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EDUCAÇÃO LITERÁRIA POR MEIO DO CONTO NO ENSINO MÉDIO

ATHANY GUTIERRES (UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL - UCS).

Resumo
A observação da realidade escolar mostra–se pouco sensível à leitura literária. Os
estudantes estão condicionados a ler literatura por fatores externos, transformando
esta atividade cognitiva num exercício mecânico e com um fim em si mesmo. A
liberdade de expressão, imaginação, criação e o autoconhecimento são quase
ignorados. Neste âmbito, a leitura desconsidera a busca da identidade e do
autoconhecimento como uma das razões primordiais do leitor. Por esses motivos,
talvez, a leitura tem sido um tema de pesquisa constante, a fim de procurar
explicações plausíveis para este fenômeno que é altamente social e firma a relação
dos indivíduos com eles mesmos, com outros indivíduos e com o seu próprio
mundo. Frente ao quadro exposto e com a finalidade de analisar o processo de
instrumentalização de leitura do texto literário, em específico como o conto pode
contribuir para a formação de leitores, serão propostas oficinas de leitura de
contos, a partir dos pressupostos do método recepcional (AGUIAR; BORDINI,
1993). Os dados apresentados nesta comunicação são parte de reflexões da
proposta de dissertação a ser realizada no PPGEd/UCS, que objetiva desenvolver
uma pesquisa–ação a partir da leitura do conto literário como uma experiência
(LAROSSA, 2003). Entende–se nesse estudo que o texto literário pode ser
concebido como ponto de partida para a “reformação” de leitores competentes e
ativos na sociedade atual.

Palavras-chave:
Literatura, Autoconhecimento, Formação de leitores.

Introdução

Esta pesquisa tem por objetivo verificar as formas de interação de estudantes da


terceira série do Ensino Médio com o conto literário clássico e propor estratégias
para que as relações estabelecidas entre texto e leitores possam ser mais
significativas e, assim, mais frequentes. Ao observar a realidade escolar literária do
Brasil, vê-se que os resultados[1] resumem-se em baixos níveis de letramento:
apesar de os estudantes serem capazes de decodificar símbolos, não conseguem
atribuir sentido ao que leem. Considerando tal contexto, este artigo apresentará
pressupostos teóricos de uma proposta pedagógica de mediação de leitura, através
da aplicação de oficinas de contos literários. Tais oficinas serão subsidiadas pelos
textos de Anton Tchékhov, por propiciarem ao público um alto nível de reflexão e
interpretação, além de fazerem parte do acervo pertencente ao Programa da
Biblioteca na Escola (PNBE/2009). O trabalho com a obra do escritor russo
apresenta-se como um desafio interessante nesta investigação, já que os contos
tchékhovianos são caracterizados como contos de atmosfera, ou seja, aqueles cujo
enredo não se realiza em torno de uma situação conflitante passível de resolução,
como acontece no conto tradicional; mas aquele cujas ações focalizam a psicologia
de seus personagens, ponto essencial para o desvelamento da história (Hohlfeldt,
1988: 137). A investigação insere-se na pesquisa "Formação do leitor: o processo
de mediação do docente", realizada na Universidade de Caxias do Sul - RS. A
proposta deste estudo é a oferta de subsídios que apontem caminhos para uma
abordagem da literatura na escola que privilegie a polissemia do texto literário e os
saberes prévios dos estudantes, proporcionando-lhes, de tal modo, a construção de
significados e o seu desenvolvimento não somente intelectual, mas, sobretudo,
humano.
A função social e humanizadora da leitura

O acesso ao conhecimento torna-se possível através da leitura. Desde as mais


simples e cotidianas, como os sinais de trânsito e as placas das ruas, às mais
complexas e subjetivas, como as obras literárias, o homem vai se constituindo, se
formando numa rede de transformações constantes e experiências variadas com
diferentes textos e sujeitos. Todas as formas de leitura oferecem aos leitores algum
tipo de informação ou saber, mas é através da literatura que se firma uma relação
mais estreita com os conhecimentos, já que o texto literário revela manifestações
sobre a condição humana em diferentes épocas e espaços. A esse respeito, Paviani
(Paviani, 2009) pontua:

Quando se faz relação entre o saber e obras literárias, não se pensa


na verdade de saberes por ela articulados, senão que expressam
visão de mundo, experiências de vida, problemas existenciais, a
história da humanidade, enfim, as angústias, os dilemas, os dramas
vividos pelo ser humano em geral. A leitura literária naturalmente
articula saberes que podem proporcionar ao leitor momentos
catárticos de natureza contemplativa e gratuita, bem como de
natureza provocadora e instigadora. (p.74)

O ritmo de vida da atualidade, consequência das transformações da sociedade


contemporânea, manifesta-se como um ponto contrário ao prazer da leitura, já que
os modos de entretenimento desta sociedade ‘acelerada' preferem os meios
televisivos e tecnológicos que, apesar de proporcionarem resultados práticos e
rápidos, podem privar o sujeito de seu direito de humanizar-se pela arte (Candido,
1995: 238-239).

