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Minjstério da Justiga Gabinete do Conselheiro Alessandro Octavian Luis ‘Ato de Concentragiio n° 08700.004957/2013-72 Requerentes: Monsanto do Brasil Lida. e Bayer S.A. Advogados: José Indcig Gonzaga Franceschini, Cristhiane Helena Lopes Ferrero, Renata Sermin Tormin, José Alberto Gongalves da Motta, Maria Eugénia Del Nero Poletti, Ludmylla Scalia Lima, Barbara Rosenberg, José Carlos da Matta Berardo, José Inacio Ferraz de Almeida Prado Filho ¢ outros. Relator: Conselheiro Alessandré Qetaviani Luis EMENTA: Ato de Concentragdo. Operagao reelizada no Brasil. Rito Ordinério Operasfio passivel de enquadramento nos incisos II ¢ VI do art. 90 da Lei n° 12.529/2011. Concessi6, feita pela Monsanto para a Bayer, de licenga para desenvolver, testar, produzir e comercializar, no Brasil, variedades de sementes de soja, contendo tecnologia Intacta RR2 PRO™, responsivel por conferir as plantas, simultaneamente, tolerincia a0 herbicida glifosato e resisténcia a insetos. Hipétese de subsungo prevista no art. 88 da Lei n? 12.529/2011 ¢ na Portaria Interministerial 994/2012 — faturamento. Agricultura, Pesquisa ¢ Desenvolvimento Agricola © Sementes e Mudas. Possivel sobreposigdo horizontal. Integraglo vertical. Parecer da Superintendéncia-Geral pelo nao conhecimento. Decisio pelo conhecimento. Aprovac3o condicionada a adaptagiio de cléusulas do contrato. Palayras-chave: biotecnologia; licenciamento; sementes de soja; Monsanto; Direito da concorréncia e propriedade intelectual; conhecimento. voro DAS REQUERENTES CONSELHO ADMINISTRATIVO,DE DEFESA EcoNomIca-capq”——2— Conselhio Administrative de Defesa Econémica~ CADE Gabinete do Conselheiro Alessandro Octaviani Luis ‘Ato de Concentrago 1!” 08700.004957/201 2 Ls 1. A Monsanto do Brasil Ltda. é sociedade empresaria de origem estadunidense, controlada pelo Grupo Monsanto, que se dedica a pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias agricolas, atuando no desenvolvimento de biotecnologia aplicada aos processos produtivos de diversas variedades de sementes. Sua atuagio no Brasil envolve 0 licenciamento de diferentes tecnologias e a comercializaglo de defensivos agricolas, sementes (algodao, milho, soja, sorgo e cana de agticar), biotecnologia, dcido de glifosato € glifosato. 2. A Bayer S.A. pertenge ao grupo Bayer ¢ atua em diversos segmnentos, com ampla gama de produtos e servigos afeitos ao setor quimico, da saiide humana ¢ animal, agricultura, biotecnologia e engenharia para as indistrias quimica ¢ farmacéutica. th. DA OPERACAO 3. _Avpresente operacdo consiste no licenciamento de uso de tecnologia da Monsanto a Bayer para desenvolvimento, teste, produgo ¢ comercializagdo, no Brasil, de variedades de sementes de soja contendo tecnologia Intacta RR2 PRO™, responsavel por conferir as plantas, simultaneamente, tolerdncia ao glifosato ¢ resisténcia a insetos. II. | TAXA PROCESSUAL 4 A taxa processual foi devidamente recolhida, nos termos da Lei n° 9.781/99 e da Regolugao n° 38/05, como demonstra a eépia autenticada do comprovante de recolhimento anexado as fls. 41/42 dos autos dos piblicos. | "IV. DO PARECER DA SUPERINTENDENCIA-GERAL 5. Bm seu parecer, a Superintendéncia-Geral do CADE recomendou 0 nao- conhecimento da presente gperagiio: “Polo exposto, entende-se que licenciamentos ndo-exclusivos de uso de tecnologia, desde que também no carreguem consigo acordos de néo-concorréncia, transferéacia Conselho Administrativo de Defesa Econémica— CADE Gabinete do Conselheiro Alessandro Octaviani Luis ‘Ato de Concentragio n° 08700.004957/2013- do ativos, organizagao comum ou vineulos societérios de qualquer natureza, ou qualqul | medida que implique em alterago dos centros decisérios ou restrigiio concorrencial, no siio de notificagao obrigatéria ao CADE nos termos da Lei n.” 12.529/2011.” (Parecer n° Be 171 da Superintendéncia- Geral) 6. Em breve andlise de mérito, ressaltou a inocorréncia de alterago na estrutura