1996 1997 1998 1999

NFSP Nominal Juros Nominais

Fonte: Banco Central do Brasil.

O que fica patente desta análise é que enquanto o setor público,


nos anos 80, foi esmagado pelo peso do caminho escolhido para
solucionar o problema do endividamento externo – que, no fundo, residia
na necessidade de sustentar pagamentos de juros e amortizações da
dívida externa a qualquer custo – após o Plano Real, ele de novo está de
mãos atadas, impossibilitado de solucionar os problemas que um novo
ciclo de endividamento externo lhe impôs via elevados pagamentos de
juros desta crescente dívida interna55. Novamente, fica claro que os
55
Um fator que também precisa ser lembrado aqui e que alivia, ainda que muito
pouco a pressão sobre o setor público detentor de ativos privatizáveis, foi a venda
destes para a iniciativa privada. A transferência de controle propiciou um sensível
aumento nas receitas do vendedor mas teve um efeito muito efêmero já que, por
exemplo, a Companhia Vale do Rio Doce, uma das mais importantes estatais e a maior
empresa exportadora do país, proporcionou com sua venda uma receita de R$ 3,46 bi,

63
problemas brasileiros de fundo são os mesmos da década anterior, só
que, dado que ocorreu uma modificação no cenário internacional, eles
se manifestam de forma diferenciada e refletem a deterioração de
contínuos anos de crise e reformas liberalizantes.
Vê-se, de todo o exposto, que a segunda metade dos anos 90,
aparentemente, apresentou uma instabilidade diferente da dos anos 80 -
início dos anos 90 já que esta era vinculada a um forte processo
inflacionário. Mas uma análise mais detida do período como um todo e
de suas múltiplas facetas mostra que o problema de fundo continuava
sem solução a vista; ainda com o crescimento da dependência dos
capitais externos. Destarte, o novo período de ajustamento iniciado com
a desvalorização cambial de janeiro de 1999 foi e é marcado mais
claramente por uma volta à situação da década de 80, só que agora
ancorada num conjunto diferenciado de política econômica: os
superávits primários, as metas de inflação e o câmbio flutuante – e, tal
como na década de 80, patrocinado pelo Fundo Monetário Internacional.
O crescimento econômico passou a depender ainda mais que nos
anos 80 de variações da liquidez internacional, dado o mais alto nível de
endividamento externo, agora acompanhado também de uma grande
internacionalização da economia: o somatório da dívida externa com o
Investimento Direto Externo se elevou fortemente (gráfico 10),
aumentando a necessidade de remuneração do capital externo
internalizado através do pagamento de juros, dividendos e lucros. E,
aliado a estas dificuldades externas, tem-se um problema também
oriundo do mix de políticas empregado: as metas de inflação apertadas
impuseram um garrote muito forte ao crescimento já que, dada a
dependência dos fluxos externos, a instabilidade da taxa de câmbio se
tornou inevitável, o que impactou fortemente a taxa de inflação,
impondo um crescimento do PIB ainda mais aquém das necessidades do

em maio de 1997 (DIESP, 2004, p. 36). Mas o gasto mensal com juros do ano de sua
venda foi de R$ 3,75 bi de acordo com os Boletins do Banco Central, isto é, a sua
venda não cobriu nem o equivalente a um mês de pagamento de juros.

64
país, mesmo quando a liquidez internacional voltou com toda a sua
exuberância.

Gráfico 10: Dívida Externa do Brasil (US$ mi), Investimento Direto


do Exterior no Brasil (IDE – US$ mi) e Somatório IDE + Dívida Externa
(US$ mi)

500000

450000

400000

350000

300000

250000

200000

150000

100000

50000

0
80

81

82

83

84

85

86

87

88

89

90

91

92

93

94

95

96

97

98

99

00

01

02

03

04

05
19

19
19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

19

20

20

20

20

20

20

Investimento Direto Externo IDE (US$ mi) Dívida Externa (US$ mi) IDE + Dívida Externa (US$ mi)

Fonte: Banco Central do Brasil.

Só que esta situação, além dos problemas expostos, não resolveu


o impasse do desenvolvimento capitalista brasileiro ao não favorecer a
emergência de nenhum agente capaz de avançar com o tão necessário

