You are on page 1of 5

Sobre a janela, havia uma pequena tabuleta com três letras, as quais seus olhinhos cansados

sempre gostavam de contemplar, inseguramente, ela se torcia na pequena janela circular que
comumente poderia ser chamada de escotilha para olhar as formas na tabuleta, e sempre pensava.
-Redondinha como a lua cheia, redondinha como um tomate maduro, e um gancho de
estilingue... o que vocês tanto querem me dizer?
Era um comodo apertado, uma velha torre, sua alegria matinal, era ver o sol nascer, os raios
vacilantes formavam arcos-iris pela sua janela, enchendo seu aposento de cores, então corria a
presença do sol, e punha seus pés para banharem-se de luz, e isto era muito gostoso, era como se os
raios coloridos fizessem cocegas em seus dedos, conforme a manhã ganhava força, o sol ia dando
ao quarto um tom mais azulado e esverdeado, resultado da miscelânea entre as arvores e o vitral.
Lá fora o canto dos pássaros enchia seus ouvidos, e zumbir dos insetos fazia suas orelhas se
mexerem de forma involuntária, para capitar cada bater de azas... e assim imaginar como era o
mundo lá fora, sempre ouvia um som de água quebrando, e imaginava as águas do rio, se
arrebentando, as pedras pretas coberta de lodo e limo, assim como os velhos tijolos esternos da
torre, os peixes nadando, e a vida cheia de luz e sol.
De dentro de sua torre, ela olhava vagamente entre as folhas, um pequeno monte visinho,
vez em quando via o céu azulado, ou nublado, ou poente... mas ela o via, nas noites de lua, sua torre
ficava toda prata por dentro, nas noites sem lua, corria a subir em uns caixotes velhos para ficar
mais perto do teto (que não era muito alto) e via o céu cheio de pontinhos luminosos que aparecia
entre as falhas no telhado, nos dias de chuva há quem podeira julgar desagradável a ela, pois
vazava-se muita água em seu aposento, mas não, ela amava banhar-se na água da chuva que entrava
sorrateiramente em sua torre.
E essa era basicamente sua via, um tanto quanto solitária poderiam dizer, mas ela com o
passar do tempo, preferia a solidão dos dias, o silencio das horas que passavam se arrastando pela
torre, brincava quando lhe era conveniente brincar, esbravejava quando lhe era conveniente
esbravejar, sonhava quando lhe era conveniente sonhar, tecia quando lhe era conveniente tecer, lhe
contava histórias quando lhe era conveniente contar-lhe histórias, apoiava-se quando lhe era
conveniente apoiar-se, e dormia profundamente quando lhe era conveniente dormir profundamente,
para acordar e brincar novamente se fosse conveniente.
O silencio da torre quase nunca era quebrado, mas quando o ocorria, seu corpo estremecia
como vara verde ao vento forte, e seu semblante perdia totalmente a luz, então pela frieza que subia
das salas inferiores ela sabia, que Ele estava em casa.
Ele nunca falava muito, e francamente ela torcia para ele não falar.
Ela acordou sentindo um frio incomum, era um dia nublado, e ela gosta de dias nublados,
ama ver os tons de cinza misturados aos raios de sol, mas hoje, o sól parecia estar sem coragem de
vê-la. Hoje ela era a Crescente. As fitas de sua sandália estavam em um vermelho vivo, e seu
vestido de renda mal lhe cabia, abriu o baú e vestiu um outro mais confortável, se sentou num canto
menos iluminado aguardou silenciosamente, enquanto seu peito palpitava. Ouviu seus pés pelos
cômodos inferiores, e pensava, “Qual forma ele terá? Mas que diferença faz? Um monstro é
sempre um monstro não é?”.
Ela ouviu os passos pesados sobre a escada, a cada pisada, seu coração ia a sua boca e
voltava ao peito, lagrimas já escorriam em seu rosto, em meio as espinhas que já começavam a
brotar, desde que o sol raiou, lentamente a porta se abriu ela instintivamente abaixou seu rosto, para
evitar sua imagem, suas mãos eram peludas e grandes, com a ponta das unhas retirou a fita de suas
sapatilhas vermelhas, descalçou os seus pés levantou o culetélo e os ceifou seus pés, “não doeu
nada, ela sempre pensava, amanhã eles crescerão novamente, graças as sementes de chuchu que o
Saci me deu... mas não poder andar... e ser obrigada a viver aqui... assim...”, pode ouvir o som do
monstro devorando os seus pés e suas gargalhadas de prazer ao cometer tamanha maldade, e ela
chorou, até que adormeceu, e quando a lua crescente apontou no céu ela já podia ver seus pézinhos
começando a aparecer, “assim que o sol raiar eles estarão de volta”.
Ela não sabia quando ele vinha, Ele o Monstro, o não-humano, o Hediondo... ele o Obakéité.