concorrencial do mercado em questiio. v. DO INCIDENTE DE AVOCACAO 7, Em 24'de julho de 2013, 0 presente Ato de Concentrago foi avocado ao Tribunal pelo Conselheito Eduardo Pontual, sob o fundamento de que operagbes deste tipo poderiam envolver questées que limitem ou prejudiquem a livre concorréncia, nos termos do artigo 65 cle artigo 88, da Lei 12.529/2011 VIL DO CONHECIMENTO 8 Ja manifestei-me quanto a necessidade de conhecimento de operagdes envolvendo 4 transferéncia de tecriologia quando da anilise dqs Atos de Concentragio n° ly 08012.002870/2012-387, n° 08012.006706/2012-08%, n° 08012.003898/2012-34" en? us 08012.003937/2012-01%, julgados conjuntamente na 27° sessio ordindria de julgamento 4 dessp Conselho, em 28,de agosto de 2013. Assim, seguindo‘o entendimento exarado em tal “ otasido, entendo que a decistio sobre o conhecimento da presente operagiio, bem como de quaisquer outros contratos de transferéncia de tecnologia, depende de consideragdes mais |)" Ofeio n® 3638/2015/CADE. Fs. 96/97 dos autos publicos. * 2 to de Concentragto n® 08012,002870/2012-38. Requerentes: Monsanto do Brasil Lida, ¢ Syngenta Protegdo de Cultivos Ltda, Relator: Conselheiro Marcos Paulo Verissimo, * Ato de Concentrag&o n° 08012.006706/2012-08. Requerentes: Monsanto do Brasil Ltda. ¢ Nidera Sementes ‘Lida. Relator: Conselheiro Alessandro Octavian Luis Ato de Concentrago n? 08012.093898/2012-34. Requerentes: Monsanto do Brasil Lida, e Cooperativa Central de Pesquisa Agricola. Relator: Conselheiro Alessandro Octaviani Luis. Sato de ConcentragSo n° 08012,003937/2012-01. Requereates: Monsanio do Brasil Lids. e Don Mario Sementes Ltda, Relator: Conselheiro Alessandro Octaviani Luis. Bee Se Ses Conseiho Administrative de Defesa Econdmica— CADE Gabinete do Congetheiro Alessandro Octavian Luis ‘Ato de Coneentragio n° 08700.004957/2013-7: } aprofundadas de ofdem concorrencial sobre o mercado concreto em anilise, sobre instrumento contratual especifico, nilo podendo ser baseada cm nomes fantasiosos de contratos que nfo condizem com os conteiidos obrigacionais estipulados e, muito menos ainda, em supostas “regras gerais” de inofensividade de certas préticas que néo encontram respaldo empirico ou subsistem a instrug&o minimamente mais aprofundada. 9. In casu, trata-se de contrato de licenciamento de tecnologia celebrado entre duas empresas potencialmente concorrentes® no mercado de tecnologia para sementes de soja. O > contrato firmado tem vigéncia de 20 anos ou enquanto durar a patente da Monsanto (caso venha a expirar antes) ¢, prima facie, vislumbra-se a possibilidade de integrago vertical duradoura bntré as atividades das referidas empresas, o que gera a necessidade de andlise do contettdo do contrato e da dinamica dg mercado em questo. VIL. MERITO 10. Conforme relatado, o presente Ato de Concentragio foi avocado no Tribunal pelo Conselheiro Eduardo Pontual em 24 de julho de 2013", sob o fundamento de que operagies deste tipo poderiam envolver questdes que limite ou prejudiquem a livre concorténcia, nos termos do artigo 65 ofc artigo 88, da Lei 12.529/2011. No entanto, fal procedimento teve sua egalidade desafiada pela requerente Bayer, em sede de preliminares, quando foram langadas a{ug, questdes sobre mecanismos de avocagao, VILLJ. A sistemdtica da lei 11. instituto da avocagio, previsto de maneira geral na Lei do Processo Administrativd (Lei n° 9.784/99, art, 15), € decorrente da hierarquia de poderes da Administragio Pablica. Ocorre quando érgiio hierarquicamente superior se incumbe do Na listagem de OGM’s autorizados no Brasil, a Bayer detentore da Tecnologia Transgénica para Soja Liberty Link, aprovada eri 2010 pelo Ministerio da Agricultura, Recuéria e Abastecimento, Disponivel em: bv wv. ‘Avessado em 27 de novembro de 2013. 7 Oficio n° 3638/2013/CADE. Fls. 96/97 dos autos piblicos. 