A leitura é um ato cognitivo e social; cognitivo, pois implica relações de


pensamento e construção de significados; social, pois não acontece de forma
solitária - há, no mínimo, dois interlocutores presentes no momento da leitura:
leitor e autor, além de ser um meio poderoso de acesso às pessoas e ao mundo.
Ademais, a variedade de conhecimentos oferecidos pela leitura implica relações de
troca de informações, saberes e experiências, que podem envolver outros
indivíduos. E assim informações e conhecimento vão se desdobrando e
estabelecendo diferentes formas de diálogo entre as pessoas que, aliadas às
experiências individuais de cada sujeito, geram novas formas de conhecer e
conhecer-se.

A leitura literária vai mais além: não apenas circula pelo viés dos diferentes
saberes, mas humaniza o homem, de modo que influencia seus processos de
desenvolvimento pleno, envoltos numa múltipla troca de experiências que se
preservam no tempo, resistem às mudanças da sociedade e registram essas
mutações pela arte, cuja interpretação é subjetiva e acolhe as leituras de cada
leitor.

Por abordar temáticas referentes ao ser humano numa condição espaço-temporal


ilimitada, a arte literária trabalha a sensibilidade dos indivíduos, já que mexe com
suas emoções, resgata suas vivências e lhes proporciona novas experiências - a
literatura é uma arte que potencializa as pessoas como seres humanos. A respeito
do caráter humanizador do texto literário, Candido (Candido, 1995: 244) afirma:
"Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que
chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo,
porque faz viver."
Ao tomar a leitura como uma prática humana e social, a noção de decodificação é
substituída pela ideia de letramento, que consiste no "resultado da ação de ensinar
ou aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social
ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita." (Soares,
2006:18). Essa habilidade, deficiente no país, é resultante da ausência de leituras
complexas, que promovam a reflexão e o desenvolvimento da criticidade e da
imaginação.

De tal modo, o papel mediador do professor é fundamental na seleção dos textos


que vai trabalhar em sala de aula, nas estratégias que serão aplicadas e nos modos
de avaliar a compreensão e a fruição do texto artístico. Para que a linguagem
através dos textos dialogue com os estudantes e lhes proporcione momentos de
reflexão e produção de sentidos, o professor precisa assumir um papel mediador
entre estudantes e leituras. Somente desta forma é que os estudantes sentir-se-ão
amparados e o professor poderá dar os passos iniciais num processo contínuo de
formação de leitores autônomos e competentes.

Leitura e realidade brasileira

Embora a avaliação de estudantes em língua portuguesa (segundo o Índice de


Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB 2005 e 2007[2]) apresente alguns
melhoramentos com o passar dos anos, os números por ela evidenciados não são
suficientemente favoráveis à formação de leitores. Essas estatísticas revelam que,
apesar de ser um tema bastante investigado, a leitura ainda demanda estudo e
experimentação, visto que os resultados apresentados evidenciam baixos níveis de
leitura, compreensão e interpretação textual.

A partir da observação da realidade local, percebe-se a escola como um espaço


pouco sensível à leitura literária. Os estudantes estão condicionados a ler literatura
como um fim, transformando-a num exercício mecânico e destituído de sentido, em
que a liberdade de expressão, imaginação, criação e autoconhecimento são quase
ignorados (Zilberman, 1991: 134). Assim concebida, a leitura desconsidera a busca
da identidade e do autoconhecimento como um dos ensejos primordiais do leitor.
Por tais motivos, ela tem sido um tema de pesquisa constante, a fim de ir ao
encontro de explicações plausíveis para esta atividade que é altamente social e
firma a relação dos indivíduos com eles mesmos, com outros indivíduos e com o
mundo. Tal situação leitora é decorrência de dois fatores principais: o próprio
sistema educacional e a despreparação de professores, expressa através da falta de
conhecimento teórico-prático acerca da leitura literária.

