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GRITOS SEM PALAVRAS: RESISTÊNCIAS DAS CRIANÇAS


PEQUENININHAS NEGRAS FRENTE AO RACISMO

Flávio Santiago*
Universidade Zumbi dos Palmares (UNIPALMARES)

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo compreender a partir dos


pressupostos teóricos da Sociologia da Infância e dos estudos das Ciências
Sociais, relacionados às relações raciais no Brasil, a violência do processo de
racialização sobre a construção das culturas infantis. Trata-se de uma pesquisa
com uma abordagem etnográfica realizada com crianças pequenininhas de
três anos, em um Centro de Educação Infantil da região metropolitana
de Campinas. Os resultados apontam que na instituição investigada
existem uma reprodução dos preconceitos referentes à categoria racial e
a legitimação das hierarquizações sociais que legitimam as desigualdades.
Indicam, também, como as crianças pequenininhas negras percebem o
racismo presente nas posturas pedagógicas adotadas pelos(as) docentes e
deixam explícita, por meio de diferentes linguagens, a não aceitação dos
enquadramentos que as fixam em posições subalternas na sociedade.
Palavras-chave: Racismo. Crianças pequenininhas negras. Educação infantil.
Culturas infantis.

*http://dx.doi.org/10.1590/0102-4698132765
* Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Diferenciação Sociocultural da
UNICAMP. Professor da Faculdade Zumbi dos Palmares (UNIPALMARES). E-mail: flavio.fravinho@gmail.com
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SCREAMS WITHOUT WORDS: BLACK YOUNG CHILDREN’S RESISTANCE CONFRONTING RACISM

ABSTRACT: The present article aims to understand, from the theoretical


assumptions of Childhood Sociology, and studies of Social Sciences
connected to racial relations in Brazil, the violence of the process of
racialization over the construction of peer cultures. It is a research with
an ethnographic approach carried out with three-year-old tiny young
children in an Early Childhood Center at the metropolitan region of
Campinas. The results point out that for the investigated institution, there
is a reproduction of prejudices related to the racial category and to the
legitimacy of social hierarchies that legitimize the inequalities. The results
also indicate how the tiny young black children perceive the racism present
on the pedagogies adopted by the teachers, and make it explicit, by means
of different languages, the non-acceptance of the frameworks that pin
them down in subordinate positions in the society.
Keywords: Racism. Black young children. Early childhood education. Peer cultures.

Introdução

A pesquisa que originou o presente artigo caracteriza-se


como uma pesquisa de abordagem etnográfica, compreendida
como movimento de encontros, que permitiu o convívio, a escuta e
a aprendizagem constante das relações que estruturam o campo de
investigação, possibilitando um desenraizamento de pré-concepções
de sujeito, sociedade e relações sociais.
O movimento etnográfico da pesquisa que resultou neste
artigo foi sendo construído no entrelaçamento da minha subjetividade
com as dos sujeitos presentes no campo de pesquisa, promovendo a
construção de encontros que possibilitavam ouvir pacientemente todos
os sons e enxergar todas as cores presentes nas relações que os sujeitos
estabeleciam no campo, bem como perceber todos os cheiros.
Ao me permitir embarcar no movimento potencializado
pela etnografia, o meu olhar e a minha escuta foram afetados pelos
diferentes elementos do campo, proporcionando a construção do
meu próprio navegar, fundado na minha sensibilidade e na minha
permissividade ao novo. Para a construção efetiva desse movimento,
foi necessária a aceitação de participação de todos os sujeitos
envolvidos na pesquisa, não de um modo burocrático, através de
autorizações e termos de consentimentos, mas através de olhares,
gestos e palavras que demonstravam a possibilidade de aproximação
e penetração no mundo de cada um deles, e, a partir daí, de conhecer
as facetas da realidade sociocultural que os produziram e construíram
as estruturas sociais que os amarram.
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O espaço escolhido para a realização do campo empírico foi


um Centro de Educação Infantil da região metropolitana de Campinas.
A opção pela realização da pesquisa nesse espaço deu-se em função de
ser pertencente à rede pública e estar situado em um bairro com uma
historicidade marcada pela segregação racial. A pesquisa envolveu
crianças pequenininhas1 de três anos e suas/seus docentes.
A minha relação com o campo de pesquisa foi estabelecida
por meio da observação, pela qual procurei aguçar o meu olhar
para as linguagens que, por vezes, são pouco evidenciadas por
outras pesquisas acadêmicas. Também registrei, em um diário de
campo, as minhas impressões sobre cenas ocorridas, descrevendo
detalhadamente aquilo que mais me chamava atenção.
As observações foram realizadas da seguinte maneira: eu chegava
ao Centro de Educação Infantil no início do período da tarde, às doze
horas, e permanecia na sala até às dezoito horas. Anotava tudo o que
conseguia escutar e observar: as falas dos/das docentes, as conversas, os
silêncios e as vozes das crianças pequenininhas e as eventuais ocorrências
durante o dia. As idas a campo foram realizadas de duas a três vezes por
semana, entre os meses de agosto e dezembro de 2012.
Faz-se necessário salientar que os dados coletados durante
a realização da pesquisa são resultado da intersecção de diferentes
universos, entre eles, o do pesquisador e o do campo de pesquisa.
O universo do Centro de Educação Infantil pesquisado era bastante
diverso, havendo diferentes formas de atuação, negociação, ação,
variação que não se restringiam apenas aos locais em que ocorriam,
mas que abrangiam as percepções e identidades de tais lugares, de
modo que o Centro de educação infantil não deve ser encarado
como um todo homogêneo, mas a particularidade de cada caso deve
ser pensada a fim de se aprofundar a análise (FONSECA, 1999).
A aproximação com o campo também impunha determinados
limites com base nas redes de significação já presentes no seu
interior – em alguns momentos o estranho era eu, o “pesquisador”,
pois a minha chegada também representava um movimento de
mudança dentro daquele ambiente já constituído.
Como salienta Velho (1978, p. 39), “o que sempre vemos e
encontramos pode ser familiar mas não é necessariamente conhecido,
e o que não vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo
ponto conhecido”. Acho importante tornar clara essa distinção
entre familiar e conhecido, pois percebo que as idas ao Centro de
Educação Infantil, algumas vezes, pareciam parte da minha rotina,
algo familiar, no entanto, o meu olhar para as relações que ocorriam
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dentro da instituição não poderia deixar de atentar-se ao meu objetivo