O Obakéité, era uma criatura sem forma que se apossava de varias figuras, para assim nunca ser
encontrado nunca ser reconhecido, ele viajava, se disfarçava de caixeiro-viajante, e passava pelas
vilas pelas cidadezinhas devorando pés de crianças, e vendendo malefícios disfarçados de bonança
aos desavisados. Um tempo muito tempo atrás ele estava em uma vila, e uma família muito gentil o
aceitou, estava com a aparência de serio homem que seria facilmente confundido por um tio,
padrinho ou pai de qualquer um... Esta famila era uma de pessoas direitas que o acolheu de muito
bom grado e respeito.
“não quero incomodar a ninguém” ele disse “mas se o amigo me oferece assim um abrigo
tão caloroso como posso lhe fazer tamanha disfeita?”. E ali passou oito dias.
A família era de uma humildade sem igual, ele pensava, mas o que mais o atrai não era a
hospitalidade de seus recém amigos, não eram os pés de suas crianças, “sete pésinhos tão
suculentos” ele pensava, mas se segurava para não fazer besteira na casa onde estava hospedado. O
Obakéité adorava pés de crianças, mas em particular, ele gostavam muito de um... de pés que andam
muito, quanto mais a criança era sabida mais suculentos ficavam, assim como os das desobedientes
lhe eram apimentados, e este lhe chegavam salivar... preste a ir embora, ele já não suportava mais,
foi quando ele viu, dois pésinhos que lhe fez roncar o estomago, a segunda filha de seu anfitrião.
Uma menina muito da esperta, com os olhinhos cheios de curiosidade, com os pés bons em correr
com tamanha inteligencia que faziam suas lombrigas se remunerem de vontade de comer, ora por
aquelas bandas, vivia em uma tapera um senhorzinho muito do sabido, seus olhinhos já miúdos pela
idade perceberam logo, que as crianças que ali apareciam em sua casa pra ser benzidas, não sofriam
de outro mal a não ser o Obakeité, para remediar os pés que eram arrancados sem dor, mas que
causavam uma dor maior, a de não poder andar, ele usava uma cemente especial de uma planta que
todos conheciam mas não sabiam que o pé que tinha na casa de seu Preto Benzedor era especial,
este pé de chuchu que ali nascera, reza a lenda foi dado por um senhor do oriente que era seu
parente distante chamado Baltazar, deu a ele essas sementes benzidas elas então tomaram a forma
de chuchuzeiro para que todos pudessem provar do bem, mesmo sem saber a quem, então seu Preto
Benzedor, curava as crianças com nada mais nada menos que um bom prato de chuchu com carne
seca, então após comerem a pratada, ele rezava aos anjos da guarda, a virgem santa e divino espirito
santo, e aconselhava aos pais para que mantivessem suas crianças dentro de casa por oito dias, e que
comecem frutos verdes pois suas raízes haviam sido arrancadas e para que pudessem crescer e
serem livres novamentes só o carinho e zelo da família poderia fazer suas raízes que não são vistas
voltarem a crescer..
“É ele minha preta...”, disse ele em uma manhã para a sorridente Dona Flor sua esposa
enquanto ela preparava o café, de aroma tão gostoso, e de cor tão bonita quanto a sua “eita meu rei,
mas será, valei-me nossa senhora...”, continuou Seu Preto Benzedor “é sim minha flô, e só as
criança do Zito, que ainda não foram pegas pelo mal, mas chama cá o nosso menino, diz pra ele
vir aqui, eu mesmo ia a casa do Zito, mas ce sabe... ele é homi bom, mas tem a cuca fechada, e por
isso é que o mal entro foi na casa dele...”. Dona Flor foi a janela e gritou “Vem cá meu fiii” e do
meio do bambuzal no encalço do redemoinhinho vem correndo o moleque, com sua veste
avermelhadas de terra com um gorro na cabeça, “leva esse saquinho pros meninos do Zito que é
pra preveni eles do mal”.
E lá foi correndo o moleque chamou da cerca um dos meninos que jogavam bola, a mãe
cozinhava no fogão a lenha e a menina-dos-pés-suculentos (pelo menos para o Obakeité) levava
uma tijela de milho enquanto resmungava uma coisa qualquer.
“ O dito mamãe mando eu entregá pro cê essas sementes aqui, ce planta elas que amanhã
já tão grandinhas e dispois de amanhã já tá dando” Falou apressado olhando para os lados “eita
que o pai num vai gosta de ve ce aqui não Saci”.
Antes que o vento voltasse a soprar o menino já estava longe no encalço da poeira e do
vento, como pedido Dito plantou as sementes atras do paiol, e assim como avisado no outro dia elas
já eram trepadeiras encima da casinha de milho, e no dia seguinte já pencada de chuchu, a Mãe nem
notou que a planta nascera da noite para o dia praticamente, e logo que viu os chuchus no ponto
tratou de pega-los e os pôs na panela, era o antipenultimo dia de estadia da visita e seu Zito
conversa com o amigo na sala, a menina-dos-pés-suculentos se escondia na cozinha, pois não
gostava daquela visita (na verdade nenhuma gente estranha ela gostava muito ma isso é coisa de
criança de vilarejo mesmo) mas o moço insistiu em chamála e seu Zito gabava da inteligencia de
seus filhos pôs os sete em linha, e os fez declamar a ladainha, a Visita olhava antendo para os
pesinhos desinquietos da menina-dos-pés-suculentos de forma se seu estoma roncou tão alto que fez
as crianças pararem por um instante a reza, seu Zito então grita da sala “anda com essa janta muié
que a visita tá com fome!”.