2 docname= 1324452, PDF. (Conselho Administrative de Defesa EconGmica ~ CADE ‘Gabinete do Conselheiro Alessandro Octavian Luis ‘Ato de Concentraggo n° 08700,004957/2013-72 | exercicio de competéncia propria a érgfo hierarquicamente inferior. A partir de exitio, 0 Sérgio superior passa a exercer temporaria ¢ justificadamente a competéncia do drgao hierarquicamente inferior. Esse instituto foi inserido no Sistema Brasileiro de Defesa da \Concorréncia (“SBDC”) com o advento da nova lei antitruste, justamente para que o 6rga0 de cipula do sistema administrativo da concorréncia possa a seu eritério, redirecionar atos dos érgios de apoio. 12, Assim, na sistemética da Lei n® 12.529/2011, coube a Superintendéncia-Geral, com jelagdo A andlise de Atos de Concentragéo, emitir parecer recomendando (art. 57): (a) sua aprovagio sem restrigdes; (b) sua aprovagdo com restrigbes; (¢) sua reprovagao; ou (4) coneluir' pela auséncia de elementos conclusivos quanto aos efeitos da operagao no mereado “Nas hipéteses (b), (c) € (@), a SG oferecerd impugnagdo ao Tribunal, que decidiré a matéria, © Na hipétese de (a) uma operagdo ser aprovada sem restrigdes, portanto, o parecer da SG 1} pode revestir-se de definitividade, representando a efetiva autorizagio do SBDC para a realizagdo da operagio. 13. Contudo, dois eventos tém ainda o condao de devolver ao Tribunal a competéncia para teanalisar, 0 caso: (j) ,recurso da deciso por teréeiro interessado ou por agéncia reguladora (em se tratando de mercado regulado) e (ji) avoca¢do pelo Tribunal (artigo 65, incisos I e I), que ocorre mediante provocagdo de um de seus membros. 14. A avocagio, portanto, é.instrumento habil a permitir ao Tribunal a reandlise de Ato {| de Concentragtio aprovado pela Superintendéncia-Geral. 15, A lei antitruste (art, 65) prevé prazo de 15 (quinze) dias, contados a partir da publicagdo da decisio da SG que aprovar 0 Ato de Concentragdo, para que 0 Tribunal, mediante (“por meio de”) provocagio de um de seus Conselheiros e em decistio , ‘fundamentada, avoque o proceso para julgamento, Ha ainda a previsdo de que a execugdo | do ato de concentragio fique suspensa até a decisdo final do Tribunal - em manifesta . coeréncia com o sistema de anilise prévia instituido pela lei. VIL1.2. Pardinetros interpretativos a serem seguidos pelo Tribunal 16. Q Tribunal julgou seu primeiro incidente de avocagdo na 16° Sessio de Julgamento, em 20 de fevereiro de 2013. Naquela oportunidade, foram levantadas questdes de ordem Conselho Administrative de Defesa Econdmica ~ CADE |» Gabinete do, Gonselheiro Alessandro Octaviani Luis ‘Ato de, Concentragiio n° 08700.004957/2013-72 ig | com relag&o ao procedimento para a avocapfo, afastadas de plano, basicamente com os ee seguintes fundamentos: Ht @ Do requisite de “deciséo fundamentada” para a avocacho: Dada a importincia do bem tutelado, sua relevancia para a sociedade brasileira ¢ a velocidade com que ele pode ser vilipendiado, basta o simples interesse minimamente, fandamentado de um dos membros do Tribunal em examinar melhor a questéo para que esteja justificada a avocagdo. Portanto, nfo se exige, para a aprovagdo do pedido de avocagtio, que “haja altissima” chance de reversiio da decisio da Superintendéncia-Geral e, portanto, de reprovagio. “Um bom standard para delerminiar os casos que comportam avocagio corisiste em fiarmo-nos ao simples interesse de um dos conselheiros em avocar, minimamente fundamentado, quase que num juizo de delibacdo", conforme expressamente manifestado durante tal sesso deliberativa. (i) Do dnus a ser suportado pelo administrado: A avocagao evidentemente implica 6nus para as partes; a de esperar mais tempo para ver a sua operago apreciada em definitive pelo sistema. Esse nus deve ser considerado ao se | decidir ou nfo avocar. Observe-se que a propria lei avalia medidas de urgéncia (ex: aprovagio precéria) caso os requisites estejam preenchidos. (ii) 0 prazo de 15 dias: Afasta-se:por absurda, a interpretagtio de que 0 prazo de quinze dias seria para o Tribunal decidir, em plendrio, acerca da avocagao, sendo insufjeiente a