A relevância dos programas governamentais de incentivo à qualificação da leitura e


da educação em geral é inegável, já que eles são responsáveis pela propagação da
cultura do ler a todas as camadas da população. Uma cultura literária não constitui
somente o fato de as pessoas tornarem-se mais consumidoras de um patrimônio
erudito; entretanto, uma atitude compulsória e não-mediada em relação ao contato
com os textos clássicos alude a uma visão cristalizada de leitura, já que ignora a
discussão dos textos e toma seus valores de forma passiva e como ideais
imutáveis. Essa perspectiva caracteriza muitos ambientes escolares brasileiros,
sendo talvez, uma das razões do insucesso e da falta de prazer pela leitura.
Segundo Bordini e Aguiar, (Bordini e Aguiar, 1993: 34), "o esvaziamento do texto
de literatura se acentua, portanto, não só pelo pequeno domínio do conhecimento
literário do professor, mas também pela falta de uma proposta metodológica que o
embase."

O descaso com o qual a leitura da literatura é tratada na escola reflete-se no ensino


periódico de autores, obras e acontecimentos, eliminando o texto literário da sala
de aula ou propondo adaptações desse texto, seja pelo fato de possuir uma
"linguagem difícil" ou ser apenas "desinteressante". Deste modo, os professores
acabam por pré-julgar a capacidade de interpretação dos estudantes e privam-lhes
do desenvolvimento de seu processo de formação como leitores plenos (Zilberman,
1991: 135-136).

Esse fato também é efeito de uma política educacional que privilegia uns em
detrimento de outros, responsável pela transformação do conhecimento em
mercadoria: lê-se para ser aprovado na escola e para passar no vestibular. A isso,
acrescenta-se a prevalência de um professor não-leitor, que se vê desamparado
para trabalhar com textos potencialmente desestabilizadores do pensamento dos
estudantes (Saraiva, 2005: 213).

Essa abordagem equivocada do texto artístico é resultante de ações não-dirigidas


do professor. A diversidade de gêneros textuais e sua adequada utilização na escola
requerem um profissional de educação preparado para apresentar propostas de
interação com o texto que respeitem suas características tipológicas, seus modos
de leitura e suas funções, expressas pelo gênero e pelo propósito da leitura. O
professor precisa atuar como um mediador das relações que são e podem ser
estabelecidas entre texto e leitor, além de encontrar estratégias que possibilitem ao
estudante a apropriação do material lido e, assim, a construção de significados a
partir da leitura. Caso contrário, a realidade leitora permanecerá com seus índices
atuais e não será possível educar os estudantes para uma cultura de leitura, que se
faz necessária para a formação de cidadãos comprometidos e responsáveis pela
transformação da sociedade.

Lendo contos: proposta de um procedimento

A literatura é uma manifestação artística pertencente a todos os tipos de


sociedades e culturas. Candido (Candido, 1995: 242) a define como uma
"manifestação universal de todos os homens em todos os tempos". Devido à sua
abrangência em diferentes épocas e espaços, e principalmente por ocupar-se do
homem e do seu entorno, a arte literária contribui para a formação de
personalidade, a conservação do equilíbrio social dos povos e nos ensina a viver
dialeticamente os problemas.

Existe uma lacuna notável que impossibilita a aproximação dos jovens com a
literatura clássica. Eles buscam outras formas de prazer, são instruídos e
pressionados pela família e pela escola a passarem no vestibular, e seus interesses,
em geral, se direcionam a questões de ordem mais prática, em que possam ver
concretamente alguma utilidade. Além do mais, a própria linguagem literária, muito
distante da linguagem utilizada em suas relações cotidianas, e a extensão das
obras a serem lidas e "aprendidas" são fatores responsáveis por esse afastamento
dos livros de literatura.

