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GLOBALIZAÇÃO E GLOBALISMO

Ulrich Beck analisa a forma como o debate sobre a globalização tem


repercutido atualmente, no plano da atuação política dos Estados nacionais. O
autor se debruça sobre as conseqüências do atual momento para a forma como as
sociedades nacionais se organizaram politicamente na modernidade, seguindo o
modelo do Estado territorial.
O Estado nacional conforme foi visto pôde, através da mediação da ordem
jurídica interna, ser o âmbito de atuação dos conflitos sociais que se
desencadearam, a partir das revoluções francesa e americana, fundamentados na
idéia de igualdade. Essa mediação tem sido impactada pelo avanço da
globalização.
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Ulrich Beck realiza fortes críticas à forma como a política tem se


desenvolvido, na atual fase do capitalismo mundial globalizado. A chave para
compreensão dessa crítica consiste na distinção que é realizada pelo autor, entre o
conceito de globalismo, e o conceito de globalização. Tal distinção tem como
objetivo desenvolver a idéia de que o projeto de Estado nacional surgido no início
da modernidade1 tornou-se insustentável. No entender do autor a forma de
mediação democrática da política necessita ser revista, a fim de superar suas bases
nacionais.
O globalismo consiste em uma ideologia segundo a qual a globalização é
reduzida a dimensão econômica. Pelas lentes dessa ideologia, a globalização
impõe a necessidade de uma integração cada vez maior dos Estados nacionais
com a finalidade de facilitar o trânsito dos agentes econômicos.
Essa atitude consubstancia-se em uma subordinação intensa da política aos
interesses econômicos. São tomadas continuamente atitudes de não intervenção e
facilitação dos fluxos de capital, sem a efetivação de medidas que possibilitem
equilibrar o custo social de tais diretrizes. O globalismo poderia ser definido então

1
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999.p. 27.
42

como a ditadura neoliberal do mercado mundial que destrói os alicerces do auto-


desenvolvimento democrático.2
A política como elemento ordenador das dimensões existentes na sociedade
é substituída pela força da atuação econômica, que subordina o poder político dos
Estados às suas metas de lucratividade.3
A globalização por outro lado supera essa unidimensionalidade, que é
imposta pelo discurso do globalismo, e desenvolve-se como um fenômeno plural e
irreversível.
No conceito de globalização estão inseridas atividades de uma sociedade
mundial, que não abrem a possibilidade dos Estados nacionais de forma unilateral
a subordinarem. Não podem ser determinadas a partir de um Estado nacional.
Esse é um forte argumento na constatação de que não é possível a manutenção de
espaços isolados. Estratégias nacionais baseadas no fechamento protecionista
tornaram-se inviáveis.4
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Nesse sentido globalização para Beck significa “processos, em cujo


andamento os Estados nacionais vêem a sua soberania, sua identidade, suas
redes de comunicação, suas chances de poder e suas orientações sofrerem a
interferência cruzada de atores transnacionais.” 5
O plural da palavra processo na referida definição é muito significativo.
Pois consiste na melhor forma de definir a existência não de uma única dimensão
que se transnacionaliza. Ocorrem sim, processos pluridimensionais que se
desenvolvem, nos mais variados âmbitos sociais. Processos esses que escapam à
subordinação do Estado nacional.
Anthony Giddens realiza uma classificação que pode auxiliar a
compreensão a respeito da relação existente entre globalismo e globalização. O

2
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003. p.23.
3
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999.p.28
4
Mesmo que fosse possível o isolamento econômico de algum país a existência de riscos
transnacionais impediria que esses países mantivessem sua posição de isolamento. Por isso Ulrich
Beck classifica a ascensão de riscos transnacionais como o caixão das estruturas estatais da
primeira modernidade. BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo
respostas à globalização. São Paulo: Paz e terra, 1999.p.175
5
BECK, Ulrich. Op.cit., p.30
43

autor afirma que as argumentações no debate em torno da globalização


encontram-se divididas entre céticos e radicais.6
Giddens esclarece que para os céticos a globalização não traz nenhuma
novidade extraordinária no que tange as relações de poder. Mesmo no que diz
respeito ao potencial do Estado de impor sua vontade sobre as diversas dimensões
da sociedade. O discurso que afirma a ocorrência atual de um enfraquecimento do
Estado, não passaria de uma ideologia neoliberal que foi disseminada através do
mito da inevitabilidade da globalização.7
Os céticos através desse discurso compõem setores que permanecem presos
a idéia da força do Estado em termos nacionais. Fecham-se as argumentações que
consideram a globalização como um fenômeno real, irreversível, e que traz
profundas conseqüências para o funcionamento democrático dos Estados
nacionais.
Por outro lado os radicais defendem a realidade da globalização sob o ponto
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de vista econômico. Há a argumentação de que não existe mais no Estado


nacional o potencial de impor sua vontade como antes. Além disso, essa força não
seria nem mesmo desejável, pois as trocas comerciais cada vez mais se
intensificam em um processo irreversível. Esse processo exige uma
desregulamentação cada vez maior por parte dos Estados nacionais, em prol da
integração econômica transnacional.8
A distinção realizada por Giddens esclarece bem o quadro que é atacado por
Ulrich Beck. Tanto céticos como radicais enxergam a globalização sobre o ponto
de vista estritamente econômico.
A negação da globalização como fenômeno irreversível, por parte dos
céticos, impede a busca de saídas transnacionais. Uma vez que os mesmos
permanecem presos as possibilidades de resistência existentes dentro dos Estados
nacionais.
Por outro lado, os radicais ao reduzirem a globalização a sua dimensão
econômica constroem um discurso de não intervenção, que reduz a política

6
GIDDENS, Anthony. O mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. Rio de
Janeiro: Record, 2000. p. 18
7
Ibid. p. 19
8
Ibid.
44

transnacional dos Estados a uma série de debates sobre ampliação do livre


mercado.
As táticas apresentadas acabam por convergir para um caminho de
enfraquecimento e subordinação dos Estados nacionais aos interesses econômicos.
Os céticos batalham com armas totalmente ineficientes contra seus inimigos,
aprisionando-se nas fronteiras dos Estados nacionais. Os radicais por sua vez
ampliam cada vez mais a dependência dos diversos países em relação aos grupos
econômicos.
Habermas também enxergou isso quando na introdução de seu livro “A
constelação pós-nacional – ensaios políticos” afirma que, com a entrada em vigor
da política econômica centralizada na Europa, acaba por ocorrer a aliança entre
eurocéticos e os pró-mercado europeu.9
Os primeiros restringem suas atividades aos Estados nacionais e vêem suas
possibilidades de atuação limitarem-se a uma contínua negação da globalização, e
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a críticas que possuem como alvo as políticas de integração econômica. Junto às


críticas à política de integração econômica carregam também, a negação da
possibilidade de ascensão de formas de organização político-democrática
transnacionais.
Os pró-mercado europeu, por sua vez, encontram-se satisfeitos com a
integração econômica obtida e limitam-se a defender o status quo frente as
possibilidades de um avanço, rumo a política transnacional pluridimensional.
Através da análise do funcionamento do globalismo diferenciando esse
fenômeno da globalização, Ulrich Beck pretende abrir caminhos para a superação
desse quadro de paralisia e subordinação criado por céticos e radicais. Esses
últimos também podendo ser nomeados como neoliberais.
A meta do autor consiste em fomentar a discussão a respeito da
possibilidade de serem construídas alternativas rumo a um aperfeiçoamento
democrático pós-nacional.

9
HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional – Ensaios políticos. São Paulo: Littra Mundi.
2001. p. 2.
45

3.1
A atuação do globalismo

3.1.1
Impactos sobre a sociedade do trabalho

Atualmente o desenvolvimento do capitalismo ultrapassou o equilíbrio entre


geração de emprego e desenvolvimento tecnológico, alcançado na Europa do
Estado de bem-estar social, rumo a uma dependência cada vez menor do trabalho.
Os avanços tecnológicos inerentes ao desenvolvimento do capitalismo,
segundo o filósofo alemão Jürgen Habermas, sempre foram acompanhados de
uma correspondente compensação na geração de novos empregos. Essa situação
começa a desequilibrar-se em meados da segunda metade do século XX. O
desenvolvimento tecnológico, no período do Estado de bem-estar social europeu,
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atuou como uma fonte de legitimação. Pois possibilitou a redução das jornadas de
trabalho, bem como a implementação de direitos sociais sem inviabilizar o
contínuo crescimento da produção.10
No entanto a radicalização desse processo de incremento tecnológico
acabou por atuar substituindo postos de trabalho, havendo assim um crescente
aumento do número de desempregados.11
Esse aumento do número de desempregados pode ser amenizado através de
políticas de qualificação de mão-de-obra, que permitem inserir trabalhadores nos
novos meios de produção criados pelo capitalismo, principalmente os
relacionados aos setores terciários e quaternários. Uma vez que esses setores cada
vez mais dependem de qualificação. Os investimentos na política educacional
trazem possibilidades de inserção em setores de inovação tecnológica e gestão da
informação. No entanto essas atividades intelectualizadas não possuem o
potencial de absorção de mão-de-obra, em termos quantitativos, que possa vir
suprir a demanda por trabalho. Essa demanda cresce cada vez mais com a inserção
de novas tecnologias nos vários setores da produção.