65
processo de monopolização do capital. O Estado, com o desmonte
neoliberal, se tornou um agente pouco ligado à atividade produtiva, o
que significa que o arranjo anterior, que sustentou o processo de
industrialização foi desfeito. Este era um efeito desejado das medidas
tomadas, que levariam o setor privado ao papel de protagonista do
desenvolvimento, nacional ou estrangeiro. A preferência foi concedida
ao setor privado estrangeiro, dada a necessidade de divisas, o que é
percebido pelo processo intenso de desnacionalização da estrutura
produtiva estatal e privada; mas esta mesma preferência não só não
levou ao avanço do processo de desenvolvimento capitalista como não
foi capaz de relançar a economia brasileira.
Como o capital estrangeiro permaneceu e permanece ligado à
lógica de sua matriz e como a economia brasileira não conseguiu se
desvencilhar do peso da transferência de recursos ao exterior nem
muito menos criar mecanismos adequados de financiamento do
investimento, os investimentos produtivos foram mantidos apenas no
nível do estritamente necessário à manutenção da produção corrente, o
que se mostrou insuficiente para elevar a taxa de investimento da
economia brasileira e dar início a um novo ciclo de crescimento. Como
ainda se tem, associado a estes fatores, uma política de ajustamento
baseada em juros elevados, o caráter rentista existente até então se
manteve. Quer dizer, a mudança realizada pelas reformas neoliberais
não foi nem é capaz de engendrar um novo ciclo de investimentos, dada
a precariedade da situação externa da economia brasileira; que dirá
então, capaz de prover um setor líder capaz de assumir o primazia do
processo de acumulação produtiva, num cenário em que os ganhos
financeiros são elevados, líquidos e certos vis-à-vis ganhos produtivos
submetidos a um risco insuportável por parte dos agentes privados56.
56
A este respeito, mutatis mutantis, a situação é semelhante à apresentada por
CARDOSO DE MELLO & TAVARES (1985) em relação aos bloqueios ao desenvolvimento
da indústria pesada pré-1930: “Obviously we must look elsewhere for an explanation of
investment preferences. It should be noted that in the last two decades of the last
century, during the ‘second industrial revolution’, the capital goods industry underwent

66
No que se refere ainda à necessidade do financiamento da
acumulação de capital, os recursos de longo prazo que entrariam no
país e a solucionariam não apareceram. A profunda ligação que se
estabeleceu com os mercados financeiros internacionais não propiciou a
entrada de recursos de longo prazo pois, além de a economia não entrar
numa rota de crescimento sustentável, o risco cambial era e é muito
elevado para ser viável a internalização de recursos que não voltados
para a arbitragem de curto prazo.

O Novo Processo de Ajustamento

A desvalorização cambial de janeiro de 1999 não resolveu nenhum


dos grandes problemas do país, mas ela marcou a mudança estrutural
do saldo comercial, agora novamente às voltas com a necessidade dos
superávits comerciais – de certa forma rememorando a virada do saldo
comercial de 1981.

Gráfico 11: Balança Comercial do Brasil, US$ milhões

a profound technological transformation that led to the creation of immense economies


of scale that required both higher initial investments and a larger minimum scale of
operation for profitable production. For Brazil, this change introduced almost insoluble
problems related to the concentration and centralization of capital, while investment
risks assumed formidable proportions. Finally, and equally important, the technology of
heavy industry was not available on the international market” (p. 119) (grifo do autor).

67
130000

110000

90000

70000

50000

30000

10000

-10000

20
20

05
20

04
20

03
20

02
20

01
19

00
19

99
19

98
97

Balança Comercial Importações Exportações

Fonte: Banco Central do Brasil.

A análise dos números da Balança Comercial a partir de 1999 em


diante mostra uma enorme reversão de seu valor (gráfico 11). Mas esta
reversão, num primeiro momento (1999), foi baseada numa enorme
redução das importações, decorrente tanto do baixo crescimento como
da elevada desvalorização cambial ocorrida desde então. A partir de
então, a desvalorização cambial e o crescimento mundial, notadamente
dos EUA e da China, foram os fatores primordiais para a obtenção do
saldo comercial. Mas o importante a destacar são os limites desta
situação já que mesmo num cenário de grande liquidez internacional,
sem crises internacionais e de forte demanda pelos produtos brasileiros
o resultado é pífio: baixo crescimento econômico tanto na comparação
com as médias históricas brasileiras quanto na comparação com os
países em desenvolvimento, alta taxa de desemprego e estagnação do
investimento.

68
Isto é conseqüência da nova e necessária articulação de política
econômica necessária tanto à sustentação do precário equilíbrio
externo, num contexto de crescente liberalização financeira, como para
manter plausível a manutenção dos crescentes direitos à riqueza
financeira abrigados na dívida interna. Esta frágil situação é ancorada no
tripé câmbio flexível - metas de inflação baixas - superávits primários
elevados. Isto decorre de o país ter exaurido suas reservas
internacionais antes da desvalorização do câmbio em janeiro de 1999;
como o Estado ficou sem condições de regular minimamente a taxa de
câmbio, ela foi obrigada a flutuar.
Entretanto, o câmbio é uma variável-chave aqui pois, como as
exportações brasileiras são fundamentalmente commodities agrícolas ou
industriais e produtos semi-acabados, ele tem um papel fundamental
tanto para assegurar a rentabilidade dos produtores locais como para
atrair demandantes, já que nestes mercados o preço é mais importante
que em mercados especializados, com alto valor tecnológico, em que
existem poucos produtores para as mercadorias desejadas.
Quando o câmbio está subvalorizado, ele é um fator de propulsão
dos mais importantes para as exportações brasileiras; ao mesmo tempo
se constitui como uma proteção importante ao mercado interno ao
interpor uma barreira às importações, forçando alguma reversão no
processo de dessubstituição de importações ocorrido com o Plano Real,
se mantido estável nesta posição desvalorizada. Nesse sentido, o
crescimento econômico tenderia a multiplicar mais os seus efeitos
internamente; em contrapartida, ele fragiliza fortemente a situação das
empresas localizadas no Brasil e endividadas no exterior, já que as
mesmas têm que suportar um peso proporcionalmente maior em moeda
local. No caso da empresas privatizadas, fortemente ligadas aos setores
de infra-estrutura, este problema se apresenta ainda mais grave já que
sua compra foi financiada com captações externas próprias ou via
BNDES e as mesmas não geram receita em moeda forte. Para as