manifestagiio de interesse de um Conselheiro em avocar. Tal tese, no limite, dé mais poder aos terveiros interessados ou as agencias reguladoras para proteger a concorréncia do que ao érgao investido por lei para fazé-lo. O limite razoavel das interpretagbes possiveis € 0 absurdo, € tal postulagio choca-se contra esse muro. 17. Assim, na referida Segsio, o Tribunal do CADE tragou algumas diretrizes interpretativas do escopo normativo que regulamenta o procedimento da avocagao: I. Deve ser observadg, para 0 pedido de avocagao de um dos Conselheiros, 0 prazo de 15 dias, contado a partir da publicagdo da decistio da ‘Superintendéncia-Geral que aprovar 0 ato de concentrago; Conselho Admi tivo de Defesa Econémica~CADE 1 [Gabinete do ConezIhei Alessandro Octavian Luis, Ato de Concentra n° 08700.00495772013+ { ( y | IL. A manifestagto (unilateral, tempestiva ¢ minimamente fundamentada) de a i dos Conselheiros 6 suficiente para suspender a execugo da operagto até julgamento do incidente de avocagao ¢; III. O incidente de avocagiio ser deliberado na primeira oportunidade posterior & i formulagio do pedido, Nessa oportunidade, o incidente tera como relator 0 Conselheiro que 0 provocou; IV. Avocada 0 Ato de Concentrago, 0 processo seré redistribuido a um | | Conselheiro, que passaré a ser o relator do processo em si; V. Mesmo avocado 0 Ato de Concentragao, a andlise de mérito sobre a operagiio deve respeitar os limites cronolégicos estabelecidos na Lei n° 12.529/11 (240 dias prorrogiveis por até 60, a pedido das partes, ou até 90, mediante decisio fandamentada do Tribunal). 18. Essas so, portanto, as balizas ihterpretativas esposadas pelo Tribunal na primeira oportunidade em que teve de avocar uma operagdo, reiteradas vezes jé executadas.® WIEI3. Da avocagdo no caso concreto 19. Em petigtio apresentada ao longo da instrugéo do presente Ato de Concentragio, a requerente Bayer postulou a preliminar de nulidade da referida avocagao, pelas seguintes 7 tazbes: a) “O prazo maximo para que o Tribunal decida por eventual e excepcional avocagio & de 15 (quinze) dias.” (fis. 105 dos autos piblicos) 4) “No basta A avocago que um Conselheiro a pleiteic, posto que a competéncia legal ¢ do Tribunal € nao de um de seus membros isoledamente considerado, neth ha previsfo legal para a delegacao, pelo Tribunal, de poderes a um nico e isolado Conselheiro. A norma néo admite postergagio a "CE. ACs n.* 08700,011105/2012-51 e 08700.006336/2013-23, Conselho Administrativo de Defesa Econémica— CADE Gabinete do Conselheiro Alessandro Octaviaai Luis ‘Ato de Concentragio n° 08700,004957/2013-72 \™™ consolidago de uma decisio constitutiva de direito do Administrado, proferid, pela SG.” (fls. 105 dos autos piblicos); ) “Determina 0 art. 131 do RICADE que, uma vez formulado, o Conselheiro pleiteante toma-se prevento para relatar 0 pedido face o debate que deve-se seguir face o Tribunal (art. 131, pardgrafo 1° do RICADE), regularmente convocado para sua discusstio e julgamento. Por dbvio que parega, a presenga do Conselheiro pleiteante & Sessfo de Julgamento que deliberard sobre 0 pedido de avocagéo & imprescindivel a legalidade desta, sob pena de estar-Ihe ausente Relator. Ocorre que, no caso conereto, nem a Sessio de Julgamento foi convocada, nem 0 i, Conselheiro pleiteante poderia estar a ela tempestivamente presente para relatar 0 pedido de avocagiio, posto encontrar-se ele no legitimo g020 de férias.” (fls. 106/107 dos autos publicos) d Nao teria sido dada publicidade prévia sobre a Sessio Extraordinaria de Distribuigao na qual 0 processo foi distribuido, iogo a autoridade teria deixado de “atentar para as exigencias legais e ritos processuais préprios ao incidente de avocagio, (..) 