10
HABERMAS, Jürgen. Ciência e técnica enquanto ideologia. In: Os pensadores, São Paulo:
Editora Abril, 1980.
11
HABERMAS, Jürgen. Aprender com as catástrofes? Um olhar diagnóstico retrospectivo sobre o
século XX. In: A constelação pós-nacional – Ensaios políticos. São Paulo: Littra Mundi. 2001. p.
58.
46

A função de estabilização exercida pela vinculação dos indivíduos ao


trabalho, hoje é desconstruída pelo aprofundamento da crise da sociedade do
trabalho. Tal desconstrução abre caminho para a presença de extremismos cada
vez mais intensos entre integrados e excluídos. Enquanto esses a margem do
sistema radicalizam seus discursos e métodos de protestos, aqueles tendem a cada
vez mais ampliar a repressão em relação aos não integrados.
A renda obtida pelos trabalhadores, por mais que não retirasse esses setores
da posição social onde eram explorados pelo sistema capitalista, possibilitava a
garantia de padrões democráticos razoáveis em alguns lugares do mundo.
Notadamente na Europa do bem-estar social.
O capitalismo cada vez menos dependente do trabalho “bloqueia as
iniciativas para um novo contrato social e o deslegitima”.12 A sociedade
capitalista possui como fundamento de integração a inserção dos indivíduos no
trabalho produtivo. Essa inserção é o que possibilita o financiamento do Estado
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social. A recusa do Estado Social leva em última instância a tendência de se


inviabilizar a sustentação da participação democrática.13
Dessa forma a violência da exploração capitalista assume de uma vez por
todas uma dimensão verdadeiramente global, afetando as últimas regiões onde
permaneciam padrões razoáveis de legitimidade democrática.
Com o histórico rompimento do modelo estamental, a sociedade burguesa
elevou o trabalho ao patamar de centro em torno do qual a sociedade gravita. A
democracia burguesa funciona sustentada pelo trabalho. O rompimento desse
sustentáculo traz necessariamente a queda de todo o edifício que nele se apóia.14
Não se trata apenas da redução do número de empregos, mas também do
esgotamento das formas de trabalho nomeadas por Ulrich Beck como trabalho
normal, ou pleno emprego.15 Com essas expressões Beck designa o tipo de
profissão cujo aprendizado possibilitava a manutenção da mesma ocupação por
praticamente toda a vida.

12
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999.p. 119.
13
Nesse sentido discorre Habermas em várias de suas obras.(HABERMAS, Jürgen. A constelação
pós-nacional – Ensaios políticos. São Paulo: Littra Mundi. 2001.) e (Habermas, Jürgen. A inclusão
do outro – estudos de teoria política. São Paulo: Loyola. 2002.)
14
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003.p. 160.
15
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003. p.161.
47

Hoje se vive em uma dinâmica de constante transformação das formas de


emprego, e, até mesmo, do desaparecimento de algumas espécies de emprego.
Essas constantes alterações no mercado de trabalho abalam a segurança desse
mercado. Com isso também é abalada a estabilidade necessária para a realização
dos cálculos de riscos inerentes a manutenção dos sistemas de seguridade social.
Esse processo se reflete tanto no que diz respeito às fontes de custeio como em
relação às necessidades a serem supridas perante possíveis segurados.
Sistemas de aposentadoria, seguro desemprego, e todo o custeio social,
necessitam realizar constantemente cálculos de risco que se tornaram
imprevisíveis, com as constantes transformações das formas de trabalho.
Além disso, essa constante instabilidade abala profundamente a liberdade de
participação política dos cidadãos. Uma vez que a cidadania ativa pressupõe a
garantia de condições de vida digna, que possibilitem a formação livre e
consciente do cidadão, para que esse possa ser politicamente ativo.16 Sem trabalho
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falece o projeto de democracia social.


O problema relativo à geração de postos de trabalho é uma das principais
chaves para compreensão do poder das empresas transnacionais sobre os Estados
nacionais. Nos países europeus a manutenção de postos de trabalho, e de uma
legislação que possibilitou a garantia de vários direitos sociais foi obtida através
da obtenção de um excedente de capital que hoje é inviabilizado.
O incremento tecnológico possibilitou a redução das horas de trabalho, sem
desequilibrar as taxas de lucratividade. Os Estados possuíam um potencial de
financiamento gerado pela receita de impostos que possibilitou a garantia de uma
excelente legislação social.
Como já era apontado por Marx no século XIX, o sistema capitalista possui
como uma de suas principais características a capacidade de revolucionar
continuamente os meios de produção.17 A contínua revolução nos meios de
produção gera um aumento da capacidade produtiva, que dentre outras
conseqüências economiza mão-de-obra. A introdução de novas tecnologias de
produção agrícola, por exemplo, nos fez assistir no século XX um intenso

16
Ibid,.p. 162.
17
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1998.p.13.
48

deslocamento das populações da maioria dos países do setor de produção agrícola


para os setores secundários e terciários.18
Esse fenômeno aliado ao surgimento de um setor quaternário cuja
característica predominante é a utilização de inovações tecnológicas, e o trabalho
voltado para a gestão de informações possibilitou uma incrível redução na
necessidade de mão-de-obra, para a manutenção, e mesmo aumento dos níveis de
produtividade. As formas de trabalho tornaram-se mais intelectualizadas e menos
dependentes de mão-de-obra.
O caminho rumo a uma sociedade onde o desenvolvimento tecnológico faz
com que o trabalho tenda a zero pode ser observado nos números das grandes
empresas, e no próprio discurso de alguns grandes empresários.
Eis o discurso do proprietário da BMW:

“O futuro do trabalho, diz o proprietário da BMW, terá o seguinte destino no que


toca a nossa empresa: e então ele aponta uma linha decrescente, que se inicia em
1970 e chega a zero no ano 2000. Há um certo exagero, acrescenta ele, e não
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poderíamos apresentar publicamente estes dados. Porém a produtividade cresce


numa tal proporção que nós poderemos produzir cada vez mais carros com cada
vez menos trabalho. Apenas para manter o quadro atual precisaríamos expandir
violentamente os mercados. Só se pudermos vender BMWs em todas as esquinas
do planeta haverá ainda uma chance de assegurar os postos de trabalho já
existentes.”19

A citação apresentada adentra em uma discussão bem mais ampla, pois


coloca em questão a própria viabilidade do sistema capitalista. Uma vez que a
limitação imposta pela sustentabilidade ambiental impediria a BMW de produzir e
vender carros na proporção necessária para manter ou expandir postos de trabalho.
Limitando nossa discussão ao problema da queda da oferta de emprego,
podemos observar como os governos nacionais se vêem pressionados diante das
transnacionais. A necessidade de trazer grandes empreendimentos para seus
territórios faz com que a administração dos Estados nacionais tenha que lidar sob
a pressão de uma negociação desigual com os grandes empresários. Afinal
enquanto os agentes econômicos negociam globalmente os Estados negociam
nacionalmente.

18
Habermas chega a afirmar que “a forma de vida campestre que marcou com o mesmo selo todas
as culturas do Neolítico até quase todo o século XIX tornou-se uma ilusão nos países
desenvolvidos.” HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional – Ensaios políticos. São Paulo:
Littra Mundi. 2001.p. 56.
19
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999.p. 112.
49

Essa é mais uma das conseqüências da radicalização do desenvolvimento


tecnológico, qual seja, a facilitação dos fluxos de capital e de produção através da
contínua revolução dos meios de transporte e comunicação. 20 A produção pode
assim cada vez mais ocorrer de forma descentralizada. As grandes empresas
possuem a capacidade de até mesmo pulverizar as etapas da produção buscando
em todo planeta as melhores condições de lucratividade. Os grandes grupos
analisam e negociam tributos, custo de mão-de-obra, matéria prima, subsídios e
outras parcerias com os governos e até mesmo exigências ambientais mais
frágeis.21
Os governos dos Estados nacionais nesse início de milênio se deparam com
uma taxa crescente de desemprego e têm que lidar com grupos econômicos que
possuem a possibilidade de atuação global. Esses grupos consequentemente
podem transferir com grande facilidade postos de trabalho por todo o globo.
A esse poder de mobilização do capital alia-se na atuação do globalismo um
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discurso profundamente ideologizado. Tal discurso consiste na defesa pura e


simples do livre mercado. Tal defesa se apóia na afirmação de que não existem
caminhos alternativos para lidar com a globalização econômica, a
desregulamentação é a única saída. O globalismo constrói assim uma
unidimensionalidade ideológica.