69
empresas estrangeiras, a situação também é ruim pois a possibilidade
de se remeter lucros fica muito dificultada em relação ao rendimento
esperado anteriormente: com a grande desvalorização do câmbio, o
montante em dólares a ser remetido fica sensivelmente diminuído.
Numa situação em que o câmbio está valorizado, a problemática
se inverte: as exportações passam a ficar menos rentáveis e com menor
aceitação no exterior ao mesmo tempo em que as importações e as
viagens internacionais se tornam mais baratas e acessíveis aos
produtores e consumidores brasileiros, inclusive reduzindo o impacto do
gasto público ou privado sobre a economia. Mas ele tem efeitos muito
positivos sobre o endividamento externo, que diminui em reais, além de
dar uma enorme contribuição ao controle da inflação, nos termos do que
ocorreu no Plano Real.
Por isso, este período é muito mais delicado que a década de 80: a
necessidade de superávits comerciais para sustentar o pagamento das
obrigações externas faz com que o nível de atividade tenha que ser
muito baixo: como não se conseguiu recuperar a taxa de investimento
da economia, o crescimento do saldo comercial ocorre em detrimento do
mercado interno, tal como ocorria nos anos 80 (NOGUEIRA BATISTA JR.,
1987). Quando a situação internacional é muito favorável, isto é, a
demanda internacional por produtos brasileiros é elevada, pode-se
crescer um pouco mais dado que o investimento em setores
exportadores, como o agronegócio, responde rapidamente aos
aumentos da demanda.
Outro fator importante a se levar em conta é a liquidez dos
mercados financeiros internacionais: se ela se encontra em expansão, o
país pode se endividar novamente através de um aumento das
captações externas ou via um crescimento dos investimentos de
portfolio no país. O que é importante salientar é que, diferentemente do
que ocorreu ao longo dos anos 90, a entrada de capitais de curto prazo
não necessariamente significa incremento das reservas internacionais

70
em poder do Banco Central já que o câmbio não é mais centralizado e a
liberalização financeira se expandiu significativamente. Ou seja, a
acumulação de reservas foi pequena, ainda mais em comparação com o
que ocorreu nos outros países da América Latina e da Ásia (gráfico 12).
Se se adiciona a estes desenvolvimentos um contexto de elevada e
crescente abertura financeira ao exterior, percebe-se que o controle
sobre o câmbio fica muito restringido, o que pode ser visto no gráfico
13.

Gráfico 12: Reservas Internacionais (US$ bi), Países Selecionados

Fonte: BIANCARELLI (2004).

Gráfico 13: Taxa de Câmbio Real do Brasil*

71
170

160

150

140

130

120

110

100

90

80
19

19 01

19 06

20 11

20 04

20 09

20 02

20 07

20 12

20 05

20 10

20 03

20 08

20 01

20 06

20 11

20 04

20 09
99

99

00

00

01

02

03

03

05

05

06
99

01

01

02

04

04

04

02
Fonte: IPEA.
* Calculada pelo expurgo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e dos Índices de Preços por
Atacado (IPAs) dos 16 mais importantes parceiros comerciais do Brasil da série nominal de taxa de câmbio
(R$ / US$), ponderada pela participação de cada parceiro na pauta do total das exportações brasileiras em
2001.

Esta disjuntiva impacta diretamente a inflação, já que os preços se


tornaram muito mais sensíveis ao câmbio, seja pela crescente
participação de partes e componentes importados, seja pela própria
participação dos produtos importados na cesta de consumo dos
residentes, seja pelo impacto que o câmbio possui sobre os contratos
das empresas privatizadas57. Como a acumulação de capital está
atravancada a mais de um quarto de século por uma articulação peculiar
que implica constante crescimento da dívida pública, as empresas e os
agentes econômicos em geral possuem sua riqueza cada vez mais na
forma de títulos públicos, em detrimento de ativos reais. Mas esta

57
As empresas privatizadas, ao possuírem cláusulas contratuais que permitem
aumentos dos seus preços de acordo com os índices de inflação mais suscetíveis às
variações cambiais, ficam com seus investimentos protegidos em relação em moeda
internacional. Isto empurra os preços dos serviços públicos privatizados para cima
quando o câmbio se desvaloriza e impacta a inflação ainda mais.