de investigação, o qual era compreender, a partir dos pressupostos
teóricos da Sociologia da Infância e dos estudos das Ciências Sociais,
relacionados às relações raciais no Brasil, a violência do processo de
racialização sobre a construção das culturas infantis.
O conceito de racialização aqui adotado refere-se ao processo
político e ideológico por meio do qual certas populações são
identificadas por referência direta ou indireta às suas características
fenotípicas reais ou imaginárias, de modo a sugerir que essa população
só possa ser compreendida como uma suposta unidade biológica.
Tal processo envolve a utilização direta da ideia de “raça” para
descrever ou referir-se à população em questão (CASHMORE, 2000).
As pesquisas sobre as relações raciais que abordam a criança
negra no espaço institucional da educação infantil (TRINIDAD, 2011;
SOUZA, 2002; OLIVEIRA, 2004; CAVALLEIRO, 2003) apontam a
racialização como um dos elementos mediadores das relações sociais
estabelecidas entre as próprias crianças e entre os/as docentes e as
crianças. Por meio desse processo, são construídas hierarquizações
sociais, bem como desapropriações dos pertencimentos étnico-raciais
dos meninos pequenininhos negros e das meninas pequenininhas negras.
As construções racistas presentes nas inúmeras experiências
vivenciadas pela população negra impõem uma vivência cotidiana
de não pertencimento social e de segregação racial, expondo as
fragilidades do discurso igualitário existente no âmbito universalista
homogeneizador, que demonstram como o racismo posiciona alguns
sujeitos em um locus social de superioridade e outros em um locus
social de inferioridade (SILVÉRIO et al, 2010).
Esse processo, como argumenta Bhabha (2007), faz parte
do mecanismo de “introjeção” do discurso colonizador nas
subjetividades dos sujeitos, criando imagens positivas das relações
de exploração presentes nas hierarquias capitalistas e construindo
corpos: invólucros de músculos, gorduras e ossos que passam a
assumir adornamentos sociais com a finalidade de construção
do indivíduo moderno, com uma nacionalidade, um gênero, uma
sexualidade, uma raça e uma única cultura.
As crianças pequenininhas, conforme a pesquisa realizada
nos evidencia, não são passivas nesses processos, resistindo e
revolucionando as diferentes imposições normativas para a construção
de suas vidas, criando novos modelos de existência e modificando a
todo o momento os diferentes meios que as inventam. Essa forma
de percepção das crianças pequenininhas nos possibilita pensar os
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meninos e as meninas para além de “seres em desenvolvimento, ou


até mesmo, a partir dessa condição, com o objetivo de conhecê-las
nas múltiplas relações que estabelecem nas experiências cotidianas, de
onde retiramos os conteúdos presentes nas brincadeiras e interações”
(NASCIMENTO, 2011, p.51).
Para Gombrowicz (2005) as crianças são a potencialidade do
múltiplo, de uma produtividade sem mediação, a afirmação do ainda
não previsto, não nomeado, não existente; a asseveração de que não
há nenhum caminho predeterminado que uma criança (ou um adulto)
deva seguir; de que não há nenhuma coisa que ela deva se tornar:
a infância é “apenas” um exercício imanente de forças.
Nesse sentido, as crianças não são passivas, mas, sim, sujeitos
concretos produtores de culturas infantis. Por meio da experiência
direta e concreta, elas aprendem a “como agir em cada circunstância,
na qualidade de parceir[as] e membro[s] de dado agrupamento social
há um tempo” (FERNANDES, 2004, p. 207).
As crianças são sujeitos ativos, atuando diretamente nas relações
sociais, contribuindo para construção do mundo e estabelecendo
conexões diretas entre os diferentes sujeitos, adultos ou não adultos,
que as rodeiam, produzindo culturas e ressignificando signos sociais.
Esta forma de conceituação dos meninos pequenininhos e das meninas
pequenininhas possibilita olharmos as produções socioculturais das
crianças de modo a perceber, conforme afirma Faria (2005), que
elas são capazes de estabelecer múltiplas relações e reconhecem
seu pertencimento a determinada classe, gênero, sexualidade, etnia
e raça – são meninos, meninas, negras, brancas, indígenas, mas,
independentemente, são criaturas e criadoras da história e da cultura.
O conceito de cultura infantil que fundamenta este artigo
tem como pressupostos os estudos pioneiros de Florestan Fernandes
([1943] 2004) realizados no bairro do Bom Retiro em São Paulo. Em
seus trabalhos, o autor concebe a cultura infantil como o conjunto de
relações em que as crianças têm possibilidades de manter contatos
pessoais e de interagir socialmente com outras pessoas, desenvolvendo
rotinas, artefatos, valores e interesses que possibilitam a incorporação
de normas e padrões de comportamento em suas personalidades.
Como apresenta Prado (1999, p. 114) “as crianças apropriavam-
se dos espaços, dos objetos de formas diversificadas, nem sempre
dentro do que era esperado pelos adultos - o que mostrava que elas
não estavam submetidas somente a este referencial, mas inovavam a
partir dele”. Desse modo, por intermédio da relação com o outro, as
crianças constroem as culturas infantis, uma rede de significados com
características especificas e, portanto, expressões culturais específicas.
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Uma característica importante a ser destacada é que as


culturas infantis não são independentes das culturas adultas, das
relações de poder, das opressões e das desigualdades presentes na
sociedade. Assim, o racismo, a opressão de classe, a homofobia,
o machismo, também podem estar presentes nas inúmeras relações
produzidas pelas crianças.
É importante destacar que não existe algo mágico, místico
ou mesmo divino nas falas e culturas infantis; as crianças não estão
em um mundo descolado do universo adulto, elas vivenciam as
realidades construídas para legitimar todas as desigualdades presentes
na sociedade. O que encontramos de novo nesse movimento é que,
ao pensarmos nas crianças como protagonistas, existe uma inversão
hierárquica que dá o direito à voz àquelas cujas falas não são levadas
em conta (ABRAMOWICZ, 2011).
Reconhecer e assumir a criança como ser social que constrói e cria cultura não
significa defender ou lutar pelo primado da criança em oposição ao do adulto.
As relações que se estabelecem entre eles não se dão apenas como um jogo de
espelhos ou reflexos alternantes. (PRADO, 1999, p. 116)

Por meio desse referencial, podemos visualizar as crianças


como atores sociais que atuam diretamente nas relações sociais,
contribuindo para a construção do mundo e estabelecendo conexões
diretas entre os diferentes sujeitos, adultos ou não, que as rodeiam
(BARBOSA, 2007).
Ao encontro dessa percepção de crianças, Corsaro (2011)
propõe a noção de “reprodução interpretativa” como uma alternativa
para compreensão dessa inserção ativa das crianças no mundo. Para ele,
o termo reprodução enfatiza o quanto as crianças são frequentemente
constrangidas pela estrutura social das diversas instituições culturais,
sociais e políticas ao longo da vida para ficarem homogeneizadas
e semelhantes ao padrão. Entretanto, com a palavra interpretativa,
o autor salienta que as crianças não apenas internalizam a cultura,
mas também contribuem ativamente para a mudança cultural.
Para Abramowicz e Levcovitz (2005), Scherer (2009) e Gallo
(2010), no âmago desse processo, existem uma dissolução da criança
“encarcerada, imobilizada e fechada” sob os olhares dos adultos
colonizadores (olhar de vigilância) e uma transformação de perspectivas,
desconstruindo a lógica “adultocêntrica 2”, para a invenção de
movimentos que buscam olhar a criança, enxergando a processualidade
singular dos sujeitos crianças e de suas produções culturais.
Os gestos, os movimentos, as brincadeiras, as falas das
crianças revelam, além de sistemas de aquisição de elementos
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simbólicos, também outras produções culturais construídas dentro


do grupo com outras crianças e nas relações com os adultos. Esse
movimento nos conduz a pensar que as crianças também são sujeitos
que fazem história e que constroem cultura em condições dadas pela
sociedade a que pertencem.