3.1.2
Unidimensionalidade ideológica do globalismo

Segundo a racionalidade neoliberal a liberdade do mercado mundial tem a


possibilidade de conceder a prosperidade tão almejada. Os efeitos colaterais dessa
política22 trazem como reação o argumento de que é necessário menos intervenção
e não mais.23

20
HABERMAS, Jürgen. Aprender com as catástrofes? Um olhar diagnóstico retrospectivo sobre o
século XX. In: A constelação pós-nacional – Ensaios políticos. São Paulo: Littra Mundi. 2001. p.
58.
21
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003. p. 44.
22
Os efeitos colaterais da desregulamentação podem ser encontrados continuamente na imprensa
quais sejam, exclusão social, aumento da desigualdade e da poluição ambiental, crises econômicas.
23
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003.p. 57-58.
50

O globalismo confunde-se assim com a ideologia neoliberal, na medida em


que entrega a regulação da economia à racionalidade do mercado. Tal escolha é
tomada sem nenhum debate político. Nesse ambiente a atuação política na maioria
das vezes se reduz a um protecionismo, que longe de enfrentar os desafios
impostos pela globalização, acirra a competição entre os Estados nacionais.24
As lentes do globalismo impõem o processo de globalização como algo
simplista. A globalização é reduzida de sua complexidade à unidimensionalidade
da lógica de integração econômica. Globalização para o globalismo significa
trânsito transnacional do capital. A transnacionalização das outras dimensões
dessa sociedade que se torna cada vez mais global é ignorada.
A disputa entre regulação e livre comércio que se desenvolveu durante um
longo tempo nos limites dos Estados nacionais é hoje superada pelo discurso
único do neoliberalismo. A liberdade de comércio é defendida, sem que essas
análises voltem os olhos para as conseqüências da falta de regulação, em um
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ambiente de forte desenvolvimento tecnológico, alto desemprego e uma profunda


crise ambiental.
O exemplo da concentração de empresas em nível mundial atesta o fracasso
do modelo na geração de concorrência entre essas empresas, que viabilizaria a tão
sonhada regulação pela mão invisível do mercado. Assiste-se cada vez mais a
operações de fusão de conglomerados que cedem mutuamente infra-estrutura e
Know-how.
Tais medidas estabelecem a participação recíproca nos lucros que são
imensamente ampliados, através da economia de postos de trabalho e da
ampliação do potencial de ação, tanto em termos territoriais quanto em relação à
multiplicação dos ramos de empreendimento.
Diante do fracasso dos modelos de sociedade social-democrata, do
desenvolvimentismo latino-americano,25 bem como da derrocada do socialismo
real. A racionalidade liberal sob a roupagem do neoliberalismo se coloca como

24
A competição entre Estados nacionais por sinal é uma lógica intrínseca à forma de organização
política em unidades nacionais. BECK, Ulrich. Toward a New Critical Theory With a
Cosmopolitan Intent. Constallations, Volume, 10, Number 2. Blackwell Publishing, 2003.
25
A trajetória dos modelos de desenvolvimento latino-americano é trabalhada por Antonio Negri e
Giuseppe Cocco em Glob(al): Biopoder e lutas em uma América Latina globalizada. Rio de
Janeiro: record, 2005.
51

saída estratégica para a obtenção da prosperidade, através da livre atuação do


mercado global.
Tal saída, ao invés de auto-regular a economia e trazer a prometida era de
prosperidade, divide cada vez mais o mundo entre ricos e pobres. A insistência
nessa racionalidade mostra-se cada vez mais insustentável não apenas do ponto de
vista do crescimento gritante da desigualdade social. A sustentabilidade ambiental
também se mostra inviável diante de um modelo de produção, que não se permite
aderir a regulamentações, mesmo no que tange aos níveis de agressão ao meio
ambiente.
O caminho único proposto pelo globalismo não pode se estabelecer sem que
suas conseqüências sejam sentidas. A ausência da atuação do Estado regulando as
atividades econômicas afeta de forma crucial suas fontes de financiamento,
impedindo a manutenção de políticas sociais agravando assim a crise social e
comprometendo a mediação democrática dos conflitos.26
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Embora o neoliberalismo ainda possua força política encontra-se altamente


enfraquecido do ponto de vista intelectual. Há um esgotamento das possibilidades
relativas ao discurso neoliberal e esse esgotamento possui apoio nas crises
econômicas da década de 1990 e início do século XXI.
A racionalidade neoliberal já não tem como se sustentar diante das
conseqüências de sua aplicação pela política dos Estados nacionais. Teóricos
como Ulrich Beck apontam constantemente a falta de saídas para um mercado
financeiro mundial altamente desorganizado, e onde há a carência de autoridades
reguladoras e de regras de responsabilidade.27

3.1.3
Dramaturgia do risco

Outro fator que impõe a aceitação do discurso do globalismo consiste no


que Beck nomeia como dramaturgia do risco.28 O autor reconhece que a primazia

26
HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional – Ensaios políticos. São Paulo: Littra Mundi.
2001.p. 65
27
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003. ver a pag..
28
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999. p. 210.
52

do mercado, no que concerne à dinâmica das relações sociais, não é algo novo
sendo também antiga a crítica a esse fenômeno.
No entanto uma novidade do atual momento é o fato de existir uma
dimensão semântica apropriada pelo globalismo. Nessa dimensão, um discurso
intimidatório se estabelece sob a chantagem da disponibilidade e indisponibilidade
de investimentos, por parte dos grandes grupos. Com o objetivo de evitar a
concretização desse risco de desemprego e esgotamento de recursos financeiros,
os governantes e grandes parcelas das forças existentes na sociedade se submetem
as diretrizes do globalismo.29
O globalismo se apresenta como apolítico, no entanto é de fato um projeto
político posto em prática por atores atuantes no plano transnacional.30 Tais atores
são formados por empresas e instituições transnacionais, que se omitem ou atuam
diretamente nesse projeto do livre mercado.
Habermas discorre em seu livro a constelação pós-nacional que “desde 1989
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surgem mais políticos para afirmar: se não podemos solucionar os conflitos,


devemos ao menos desarmar a visão crítica que cria desafios a partir dos
31
conflitos.” A citada reação da política em negar a existência de saídas para a
hegemonia do globalismo e mascarar assim todo projeto neoliberal nega
veementemente que esse é um processo histórico e não natural.
A disseminação dessa crença, que torna a política neoliberal uma política
inevitável, acaba por criar uma conjuntura onde são tomadas constantemente
atitudes políticas tidas como naturais, impulsionadas por um risco aparentemente
real e que não pode ser superado por outros caminhos.
A opção pela não intervenção de instituições como OMC e Banco mundial,
é uma opção política que é passada para a opinião pública como uma necessidade
inerente ao funcionamento do mercado mundial.32 Essas decisões políticas se
apóiam em construções ideológicas como a dramaturgia do risco. O risco consiste

29
Conseqüências essas já expostas como redução de salários, dano ambiental, perda de empregos,
etc.
30
BECK, Ulrich. Op.cit. p. 212.
31
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms. São
Paulo: UNESP, 2003.p. 76.
32
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999.p. 212
53

exatamente em agir diferente do que é imposto pelo discurso dominante do


globalismo.
Essa frágil teorização assumiu do ponto de vista prático uma fantástica
eficiência em alcançar seus objetivos de liberalização da atuação econômica. Esse
discurso ideologizado alia-se aos fatores reais de mobilidade dos meios de
produção e queda de postos de trabalho. Essa aliança gera um quadro onde a
atuação soberana do Estado nacional e consequentemente a gestão democrática de
suas políticas são profundamente impactadas.