0 que culminou por resultar na inexisténcia ou, no minimo, ilegitimidade da avocago do presente Ato ¢, portanto, no trinsito em julgado da deciséo proferida pela i. SG” (fis. 104 dos autos pblicos); 20. _O primeiro argumento apresentado (“o prazo mdximo para que o Tribunal decida ‘por eventual e excepcional avocagdo é de 15 [quinze] dias”), conforme ja demonstrado, nfo merece acolhida por conduzir ao absurdo: qualquer terceiro interessado (i) teria mais _poderes do que os membros do Tribunal pata zelar pelos bens juridicos que justamente cémpdem 0 niicleo da competéncia estatal dos Conselheiros; ¢ (ii) poderia apresentar recuiso e, ainda que néo preenchesse 0s requisitos de admissibilidade, mesmo assim teria 0 efeito de suspender a execugo da operago (mas, se um Conselheiro do Tribunal tivesse a pretensdo de avocar o feito, nfo haveria suspensio, e assim sendo, poderia ver frustrada sua pretenso de avocar meramente pélo fato de, nfo haver Sessdo de Julgamento no prazo de quinze dias). 21. © segundo argumento defendido pelas requerentes sustenta que a avocagio & decisto colegiada, nfo bastando o pedido de um Conselheiro para tanto, sendo que “a norma néo admite postergagdo & consolidagao de uma decisdo constitutiva de direito do Consetho Administrative de Defesa Econdmica - CADE Gabinete do Consetheiro Alessandro Octaviani Luis ‘Ato de Concentrago n° 08700.004957/2013-72 Administrado, proferida pela SG”. Trata-se de argumento falso, vez. que no ha “. Acesso em 20 de setembro de 2013. 1 4 CTNBio 6 uma instincie colegiada multidisciplinar, criada através da lei n° 11.105, de 24 de margo de 2005, cuja fnalidade é prestar apoio tfenico consultive e assessoramento, a0 Governo Federal na formulagdo, ‘atualizagto & implementaac, da Politica Nacional de Biosseguranga relativa 2 OGM, bem como no estabelecimento de normas,iécnicas de seguranga ¢ pareceres técnicos referentes & protest da sede huma dos organismos vivos ¢ do meio ambiente, para atividades que envolvam a construgto, experimentagdio, caultivo, manipulago, transporte, comercia}izagdo, consumo, armazenamento, liberagto ¢ descarte de OGM & derivados. Vide < httpy//www.ctnbio.gov.b1/>. P Para fins de simplificagso do texto do voto, mas sem se afastar dos fatos, os termos “'melhorista” & “obtentor” serdo utilizados como sindnimos. 21 Conselho Administrative de Defesa Econdmica — CADE Gabinete do Conselheiro Alessandro Octaviani Luis ‘Ato de Concentragdo n° 08700.004957/2013-72{ Fis, 45. O papel, dg melhorista/obtentor'’ no mercado de soja foi objeto de detalhada| desetig pelo i, Conselheiro Eduardo Pontual, em sou voto-vista nos Atos de Concentragao n° 08012.002870/2012-38, n° 08012,006706/2012-08, n° 08012.003898/2012-34 © n° 08012.003937/2012-01: “Desenvolvimento do Germoplasma, etapa na qual empresas de melhoramento genético, chamadas Obtentoras Vegetais (‘Obtentoras’), desenvolvem diferentes variedades de soja (sementes matrizes). Essas empresas so proprietarias de bancos de germoplasma, que consistem em uma base fisica que reine e conserva o material genético hereditério de uma espécie com o objetivo de garantir sua sobrevivéncia para uso das futuras geragses, o que também demanda altos investimentos em pessoas especializadas, infraestrutura de pesquisa e tempo. Em suma, s4o os proprietérios da ‘genética’ (semente), em que podem ser introduzidas tecnologias como a da Monsanto (@ rigor, as sementes funcionam como um veiculo para a referida tecnologia), Vale destacar que ha dezenas de variedades de soja, cada qual com caracteristicas genéticas proprias. Nesse elo, atua a Moisoy, da Monsanto, bem como empresas Requerentes licenciadas, quais sejam, Coodetec, Don Mario, Syngenta e Nidera, dentre outras.” 46. Como se pode observar, a funcao do melhorista/obtentor do cultivar é de extrema importéncia na cadeia produtiva de sementes transgénicas, vez que as inovagdes vegetais levem adaptar-se is condigdes edafoclimiticas (condigdes do solo.e do clima) e ecol6gicas nds quais serfo introduzidas, Portanto, a introdugdo de uma tecnologia transgénica nesse mercado depende necessariamente da combinagio dessa tecnologia com 0 germoplasma de cultivares adaptados aos diferentes ambientes ¢ necessidades agricolas, pois na agricultura cultivavel “é a semente que fornece a ligagdo material essencial entre a pesquisa ¢ 0 mercado, E no formato das sementes que as novas variedades de planta se tornam um produto comercial, "> Parafraseando North, aqui, “o melhorista e a semente importam”. 