Educação infantil: diferenças, racismo e culturas infantis em movimento

Desde a década de 1970, avança a produção de pesquisas


nos espaços de educação infantil, para demonstrar que o cuidado
e a educação destinados às crianças eram desiguais e que parte
dessas desigualdades relacionava-se ao seu pertencimento racial, ou
seja, existia uma pedagogia da educação infantil racista (CUNHA
JUNIOR et al, 1979; ROSEMBERG, 1980; OLIVEIRA, 1992;
SOUZA, 2002; OLIVEIRA, 2004).
O ideário da racialização atua como um mecanismo
construtor de imagens distorcidas da historicidade e da cultura negras,
ligando diferentes elementos simbólicos para justificar e validar a
hierarquização entre os seres humanos. Os corpos negros, os cabelos
enrolados, as artes africanas, as culturas negras são tomados como
expressões máximas para a construção da inferioridade dos sujeitos
negros, servindo como elemento para a alocação dos homens,
mulheres e crianças pequenininhas de pele escura nos lócus mais
baixos da hierarquia social (GOMES, 2008).
Nesse processo, como ressalta Fernandes (1972), os
brancos desfrutam de grandes privilégios, como se a ordem social
vigente estivesse posta para garantir somente aos interesses pré-
estabelecidos por e para este grupo, fundando abismos sociais
pautados em diferenças fenotípicas que cunham processos de
exclusão, existindo a criação de laços ideológicos que constroem e
advogam a existência não só de uma distância social e cultural entre
negros e não negros, mas também biológicas.
Para a construção efetiva de uma hegemonia branca, são
criados mecanismos de anulação das culturas não dominantes, o
que, no contexto brasileiro, significa criar abismos entre os negros
e os não negros. Esses mecanismos atuam, segundo argumenta o
sociólogo Ianni (1988), como uma técnica social de manipulação do
comportamento de pessoas ou grupos, dividindo-os ou aglutinando-
os, da mesma forma que as organizações religiosas. Essa percepção
se impregna nas diferentes ações estabelecidas cotidianamente,
impedindo que possa existir uma troca simbólica destituída de
qualquer padrão “hierarquizador” entre brancos e não brancos.
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Os negros dentro desse processo são “forçados a rejeitar


os seus corpos”, construindo um referencial sobre o que é belo a
partir de um referencial eurocêntrico de beleza – o colonialismo
que os toma e limita o seu existir enquanto o outro, desnudando
sua humanidade e fundindo a ideia de inferioridade corporal e
cultural, marcando sua subjetividade com um racismo constante
(FANON, 2008; GOMES, 2008).
Ao mesmo tempo que o processo de racialização produz a
inferioridade do negro através do olhar do outro, também legitima a
aculturação forçada pelo imperialismo colonial, criando imagens tomadas
como modelos ou referências. Nesse sentido, não basta somente alocar
os negros em condições subalternas, é necessário também negar sua
negritude3 e criar um imaginário negativo sobre ela, desenvolvendo
a concepção de que as produções culturais dos europeus brancos são
as melhores para compor as instrumentalidades da vida: a chamada
“civilização” – a cultura “hegemônica” da classe dominante.
A violência gerada por esse processo cria sentimentos como
o medo, a rejeição e a baixa autoestima dos sujeitos negros, segundo
Miskolci (2005, p. 685), “gera subjetividades autodestrutivas em busca
de adequação a qualquer custo”. Como exemplo dessa violência,
podemos mencionar um fato ocorrido no mês de outubro durante a
realização das atividades em comemoração ao dia das bruxas.
Durante a realização das atividades do dia das bruxas, na hora do sono, Zacimba4
menina negra de 3 anos) acorda chorando e a docente vai ao encontro dela e
pergunta:
- O aconteceu?
- Eu tenho cabelo de bruxa, igual àquela história5 que você contou...
- Por que você tem cabelo de bruxa? Bruxa não existe!
- O meu cabelo é assim (pausa) [a menina aponta para os seus cachos], igualzinho
o da bruxa, todo armado!
- Mas você não é bruxa...
- Olha lá o cabelo dela, é igual ao meu!
- O seu não é de bruxa, ele não fica armado sempre, existe muitas coisas que
deixam ele baixinho.
A docente abraça a menina e a leva tomar água no refeitório.
(Fragmento do Caderno de Campo, 23 de outubro de 2012).

A menina negra, ao se levantar chorando por acreditar que


seus cabelos a tornam uma bruxa - personagem dentro do ideário
infantil brasileiro responsável por fazer mal às crianças pequenininhas
- revela o peso de um padrão estético que liga o conceito de belo aos
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cabelos lisos, às tonalidades de pele clara, apresentando a influência


negativa que estes padrões exercem sobre os sujeitos. Diante de
um espaço racializado, como o do Centro de Educação Infantil
pesquisado, uma história com bruxa de cabelo armado tem uma
conotação diferenciada, uma vez que fornece imagens negativas do
que é ser alguém com aquele tipo de cabelo, fundando a ideia de que
é ruim ter cabelos esteticamente semelhantes aos da personagem.
A docente6, ao dizer: “O seu não é de bruxa, ele não fica armado
sempre, existe muitas coisas que deixam ele baixinho”, também pode
expressar uma rejeição aos cabelos crespos da menina, apresentando
um incômodo quanto a sua forma. No entanto, não podemos
esquecer que a docente é parte de uma sociedade racista e, ao fazer
tal afirmação, ressalta o ideário presente na mesma. Esse episódio,
dentro das circunstâncias descritas, expressa a violência colonial sobre
a estética negra presente nas diferentes instâncias da sociedade, não
correspondendo a uma característica pessoal da docente.
A institucionalização estética racial do cabelo liso como belo e
prático parece ressoar sobre todos os sujeitos presentes na sociedade,
marcando não somente as subjetividades dos sujeitos negros, mas
também dos brancos com cabelos crespos ou enrolados. Contudo,
é importante salientar que os cabelos crespos somados à pele negra
na sociedade brasileira funcionam como signos de comunicação das
relações raciais que vivenciamos cotidianamente, expressando as
rupturas históricas realizadas frente ao pacto colonial.
Começo a sofrer por não ser branco, na medida em que o homem branco me
impõe uma discriminação, faz de mim um colonizado extorque de mim todo
o valor, toda originalidade, diz que parasito o mundo, que acompanhe o mais
rápido possível o mundo do homem branco. Eu tentarei simplesmente tornar-
me branco, isto é, desobrigarei o Branco a reconhecer a minha humanidade
(FANON, 2008, p. 82).