3.2
O impacto do globalismo sobre o modelo democratico de Estado
nacional.

O filósofo alemão Jürgen Habermas chega a afirmar em uma de suas obras


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que, se suas análises estiverem corretas, ‘de modo algum é descabida a frase
“impotência graças à globalização”’33.
O processo de globalização traz conseqüências profundas para o
funcionamento da soberania estatal, como mediadora da atuação da sociedade
sobre si mesma.34 O direito, que é a manifestação da potência política35 do Estado,
para que não prevaleça simplesmente através da força física, deve ser dotado de
mecanismos de legitimação.
Tal legitimação se viabiliza através da gestão democrática da política. A
idéia de soberania popular torna-se real, através da participação dos indivíduos
nos fóruns onde são tomadas as decisões que irão afetar esses mesmos indivíduos.
Apenas pode-se viabilizar o exercício da soberania popular, onde há capacidade
de intervenção por parte dos cidadãos de determinada comunidade.
No entanto como foi visto, os processos de intensificação das relações
transnacionais passam a adquirir um potencial de retirar a eficácia das decisões
que são tomadas no âmbito dos Estados nacionais. A retirada da eficácia da
manifestação do poder político, através do direito, coloca em xeque a gestão

33
HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional e o futuro da democracia. In: A constelação
pós-nacional – Ensaios políticos. São Paulo: Littra Mundi. 2001. p. 102
34
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia entre facticidade e validade II. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro. p.119
35
Ibid.
54

democrática da sociedade. Uma vez que a manifestação da vontade popular é


fortemente afetada pelo esvaziamento da força política do Estado.
Uma vez atingidos esses elementos, os demais componentes que integram
um Estado Social e democrático acabam sendo fragilizados também. A
interconexão existente entre autonomia pública e privada exposta exaustivamente
na teoria habermasiana de democracia deliberativa, se mostra uma realidade em
tempos de globalização. Estando o elemento político sem força para implementar
suas diretrizes, a viabilidade do Estado garantir direitos sociais tem sido
contestada até mesmo nos países mais desenvolvidos.
Diante desse quadro não nos resta cair na armadilha paralisante do
globalismo e anunciar o fim da política democrática. Muito provavelmente
chegamos a um esgotamento da forma de gestão democrática da sociedade
limitada exclusivamente em Estados nacionais. No entanto esse modelo tem
potencial para ser estendido a novas formas de organização Estatal que superem a
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armadilha da territorialidade.
A formação da economia e da política baseada nos Estados nacionais se deu
através de um processo em grande medida subordinado pelo aparato estatal.36
Atualmente a transnacionalização da economia coloca os agentes globalizados em
um espaço que permite a esses agentes atuarem sem um contra-poder estatal.
Durante o desenvolvimento da primeira modernidade, os avanços
tecnológicos permitiram a formação de uma economia e de uma política estatal de
cunho nacional. Esta política estatal manifestava sua potência através do direito.
No citado momento histórico, os agentes econômicos libertaram-se do localismo
rumo ao nacionalismo. A dinâmica desse avanço, porém, consistiu em intensos
conflitos que puderam ser mediados pelo ordenamento jurídico dos Estados
nacionais.
O avanço atual da economia rumo ao âmbito global de atuação, liberta-se de
qualquer esfera jurídica de mediação de conflitos, fazendo com que a atuação dos
agentes econômicos siga basicamente as regras impostas pelo jogo do livre
mercado. “Ocorre uma transição do Estado para o mercado”.37 Há um mergulho
em um vazio de poder político que é ocupado pela economia.

36
O citado processo foi trabalhado no capítulo 1.
37
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003.p. 41.
55

Essa ocupação se dá através de uma estratégia de fuga. O sistema de Estados


nacionais funciona em permanente competição. A possibilidade dos agentes
econômicos fugirem de intervenções que lhes desagradam é o sustentáculo do
poder econômico. O sistema de Estados nacionais baseado no poder de
regulamentação territorial é o que permite que a economia mesmo mais fraca38
subordine o poder político. A superioridade do poder político não consegue se
efetivar frente os agentes globais.39
Essa conjuntura traz para a política nacional uma falta de efetividade. O
meio pelo qual, os cidadãos podem atuar sobre si mesmos que é o direito é
atingido pela mobilidade do capital, não conseguindo se impor a este.
A democracia é substituída por uma falsa liberdade de escolha, na medida
em que os Estados são coagidos a restringir suas possibilidades de atuação
às diretrizes para atrair mais empresas e gerar mais empregos. Dessa forma a
escolha é feita não mais pelos cidadãos, mas pelas regras do globalismo. A
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democracia é deixada de lado.40 Em um ambiente onde se agrava o problema


relativo aos postos de trabalho, devido a uma contradição do próprio sistema, não
ser explorado pelas empresas transnacionais traz prejuízos maiores do que
submeter-se a elas.
Diante desse quadro a política restrita ao Estado nacional permanece em
uma situação de paralisia, onde nada pode ser feito a não ser permanecer no que
Habermas nomeia como disputa por posições41.
Essa proteção por posição, mencionada pelo filósofo alemão, acaba
ocorrendo através do direcionamento do orçamento público para o investimento
em infra-estrutura e isenção de impostos. Tal direcionamento força a um
enxugamento das contas públicas havendo a necessidade de limitação dos
investimentos na garantia dos direitos sociais.

38
Bobbio defende a superioridade do poder político frente as demais formas de poder uma vez que
o poder político é o único capaz de impor através da coação física a sua vontade. BOBBIO,
Norberto. Estado, governo e sociedade. Para uma teoria geral da política. São Paulo: Editora paz
e terra, 2005.p.83 No entanto na atual conjuntura esse poder não se mostra eficaz em razão da
possibilidade de migração dos agentes econômicos.
39
BECK, Ulrich. Op.cit., .p. 44.
40
Ibid. p. 198.
41
HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional e o futuro da democracia. In: A constelação
pós-nacional – Ensaios políticos. São Paulo: Littra Mundi. 2001. p. 79.
56

Pode-se afirmar que conclusão a que chega Jürgen Habermas é de que


estamos nos defrontando com o desafio de trazer novamente, o conflito entre
regulação e neoliberalismo, para dentro das arenas políticas.42
A manutenção de um sistema baseado na auto-regulação do mercado impõe
os custos sociais correspondentes a tal situação. A dimensão desses custos sociais
é incompatível com a manutenção de uma sociedade que se rege pelo modelo
democrático.
A economia se liberta dos interesses Estatais43 na medida em que os Estados
apenas podem controlar os grupos econômicos nacionalmente atuantes, estando
impedido de impor suas decisões aos agentes econômicos globalizados.
Todo esse processo subordinador é trazido aos debates públicos como uma
conseqüência inevitável e irreversível do fenômeno que é nomeado de
globalização. A complexidade da globalização ou globalidade, no entanto, pode e
deve ser diferenciada da atuação simplista do globalismo.
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A globalização econômica é vista como irreversível no pensamento de


Beck. No entanto a teoria do autor não pleiteia uma corrida contra a globalização
econômica. Mas sim denunciar que tem ocorrido do ponto de vista da ação
política, um primado da economia sobre todos os demais processos de
transnacionalização. A existência desse primado é na opinião do autor a
hegemonia da ideologia neoliberal do globalismo.44
A lógica do globalismo pode ser identificada perfeitamente em uma análise
realizada por Noam Chomsky a respeito da fala do assessor de segurança nacional
dos Estados Unidos. Em sua fala o assessor realiza uma retrospectiva em relação à
guerra fria afirmando que esse evento histórico tratou-se de uma luta dos Estados
Unidos, para garantir a sobrevivência das democracias de mercado. Passado esse
período haveria a necessidade de expandir e aprofundar esse modelo.45
A superação da ameaça ao modelo das democracias de mercado abre
caminho para o ataque em relação às conquistas obtidas em períodos anteriores.

42
Ibid.
43
Aqui a expressão interesse Estatal é utilizada no sentido de um interesse político que pode ser
disputado pelas forças que interagem dentro dos Estados nacionais. Conforme é analisado no
presente trabalho, as forças sociais que atuam dentro do campo restrito dos Estados nacionais têm
sofrido uma grande desvantagem no enfrentamento das forças globalizadas.
44
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999.p.203.
45
CHOMSKY, Noam. Democracia e mercados na nova ordem mundial. In: Globalização
Excludente. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 7.
57

Onde foi necessário recuar, para garantir o equilíbrio de forças em relação a um


inimigo maior.
Vencida a ameaça comunista, a ideologia do globalismo pode atuar, rumo à
implementação de seu objetivo de superar a necessidade de subordinar-se as
escolhas democráticas tomadas dentro dos Estados nacionais. Como foi visto, o
mercado pode facilmente subtrair-se ao âmbito de atuação da política
democrática. Através dessa subtração consegue limitar as possibilidades de
atuação dos Estados nacionais, e dessa forma limitar as escolhas a serem
deliberadas democraticamente.
Clareia-se então o real significado do globalismo: um projeto político de
superação da política democrática. As contradições existentes dentro do próprio
capitalismo atualmente se aprofundam. Remontando Marx, Beck afirma que o
capital hoje tende a atuar como seu próprio coveiro. Isso porque com a ascensão
de um capitalismo que suprime o emprego e impostos, chega-se a um limite da
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aliança democrática realizada nos Estados de Bem-estar social, entre capital e


trabalho.46
Logo nas primeiras páginas de seu livro “O que é a globalização?” Ulrich
Beck traça um interessante paralelo entre o atual momento de atuação dos agentes
econômicos de forma transnacional e as lutas de classe existentes no século XIX.
O sociólogo afirma o seguinte:

“A questão da globalização na virada para o século XXI representa, para as


empresas que fazem negócios transnacionais, o mesmo que a questão das classes
sociais representava para o movimento dos trabalhadores no século XIX, mas com
uma diferença essencial: enquanto o movimento dos trabalhadores atuava como
pode de oposição, as empresas globais atuam até este momento sem oposição
(transnacional)”47