47. Portanto, conelui-se que os desenvolvedores de tecnologia necessitam ter acesso aos germoplasmas dos methoristas/obtentores para poderem inserir seu produto (tecnologia ¥ Nos termos da Lei n® 10.71/03, “obtentor” & a pessoa fisica ou juridica que obtiver cultivar, nova cultivar ‘ou cultivar essencialmente derivada, 'S KLOPPENBURG, JR,, Jr. (2004). First the seed ~ the political economy of plant biotechnology. Wisconsin: «The University of Wisconsin. fn: FIGUEIRA, ZAMBALDE & SUGANO. Inovagao de Modelo de Negécios em uma Empresa de Biotecnologia Agricola. Revista de Administragdo © InovasS0, S80 Paulo, v. 8, n° 2, p.106-131, abrjun. 2011, p. 118. 22 44: Conselho Administrative de Defesa Econbmica ~ CADE. Gabinete do Conselheiro Alessandro Octeviani Luis ‘Ato de Concontrago n° 08700.004957/2013-72 transgénica) no mercado. Isso expli¢a as infimeras aquisigdes de empresas nacionais possuidoras de banco de germoplasma adaptado ao solo brasileiro por grandes empresas multinacionais desenvolvedoras de tecnologia transgénica, como estratégia de entrada no mereado nacional. Esse foi o caso da Monsanto que, por meio da aquisi¢éo da empresa Teragill Pesquisa Agricola Ltda, (atual Monsoy S.A.), pode se estabelecer no mercado de soja transgénica. Além disso, tais mmultinacionais langaram mao de contratos de * jicenciamento de tecnologia ¢ formas de integragao e colaboragao no desenvolvimento de pesquisis conjuntas com empresas nacionais, como detalhadamente descrito pelo i. ex- Conselheiro Elvino’de Carvalho Mendonga, em seu voto-vista nos Atos de Concentragao n° 08012.002870/2012-38, n? 08012.006706/2012-08, n° 08012.003898/2012-34 € nt 08012,003937/2012-01 48. essa forma, a competitividade no seguimento de desenvolvimento de tecnologias , transgénicgs, parece, estar, associada primordialmente a dois aspectos: “(i) estrarégias de integracao e diversificagdo das empresas; e (Ii) realizagdo de contratos e parcerias tecnolégicas.”'® 49. As tecnologias transgénicas desenvolvidas por ¢ssas empresas sto protegidas pelo direito de propriedade intelectual, especificamente pelo sistema de patentes. A compreensao desse sistema 6, pois, vital para a correta compreensiio da dinémica concorrencial nesse mercado. VIL3.2. A estrutura do sistema de patentes no Brasil 50. S80 objetos de patrimonializagao, pelo regime juridico da propriedade intelectual ‘uma série de criggées humangs, como as de natureza técnica, literaria, artistica ou cientifica, indicagdes geogréficas, reputaglio dos comerciantes, marcas ou listas de clientes. ‘s1. Para Nuno Pires de Carvalho, a ideia de “diferenciagdio” ¢ nuclear: “fo] » , denominador comum da propriedade intelectual é a natureza diferenciadora dos ativos que Santini, G. A reestruturagdo da jndistria de sementes no Brasil: 0 novo ambiente concorrencial dos ‘segmentos de milho hibrido e soja. Dissertago de mestrado. Departamento de Engenharia de Produgto. DEP/UFSCar, Sio Carlos, 2002, p. 149. 23 75 Conselbo Adminisirativo de Defesa Econ6mica~ CADE Gabinete do Conselheiro Alessandro Octaviani Luis Ato de Concentragto n° 08700.004957/2013-72 constituem 0 objeto de sua proteséo.”"” Ou seja, 0 real objeto de protegao da propriedade intelectual sdo, os ativos intangiveis diferenciadores de determinados objetos ou atividades, nfo abrangidos pela concepgao tradicional de propriedade privada, mas que inegavelmente portam um valor (inclusive ~ ¢ principalmente - econdmico): “ ideias 36 sao protegidas ‘pela propriedade intelectual na medida em que diferenciam, em que distinguem os ativos uns dos outros, as empresas umas das outras, os criadores uns dos outros, 08 comerciantes uns dos outros". Fruto de intensa