A racialização presente na adjetivação dos cabelos negros


como “ruins”, cria elementos para o descolamento de um
pertencimento corpóreo dos sujeitos negros, desencadeando
um processo de negação de si mesmo e de seu grupo racial.
Nesse sentido, para Gomes (2008), assim como a democracia racial
encobre os conflitos raciais, a institucionalização de um padrão liso
para os cabelos camufla a possibilidade de um pertencimento étnico-
racial africano, não permitindo a construção de uma ligação direta
com as ancestralidades negras e também o reconhecimento de beleza
étnico-racial distinta da europeia.
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A hierarquização dos sujeitos com base em princípios coloniais


de racialização agrava e justifica as desigualdades entre os humanos.
Nesse processo, como aponta Fernandes e Bastide (2008), a cor
negra foi selecionada como marca racial que serviria para identificar
socialmente aqueles que deveriam ficar em níveis mais baixos da
sociedade. A quantidade de melanina na epiderme humana “passou a ser
um símbolo de posição social, um ponto de referência imediatamente
visível e inelutável, através do qual se poderia presumir a situação de
um indivíduo isolado, como socius e como pessoa, tanto quanto definir
o destino de uma raça” (FERNANDES; BASTIDE, 2008, p. 95).
Essas ideias de racialização influenciam as culturas infantis,
criando singularidades e cunhando imagens de uma infância e do que
é ser criança em uma sociedade desigual e hierarquizada racialmente.
Contudo, esse processo não é natural nem indolor; muitas vidas
são relegadas ao esquecimento para que a norma substantiva dos
signos, impregnada sobre os corpos, seja legitimada. As crianças
pequenininhas passam a constituírem-se como sujeitos do meio
social, absorvendo papéis e atitudes dos significados presentes na
sociedade, interiorizando-os, tornando-os seus.
Como de costume a docente pede para as crianças formarem uma fila na hora
do lanche. No entanto, hoje ocorre uma confusão entre as crianças e Dandara
(menina negra) começa a chorar. A docente olha brava para as crianças e pergunta:
- O que está acontecendo? Por que Dandara está chorando?
Duda responde:
- Porque eu empurrei ela! Ela é suja toda preta! Iria me deixar suja!
A docente olha a cena e diz:
- Dandara não perturba a Duda, vai para outro lugar e lava esse rosto, já estou
cansada de brigas entre vocês. E Duda deixa de ser nojenta, para de implicar com
a Dandara, cada uma tem um jeito! Para de encher o saco uma da outra!
(Fragmento do Caderno de Campo, 28 de agosto de 2012).

Ao considerar a sua colega negra como suja, Duda impõe uma


identidade racializada para a menina pequenininha, criando a ideia e a
percepção de que ser negro é ser sujo, e que, por este motivo, ela não
teria o direito de convivência com outras crianças, interditando até
mesmo a possibilidade de lhe dar a mão. Ao longo dessa dinâmica,
surgem situações em que muitos constrangimentos causados pelo
racismo se tornam visíveis, impregnando na subjetividade dos sujeitos
negros, deixando marcas que os acompanharão ao longo da vida.
Esse acontecimento pode parecer apenas um detalhe
no cotidiano da educação infantil, mas influencia diretamente a
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construção de uma percepção racializada dos sujeitos, podendo


gerar sentimentos de recusa às características raciais do grupo negro
e fortalecer o desejo de pertencer ao grupo branco. É importante
também salientar que a postura da docente em silenciar-se frente
ao preconceito racial exposto, sinaliza à criança discriminada que
ela não pode contar com a cooperação de seus/suas docentes. Por
outro lado, para a criança que discrimina, sinaliza que ela pode repetir
a sua ação visto que nada é feito, seu comportamento nem sequer é
criticado no âmbito do preconceito racial.
Contudo, a criança pequenininha negra não apresenta apenas
um comportamento passivo diante das manifestações racistas. Como
podemos observar, Dandara chora, demostrando o seu incomodo
em relação ao preconceito que ela vivencia quando a sua colega de
sala a discrimina. Por meio da análise dos dados, é possível observar
que em diferentes momentos as meninas e meninos pequenininhos/
as negras/os expressam através de inúmeras linguagens os seus os
incômodos – resistências frente aos processos racistas.
Estava sentado ao lado da docente (branca) observando um ritual diário: o pentear
os cabelos das crianças. Conforme as crianças iam despertando do sono da tarde,
eram chamadas nominalmente para pentear os seus cabelos. Algumas fingiam que
não escutavam e tentavam dormir novamente, outras já corriam para o encontro
da docente e diziam que queriam ficar como princesas ou príncipes. Como um
movimento mecânico, a maioria das crianças levantavam, esfregava os olhos e iam
ao encontro da docente para que ela penteasse seus cabelos.
No entanto, Dandara (uma menina negra) não procedeu dessa forma,
diferentemente das outras crianças acordou e foi brincar isolada no canto da sala.
Curiosamente a docente não a chamou para pentear os cabelos naquele momento.
Após a docente pentear todos os cabelos das outras crianças ela diz:
- Dandara, vem pentear seu cabelo! Ela sempre faz isso, fica correndo pela sala
(pausa), não gosta de pentear o cabelo, mas é por que o cabelo dela é assim....!
(Pausa prolongada) Ela faz cara feia, pois tenho que puxar para ficar assentado!
Dandara olha para a docente com olhos murchos e sai correndo em direção
ao corredor do Centro de Educação Infantil. Chora, grita e resmunga
ineficientemente, pois a docente a pega no colo e penteia seus cabelos prendendo
todos seus cachos. A menina me olha, esfrega as mãos nos olhos, e respira
profundamente, mantendo sempre no semblante facial traços de raiva.
(Fragmento do Caderno de Campo, 25 de setembro de 2012).

Dandara, ao recusar-se a pentear os cabelos, apresenta uma


posição a favor da vida, procurando desvincular de si o adorno de cabelo
ruim, fugindo do arcabouço simbólico que a liga a um estereótipo
construído com base em uma ideologia racial segregacionista e
expropriadora da humanidade dos sujeitos negros. O movimento
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criado pela menina procura romper com os enquadramentos sociais