A mobilidade do capital e dos meios de produção expõe a política exercida


dentro dos limites do Estado nacional, a uma subordinação que não pode ser
revertida tendo como paradigma do modelo de Estado da primeira modernidade.48

46
BECK, Ulrich. Op.cit., p. 118
47
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999.p. 14.
48
Por estado da primeira modernidade compreende-se o Estado cuja fronteira territorial possuía
uma grande força de contenção da sociedade e a política nacional, apesar de interagir
internacionalmente, podia ser determinada com um grande grau de independência.
58

A paralisia política que mantém o status quo é alimentada pelo


aprisionamento às formas clássicas de organização político-institucional. A
possibilidade das sociedades nacionais se verem privadas de impostos e trabalho
coloca a estrutura política do Estado nacional, em uma posição de negociação
desigual em relação às grandes empresas.
As desregulamentações ecológicas, fiscais e trabalhistas fazem com que a
atuação política dos Estados nacionais alimente os fenômenos inerentes a atuação
do globalismo. Quais sejam, aumento do desemprego e do subemprego, queda no
arrecadamento de impostos e dificuldade de imposição de restrições legais a
degradação ambiental.
Trata-se de uma verdadeira exclusão da participação popular do quadro de
decisões políticas. Segundo Beck, um novo round iniciado pelo capital, para a
derrubada do velho adversário trabalho.49
A conjuntura de subordinação acaba por reclamar uma nova forma de
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intervenção, colocando em cheque a organização política baseada no Estado


nacional. Faz-se necessário o acompanhamento das forças políticas em relação às
forças econômicas. O desequilíbrio desse quadro necessita ser superado através da
construção de uma atuação política transnacional e pluridimensional.50 Essa,
porém, apenas pode ser estabelecida através da conscientização de que a
globalização é um fenômeno irreversível, mas também plural.
Atores de influência transnacional multiplicam-se no cenário global. A
formação dos blocos econômicos permite que instâncias supranacionais de
decisão manipulem a distribuição de recursos e condicionem a liberação dos
mesmos a implementação de determinadas políticas econômicas. Atores como o
FMI, BIRD e a própria União Européia são exemplos desse tipo de atuação.
Grupos de pressão que atuam em organizações não governamentais,
organizações como o G-20, e por fim as grandes empresas transnacionais
compõem um mosaico de forças que abalam o conceito clássico de soberania
estatal. Tais atores colocam em xeque a forma histórica através da qual a

49
BECK, Ulrich. Op.cit., p.15.
50
Com base nessa necessidade Ulrich Beck pontua que a atuação política dos Estados nacionais
precisa se reconfigurar através da ascensão de Estados transnacionais. Tal questão será abordada
no capítulo 3.
59

democracia representativa se efetivou com maior solidez. Qual seja a da social


democracia baseada no Estado territorial soberano.
A visibilidade desse conjunto de influências cruzadas que integram o
conceito de globalização auxilia a construir a compreensão a respeito da
impossibilidade de ser revertida a integração existente no mundo atual. Tal
irreversibilidade remete a impossibilidade de voltarmos a pensar em termos
nacionais.
Jürgen Habermas aborda o problema da crise democrática européia. Os
cidadãos dos vários Estados europeus se vêem de frente com a proposta de uma
Europa unida e sem representação popular, ou esfacelada e sem poder de ação.51
A análise habermasiana é coerente com seus escritos sobre a Constelação
pós-nacional, uma vez que o autor já explicitava o fato de que os desafios sociais
apenas transformam-se em questões políticas quando há capacidade de
intervenção.52
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A globalização surge assim como o grande desafio com que se depara o


modelo de democracia social.53 Entra em crise o modelo de democracia
representativa que se desenvolveu associado à experiência histórica dos Estados
nacionais. Segundo Habermas chega-se ao final da constelação que durou
aproximadamente 200 anos e abre-se o caminho rumo à constelação pós-nacional.
Nessa constelação pós-nacional a quantidade de influências e informações
que chegam até nós, não pode ser menosprezada e reduzida a uma simples atuação
da política em função dos valores do mercado. Esse reducionismo nada mais é do
que a atuação simplista da ideologia do globalismo.
O abalo da soberania Estatal acaba limitando a auto-regulação democrática
da sociedade. Alguns fatores necessitam de respostas políticas transnacionais.
Essas respostas políticas transnacionais, nada mais seriam do que o
acompanhamento pela política de uma sociedade que se tornou global em seus
problemas, e necessita buscar soluções também em âmbito global.

51
HABERMAS, Jurgen. Europa com medo do povo. Folha de São Paulo, 30 de junho de 2008.
52
HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional – Ensaios políticos. São Paulo: Littra Mundi.
2001. p. 77.
53
Ibid. p. 65.
60

É necessário abrir-se para a percepção de que não é só a economia que se


transnacionaliza, mas a própria sociedade. Essa transnacionalização é uma ruptura
com a constelação nacional.

3.3
Globalização pluralidade e ruptura

O desenvolvimento de um projeto político democrático, para a atual


sociedade globalizada, tem como pré-requisito o desmonte tanto da perspectiva
cética, quanto da perspectiva neoliberal relativa à globalização.
A argumentação dos céticos necessita ser revista no que tange a insistência
em enxergar a possibilidade de manutenção do modelo de Estado-nacional, e na
negação relativa às inovações e rupturas trazidas pela globalização.54
Em relação aos conservadores é necessário desmistificar a ideologia do
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globalismo, que expõe a globalização não apenas como irreversível, mas também
como unidimensional e assim, defende que a única forma de caminhar em um
mundo globalizado é entregar ao mercado a tarefa de regular as relações globais.
Dessa forma faz-se necessário explicitar que o processo de globalização é
sim irreversível, não podendo os Estados nacionais lidarem com os problemas
globais, através das estruturas de governo territorialmente delimitadas. Por outro
lado deve ser demonstrado também, que essa abertura para a globalidade não é
sinônimo de desregulamentação econômica. Uma vez que há uma pluralidade de
dimensões que se internacionalizam e requerem um acompanhamento, por parte
de uma política democrática, que contenha a violação de direitos civis, políticos e
sociais.

3.3.1
Globalização como pluralidade e complexidade

Longe de consistir em um processo totalizante e completamente homogêneo


a globalização mostra-se cada vez mais como um fenômeno plural.

54
A ruptura trazida pela globalização é tão forte no pensamento de Ulrich Beck que em sua
perspectiva é uma das características da ascensão de uma segunda modernidade.
61

Dentro dessa conjuntura de globalização se manifesta uma pluralidade de


dimensões, dentre elas a econômica. No entanto a globalização assume uma
complexidade muito maior. Autores das mais diversas correntes teóricas afirmam
a existência de uma transnacionalização das várias áreas da sociedade, “a
globalização é política, tecnológica e cultural, tanto quanto econômica” 55
Para além da compreensão simplista do globalismo e de suas armadilhas, a
globalização vem demonstrar sua complexidade e novidade na concretização de
uma verdadeira sociedade mundial. Vários são os aspectos da vida social dos
indivíduos que se transnacionalizam. A atuação transnacional da sociedade ao
contrário do que deixa transparecer a ideologia do globalismo não se restringe a
economia.
A globalização mostra o seu impacto, por exemplo, na gestão das
informações. Pouquíssimas informações podem ser contidas dentro dos Estados
nacionais56. Acontecimentos vividos em todas as partes do globo podem percorrer
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centenas de países em instantes através de redes de comunicação via rádio,


televisão e internet. A influência dos meios de comunicação na política mundial
torna-se cada vez mais relevante, a história passa a ser contada quase que
simultaneamente.
Vive-se a era onde foi possível produzir celebridades mundiais através da
transmissão de imagens instantâneas, e onde muitas vezes as emissoras de
televisão chegaram antes dos acontecimentos.57 Todo esse processo não se
desenvolve sem impactar as sociedades nacionais e a forma dos indivíduos
enxergarem o mundo.
Os exemplos podem se multiplicar em várias dimensões, seja na
globalização do trabalho, do mercado, da cultura ou da ecologia. A grande questão
a ser pontuada, no entanto, é o fato do processo globalizador superar a