atividade inventiva ou resultante de fatores externos a0 génio humano, o quie justificaria a protegdo seria a capacidade de diferenciagao daquele ativo intangivel: “Em. resumo, a propriedade intelectual, em todas as suas modalidades, permite as empresas capturar aqueles ativos intangiveis que detém e que servem para distingui-las de seus concorrentes. Nao importa se esses ativos infangiveis consistem num conheciniento incorporado num produto farmacéutico que pode salvar as vidas de ‘milhdes de pessoas ou simplesmiente a informagio sobre certo fornecedor que produz feij5es de mélhdr sabor em sua fazenda. Qualquer desses conhecimentos pode constituir um fator determinante para os clientes preferirem os produtos de uma empresa aos de sseus,concorrentes.” * * 52. A propriedade infelectyal, como € cedigo, € composta por duas grandes areas: direitos ‘de autor e seus direitos conexos ¢ a propriedade industrial. © mecanismo de funcionamento dos primeiros pode ser resumido como a “possibilidade de se proibir terceiros de reproduzir (...) a obra protegida”’, enquanto o iltimo asseguraria 0 “direito de . proibir terceiros de usar os ativos protegidos””®. A protecao de ativos intangiveis que no se enguadram nessas duas éreas € conhecida como protesdo sui generis da propriedade } intelectual, abrangendo a protegdio a novas variedades de plantas (cultivares), & topografia de i, sircuitos integrado’, tos conhecimentos tradicionais e as manifestagdes fole\6ricas. 53, __Itiserta no regime de propriedade industrial, a patente é titulo concedido pelo poder piiblico, que atribui, o direito de propriedade sobre ativos intangiveis diferenciadores que ? CARVALHG, Nuno Pires de. A estrutura qos sistemas de patentes e de marcas. 2009, p. 4: ™ CARVALHO, op. cit, p. 16. fo de Janeiro: Lumen Juris, Conselho Administrative de Defesa Econdmica ~ CADE Gabinete do Conselheiro Alessandro Octaviani Luis ‘Ato de Concentragao n° 08700.004957/2013-72, ‘apresentem determinadas caracteristicas. O sistema de patente estruturou-se, via de regra, a sepatti: de quatro elementos prineipais: 1. A natureza do direito: é um direito negativo, na medida em que se expressa unicamente pelo poder de impedir terceiros de usar a invengao; 2. A natureza do objeto: protegem invengées (e, no caso brasileiro, modelos de utilidade”); ‘As condigSes de patenteabilidade: condigdes substantivas (novidade, suficiente atividade inventiva ¢ aplicagao industrial ou utilidade) ¢ formais (descrigao da invengao no pedido de registro); 4. fim da exelusividade do inventor sobre o direito originario de aquisiggo da patente sobre 0 invento, permitindo-se a atribuiggo de tal direito aos detentores de, capital via contrato (tal possibilidade foi vital para o recente processo de “financeirizagao” das patentes), 54. B util, do ponto de vista concorrencial para o presente caso, investigar 2 natureza do direito, pois, em oposig#io aos direitos positivos regulados pela propriedade de bens ‘corpéreos”, © direito de patente representa, como tecnologia juridica, uma posigao “eminentemente negativa na medida em que gera o direito de impedir a utilizaglo da invengdo patenteada por terceiros; nada mais é do que o direito de thes dizer “nfio”™?: i % © antigo 9° da Lei n° 9.279196 determina que: “E patentedvel como modelo de wtlidade o objeto de uso pritico, ou parte deste, suscgilvel de aplicagdo industrial, que apresente nova forma ou disposi emplvendo atp inyentivo, que resulte em methoria funcional ho seu uso ou em sua fabricagdo.” artigo 1.228 do Cédigo Civil Brasileiro: “O proprietério tem a faculdade de usar, gozar e disper da coisa, ¢ o'tireito de reavé-ta'do poder de quem quer qué Injustamente a passua ou detenha.” 