72
riqueza é muito frágil, dado que qualquer instabilidade não-antecipada
e/ou não-garantida por contrato como, por exemplo, aumentos
inesperados da inflação – p.ex. advindos de choques cambiais
inesperados e não absorvíveis – corroem seu valor real e ameaçam a
própria existência desta riqueza financeira.

Gráfico 14: Pagamentos de Juros Nominais do Setor Público


(Milhões de Reais Correntes)

200000
180000
160000

140000
120000

100000
80000
60000

40000
20000
0
S1 2005
2001 2002 2003 2004
1997 1998 1999 2000
1995 1996

Fonte: Banco Central do Brasil

A maneira de sustentar a inflação baixa numa conjuntura como


esta é, neste arranjo, possível somente com taxas de juros elevadas.
Isto porque somente com juros elevados é possível ao mesmo tempo
coibir os aumentos de preços decorrentes das variações do câmbio – ao
manter um cupom cambial elevado, a atração de capitais externos
interessados na arbitragem possibilita a redução da instabilidade e a
valorização cambial, o que só não funciona em momentos de crises de
confiança – pari passu com a manutenção de um nível baixo de
atividade que dificulta o repasse de aumentos de custos para os preços.
Mas esta política de juros altos possui um custo muito elevado, que é o

73
contínuo aumento do patamar dos pagamentos de juros (gráfico 14).
Ainda mais num contexto em que a dívida interna, que já vinha
crescendo rapidamente, deu um salto com o impacto da desvalorização
cambial sobre a parcela da dívida indexada ao dólar (gráfico 8).
Desta forma, o apoio da política fiscal através de um superávit
primário razoável é imprescindível, para que seja possível amenizar o
impacto dos juros sobre as finanças públicas ao mesmo tempo em que
se espantam os temores a respeito sustentabilidade do próprio arranjo
de política econômica. Com a utilização contínua deste arranjo ao longo
do tempo, os superávits primários precisam necessariamente crescer ao
longo do tempo para que eles sejam capazes de fazer face aos
crescentes pagamentos de juros (gráfico 15). A estabilidade da dívida
pública interna só se materializaria na realidade se o setor público fosse
capaz de realizar um superávit primário equivalente aos pagamentos de
juros. Mas isto é muito difícil de ser alcançado na medida em que
qualquer instabilidade interna ou externa poderia requerer um aumento
dos juros o que, sem sombra de dúvida demandaria um novo aumento
do superávit das contas públicas capaz de compensar o novo aumento
no dispêndio financeiro do setor público.
Em tese, este arranjo possui limites ligados à diminuição do gasto
público, seja porque a diminuição do mesmo inviabiliza o próprio
funcionamento das funções básicas do Estado, seja porque pode levar a
economia a uma rota recessiva em que os cortes adicionais de gastos
por parte do setor público só levam a uma queda da arrecadação e,
inevitavelmente, a uma diminuição do superávit fiscal num círculo
vicioso semelhante ao que ocorreu na Argentina logo antes do fim do
regime de conversibilidade no início dos anos 2000.
Gráfico 15: Superávit ou Déficit do Setor público, Em % do PIB

74
20

15

10

0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

-5

-10

Superávit (-) ou Déficit (+) Primário do Setor Público (% do PIB) Superávit (-) ou Déficit (+) Nominal do Setor Público (% do PIB)
Juros Nominais (% do PIB)

Fonte: Banco Central do Brasil.

Este imbroglio fica mais claro ainda quando se olha para a


situação da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Ela tem, em geral,
uma flutuação maior que a do PIB em termos reais mas mostra
claramente, o mesmo movimento (gráfico 16). Se for feita uma
desagregação da Formação Bruta de Capital Fixo, atendo-se à
importância do Setor público, o que se nota é que quando cai a FBCF do
Setor público, a FBCF do país cai também (gráfico 17). Este movimento é
muito importante pois se percebe que quando o volume da FBCF do
Setor público volta a crescer em termos correntes, o mesmo acontece
com a FBCF total. O que comprova a tese de que o “ajuste fiscal”
promovido a partir dos problemas cambiais do fim de 1998 – e
sistemático desde então – é um dos principais, fatores que mantém a
economia crescendo a taxas medíocres, o que se articula muito bem aos
objetivos da política econômica em vigor.