racistas, mas também não é a mera imposição de sua vontade, nem
a realização simples de um desejo ou um prazer, antes de tudo é a
exposição da necessidade de mudanças.
A menina pequenininha negra produz, de modo não
adultocêntrico, uma resistência contra os enquadramentos, deixando
explícita a sua rejeição frente à imposição normativa que procurava
aprisionar seus desejos. Estar com os cabelos crespos livres do
racismo seria um ato de reinvenção de si e criação de outros modos de
vida. Deste movimento emerge uma série de lutas heterogêneas, por
exemplo, contra uma estética fascista, contra o racismo, pela liberdade
do corpo da menina em permanecer livre de adornos sociais que a
caracterizam como pertencente a uma posição social subalterna, que
colocam em xeque as micropolíticas de dominação normativa e seus
prolongamentos. O movimento provocado por ela cria uma estética
antipadronizadora, anticlassificatória, desestabilizando os pilares
coloniais impostos pelos enquadramentos sociais, de modo que a
ideologia racista, por alguns instantes, é impedida de colar, impregnar-
se ou atuar sobre sua pele e “contaminar” sua subjetividade.
Os movimentos de resistências construídos por Dandara foram
observados em diferentes momentos, por meio de gritos sem palavras:
o choro, o “silenciamento”, o não querer se relacionar, etc. A menina resistia,
expressando através de diferentes linguagens, seu descontentamento
frente aos atos racistas que atravessavam a sua subjetividade. Podemos
perceber que, em alguma medida, estes movimentos, tanto no momento
em que a Duda considera Dandara como suja, por ser negra, quanto
no momento em que a menina quer ficar sozinha e não pentear os
cabelos, expressam seu aborrecimento, seu desgaste frente a situação que
a cerceia. De algum modo ela está procurando dizer, mesmo que sem
palavras, o que sente, o que não deseja.
Dandara também foge da dor que sente em pentear seus
cabelos – a racialização, ao mesmo tempo que atravessa a subjetividade,
a faz sentir “dores físicas disciplinantes”, colonizando seu corpo com
padrões e regras que legitimam a hierarquização social presente no
ideário racial. Rosa (2009), em sua dissertação de mestrado, mostrou
como muitas vezes as instituições de educação infantil produzem
racialmente as diferenças das crianças pequenininhas. Como
exemplo, a pesquisadora expôs que muitas creches não possuem
escovas adequadas para pentear os cabelos dos meninos e das
meninas pequenininhos/as negros/as, limitando às crianças negras
aos cuidados inadequados, construindo a ideia de que seus cabelos
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são ruins e por isso não é possível penteá-los com qualquer escova.
Esse processo não é simples carência de materiais adequados, mas
também humilhação: um atentado contra o ser.
Dandara e as outras crianças negras gritavam cotidianamente
suas insatisfações frente aos processos de discriminação racistas,
contudo, a colonização adultocêntrica tenta impedir que percebamos
as resistências à racialização. Muitas vezes acreditamos que um
choro possa somente expressar a vontade de dormir de um menino
pequenininho ou uma menina pequenininha, ou mesmo uma pequena
rebeldia desnecessária, ao invés de representar uma insatisfação frente
a uma ação racista que a toca. O adultocentrismo não permite olhar
e ouvir o que as crianças pequenininhas querem nos transmitir, nos
deixando amarrados em padrões de linguagens e de comportamentos
que muitas vezes não correspondem à “intempestividade” da própria
infância. Dentro desse contexto, as culturas infantis são fetichizadas
como meros elementos reprodutores do mundo adulto, e a infância se
torna assim um espaço de simples cópia, destituído da possibilidade
de produção de cultura e ressignificação do mundo.
No espaço em que realizei a minha pesquisa de campo, em
diferentes momentos pude observar que outras crianças pequenininhas
negras criavam estratégias para fugir do processo de racialização que
as atravessava. Entre os inúmeros momentos de resistência, gostaria
de destacar outro episódio:
De modo muito semelhante aos dias anteriores a docente (branca) da sala
repreendia de modo frenético Folayan (menino negro de 3 anos). Contudo, em
minha percepção, o menino estava agindo de modo semelhante a outras crianças:
- Folayan, eu já não falei para você que não pode ficar correndo pela sala! Aqui é
uma escola, e não a sala da sua casa!
- Folayan, para de causar confusão! Assim você é chato!
- Folayan, fica quieto! Nossa, esse menino está um furacão hoje! Parece até um
macaquinho de tanto que pula!
- Folayan, eu disse para você brincar aqui no canto e não ficar enchendo o saco da
Tabata (menina branca)! Deixa a nossa princesa brincar quietinha!
Após a última vez que foi chamado a atenção, Folayan olha, olha para a Tabata (a
princesa da sala) e a morde, a docente desesperada corre ao encontro da menina
e começa a gritar:
- Folayan, vem já aqui, você vai para a diretoria! Onde já se viu morder os outros
assim! Você não tem jeito, fica pulando, gritando, não me dá paz! Parece um
demônio!
A docente pega o menino pelo braço e o leva para a diretoria. Como nesta semana
ele já tinha ido três vezes para a direção por falta de obediência, a diretora pediu
para que ele fosse colocado por um tempo em outra sala.

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O curioso neste momento é que na outra sala, o menino parecia se comportar,


pois quando a docente foi buscá-lo para tomar o lanche da tarde, a outra docente
(branca) disse que ele não bateu, não brigou, e ficou comportado.
O menino havia agido de modo muito semelhante nos dias anteriores, então
quando ele retornou à sala resolvi perguntar para ele porque ele batia em um
amigo sempre quando a docente chamava a atenção, e ele de um modo brilhante
me respondeu somente sorrindo e saiu para brincar.
(Fragmento do Caderno de Campo, 28 de novembro de 2012)

Folayan, ao ser expulso da sala, consegue se livrar do autoritarismo


presente na prática pedagógica exercida pela docente, “deixando
trancadas nas paredes das salas” que ele é obrigado a frequentar, todas
as relações repressivas, castradoras e racistas que o atravessavam.
O ato de permanecer fora daquele lugar é uma possibilidade para
o menino pequenininho negro criar uma nova vida, descolada da
identidade de menino bagunceiro, podendo estar livre por alguns
segundos de todas as algemas racistas que o prendiam. Vilela (2006)
afirma que resistir é criar, é pensar o mundo como possibilidade de se
estabelecerem novos modelos de existência. No caso de Folayan, ao
sair da sala, ele cria a possibilidade de viver uma vida, por algum tempo,
longe das cobranças racistas impelidas pela professora.
O ato de resistir, para Deleuze e Guattari (1995), é fundado na
criação da vida, nos entremeios dos blocos de invenções, sensação e
afetos, constituindo-se enquanto força que lança os homens, mulheres
e crianças para além-do-homem, além-da-mulher e além-da-criança,
engendrando heterotopias.
É importante ressaltar que Folayan poderia ter ficado isolado
na outra sala, ou com medo, contudo, isso não importa; o que procuro
ressaltar neste momento não é se ele brincou ou não na sala para a qual
ele tinha sido alocado, o que procuro explicitar é a força de ruptura
que esse menino impele para repelir os elementos normativos que o
sufocam sob a conduta de um enquadramento racista.
Esse movimento construído pelo menino pequenininho
negro explicita a não aceitação do racismo que atravessa sua
subjetividade, criando a possibilidade de outras condutas, isto é,
uma “contraconduta”, segundo Foucault (2008), que se afirma
enquanto um movimento que busca a legitimação de outros modos
de condução, ou seja, tem como finalidade “escapar da conduta
castradora dos outros”, procurando “definir para cada um a maneira
singular de se conduzir” (FOUCAULT, 2008, p. 24). Trata-se de
produzir a diferença, desterritorizar a norma e incitar a criação de
novas vidas (GALLO, 2007).
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O menino pequenininho negro também poderia somente