Diante dessa questão, o conto vem a ser uma boa tentativa de aproximação dos
estudantes com a literatura erudita; ao invés de tratá-la pelo viés histórico, ou ler
obras adaptadas, excertos ou até mesmo resumos dos textos clássicos, melhor é
ler os clássicos em sala de aula originalmente escritos, mas que respeitem o perfil
de seu público - assim, o conto literário vem ao encontro perfeito dessas
expectativas.
A abordagem metodológica para este trabalho experimental com oficinas será
realizada com base nos pressupostos de uma proposta didática chamada de Método
Recepcional. Tal proposta tem origem em estudos de Hans Robert Jauss, que cria
um modo de estudar literatura chamado Estética da Recepção. O método enfatiza o
que chamamos de "obra difícil", "uma vez que nela reside o poder de
transformação de esquemas ideológicos passíveis e crítica" (Bordini e Aguiar, 1993:
85). É um método cujo foco está no leitor e no seu horizonte de percepções,
possibilitando sua aproximação com o texto, de forma com que ele se familiarize
com o gênero gradativamente e possa perceber as diferentes inovações, formas e
modos de leitura possíveis daquele texto, até que, finalmente, torne-se hábil a
realizar a leitura da "obra difícil", assim nomeada pelos autores.

Ao pensar o conto como um elo aproximador entre textos e leitores, o papel do


professor torna-se essencial para que esses laços com a literatura se firmem.
Desde a seleção dos textos até os meios de sistematização da leitura, bem como os
modos de incitar o leitor com o texto - tudo isso exige do profissional uma
preparação e um embasamento teórico de sustentação, além de que ele próprio
seja um leitor experiente, para poder propiciar, através da arte, um momento
mágico de experiência pela leitura. Ramos (Ramos, 2006) comenta a importância
da mediação nos processos de leitura:

[...] o docente assume o papel de mediador da literatura junto aos


alunos, através da seleção de textos e de estratégias de abordagem
dos mesmos, a fim de criar condições para que o diálogo com a arte
aconteça. O mero contato com o objeto artístico não garante a
apropriação. É fundamental que sejam criadas estratégias de
mediação para que o leitor iniciante se aproprie da literatura e, por
meio da interação com a arte, vivencie conflitos e emoções ainda não
vividos e vá se construindo. (p.5)

Há uma insistência na importância e no papel cognitivo do ato de ler, enquanto


mediador das relações do leitor com o mundo. Para formar bons leitores são
necessários bons textos. A literatura de Anton Tchékhov, além de fazer parte do
acervo do PNBE/2009 disponibilizado nas escolas, pode funcionar como uma ligação
proeminente na aproximação de indivíduos com a literatura, principalmente por sua
escrita peculiar, densa e, ao mesmo tempo, tão breve e tão "humana". Reitera-se a
necessidade de um professor reflexivo e estratégico, no sentido de viabilizar um
trabalho de leitura que promova o desenvolvimento do pensamento e do potencial
humanizador do homem.

Referências

BORDINI, M. G.; AGUIAR, V. T. Literatura - a formação do leitor. Alternativas


Metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

CANDIDO, A. Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.


LARROSA, J. La defensa de la soledad. In: ___. La experiencia de la lectura.
Estudios sobre literatura y formación. Nueva edición revisada y aumentada. México:
FCE, 2003.

HOHLFELDT, A. Conto Brasileiro Contemporâneo. Porto Alegre: Mercado Aberto,


1988.

RAMOS, F.B. literatura na escola: construção do leitor e do cidadão. In: Congresso


Internacional da Associação Brasileira de Literatura Comparada, 2006, Rio de
Janeiro. Anais do X Congresso da Abralic. Rio de Janeiro: UERJ, 2006.

SARAIVA, J. A. Leitura, literatura, leitor: encontro possível na prática pedagógica.


In: ZILBERMAN, R.; BORDINI, M. G.; REMÉDIOS, M. L. Z. Crítica do tempo
presente. Porto Alegre: Nova Prova, 2005.

SOARES, M. Letramento. Um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,


2006.

PAVIANI, N. M. S. Linguagem Literária e os Saberes. In: ______. Linguagem e


Educação. Caxias do Sul: EDUCS, 2009.

ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1991.

[1] Tais resultados baseiam-se nos índices apresentados pelo Sistema Nacional de
Educação Básica - SAEB, disponíveis em
http://www.inep.gov.br/download/saeb/2005/SAEB1995_2005.pdf, acesso em 15-
7-09; Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP, disponíveis
em http://ideb.inep.gov.br/Site/, acesso em 15-7-09; Retratos da Leitura no Brasil,
disponíveis em http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/texto.asp?id=48, acesso
em 25-4-09.

[2] Dados disponíveis em: http://ideb.inep.gov.br/Site/, acesso em 28-06-09.


Resultado total (todas as redes de ensino) do Ensino Médio no ano de 2005: 3,4.
Em 2007 a pontuação manteve-se a mesma.

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