Gráfico 16: Variação Anual Real do PIB e da FBCF

75
7,0 20,0

6,0
15,0
5,0
10,0
4,0

3,0 5,0

2,0
0,0
1,0
-5,0
0,0

-1,0 -10,0
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

PIB Variação Real (% do PIB) 1,0 -0,5 4,9 5,9 4,2 2,7 3,3 0,1 0,8 4,4 1,3 1,9 0,5 4,9 2,3
Formação Bruta de Capital Fixo Var. Real 9,0 -8,6 14,3 13,0 8,1 2,8 8,3 -0,6 -7,6 10,0 -1,1 -4,3 -2,4 7,5 -2,7
PIB(% do PIB)

Fonte: IBGE – Sistema de Contas Nacionais.

Gráfico 17: FBCF e FBCF do Setor público, em Reais Correntes

60000000,00 350000000,00

300000000,00
50000000,00

250000000,00
40000000,00

200000000,00
30000000,00
150000000,00

20000000,00
100000000,00

10000000,00
50000000,00

0,00 0,00
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Capital Formação Bruta Nominal do Setor Público Capital Formação Bruta Nominal

Fonte: IBGE – Sistema de Contas Nacionais

76
Evidentemente, esta percepção da importância do investimento
público não é novidade nos estudos sobre a economia brasileira. Desde
o processo de industrialização dos idos dos 1950 já estava claro que o
crescimento da economia brasileira tinha que ser puxado pelo
investimento público, já que ele era e ainda é a melhor garantia para os
investimentos privados – ainda que hoje sua influência seja
“aparentemente” menor. Numa economia instável e repleta de
problemas estruturais típicos de um desenvolvimento capitalista tardio
como a brasileira, nenhum agente privado (nacional ou estrangeiro) é
capaz de suportar os riscos de realizar grandes investimentos que
possuam prazos de maturação longos (CARDOSO DE MELLO & TAVARES,
1985).
Os investimentos privados só são realizados quando eles têm a
garantia de que o investimento público já foi iniciado. Ao serem feitos os
investimentos públicos, este novo gasto garante demanda aos
investidores privados ao gerar novas oportunidades para que estes
abocanhem uma maior participação no agora maior volume de lucro
macroeconômico (BELLUZZO & SILVA, 2002, cap. 03). Se não há
perspectivas de crescimento elevado, é muito difícil que se consiga
elevar a taxa de investimento, ainda mais se se percebe que a profunda
interligação com o mercado financeiro internacional não gerou um
suprimento adequado de financiamento de longo prazo, virtualmente
inexistente desde o fim do ciclo de endividamento dos anos 70.
Chega-se, portanto, a uma situação em que a estagnação
detonada pela crise da dívida externa de 1982 não vê perspectivas de
solução ao longo dos últimos 25 anos, dado o arranjo que sustenta a o
precário equilíbrio externo e os direitos sobre uma enorme riqueza
financeira sob a forma de títulos públicos. O mais grave desta situação é
que os problemas vão se acumulando e a regressão econômica e social,
objeto do próximo capítulo, se aprofunda ainda mais. Da 8ª economia do

77
mundo e dos sonhos de grande potência, sobraram um economia em
crescimento lento – em relação à média histórica, às necessidades do
país e mesmo em termos de comparação com os outros países da
América Latina (tabela 5), onde nos últimos três anos o país cresceu
abaixo da média – e uma proliferação de problemas sociais associados a
uma enorme dívida pública que não foi conseqüência de nenhum grande
programa de investimentos nem de nenhuma ampliação dos benefícios
sociais.

Tabela 5: Crescimento do PIB dos Países da América Latina,


Porcentagem
País ou Região 2000 2001 2002 2003 2004 2005* Média
América Latina 4,0 0,3 -0,8 2,0 5,9 4,3 2,6
Argentina -0,8 -4,4 -10,9 8,8 9,0 7,3 1,5
Bolívia 2,5 1,7 2,4 2,8 3,6 3,5 2,8
Brasil 4,4 1,3 1,9 0,5 4,9 2,3 2,6
Chile 4,5 3,4 2,2 3,7 6,1 6,0 4,3
Colômbia 2,9 1,5 1,9 4,1 4,1 4,0 3,1
Costa Rica 1,8 1,1 2,9 6,5 4,2 3,0 3,3
Cuba 6,1 3,0 1,5 2,9 3,0 5,0 3,6
Equador 2,8 5,1 3,4 2,7 6,9 3,0 4,0
El Salvador 2,2 1,7 2,2 1,8 1,5 2,5 2,0
Guatemala 3,6 2,3 2,2 2,1 2,7 3,0 2,7
Haiti 0,9 -1,0 -0,5 0,5 -3,8 3,0 -0,2
Honduras 5,7 2,6 2,7 3,5 5,0 4,5 4,0
México 6,6 0,0 0,8 1,4 4,4 3,6 2,8
Nicarágua 4,2 3,0 0,6 2,3 5,1 4,0 3,2
Panamá 2,7 0,6 2,2 4,3 6,2 4,5 3,4
Paraguai -3,3 2,1 0,0 3,8 4,0 2,8 1,6
Peru 2,9 0,2 4,9 4,0 4,8 5,5 3,7
R. Dominicana 8,1 3,6 4,4 -1,9 2,0 3,5 3,3
Uruguai -1,4 -3,4 -11,0 2,2 12,3 6,2 0,8
Fonte: CEPAL (2005)