querer demonstrar sua insatisfação quanto à repressão que sofreu,
pois essa situação ocorria diariamente com Folayan, diferentemente
de outros meninos pequenininhos brancos que também faziam
“bagunça” e não eram repreendidos.
Os gritos e os xingos da docente estabeleciam uma experiência
castradora para Folayan, “uma experiência de aprisionamento, de morte”,
não deixando espaço para a construção de outras formas de existir a
não ser daquela que ela estipulava. A morte, dentro desse contexto,
abandona sua percepção somente biológica e passa a se caracterizar
também como a falta de perspectiva de existência, homogeneizando
os padrões da vida. Como argumenta o filósofo Agamben (2006), tal
processo não tem nenhum conteúdo factual positivo, pelo contrário,
“ele é a possibilidade da impossibilidade da existência em geral, do
esvanecimento de todo existir” (AGAMBEN, 2006, p. 18).
A perversidade desse processo é o apagamento das diferenças
e a instituição do “reino do mesmo”. Nesse contexto, é construído
um padrão a ser seguido, que tenta “matar” todas as formas distintas
de expressão, subjetividades e linguagem, de modo que o outro é
sacrificado em prol da manutenção desse padrão.
Do ponto de vista do racismo, não existe exterior, não existem as pessoas de
fora. Só existem pessoas que deveriam ser como nós, e cujo crime é não o serem.
A cisão não passa mais entre um dentro e um fora, mas no interior das cadeias
significantes simultâneas e das escolhas subjetivas sucessivas. O racismo jamais
detecta as partículas do outro, ele propaga as ondas do mesmo até à extinção
daquilo que não se deixa identificar (ou que só se deixa identificar a partir de tal ou
qual desvio). Sua crueldade só se iguala a sua incompetência ou a sua ingenuidade.
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 45-46).

O racismo tenta construir a ideia imperativa de “morte” das


diferenças étnico-raciais, contudo, as crianças pequenininhas negras
gritam “vida”. O mesmo poder que achata as singularidades recebe
violentamente uma força de resistência que o impede de apagar e
construir um espaço homogêneo e linear. Os choros, as rebeldias
infantis são armas de uma guerrilha a favor da vida; transmutações
concretas de resistência pela não pasteurização dos sujeitos.
Podemos aqui tomar conceitualmente a hipótese mais
instigante da analítica foucaultiana para entender os processos de
resistência infantis: “não existem relações de poder sem resistências,
estas são na mesma proporção mais reais e mais eficazes, pois
se formam lá mesmo onde se exercem as relações de poder”
(FOUCAULT, 1990, p. 91-92).
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O variável grau de força das ações de resistência atinge grupos, indivíduos e,


principalmente, a vida, alteram modos de agir e provocam fragmentos na sociedade,
se rearticulam não na síntese dialética, mas num afrontamento inexorável. Quer
dizer, da mesma forma que as redes das relações de poder acabam formando
um tecido espesso que atravessa os aparelhos e instituições, sem se localizar
exatamente neles, também a pulverização dos pontos de resistência atravessa
as estratificações sociais e as unidades individuais. E é certamente a codificação
estratégica desses pontos de resistência que torna possível uma revolução, um
pouco à maneira do Estado que repousa sobre a integração institucional das
relações de poder (FOUCAULT, 1990, p. 92).

A partir dos pressupostos de Foucault (1990) podemos


compreender a extremidade do poder e a resistência como forças
do mesmo campo, não existindo um poder destituído de qualquer
resistência. Nesse sentido, ao mesmo tempo que se produz uma
racialização, se cria uma força de repulsão desse processo, seja através
de modelos naturalizados pela sociedade enquanto movimentos
de resistência, seja por ações intersubjetivas de negação da ordem
prescrita e da normatividade apresentada.
Com base nesse pressuposto, podemos questionar a suposta
passividade construída sobre linguagens infantis como choros, gritos e
desânimos das crianças. Essas podem ser expressões de um movimento
de resistência frente ao poder exercido pelo universo adulto sobre
os corpos infantis. Os choros, bem como outras manifestações de
desobediência das crianças negras, podem ser entendidos como
discurso de discordância dos enquadramentos sociais racistas impostos
pelas práticas pedagógicas presentes na educação infantil. Por meio de
diferentes movimentos de choque com o poder, os meninos e meninas
negros instauravam sentidos e “rabiscavam” suas configurações
corpóreas, lançando-se para o novo, resistindo, de modo a criar uma
nova possibilidade de existência, fora de si, além-do-homem. Como
nos ensina Zaratustra (NIETZSCHE, 2003):
O homem é algo que deve ser superado. Que fizeste para superá-lo? Todos
os seres, até agora, criaram algo para além de si mesmos. Quereis antes ser a
vazante dessa grande maré cheia e retroceder ao animal, em vez de superar o
homem? Que é o macaco para o homem? Um riso ou uma dolorosa vergonha. E
mesmo isso deve ser o homem para o além-do-homem: um riso ou uma dolorosa
vergonha. (...) Vede, eu vos ensino o além do homem. O além do homem é o
sentido da terra. Vossa vontade diria: “o além do homem seria o sentido da terra”
(NIETZSCHE, 2003, p. 3).

A compreensão nietzschiana do além-do-homem como


“sentido da terra” incita-nos a pensar o que é, e quem é, o padrão
dentro do referencial de normalidade prescrita nos espaços do
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Centro de Educação Infantil. Do mesmo modo que Zaratustra


(NIETZSCHE, 2003) provoca-nos a ir para além do homem, as
crianças provocam- nos a ir além do conceito de raça, reinventando
os lóci que o processo de racialização delimita para a sua existência.
As resistências são reações produtivas ao processo de
radicalização castrador da vida, de modo a afirmar sentimentos,
vontades, necessidades, construindo a possibilidade de vida no
momento em que ela deixa de existir. Noal (2013) aponta essa
multiplicidade de movimentos de resistência, explicitando o
riso como uma das formas que ela pode assumir. Para a autora,
a linguagem do riso facial, para o povo Guarani-Kaiowá, não é
apenas um movimento de músculos, podendo significar também uma
aceitação, uma aquiescência; mas pode também ser a expressão de
uma recusa interna, de uma transgressão que não quer se expor para
não enfraquecer. O riso, nessa perspectiva, não deve ser banalizado,
mas estudado e compreendido como uma das possíveis estratégias de
sobrevivência das sociedades sobre as quais as projeções estatísticas
já asseguravam que não existiriam nestes nossos tempos.
As resistências existem no plural, distribuídas no tempo e
no espaço de modo irregular. De forma pulverizada atravessam as
estratificações sociais e as unidades individuais, podendo provocar a
mobilização de grupos ou indivíduos.
[...] o que seja a resistência o sabemos com certa precisão, uma vez que na vida
cotidiana uma grande maioria de sujeitos sociais se encontra exercendo­a. Nas
atividades produtivas, contra um padrão; nas atividades da reprodução social,
contra as autoridades que regulam e contra a vida (na família, o paternalismo...);
na comunicação social, contra os valores e os sistemas que fecham a experiência e
a linguagem na repetição e os empurram para a ausência de sentido. A resistência
interage duramente, mas também criativamente, com o comando, em quase todos
os níveis da vida social vivenciada (NEGRI, 2003, p.197).