Quando a janta chegou logo pelo cheiro o Obakeité viu que aquele chuchu com carne moida
é diferente não só porque parecia mais atraente que o normal, mas ele sentiu uma força estranha no
estomago como se suas lombrigas não gostassem do chuchu-santo, foi então que ele pensou “comer
esses pesinhos dessa casa não vai dá, mas tenho que levar ela comigo, seja por bem ou por mal...”
Muito astuto já percebera que a menina-dos-pés-suculentos sofria de um mal, que atinge
muitas das crianças, dos jovens, dos adultos e até mesmo dos mais vividos, esse mal é uma força
grande que temos que nos vigiar, a Curiosidade, então quando acabou a jante e ele e seu Zito
conversavam na varanda pegou o fumo de rolo, e prontos para pitarem notou bem pra ver, se as
crianças estavam na sala a fazer o dever de casa, e logo se pos a falar...
“Sabe Zito meu Cumpadre, fico muito agradecido do oce me recebe em sua casa por esses
dias, pena que as venda por aqui não foram das mio, sou um homi pobre que viaja, levando trem
pra tudo quanté lugar, não tenho como agradecer....”, Seu Zito homem serio e de palavra
conhecido também pela seu gosto em ajudar disse ao amigo que nada custava. “pois é Zito e sem
querer abusar, queria pedir a oce que é um ammigo de confiança, pra guardar um pequeno
tesouro... que vem lá das terras do norte acima da linha do meio-mundo...” deu uma olhada e lado
e logo viu que as crianças ouviam de orelha em pé e pensou “é agora que fisgo meu pesinho pro
jantar...” e continuou a falar em tom de sigilo mas sem tomar nenhum cuidado em abaixar o tom de
voz... “nessa caixa tenho uma reliquia das grandes, guardo um antigo artefato que dizem ser
magico,” retira da caixa um engraçado instrumento que chamamos de ampulheta porem no lugar da
fina areia branca ele tinha um fino liquido cristalino “a água da maturidade” disse ele, seu Zito
um homem do campo não entendeu o que o amigo disse mas se mostrou muito serio e atencioso a
tudo que ele falou, “não pode ver a luz de fogo senão faz mal Zito, tenho que ir a cidade vizinha
receber de um povo que me deve e peço pra que oce cuida disso pra mim.”
A Visita saiu logo em seguida, e seu Zito entrou pro seu quarto, colocou sobre o guarda
roupa a caixa e instruiu a família para não mexer, montou em seu cavalo e saiu para a roça, mas
como as coisas quando não são para dar certo parece que tudo vai no sentido de não dar certo, a
Mãe teve que sair com a irmã mais velha levando tres dos meninos, e a menina-dos-pés-suculentos
teve que ficar olhando os mais novos que dormiam na cama, “eita que só uma olhadinha na tal
magica do moço não ia de fazer mal...” pensou ela, suas mão coçavam como um comichão pra
poder olhar, não resistiu, subiu na cadeira ficou na ponta dos pés e pegou a caixa, correu fechou a
porta e a janela do quarto pra correr o rico de ninguém ver pegou a lamparina, se esquecendo do que
a Visita disse, e ascendeu, e cuidadosamente abriu a caixa, e lá estava, a ampulheta, ela pegou
timidamente, mas logo viu que não ia deixar cair, sentou encima da cama e deus umas sacudidas e
nada e magico aconteceu, no descuido seu dedo passou em uma das farpas que montavam sua base
de madeiras mal lixada, fazendo um furo no seu dedo deixando uma gotinha de sangue escapulir,
“eita que retranca” pensou ela com o dedo na boca na intensão de estancar o sangue, nesse
momento para o seu desespero a aguá que outrora era cristalina na ampulheta se mostra vermelho
rubro, ela deixa um fino grito sair e sente uma mão tampando sua boca...
“a menina-dos-pés-suculentos quanta curiosidade” ela reconhece a voz, e já em meio as
lagrimas não pode se mover de medo, “vamos deliciosos pés... vamos...” ela ouve o som de algo
sendo desembanhado, sente o Monstro retirando suas sandálias e ceifando os seus pés, o terror lhe é
tão grande que ela perde sua fala.
Ao chegar em casa pai e mãe encontram a filha chorando no quarto, com a ampulheta
quebrada ao chão e seus pés desaparecidos. A mãe entra em total desespero, seu Zito porem mantem
um olhar severo, “eita minha filha que disgosto ce me fez passar, mecheu no que é dos outros, e
agora pago o preço, eu avisei pra não mexer... e o moço falou que fazia mal...”

You might also like