78
Bibliografia

AGHEVLI, Bijan B. & MÁRQUEZ-RUARTE, Jorge. A Case of


Successful Adjustment: Korea’s Experience During 1980-84. Occasional
Paper, nº 39. Washington: FMI, 1985.
AMSDEN, Alice H. Asia's Next Giant. Oxford: Oxford University
Press, 1989.
ANDRADE BALTAR, Paulo E. & DEDECCA, Claudio S. & HENRIQUE,
Wilnês. Mercado de Trabalho e Exclusão Social no Brasil. In: BARBOSA
DE OLIVEIRA, Carlos A. & LEVI MATTOSO, Jorge E. Crise e Trabalho no
Brasil. Campinas: Fecamp/Scritta, 1996.
ARIDA, Pérsio. Neutralizar a Inflação, Uma Idéia Promissora. In:
REGO, José M. (org.) Inflação Inercial, Teorias sobre Inflação e o Plano
Cruzado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
BACHA, Edmar. Prólogo para a 3ª Carta. In: FÓRUM DA GAZETA
MERCANTIL. FMI x Brasil: a Armadilha da Recessão. São Paulo: Gazeta
Mercantil, 1983.
BACHA, Edmar. Plano Real: Uma Avaliação. In: MERCADANTE
OLIVA, Aloísio. (org.) O Brasil Pós-Real. Campinas: UNICAMP, 1997.
BAER, Mônica. O Rumo Perdido: A Crise Fiscal e Financeira do
Estado Brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Boletim do Banco Central. Brasília:
vários números.
BARBOSA DE OLIVEIRA, Carlos A. O Real e o Mito. Revista ADUSP,
São Paulo, abril de 1995.
BARROS DE CASTRO, Antônio & PIRES DE SOUZA, Francisco E. A
Economia Brasileira em Marcha Forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1985.

79
BARROS DE CASTRO, Antônio & PIRES DE SOUZA, Francisco E. O
Saldo e a Dívida. Revista de Economia Política, volume 08, n°. 02, São
Paulo, abril-junho de 1988.
BIANCARELI, André M. Economias Emergentes: No Balanço das
Ondas. In: CECON. Política Econômica em Foco, nº. 04, Suplemento nº.
02, Campinas, maio-outubro de 2004.
BRESSER-PEREIRA, Luís C. & NAKANO, Yoshiaki. Inflação e
Recessão. São Paulo: Brasiliense, 1986.
CARDIM DE CARVALHO, Fernando J. Alta Inflação e Hiperinflação:
Uma Visão Pós-Keynesiana. Revista de Economia Política, volume 10, n°.
04, São Paulo, outubro-dezembro de 1990.
CARDOSO DE MELLO, João M. O Estado Brasileiro e os Limites da
“Estatização”. Ensaios de Opinião, volume 05, Rio de Janeiro, 1977.
CARDOSO DE MELLO, João M. O Capitalismo Tardio: Contribuição à
Revisão Crítica da Formação e Desenvolvimento da Economia Brasileira.
São Paulo: Brasiliense, 1982.
CARDOSO DE MELLO, João M. Conseqüências do Neoliberalismo.
Economia e Sociedade, nº. 01, Campinas, agosto de 1992.
CARDOSO DE MELLO, João M. & MELLO BELLUZZO, Luiz G.
(1982/1983) Reflexões Sobre a Crise Atual. In: MELLO BELLUZZO, Luiz G.
& COUTINHO, Renata (orgs.) Desenvolvimento Capitalista no Brasil:
Ensaios Sobre a Crise - vol. 01. Campinas: Instituto de Economia da
UNICAMP, 1998.
CARDOSO DE MELLO, João M. & NOVAIS, Fernando A. Capitalismo
Tardio e Sociabilidade Moderna. In: MORITZ SCHWARCZ, Lilia. História da
Vida Privada no Brasil - vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
CARDOSO DE MELLO, João M. & TAVARES, Maria da C. The
Capitalist Export Economy in Brazil 1884-1930. In: CORTÉS-CONDE,
Roberto & HUNT, Shane J. The Latin American Economies: Growth and
the Export Sector 1880-1930. Nova Iorque: Holmes & Meier, 1985.

