You are on page 1of 46

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

Yuri Galvão Oberlaender de Almeida

SCALA AMORIS:
EROS E TRANSCENDÊNCIA NO BANQUETE DE PLATÃO.

FLORIANÓPOLIS
2017
2

“Se você não é capaz de tirar de um livro consequências válidas para sua orientação
moral no mundo, você não está pronto para ler este livro”. – Olavo de Carvalho, O
mínimo que você precisa para não ser um idiota.

“Não há senão duas filosofias entre as quais é necessário escolher: a de Protágoras,


segundo a qual o homem é a medida de todas as coisas, mas a medida que ele se dá é
também sua própria medida; e a de Platão, que é também a de Descartes, para quem a
medida de todas as coisas é Deus e não o homem, mas um Deus que se deixa participar
pelo homem, que não é somente o Deus dos filósofos – o Deus das almas simples e
vigorosas que sabem que a verdade e o bem estão acima delas e jamais se recusam
àqueles que as buscam com coragem e humildade”. – Louis Lavelle, De l´Être, p.35.

“Assim, ao buscarmos conhecer-nos, buscamos sempre mais o que devemos ser do que
o que somos: buscamos sempre o que nos falta, e só podemos encontrá-lo num princípio
que nos obriga sem cessar a renegar-nos a nós mesmos para superar-nos a nós mesmos.”
– Louis Lavelle, A consciência de Si, p. 28.

“O mistério do eu é ser apenas desejo, é só se realizar saindo de si e, por assim dizer, é


estar onde ele ainda não está, mais ainda do que onde já está. Ele só tem a certeza de se
descobrir quando se livra de si; e não existe nenhuma outra vida para ele que a de
incessantemente partir de si mesmo e refugiar-se incessantemente em outro eu mais
vasto que está sempre além dele próprio”. – Louis Lavelle, A consciência de si, p. 28.
3

RESUMO

No clímax do diálogo Banquete encontra-se o discurso de Sócrates a respeito de Eros.

Nesse discurso, Sócrates relata o que aprendeu da sacerdotisa Diotima. É ela quem

introduz a scala amoris. A scala amoris, ou escada do amor, é o meio pelo qual o

indivíduo apaixonado pela beleza ascende, de degrau em degrau, à contemplação da

Beleza-em-si. É somente nesse estado de contemplação, nos diz Diotima, que ele [o

apaixonado] fica em condições de gerar a virtude, em sua realidade. De que modo a

contemplação da Beleza-em-si gera a virtude verdadeira? Essa é a pergunta que move

esse estudo.

Palavras-chave: Platão, Banquete, Eros, Scala Amoris, Filosofia Platônica.


4

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1- Um banquete, um tema e cinco discursos.

1- Introdução do diálogo

1.1 – Camadas narrativas.


1.2 – Sócrates arrumado, sua meditação e seu atraso.
1.3 – O que é um banquete?
1.4 – Qual o tema proposto?

2- Fedro.

2.1 – Um exército de apaixonados.


2.2 – Auto sacrifício do amante pelo amado.

3- Pausânias.

4.1- Dois tipos de Eros (Celeste e Terreno).

4- Erixímaco.

4.1 – Eros Cósmico

5- Aristófanes.

5.1 – Relato cômico (o mito da “cara metade”).

6- Agatão.

6.1- Eros jovem e belo.

CAPÍTULO 2 – O coração do Banquete: a scala amoris.

1- Exame dialógico.

1.1- Eros não é Belo.


1.2- Eros é busca da Beleza.
1.3- Eros é Falta.

2- A sacerdotisa de Mantinéia.
5

1.1- Mistérios Menores.


1.1.1 – A natureza erótica da filosofia.

1.2- Mistérios Maiores.

3- Scala amoris

1.1- O que é a ascensão?


1.2- O que são seus degraus?
1.3- O que é a contemplação do Belo-em-si?
1.4- O que é a virtude verdadeira?

CAPÍTULO 3- Embriagado de Amor: Fedro, Diotima e Alcibíades.

1- O sétimo discurso erótico: Alcibíades e o elogio de Sócrates.

1.1- Sócrates, o sileno.


1.2- A inversão amado – amante.
1.3- O erro de Alcibíades.

2- Autotranscedência e Auto sacrifício: em busca de um princípio ético.

1.1- O discurso de Fedro e o auto sacrifício.


1.2- Diotima, a autotranscedência da scala amoris e a virtude verdadeira.
1.3- Primeiro Alcibíades: autoconhecimento é autotranscedência.

CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA
6

INTRODUÇÃO

“Mas então, por que algumas pessoas apreciam passar muito de seu
tempo em minha companhia? (...) Gostam de ouvir o questionamento das
pessoas que julgam serem sábias e não o são. Isto é divertido.” (Apologia de
Sócrates, 33c).

Na Apologia temos a oportunidade de conhecer a origem dos questionamentos


socráticos às “pessoas que julgam serem sábias e não o são”. Foi Querofonte, seu amigo
íntimo, quem consultou o oráculo de Delfos, perguntando se havia alguém mais sábio
que Sócrates. O oráculo de Delfos era um centro religioso de prestígio na Grécia Antiga,
a divindade que o regia era Apolo e seus oráculos eram transmitidos pelas Pítias,
sacerdotisas apolíneas. Ela, a pítia, responde a Querofonte negativamente. Segundo ela,
não havia, àquela época, ninguém mais sábio que Sócrates (21 A). O que Sócrates faz
ao receber a notícia de seu amigo? Questiona a si próprio: ““ O que afinal quer dizer o
deus e qual é o enigma que está propondo? Estou consciente de que não sou sábio em
nenhuma medida. Qual o significado de suas palavras ao declarar que sou o mais
sábio? Decerto não pode estar mentindo, pois isso não lhe é facultado”.” (21 B).