Como apresenta Foucault (1999), os pontos de resistência


são, na maioria das vezes, transitórios e introduzem na sociedade
“clivagens que se deslocam, rompem unidades e suscitam
reagrupamentos, percorrem os próprios indivíduos, recortando-os
e os remodelando, traçando neles, em seus corpos e almas, regiões
irredutíveis” (FOUCAULT, 1999, p. 92). As crianças pequenininhas,
ao chorarem, gritarem, baterem e morderem, em certa medida, estão
dizendo que desejam outros modos de vida, outras possibilidades de
“experienciar” a vida dentro do Centro de Educação Infantil.
Os pontos, os nós, os focos de resistência disseminam-se com mais ou menos
densidade no tempo e no espaço, às vezes provocando o levante de grupos ou

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indivíduos, de maneira definitiva, inflamando certos pontos do corpo, certos


momentos da vida, certos tipos de comportamento. Grandes rupturas radicais,
divisões binárias e maciças? (FOUCAULT, 1999, p. 92).

Certamente, para Foucault (1999), as resistências não são


necessariamente grandes mecanismos de ruptura de um sistema; elas
podem ser entendidas como ações orgânicas de criação de vida para
além de um modelo pré-determinado, sejam as resistências criadas
no embate frontal entre estruturas de poder, ou ressignificações
micropolíticas de técnicas políticas de sustentação da vida.
Esses processos não se constituem antagonicamente à
racialização; não passam apenas por definir quem são os contrários,
mas tomam como centro a desconstrução de uma falsa unidade racial.
O poder colonial de racialização não é algo onipotente e onisciente
que captura todos os sujeitos. Como ressalta Foucault (2001), “desde
que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência.
Nunca somos pegos na armadilha pelo poder, sempre podemos
modificar o domínio, em determinadas condições e segundo uma
estratégia precisa” (FOUCAULT, 2001, p. 267).
Uma das formas mais comuns de resistência ao racismo das
crianças, como afirma Dias (2012), é a reação de agressão que algumas
crianças negras exercem sobre as outras. Nem sempre as instituições
educativas têm a percepção de que esses atos são representações de
um processo violento sofrido anteriormente, distinguindo as crianças
que exercem esse ato através de exclusões que as categorizam como
“agressivas”, “esquisitas” ou “pouco participativas”.
É necessário que as pedagogias e as pesquisas em educação
deem oportunidade para as crianças serem ouvidas, pois como
destaca Faria (2007), voz elas têm, e como já dito, aproveitam-se dela.
Portanto, precisamos ouvi-las mesmo quando elas ainda não falam,
não andam, não leem e não escrevem, tornando possível reconhecê-
las como capazes de estabelecer múltiplas e potentes relações, com um
alto e sofisticado grau de comunicação com crianças de mesma ou de
idades diferentes e com os adultos. Contudo, temos de ter claro que a
escuta das crianças pequenininhas ultrapassa a mera decodificação de
palavras verbais, existindo a necessidade de se ouvirem outros sons,
outras formas de comunicação, de perceber também as linguagens
corpóreas das meninas pequenininhas e dos meninos pequenininhos.
As linguagens infantis são elementos simbólicos que
possibilitam produção de uma cultura dentro do grupo com outras
crianças e nas relações com os adultos. Esse movimento conduz-nos
a pensarmos que as crianças também são sujeitos que fazem história
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e que constroem cultura em condições dadas pela sociedade que


pertencem (FERNANDES, 2004).
No entanto, as pedagogias de educação infantil, presentes
em muitas creches e pré-escolas, ainda são impregnadas por um
colonialismo adultocêntrico que tenta impedir de ver as culturas
infantis como elementos singulares no fazer cotidiano das
instituições. Dentro desse contexto, as múltiplas linguagens infantis
são inviabilizadas como elementos construtores das culturas infantis:
o choro vira rebeldia, as mordidas se tornam agressividade, e o
silêncio, patologia psíquica.
Os meninos e as meninas pequenininhos/as são renegados/as
somente ao status de passivos/as, produzindo uma imagem da infância
vazia, sem produções simbólicas e sem criações culturais. Felizmente,
essa hipótese não é verificável, pois as crianças produzem cultura nas
relações com seus pares, não simbolicamente adultocêntrica, mas
intempestiva, inconstante e transgressora.

Gritos, mordidas, sorrisos: linguagens infantis e a produção da cultura

Os sons que ecoam pelos corredores da educação infantil


nos dizem muito mais do que barulhos, nos mostram a força que as
crianças pequenininhas projetam a fim de resistirem à violência dos
enquadramentos sociais racistas. As crianças pequenininhas resistem
em favor da vida, procurando deslegitimar a lógica racista presente
em muitas ações realizadas pelos/as docentes. Por meio de seus
atos, elas procuram mostrar que querem ser reconhecidas de outras
formas, que muitas vezes não correspondem às pré-estabelecidas
pelos enquadramentos sociais.
No entanto, nem sempre essas linguagens infantis são ouvidas;
muitas vezes são deixadas à margem, esquecidas na insensibilidade
construída pelo colonialismo. Dentro desse processo, os meninos
e meninas pequeninhos/as gritam, os/as docentes resmungam e
ninguém se ouve, a impossibilidade de escuta assola o adultocentrismo
e legitima todas as formas de racismo.
Aqui reside uma das chaves fundamentais para a construção de
uma educação antirracista, pois somente através da ruptura do “pacto
colonial adultocêntrico” e da ampliação do olhar para as culturas
infantis é que será possível criar elementos que possibilitem destruir
as amarras racistas presentes no cotidiano das creches e pré-escolas.
As crianças pequenininhas dizem muito sobre as relações
raciais, fornecendo, através dos seus discursos, subsídios para a
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construção de pedagogias descolonizadoras, as quais podem ser


fundamentadas no movimento intempestivo da própria infância.
Os choros, as mordidas, as risadas, as palavras infantis nos fornecem
elementos para pensarmos as ações docentes, proporcionando
questionamento constante dos nossos posicionamentos políticos
frente ao processo de segregação racista.
Como afirma o poeta Mário de Andrade (2006), ouvir é um
ato que não deve conter qualquer tipo de preconceito. Tem de ser
desinteressado. Para o poeta, o verdadeiro ouvinte “é aquele que, livre
de todos os preconceitos, ignorando todos os ídolos, se conserva
naquela exata atitude de contemplação passiva que lhe permitirá
gozar e amar” (ANDRADE, 2006, p.67).
Por meio de inúmeras linguagens, os meninos pequenininhos
e as meninas pequenininhas produzem uma cultura infantil que
demonstra sua insatisfação frente à discriminação e ao rechaçamento
a que são expostos/as, não sendo passivos/as a esse processo; por
meio de diferentes linguagens demonstram essa violência que marca
seus corpos, criando movimentos que possibilitam serem vistas,
mesmo que para isto seja necessário promover ações que à primeira
vista possam parecer estranhas ou inadequadas.
A superação do racismo está diretamente ligada à possibilidade
de escuta do outro, não sendo possível eliminar esse imperativo
colonial sem nos abrirmos a conhecer os diferentes sujeitos que
compõem nossa sociedade. A potencialidade da desconstrução da
lógica racista através da escuta das linguagens infantis desestabiliza
o imperialismo adultocêntrico, possibilitando a criação de novas
relações entre adultos e crianças na educação infantil.
As meninas pequenininhas negras e os meninos pequenininhos
negros demostram sua insatisfação através das suas diferentes
linguagens: gestos, movimentos, emoções, choros, silêncios, olhares,
barulhos... Mesmo quando muito pequenininhos, estabelecem trocas
simbólicas com coetâneos e adultos, através de uma rede complexa
de linguagem (FARIA, 1999).
O processo de colonização adultocêntrica, que retira das
crianças suas linguagens e as condicionam a assumir somente a
oralidade como um meio de comunicação com o mundo, também
constrói padrões do que sejam a imaginação, o desejo e o modo que
meninos e meninas pequenininhos/as devem se relacionar com o
mundo. Através desse processo, as diferenças singulares produzidas
pelas múltiplas linguagens infantis são anuladas, criando um
imaginário de uma língua única e homogênea para a comunicação.
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As crianças pequenininhas, dentro desse contexto, são