80
CARVALHO, Carlos E. Bloqueio de Liquidez e Estabilização. O
Fracasso do Plano Collor. Campinas: IE/UNICAMP, Tese de
Doutoramento, 1996.
CEPAL. Estudio Económico de América Latina y el Caribe, 2004-
2005. Santiago: CEPAL, 2005.
CHO, Yoon J. & COLE, David C. The Role of the Financial Sector in
Korea’s Structural Adjustment. Korean Development Institute Working
Paper, nº. 8607, Seul, dezembro de 1986.
COUTINHO, Luciano. A Especialização Regressiva: Um Balanço do
Desempenho Industrial Pós-Estabilização. In REIS VELLOSO, João P. (org.)
Brasil: Desafios de um País em Transformação. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1997.
CUMINGS, Bruce. The Abortive Abertura: South Korea in the Light
of Latin America Experience. New Left Review, nº. 173, Londres, janeiro-
fevereiro de 1989.
DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ, Paulo R. (1984) Dívida Externa e
Política Econômica: A Experiência Brasileira nos Anos 70. Campinas:
Instituto de Economia da UNICAMP, 1999.
DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ, Paulo R. Notas Sobre o
Financiamento de Longo Prazo na Economia Brasileira do Após Guerra.
Economia e Sociedade, nº. 03, Campinas, dezembro de 1994.
DAVIDOFF DAS CHAGAS CRUZ, Paulo R. Endividamento Externo e
Transferência de Recursos Reais ao Exterior: Os Setores Público e
Privado na Crise dos Anos Oitenta. Nova Economia, volume 05, nº. 01,
Belo Horizonte, agosto de 1995.
DIESP. Indicadores DIESP, nº. 100, São Paulo, maio-julho de 2004.
DORNBUSCH, Rudiger & PARK, Yung C. & COLLINS, Susan M. &
CORBO, Vittorio. Korean Growth Policy. Brookings Papers on Economic
Activity, nº. 02, vol. 1987, Washington, 1987.
FRENKEL, Roberto. Decisiones de Precio en Alta Inflación.
Desarrollo Económico, vol. 19, Buenos Aires, outubro-dezembro de 1979.

81
FURTADO, João. Mundialização, Reestruturação e Competitividade:
A Emergência de um Novo Regime Econômico e as Barreiras às
Economias Periféricas. Estudos CEBRAP, nº. 53, São Paulo, 1999.
HOBSON, John A. (1894) A Evolução do Capitalismo Moderno: Um
Estudo da Produção Mecanizada. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
KANDIR, Antônio. A Dinâmica da Inflação. São Paulo: Nobel, 1989.
KIM, Eun M. Contradictions and Limits of a Developmental State:
With Illustrations of the South Korean Case. Social Problems, vol. 40, nº.
02, maio de 1993.
LAPLANE, Mariano F. & SARTI, Fernando. Investimento Direto
Estrangeiro e a Retomada do Crescimento Sustentado nos Anos 90.
Economia e Sociedade, nº. 08, Campinas, junho de 1997.
LAPLANE, Mariano F. & SARTI, Fernando. Novo Ciclo de
Investimentos e Especialização Produtiva. In: REIS VELLOSO, João P.
(org.). O Brasil e o Mundo no Limiar do Novo Século. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1998.
LARA RESENDE, André. A Moeda Indexada: Uma Proposta Para
Eliminar a Inflação Inercial. In: REGO, José M. (org.) Inflação Inercial,
Teorias sobre Inflação e o Plano Cruzado. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1986.
LOPES, Francisco. O Choque Heterodoxo. Rio de Janeiro: Campus,
1988.
MACHADO RIBEIRO DE LESSA, CARLOS F. T. Visão Crítica do II PND.
Revista Tibiriçá, nº. 06, São Paulo, junho de 1977.
MACHADO RIBEIRO DE LESSA, CARLOS F. T. & DAIN, Sulamis.
(1982/1983) Capitalismo Associado: Algumas Referências Para o Tema
Estado e Desenvolvimento. In: MELLO BELLUZZO, Luiz G. & COUTINHO,
Renata (orgs.) Desenvolvimento Capitalista no Brasil: Ensaios Sobre a
Crise - vol. 01. Campinas: Instituto de Economia da UNICAMP, 1998.

82
MARDON, Russell. The State and the Effective Control of Foreign
Capital: The Case of South Korea. World Politics, vol. 43, nº. 01, outubro
de 1990.
MARGARIDO, Sérgio P. Fluxos de Capitais para a Economia
Brasileira na Primeira Metade da Década de 90: Construção de Novos
Vínculos Financeiros Externos e Emergência de Novos Riscos. Campinas:
IE/UNICAMP, Dissertação de Mestrado, 1997.
MEDEIROS CARNEIRO, Ricardo. Crise, Estagnação e Hiperinflação.
Campinas: IE/UNICAMP, Tese de Doutoramento, 1991.
MELLO BELLUZZO, Luiz G. & GOMES DE ALMEIDA, Júlio S. A Crise
da Dívida e suas Repercussões sobre a Economia Brasileira. In:
NOGUEIRA BATISTA JR., Paulo & MELLO BELLUZZO, Luiz G. (orgs.) A Luta
Pela Sobrevivência da Moeda Nacional. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
MELLO BELLUZO, Luiz G. & GOMES DE ALMEIDA, Júlio S. Depois da
Queda: A Economia Brasileira da Crise da Dívida aos Impasses do Real.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
MENDONÇA DE BARROS, José R. & GOLDENSTEIN, Lídia. Avaliação
do Processo de Reestruturação Industrial Brasileiro. Revista de Economia
Política, vol. 17, nº. 02, São Paulo, abril-junho de 1997.
MESQUITA MOREIRA, Maurício. Estrangeiros em uma Economia
Aberta: Impactos Recentes Sobre Produtividade, Concentração e
Comércio Exterior. Texto para Discussão BNDES, nº. 67, Rio de Janeiro,
1999.
MOURA DA SILVA, Adroaldo. Intermediação Financeira no Brasil:
Origens, Estrutura e Problemas. São Paulo: FIPE/USP, mimeo, 1979.
NOGUEIRA BATISTA JR., Paulo. Mito e Realidade na Dívida Externa
Brasileira. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1983.
NOGUEIRA BATISTA JR., Paulo. Formação de Capital e
Transferência de Recursos ao Exterior. Revista de Economia Política,
Volume 07, nº. 01, São Paulo, janeiro-março de 1987.