55
GIDDENS, Anthony. O mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. Rio
de Janeiro: Record, 2000.p. 21
56
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999.p.41.
57
Nesse sentido interessante é o relato de Anthony Giddens descrevendo que no momento da
queda do muro de Berlim as redes de televisão pediram para subir antes dos manifestantes, com a
finalidade de conseguir boas tomadas, havendo inclusive pessoas que subiram e desceram mais de
uma vez para garantir uma boa cena. GIDDENS, Anthony. O mundo em descontrole: o que a
globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro: Record, 2000.p. 77
62

unidimensionalidade do globalismo, e se caracterizar como um processo


multidimensional e complexo.58
Um rápido olhar é suficiente para desmascarar a simplicidade
unidimensional e totalizante do globalismo. A tão propagada globalização
econômica, por exemplo, poderia ser caracterizado mais como um processo de
internacionalização. Na medida em que o comércio mundial se realiza de forma
desigual entre as várias regiões do planeta. Existem regiões com um fluxo mais
intenso, enquanto outras permanecem como regiões secundárias nas trocas
comerciais que ocorrem entre os diversos países. Dessa forma a liberalização dos
mercados permite aos agentes econômicos atuarem de forma seletiva, escolhendo
como, quando, e em que medida, cada país será integrado ao processo de
globalização econômica.59
Tal fato contradiz frontalmente a idéia neoliberal de que a lógica de
acirramento da concorrência traz consigo a melhoria das condições sociais e o
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progresso. Como se não bastassem as estatísticas que indicam um


empobrecimento cada vez maior da população mundial, esse sistema de livre
mercado atua de forma seletiva. Assim mesmo que sua lógica de prosperidade
pela mão invisível do mercado tivesse potencial de ser implementada, não o seria
para a grande maioria da população mundial.60
Igualmente a idéia de globalização como um processo linear onde ocorre a
invasão dos Estados nacionais por fatores externos, notadamente uma cultura
hegemônica é rejeitada por Ulrich Beck. Não há dúvidas da existência desse
processo linear, porém ele não se tornou totalizante e convive com outros
processos, em um mosaico de forças que se encontram disputando espaço na
sociedade mundial.
A globalização através de inúmeros processos (migração, ascensão de
ONGs transnacionais, internet, televisão), permite às culturas locais retomarem
força e atuarem em regiões onde nunca antes seria possível. A globalização
caracteriza-se como um processo dialético de glocalização. Nesse processo

58
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999. p. 158.
59
Essa integração se dá de forma diferenciada de país para país. São escolhidos os locais de onde
será extraída mão-de- obra, matéria prima, e onde ocorrerá o consumo.
60
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999. p. 207
63

influências globais e locais se interpenetram e geram choques que originam


fechamentos culturais intolerantes, mas também processos que Ulrich Beck
nomeia como diferenciação inclusiva. Fenômeno que consiste no surgimento de
terceiras culturas a partir de miscigenações culturais. 61
Diante desse quadro África e Europa tornam-se não mais territórios, mas
sim conceitos. Pois é possível encontrar regiões por todo planeta onde África e
Europa são vizinhas.
Nesse sentido a descrição de Ulrich Beck:

“Do ponto de vista daqueles que elaboram as danças e as mascaras do “carnaval


africano” em Nottingham a África já não possui um lugar geográfico. Para eles a
África designa uma visão, uma idéia que pode ser derivada a partir de uma estética
negra. E isso não serve, em última análise, ao objetivo de fundar, sustentar e
renovar uma identidade nacional africana para os negros na Grã-Bretanha. Esta
(anti-) África é, no sentido estrito da palavra, uma comunidade imaginada. Ela
serve para romper e anular a sensação de estranhamento dos grupos afro-
caribenhos na Inglaterra. Portanto, existe uma África em Nottingham “62.
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Esse quadro convive com a força do globalismo uniformizador e totalizante,


mas de forma alguma é extinto por ele. Há uma constante releitura e formação de
novas práticas que possuem origem localizada e alcançam lugares distantes. Junto
do crescimento da homogeneização ascende pluralidade e diferenciação.
Essa compreensão de globalização como pluralidade e complexidade, em
contraposição a idéia de um fenômeno linear e homogêneo, demonstra que os
Estados nacionais necessitam se abrir para uma atuação transnacional
multidimensional. As políticas de integração que até agora tiveram como carro-
chefe a economia necessitam atentar para a complexidade do processo
globalizador, superando assim a unidimensionalidade do globalismo.
Por outro lado aqueles que a resumem a globalização a uma ditadura do
mercado mundial e mergulham no protecionismo isolacionista, além de enxergar a
globalização como complexidade, necessitam aceita-la como irreversível em
muitas de suas dimensões.

61
A análise de tal fenômeno será aprofundada no capítulo 3.
62
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999. p. 60.
64

3.3.2
Globalização como ruptura

A consciência de irreversibilidade da globalização é o que faz com que Beck


abandone a política restrita ao Estado nacional, e se volte para propostas de
estabelecimento de uma democracia pós-nacional.
As argumentações que afirmam que não há nada de novo no atual momento
geralmente tendem a associar a globalização a fenômenos remotos como o
período das grandes navegações, ou ao período do fim do século XIX onde já se
configurava um aprofundamento das trocas entre os diversos países.63 Há
inclusive interpretações que situam a primeira onda globalizante da história na
difusão das religiões mundiais a mais de dois mil anos.64
Contrariando aqueles que defendem a ausência de novidades no atual
momento, Giddens define o atual processo globalizador não apenas como algo
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novo, mas também como algo revolucionário.65


Para Beck a globalização destrói um dos pilares do que ele nomeia como
primeira modernidade. Qual seja, “a idéia de que se vive e se interage nos espaços
fechados e mutuamente delimitados dos Estados nacionais e de suas respectivas
sociedades nacionais.” 66
O atual momento de transnacionalização das esferas da vida social se
diferencia em várias questões chaves de impulsos globalizantes anteriores. A
amplitude espacial alcançada pelo fenômeno se distingue de qualquer época
anterior. A ligação existente entre os lugares mais distantes possibilitada pelos
novos meios de comunicação e transportes é completamente incomparável com
qualquer outra época da história.
Ademais, a densidade com que o processo de globalização se desenvolve
gera interações sociais transnacionais na cultura, na economia e até mesmo

63
BULL, Hedley. A sociedade anárquica: um estudo da ordem política mundial. Brasília, DF: Ed.
da Universidade de Brasília, 2002.
64
THERBORN, Göran. Dimensões da globalização e a dinâmica das (des)igualdades. In:
Globalização Excludente. Petrópolis: Vozes, 2002. p.88.
65
GIDDENS, Anthony. O mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. Rio
de Janeiro: Record, 2000. p. 20.
66
BECK, Ulrich. Op.cit. p. 46.
65

afetivas, dentre várias outras áreas já mencionadas com uma intensidade jamais
vista.67
Também a percepção por parte do senso comum dos indivíduos, de que
ascendem atualmente sociedades multiculturais que trazem a necessidade de
conviver com novidades e incômodos, é um fator novo. Assim como a percepção
global a respeito dos riscos ecológicos, nucleares e a partir de setembro de 2001 o
risco do terrorismo internacional.68
Pela primeira vez na história os atores que interagem em nível mundial
possuem a percepção de suas mútuas interconexões, e a partir disso traçam
estratégias que levam em conta esse fator, qual seja, o de que todos encontram-se
em uma mesma sociedade mundial.
A globalização atua como um processo não uniforme e nem totalizante onde
os atores globais influenciam atores locais, porém também são influenciados por
esses. A predominância de certas forças no plano mundial não é incompatível com
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a idéia de que essas forças, apesar de predominantes, permanecem sob bases


instáveis. Ocorrem continuamente influências cruzadas que dificilmente são
contidas.69
Esse quadro de forma alguma pode ser comparado a períodos anteriores
onde as relações de força eram bem mais delimitadas, e as influências locais
dificilmente teriam o condão de penetrar de forma relevante no jogo de poder
global.
Beck indica sinteticamente oito fatores principais que apontam para a
irreversibilidade do fenômeno da globalização, bem como para a insuficiência do
poder de intervenção dos Estados nacionais:

“1. Ampliação geográfica e crescente interação do comércio internacional, a


conexão global dos mercados financeiros e o crescimento do poder das companhias
transnacionais.
2. A ininterrupta revolução dos meios de informação e comunicação.
3. A exigência, universalmente imposta, por direitos humanos – ou seja, o princípio
do (discurso) democrático.
4. As correntes icônicas da indústria cultural global.

67
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999. p. 33.
68
BECK, Ulrich. The Cosmopolitan State. Toward a realistic Utopia.Eurozine, 05 de maio de
2001. Disponível em<http://www.eurozine.com/articles/2001-12-05-beck-en.html>
69
BECK, Ulrich. Op.cit., p.158.
66

5. À política mundial pós-internacional e policêntrica – em poder e número –


fazem par aos governos uma quantidade cada vez maior de atores transnacionais
(companhias, organizações não-governamentais, uniões nacionais).
6. A questão da pobreza mundial.
7. A destruição ambiental mundial.
8. Conflitos transculturais localizados.”70

A maioria dos fatores mencionados possui interconexões e cada um deles


abre profundas discussões a respeito da atuação da globalização, e sua relação
com os Estados nacionais. Não é possível realizar uma análise exaustiva desses
fatores no presente trabalho. No entanto a identificação deles abre caminho, para
que possamos sustentar o argumento, de que se faz necessária a superação das
formas de organização político- institucionais típicas do que Ulrich Beck nomeia
como primeira modernidade.
Discorreremos adiante sobre algumas dimensões que acreditamos que atuem
inviabilizando a possibilidade de retrocesso do processo de globalização. São elas
a ascensão de riscos globais como a questão nuclear e a questão ecológica, bem
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como o risco inerente ao colapso dos mercados financeiros, e o aprofundamento


da globalização das culturas.