excluídas e hierarquizadas em diferentes dimensões, existindo um
processo de homogeneização linguística que, ao mesmo tempo que
padroniza, também segrega. Desse modo, retomamos as resistências
infantis enquanto uma das cem linguagens das crianças, comunicando
de diferentes formas o posicionamento das crianças pequenininhas
diante do mundo. As resistências produzidas pelas crianças
pequenininhas negras são de cunho “poético”. Transcendendo a
utilidade monolinguíssima da fala, os gestos, os choros, os gritos se
tornam metaforicamente armas de guerra contra os enquadramentos
coloniais de segregação racial. As poéticas produzidas por essas
cem linguagens penetram nas entranhas das relações de poder que
sufocam, matam e mutilam cotidianamente as subjetividades infantis.
O ato de resistência possui duas faces. Ele é humano e é também um ato artístico.
Somente o ato de resistência resiste à morte, seja sob a forma de uma obra de arte,
seja sob a forma de uma luta dos homens (DELEUZE, 1995, p. 129).

Com base nos pressupostos de Deleuze e Guattari (1995), não


tomo a resistência como algo duro, mas, sim, artístico e criador, movendo
os sujeitos para além deles próprios, destruindo a tênue fronteira entre
a imposição do poder sobre a vida e a criação da vida pelas próprias
crianças. Neste sentido, resistir é não se calar quando todos desejam o
silêncio; é brincar durante o castigo atrás da porta; é poder ter a sensação
de estar livre por algum tempo; é poder... é poder criar...
Interessante nesse movimento é a possibilidade de produção
das linguagens infantis que expressem resistência, rebeldia frente ao
enquadramento, criando sua própria língua como um estrangeiro.
Desse processo deriva um elemento extraordinário que ao mesmo
tempo dispara e coroa a resistência política que se faz na própria
linguagem: trata-se da emergência de um estilo, para além de quaisquer
capturas normativas (DELEUZE; GUATTARI, 1995).
Os gritos de insatisfação, os movimentos artísticos de
resistências criados pelas crianças pequenininhas corrompem a lógica
do silêncio, criando palavras de ordem escritas sem nenhum grafismo,
recriando a vida e modificando as lógicas artísticas que existem dentro
de uma creche e pré-escola.
Intranquila e desconfiada da própria mudez, a palavra enroscou-se em fios
emaranhados que a forçavam a lançar-se fora do não-dito. O campo de forças
criado pelos fios apontava à palavra a fala. Mas a palavra queria tanto o silêncio. E
só alcançava a impossibilidade do preferir não falar e ter que ficar muda.
A palavra pensava, não por palavras, mas com imagens, opacas, sobrepostas,
áridas, desfocadas e insanas. As imagens enlouqueciam a palavra, deixavam-na

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enfurecida, deslocada de um alfabeto que a ordenasse. Será que, para encontrar o


silêncio, só mesmo com a morte da palavra? [...]
A palavra estava sem-lugar. Desassossegada, a palavra coçou-se inteira e em
partes, e foi expelida ao vento, em sementes voadoras, em bicos de pássaros,
em línguas dissonantes, em correntezas de ar e de água, nos brilhos das gotas
de orvalho que são feridos pelos raios do sol, na poeira depositada em chão. [...]
Escuta? (AMORIM, 2012, p. 2-4).

Ao encontro desse pensamento, propomos como um dos


princípios básicos para a construção de uma educação das relações
étnico-raciais a desinibição dos ouvidos para a escuta de diferentes
linguagens infantis. Faz-se necessário escutar os ruídos das paredes,
dos móveis, os dizeres proferidos pelas crianças pequenininhas – é
indispensável que os/as docentes se ouçam. A educação das relações
étnico-raciais somente será legitimada quando todos os elementos que
constroem a educação infantil se escutarem, conversarem, discordarem,
e produzirem a diferença como elemento produtivo da pedagogia da
infância desenvolvida pela instituição. É necessário ouvir. Escuta?

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notas
1
Essa designação foi inicialmente utilizada por Patrícia Dias Prado (1998) que traduziu a
palavra italiana “picolissimi”, ou os “muito pequenos”, e refere-se às crianças na idade de 0
a 3 anos completos. O objetivo principal dessa denominação, segundo Prado (1998), resulta
da necessidade emergente de se produzir novos conhecimentos relativos dentro das ciências
sociais sobre a criança pequena brasileira, tanto mais, sobre as muito pequenas, que não
conhecemos, senão pela Medicina e pela Psicologia.
2
O adultocentrismo é um dos colonialismos mais naturalizados pela sociedade contemporânea.
Essa percepção colonial olha para a infância como se procurasse um outro adulto, o adulto que

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a criança será. “A biologização e naturalização da criança e do bebê, com os padrões adultos


e de maturidade permeando a compreensão do desenvolvimento, retiram da infância a sua
historicidade e seu potencial transformador” (ROSEMBERG, 1976, p. 17-18).
3
Conjunto de valores culturais do mundo negro, tal como se exprime na vida, nas instituições
e nas obras dos Negros (BASTIDE; FERNANDES, 1959).
4
Os nomes das crianças pequenininhas negras são fictícios, mas com a característica de
serem de origem africana; a opção por nomes de origem africana se estabeleceu com o
intuito de fazer uma homenagem à cultura da África. A escolha dos nomes pode levar a
percepção de uma dicotomização entre brancos e não brancos, no entanto, nesta pesquisa,
trata-se de uma homenagem à cultura africana. Cada nome das crianças negras também foi
pensado com relação ao significado etnológico do mesmo e a cena descrita.
5
A história contada pela docente foi O Sonho de Rapunzel. Durante essa atividade as
crianças ficaram impressionadas com os longos cabelos lisos e loiros da protagonista e
destacaram principalmente as diferenças deste cabelo para com o da bruxa, que eram
pretos, enrolados e com volume.
6
Parto do princípio político que independente do sujeito possuir formação ou não em nível
superior ele exercem a função docente na educação infantil.

Recebido: 31/03/2014
Aprovado: 24/10/2014

Contato:
Universidade Zumbi dos Palmares
Av. Santos Dumont, 843 - Ponte Pequena
São Paulo|SP|Brasil
CEP 01.101-080

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