83
NOGUEIRA BATISTA JR., Paulo & MELLO BELLUZZO, Luiz G. A Luta
Pela Sobrevivência da Moeda Nacional. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
OLIVEIRA, Julio H. G. Money, Prices and Fiscal Lags: A Note on
Dynamics of Inflation. Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review, nº.
82, setembro de 1967.
PÁDUA LIMA, Maria L. L. M. O Euromercado e a Expansão do
Capital Financeiro Internacional. Campinas: UNICAMP, Dissertação de
Mestrado, 1985.
PAULANI, Leda M. Teoria da Inflação Inercial: Um Episódio Singular
na História da Ciência Econômica no Brasil? In: LOUREIRO, Maria R.
(org.) 50 anos de Ciência Econômica no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes,
1997.
PORTELA FILHO, Petrônio. A Moratória Soberana: A Alternativa do
Confronto Externo: Seus Custos, Perspectivas e Mitos. São Paulo: Alfa-
Omega, 1988.
PORTELA FILHO, Petrônio. Plano Brady: da Retórica à Realidade.
Estudos Econômicos, volume 24, nº. 01, São Paulo, janeiro-abril de 1994.
RAMOS, ANA P. Uma Avaliação das Fontes de Financiamento
Externo da Economia Brasileira nos Anos 90. Economia & Tecnologia, nº.
01, janeiro-março de 1998.
SACHS, Jeffrey D. & WILLIAMSON, John. External Debt and
Macroeconomic Performance in Latin America and East Asia. Brookings
Papers on Economic Activity, nº. 02, vol. 1985, Washington, 1985.
SARDENBERG, Carlos A. Aventura e Agonia: Nos Bastidores do
Cruzado. São Paulo: Companhia da Letras, 1987.
SERRA, José C. (1982/1983) Ciclos e Mudanças Estruturais na
Economia Brasileira do Pós-Guerra. In: MELLO BELLUZZO, Luiz G. &
COUTINHO, Renata (orgs.) Desenvolvimento Capitalista no Brasil:
Ensaios Sobre a Crise - vol. 01. Campinas: Instituto de Economia da
UNICAMP, 1998.

84
SUZIGAN, Wilson. A Economia Brasileira Após uma década de
Estagnação. Economia e Sociedade, nº. 01, Campinas, agosto de 1992.
TANZI, Vito. Inflation and the Measurement of Fiscal Deficit. IMF
Staff Papers, nº. 04, vol. 34, Washington, setembro de 1978.
TAVARES, Maria da C. Apresentação. In: HOBSON, John A. A
Evolução do Capitalismo Moderno: Um Estudo da Produção Mecanizada.
São Paulo: Nova Cultural, 1985.
TAVARES, Maria da C. & MELLO BELLUZZO, Luiz G. Uma Reflexão
sobre a Natureza da Inflação Contemporânea. In: REGO, José M. (org.)
Inflação Inercial, Teorias sobre Inflação e Plano Cruzado. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1986.
TAVARES, Maria da C. Ajuste e Reestruturação nos Países Centrais:
A Modernização Conservadora. Economia e Sociedade, nº. 1, Campinas,
agosto de 1992.
TURNER, Philip. Capital Flows in the 1980’s: A Survey of Major
Trends. BIS Economic Papers, nº. 30, Basiléia, abril de 1991.
WILLIAMSON, John. Latin American adjustment: how much has
happened? Washington: Institute for International Economics, 1990.
WIRTH, John D. The Politics of Brazilian Development 1930-1954.
Stanford: Stanford University Press, 1970.
ZAHLUTH BASTOS, Pedro P. A Dependência em Progresso:
Fragilidade Financeira, Vulnerabilidade Comercial e Crises Cambiais no
Brasil (1890-1954). Campinas: IE/UNICAMP, Tese de Doutoramento,
2001.

85

You might also like