3.3.2.1
Globalização do risco ecológico.

A intensificação da integração da natureza ao processo de industrialização


que ocorre na modernidade dá sinais de esgotamento, e de que foi superado em
muito o grau de sustentabilidade desse modelo de desenvolvimento.
A idéia típica da primeira modernidade de separação entre sociedade e
natureza encontra sua limitação atualmente diante da crise ecológica.71
Com o avanço da degradação do meio ambiente evidenciada
institucionalmente em nível mundial pela primeira vez na conferência de
Estocolmo em 1972, passa-se a buscar soluções para a questão ambiental.

70
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999.p.30-31.
71
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003. p. 24.
67

Simultaneamente, invoca-se o direito de todos os indivíduos usufruírem de um


meio ambiente saudável.72
Dessa forma o direito ao meio ambiente passa a ser visto como algo digno
de proteção, uma vez que se encontra ameaçado. No entanto essa proteção não se
mostra possível dentro da perspectiva do Estado nacional.
O funcionamento do ecossistema do planeta não se subordina as convenções
humanas a respeito das fronteiras nacionais. Embora os impactos ambientais
imediatos, provocados, por exemplo, pela instalação de indústrias químicas sejam
sofridos pelas populações geralmente mais pobres que residem nessas áreas, o
dano a longo prazo tem o potencial de alcançar áreas distantes dessa atuação
inicial. Até mesmo o globo como um todo, como ocorre com o fenômeno da
alteração climática.73
Esse potencial dos danos ecológicos atingirem a médio e longo prazo a
totalidade do planeta é a base de sustentação do argumento de que a
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transnacionalização da política ambiental é inevitável. Encontra-se ameaçada a


própria viabilização da vida.
A globalização do risco ecológico traz como conseqüência a necessidade de
implementação de uma política transnacional de desenvolvimento sustentável.
A transnacionalização dos danos ambientais traz legitimidade a todos os
indivíduos do planeta para questionarem os atos de qualquer ator social que
possam vir a ocasionar danos ecológicos. Estabelece-se assim o confronto entre a
legitimidade dessas reivindicações e as fronteiras dos Estados nacionais.
Todos os indivíduos encontram-se hoje inseridos em uma mesma sociedade
mundial que compartilha riscos ambientais. Ocorre o “enredamento dos destinos
coletivos.” 74

72
MONDAINI, Marco. O respeito aos direitos dos indivíduos. In: História da cidadania. Org.
Pinsky, Jaime & Pinsky, Carla B. São Paulo: Contexto, 2005. p. 127.
73
Beck, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São Paulo:
UNESP, 2003. p. 130. A procura das empresas por países periféricos onde há uma maior
desmobilização da sociedade em relação a questão dos riscos ambientais e tecnológicos tem
gerado uma divisão global na produção de riscos. Além dessa divisão em nível global, há a
tendência de que dentro de países como o Brasil onde ocorre uma gritante desigualdade social
ocorra a distribuição das consequências da radicalização da modernidade de forma também
desigual. Essa distribuição acompanha a desproporcionalidade das relações de força entre os
agentes que participam do espaço público e aqueles que deste estão excluídos.
74
HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional – Ensaios políticos. São Paulo: Littra Mundi.
2001. p. 72.
68

3.3.2.2
Riscos nucleares e tecnológicos

O exemplo típico de risco tecnológico e no caso também nuclear é o


acidente ocorrido em Chernobyl. O problema ocorrido no reator da usina nuclear
gerou conseqüências transnacionais sentidas até hoje, passados mais de 20 anos
do acidente.75 Interessante notar que antes do acidente as medidas de contenção
dos danos eram planejadas com base em acidentes nacionais.
Ulrich Beck cita o exemplo da Alemanha que nunca havia previsto a
possibilidade de ser atingida por um acidente nuclear transnacional.76
Chernobyl rompe de forma devastadora com esse padrão de administração
de riscos. Atualmente a instalação de usinas nucleares desperta a preocupação em
um amplo raio de países vizinhos e mesmo em países que possuem proximidade
mediana do local.
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Não apenas a questão nuclear, mas as novas tecnologias de produção de


alimentos que inicialmente são aprovadas por especialistas, trazem incertezas com
as quais o homem comum possui dificuldade de lidar. Uma vez que os mesmos
especialistas que aprovam as novidades tecnológicas, as reprovam posteriormente
criando-se assim inúmeras divisões e correntes científicas, que não possuem
condições de sustentar a certeza científica sobre determinado avanço tecnológico.
Essas incertezas fabricadas em determinado Estado nacional cruzam
fronteiras e afetam países muito distantes. O exemplo do mal da vaca-louca serve
de parâmetro para outros males. Quando ocorreu o surto inicial na Inglaterra,
mesmo diante do fechamento das fronteiras nacionais em relação ao gado daquele
território, os restaurantes europeus tinham que investir em publicidade para
afirmar que a carne utilizada em seus estabelecimentos não era inglesa. No
entanto tudo isso não evitou a queda no consumo de carne na Europa.
Esses limites inerentes ao Estado- nacional constituem-se como um dos
desafios a serem enfrentados na atualidade. Cada vez mais desenvolvimentos
tecnológicos realizados em um determinado território ganham potencial de dano

75
O acidente em Chernobil ococrreu em 26 de abril de 1986.
76
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003.p. 119.
69

que ultrapassam em muito os limites do Estado no qual estão sendo


desenvolvidos.77
Cidadãos de um país não têm a possibilidade de influenciar a legislação de
um país vizinho, que permite a produção de algo que gera dano transnacional. A
transnacionalização dos danos advindos de novas tecnologias, incluindo aí a
tecnologia nuclear é mais um movimento de ruptura com a ordem do Estado
nacional.

3.3.2.3
Globalização dos mercados financeiros

Anthony Giddens em seu livro “Mundo em descontrole” chama atenção


para o volume de dinheiro movimentado diariamente no mercado financeiro
mundial. Segundo seus números mais de um trilhão de dólares são movimentados
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por dia em todo planeta.78


Juntamente com todo esse volume financeiro oscilam os valores do câmbio,
cotação de ações e outros bens que são negociados continuamente, em questão de
segundos, através da internet ou outras redes de comunicação.
A instabilidade do mercado financeiro tem o potencial de gerar danos na
economia real de uma hora para outra. A cotação das moedas estrangeiras, por
exemplo, atingem diretamente o montante da dívida de Estados nacionais e
também das mais variadas empresas que realizam empréstimos e vendas
transnacionais. Através de uma súbita desestabilização desses mercados é possível
causar danos catastróficos em qualquer parte do planeta.
O risco financeiro caracteriza-se pela generalização da irresponsabilidade.
Não existe nenhuma autoridade nacional capaz de impor regulamentações ao
mercado financeiro mundial. Na opinião de Ulrich Beck o risco financeiro

77
Curiosa nesse sentido é uma ação proposta na Corte Federal do Havaí onde o impetrante
questiona no judiciário federal norte-americano, a entrada em operação de um gigantesco
acelerador de partículas que foi instalado na Suíça pelo European Center for Nuclear Research,
alegando que o acelerador de partículas poderia provocar um buraco negro que causaria o fim do
planeta, segundo alguns estudos. O acelerador já foi posto em funcionamento sem nada de mais
grave ocorrer, porém este fato demonstra como atualmente estamos sujeitos a sofrer consequências
advindas de locais onde não possuímos um potencial mínimo de intervenção. Link para
reportagem disponível em http://estadoderisco.org/.
78
GIDDENS, Anthony. O mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. Rio
de Janeiro: Record, 2000. p. 20.
70

constitui-se na Chernobyl econômica, e talvez seja o caminho mais curto que leve
a formação de uma regulamentação transnacional.79
A atividade totalmente descontrolada que é realizada nos mercados
financeiros já tem sido alvo de duras críticas da sociedade e mesmo de chefes de
Estados como Brasil, Alemanha e França80. O que evidencia cada vez mais as
deficiências do modelo, e a necessidade de ser implementada uma regulamentação
que viabilize a vedação, e responsabilização de práticas nocivas implementadas no
mercado financeiro em nível mundial.
A crise econômica do segundo semestre de 2008, por exemplo, é fruto de
políticas especulativas realizadas a partir da atuação de gigantes financeiros no
mercado imobiliário americano. No entanto a explosão dessa bolha de
especulação acabou por gerar conseqüências para o mundo inteiro.
Conforme pode ser observado após a explosão da crise foram muitas as
declarações de chefes de Estado, no sentido de serem necessárias medidas
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regulatórias supranacionais sobre os mercados financeiros.