224 patente, com seu direifo inejente de dizer ‘nfo’ é um mecanismo de mercado & que permite a0 titular recuperar 0s custos da invengo mediante a sua incorporagdo (chamada de ‘internalizaso") nos pregos — ainda {que nem sempre as patentes gerem precos mais elevados; muitas vezes, como no exemplo do processo mais ceficaz, o que a patente faz é dar ao titular uma vantagem concorrencial que the permite vender produtos mais baratos. A patente, com este contetido juric ico singuler,portanto, é um instrumento especifieamente capitalista de apropriaga0 de conhecimento.” 2s ‘Conselho Administrativo de Defesa Econémica~ CADE Gabinete do Conselheiro Alessandro Octaviani Li Ato de Concentrago n? 08700.004957/2013-72 "55. _Essq apreenso de tecnologia patentiria como poder de dizer no e, portanto, gerar “GSbito Vilionério do que insistir na utilizago do objeto protegido sem autorizagio, € mais til a compreensdo do, mereado em anélise do que a cléssica narrativa sobre “patentes como monopélios legais”, pois ela nos leva ao uso estratégico da propriedade intelectual € sua |” capacidade de ser ativo ou passive nos patriménios que se relaconam em um especifico (mercado. A nog de patentes como monopélios legais telaciona-se com a heranga medieval de ‘exclusividade conferida as corporagées de oficio ¢, posteriormente, ao sistema de “patentes” regulgdo pelo Estatuto de Monopélios inglés, de 1624. E sabido que o direito de exclusividade referente a um processo ou produto dificilmente tem capacidade de tornar uma empresa monopolista, como relembra Hovenkamp (mesmo que tal seja, como €, possivel): “[A] maioria das patentes cobre diferengas razoavelmente idiossincraticas relativas aos processos de fabricaglo ou produtos. Elas evitam que os processos ou produtos dos rivais sejam absolutamente idénticos — isto é, elas facilitam a diferenciago dos produtos. Mas assim como os varios produtos num mercado diferenciado nfo constituem normalmente mercados relevantes em si mesmos, também os direitos de proptiedage intelectual por si s6s nfo servem para transformar concorrentes em monopolistas.""* §6. Lianos & Dreyfuss, também apontam correta concepgio do direito negativo ‘ conferido pela patente ao seu titular como uma “vantagem de custo” (cost advantage): a \ possibilidade de impedir outros de utilizarem a tecnologia patenteada sem sua autorizagao 4 ® Na Gri-Bretanba, 8 monop6 Tribunal do Bancé do’ Rei (“King’s Bencl) no caso Darey v. Allein, em 1602. Em tal ocasio, no entanto, 8 foram considerados como prejudiciais & sociedade a pastir da decisto do ‘corte apontou as patentes como uma excegdo a essa regra, reforgando a ideia de patentes como monopélics temporérios. Tal entendimento foi codificado uo Estatuto dos Monopélios inglés de 1623, que tomnou ilegais, todos os monopélios com excegto das patentes conferidas aos primeiros inventores de novos produtos, desde que nfo fosiem “Lontrdrios & lel, nem perniciasos ao Estado, elevando os pregos de commodities Internanente, ou prejudicando 0 comércio ou inconvenientes em geral.” (Ini LIANOS & DREYFUSS. New Challenges in the Intersection of Intellectual Property Rights and Competition Law — A View from Europe and the United States. Centre for Law, Economics and Society Working Paper Series 4/2013, 2013, p. 46) , " HOVENKAMP, Herbert. Federal Anis Poliey— The law of competion and its practice. West Publish | Co, St Paul, 1994, p. 136 interessante nota que nosso Supremo Tribunal Federal jd reconheceu essa fungdo Acesso,em 20 de novembro de 2013, % 4 patente da Monsanto sobre o glifosato, né entanto, j4 expirou, niotivo pelo qual a sobrepasiglo ehtre 0 mercado de sementes e gendmica ¢ de herbicidas (com o glifosato como principio ativo) néo tem gerado preocupagses concorreaciais substanciais nesse Conselho. Alias, considerando que as Unicas duas tecnologias _, Gsponiveis no mereado para soja tansginiea (ambas da Monsanto) ttm como principal caracterstca a tolerineia ao glifosato, quanto mais forga essa caracteristica, genética ganha no mercado de tecnologia transgénica, mais competitivo se toma o mercado de herbicidas & base de glifosato, dado o grande nimero de stores nesse iltimo, 29

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