No entanto o que pôde ser constatado foi uma tímida reação dos lideres
mundiais no encontro do G-20 realizado no primeiro semestre de 2009, onde
foram propostas limitadas regulamentações aos mercados financeiros
prevalecendo a posição americana. Na ocasião foi implementado também um
grande aporte de capital, com o objetivo de aquecer a economia. Dessa forma o
que se viu foi uma atuação transnacional anti-democrática, que tão somente
alimentou o funcionamento do globalismo.81

79
BECK, Ulrich e ZOLO, Danilo. A sociedade global do Risco. Disponível em:
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/ulrich.htm.
80
Nesse sentido a posição do presidente da França Nicolas Sarkozy no fórum de Davos.
Disponível em http://jcrs.uol.com.br/site/noticiq.php?codn=18633, bem como os pronunciamentos
da chanceler alemã Ângela Merkel no encontro do G-20.Disponível em http://www.dw-
world.de/dw/article/0,,4133631,00.html
81
O caminho indicado pela posição do G-20, nos coloca diante da possibilidade de estarmos
formando Estados transnacionais tão subordinados aos interesses do capital quanto os Estados
nacionais. Agora não em virtude da ausência de poder de intervenção, mas sim em razão de uma
intervenção transnacional que ignora a participação popular, conforme foi visto nas recentes
reuniões dos lideres mundiais. Muitos protestos por parte da população foram realizados, mas
houve pouca ou nenhuma participação desses cidadãos nas decisões.
71

3.3.2.4
Globalização da cultura

Muitos dos militantes anti-globalização acusam essa de se constituir em um


processo que possibilita a ascensão de uma homogeneização cultural, que
necessita ser combatida.
Realmente empresas de alcance mundial como a Disney, Mcdonalds, Nike
dentre outras, tem como uma das chaves de sua atuação, a criação de símbolos
universalizáveis de modo a possibilitar a sua aceitação global.
Interessante é a fala do presidente da Eurodisney a esse respeito: “As
características distintivas da Disney possuem alcance universal. Tentem
convencer uma criança italiana de que o Topolino – nome italiano do Mickey
Mouse – é americano: os senhores não conseguirão.” 82
No entanto o fato de hoje ocorrer uma globalização da cultura de certa
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forma irreversível, não se confunde com a existência de uma americanização do


mundo. A globalização cultural abala intensamente a histórica aliança existente
entre o Estado e identidade nacional. No entanto, se desenvolve de forma muito
mais complexa e bem menos linear que a simplicidade da imposição de uma
cultura nacional determinada sobre o resto do mundo.
A tese da "McDonaldização" do mundo acabou por não prevalecer no
entender de Beck.83 A idéia de uma cultura global passa a imagem de uma
homogeneidade inexistente, ou existente apenas na tentativa de imposição de uma
economia, que tem sua hegemonia facilitada na uniformização de
comportamentos.
O aprofundamento das relações transnacionais acabou por gerar um espaço
cultural nomeado por Beck como translocal. Nesse espaço realmente é possível
ocorrer a prevalência global de características homogeneizantes, como a
existência de um certo número de línguas faladas de forma mais ou menos
universal. Porém mescla-se a esse processo linear, o surgimento de pessoas que
possuem vínculos localizados em vários lugares do globo. Essas pessoas são
contagiadas por hábitos culturais variados e influenciadas por uma

82
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999. p. 85.
83
Ibid. p. 214.
72

heterogeneidade cultural, que divide espaço com as forças homogeneizantes do


globalismo. Por maior que seja a intensidade com que avança o globalismo este
não possui um poder de definição absoluto sobre as demais culturas.84
As trocas culturais tornaram-se intensas85 e muitas vezes contrariam as
tendências uniformizadoras da lógica de mercado. A tese da prevalência de uma
americanização do mundo se confronta com a tendência de mútua influência. Essa
mútua influência traz perspectivas culturais até então desconhecidas pelo
ocidente, para o centro das atenções de países europeus e dos EUA.
A cultura árabe, oriental, latino-americana e africana penetram nos centros
do capitalismo mundial, seja através da música, das comidas ou das tradições e
costumes trazidos pelos movimentos migratórios. Ocorre assim uma mútua
influência proporcionada pela globalização.86 A cultura se transnacionaliza, ou no
dizer de Beck se glocaliza.
Esse movimento cultural que se torna global destrói a relação construída
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historicamente entre Estado, sociedade e identidade.


Diferenciam-se dois tipos de cultura, um predominante na primeira
modernidade e um segundo tipo que predomina com a ascensão da segunda
modernidade.87
O conceito de cultura relativo à primeira modernidade parte de uma idéia
onde cultura e território são associados. A cultura é fruto de uma vivência local.88
Esse conceito de cultura pôde sustentar a coesão social durante um bom tempo.
Muito embora a idéia de cultura da nação tenha atropelado violentamente outras
identidades culturais, não se pode negar o caráter territorial da produção da
cultura. É claro que tal territorialização foi enquadrada de forma violenta dentro
dos elementos formadores do Estado, dentre eles a imposição de uma cultura da
nação através do poder soberano.

84
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003. p. 31.
85
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999. p. 44.
86
Ibid. p. 44.
87
A ascensão de formas distintas de diferenciação cultural é mais uma pedra fundamental na
distinção feita por Ulrich Beck entre primeira e segunda modernidade conforme foi trabalhado no
capítulo 1.
88
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999. p. 124.
73

Ascende na segunda modernidade um novo conceito de cultura, que é


caracterizado por “processos translocais de aprendizado”.89 Essas novas
manifestações culturais são definidas pelo sociólogo como “multiplicidades sem
90
unidade, não integradas e não delimitadas.” A produção desse novo conceito
de cultura se dá quando a cultura de determinado local se abre para a influência do
global. Há aqui o que Beck nomeia como culturas glocais formadas por processos
que o sociólogo classifica como diferenciação inclusiva.91
Todas essas faces da globalização demonstram que não estamos diante do
surgimento de uma sociedade mundial, que absorve toda pluralidade existente nas
diversas sociedades nacionais. A multiplicidade e o desgoverno são marcas do
novo período, emerge uma “sociedade mundial, sem Estado e sem governo
mundial”.92
Dentro desse vácuo político a ideologia do globalismo tem atuado
livremente. Enxergar que não é apenas a economia que se transnacionaliza, mas
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sim a sociedade em sua pluralidade de dimensões, e que esse processo é


aparentemente irreversível até o momento, é um dos sustentáculos para a busca de
saídas político-institucionais pós-nacionais.
Com base nas obras de Beck pode-se perceber que uma sociedade que se
mostra transnacional, em tantas dimensões, necessita de uma gestão democrática
também transnacional.
Diante dessa necessidade Beck constrói um vigoroso ataque a uma categoria
conceitual que ele nomeia como nacionalismo metodológico.93 Tal crítica tem
como objetivo evidenciar a necessidade de superação das formas de construção de
saber, e de estratégias políticas vinculadas exclusivamente às unidades territoriais

89
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999. p. 124.
90
Ibid., p. 125.
91
Por diferenciação inclusiva Ulrich Beck compreende as formações culturais que se desenvolvem
através do encontro de diferentes culturas. A abertura para as trocas culturais entre duas culturas
diferentes proporcionaria assim o surgimento de uma terceira cultura cunhada por um processo de
diferenciação inclusiva. O tema será objeto do item 3.4.
92
BECK, Ulrich. Op.cit.,. p. 33.
93
Ulrich Beck trabalha essa crítica principalmente no artigo Toward a New Critical Theory With a
Cosmopolitan Intent. Constallations (BECK, Ulrich. Toward a New Critical Theory With a
Cosmopolitan Intent. Constallations, Volume, 10, Number 2. Blackwell Publishing, 2003.) e na
obra Power in the global Age: a new global political economy(Beck Ulrich. Power in the global
Age: a new global political economy. Polity Press, 2006.)
74

nacionais.94 Tal fato se dá através da demonstração da incompatibilidade existente


entre unidades nacionais de um lado, e de outro lado manifestações sociais
transnacionais nas mais variadas dimensões.95
A descrição da distinção existente entre globalismo e globalização, integra
uma primeira parte da crítica ao modelo político do Estado nacional. A
desmistificação do globalismo abre caminho para a crítica à categoria nomeada
por Beck de nacionalismo metodológico, bem como à idéia, que prevalece na
gestão da política, de que o Estado pode funcionar como um container da
sociedade. Após abordar essas críticas é possível buscar a construção de estruturas
políticas que superem essas categorias, e possibilitem uma formação democrática
pós-nacional.96
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94
BECK, Ulrich. O que é a globalização? Equívocos do globalismo respostas à globalização. São
Paulo: Paz e terra, 1999. p. 49.
95
Ibid.
96
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms.São
Paulo: UNESP, 2003 p. 61-62.

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