Relata então que permaneceu perdido por muito tempo quanto ao sentido real do
oráculo, até que decide lançar-se em uma investigação. Propõe-se investigar em sua
cidade todos aqueles considerados sábios. Começa pelos políticos; em seguida os poetas
e depois os artesãos (21 C – E). E qual é o resultado de sua investigação? Muitas
inimizades (22 E). A seguinte constatação a respeito de um político que Sócrates
encontrou resume o resultado de todas suas investigações: “Sou mais sábio do que esse
homem; nenhum de nós dois realmente conhece algo admirável e bom, entretanto ele
julga que conhece algo quando não conhece, enquanto eu, como nada conheço, não
julgo tampouco que conheço. Portanto, é provável, de algum modo, que nessa modesta
medida seja eu mais sábio do que esse indivíduo – no fato de não julgar que conheço o
que não conheço” (21 D).
7

É através dessas investigações que Sócrates conquista admiradores. A leitura de


alguns diálogos platônicos retrata a fascinação exercida pela figura de Sócrates. A
investigação socrática entremeia minúcia dialética, busca apaixonada pela verdade e
uma ironia deliciosa. No diálogo Menão, por exemplo, Sócrates pergunta a seu
interlocutor: “E tu, Menão, em nome dos deuses, que dizes ser a virtude?” (71 D). Seu
interlocutor responde que, para cada atividade particular, há uma virtude própria. Tendo
recebido essa resposta, Sócrates exclama: “Parece mesmo que estou com sorte, Menão!
Achando-me à procura de uma única virtude, verifico que um enxame de virtudes
pousou em ti.” (72 A). Como ler um trecho desses sem, ao menos, esboçar um sorriso?
A ironia de Sócrates faz dele um personagem memorável; e os diálogos platônicos estão
repletos dessa ironia.

E é também com alguma ironia que Sócrates inicia seu discurso em elogio a
Eros, no Banquete. Após estrondosos aplausos ao discurso de Agatão, anfitrião do
banquete, Sócrates declara aos convivas encontrar-se em grandes dificuldades, haja
visto ser ele próprio quem deve discursar em seguida (198 A). Erixímaco, o médico, não
acredita em Sócrates, apesar de concordar que o discurso de Agatão foi maravilhoso.
Sócrates responde-lhe: ““ Como assim, varão bem-aventurado (...), de que jeito não
ficar atrapalhado, eu ou quem quer que tivesse de usar da palavra depois de uma oração
tão formosa e engalanada? (...) Esse discurso fez-me lembrado de Górgias, passando-se
comigo aquilo de Homero: tive medo de que Agatão, no fim da sua fala, atirasse contra
a minha cabeça a cabeça gorgônica de Górgias, esse orador terribilíssimo, e me privasse
de voz, transformando-me em pedra.”” (198 B).

Em seguida, Sócrates faz um exame dialético com Agatão, questionando a ideia


central de seu discurso: que Eros seja jovem e belo. Sócrates argumenta que Eros é
justamente o contrário de tudo aquilo que busca: ele é falta. Tendo convencido Agatão
pela lógica argumentativa, Sócrates passa a narrar a origem desse ensinamento e nos
introduz à sacerdotisa de Mantinéia: Diotima. Passa então a narrar um diálogo que teve
com essa sacerdotisa, tempos atrás. O Banquete é um dos poucos diálogos em que
Sócrates afirma saber alguma coisa, e é justamente de Eros que ele afirma saber algo:
“ (...) confesso não entender de nada mais, senão de amor.” (177 D). Aprendeu os
mistérios do amor com Diotima e passa a relatá-los aos participantes do banquete e
também a nós, leitores do diálogo. Somos iniciados, pela boca de Sócrates, aos
mistérios eróticos da sacerdotisa de Mantineia.
8

Em primeiro lugar, aprendemos que o amor é falta. Em seguida, aprendemos sua


origem mítica. Eros é filho de Poros e Pênia, ou seja, Abundância e Pobreza. Contudo, é
perto do final de seu discurso que Diotima revela uma das imagens platônicas mais
incríveis: a scala amoris. Nela, o iniciado nos mistérios de Eros, ascende, de degrau em
degrau, até chegar à contemplação do Belo-em-si.

O objetivo desse trabalho é examinar o significado dessa scala amoris. Num


primeiro relance, podemos observar que nela encontram-se temas fundamentais à
filosofia platônica. Há a noção de ideia que se apresenta como o Belo-em-si; há a
relação com a realidade terrena, na forma dos degraus; e há a ascensão espiritual, que é
o movimento que o iniciado deve fazer em busca de chegar à contemplação da ideia.

Para fazer uma leitura adequada da scala amoris é necessário considerar o


diálogo como um todo. Para empreender essa leitura, o presente trabalho está dividido
em três partes. A primeira parte trata da seção introdutória do diálogo, da proposta do
tema de Eros e dos cinco discursos iniciais. A segunda parte dedica atenção exclusiva
ao discurso de Sócrates/Diotima em suas três seções: o exame dialético, os mistérios e a
scala amoris. O terceiro capítulo trata do discurso de Alcibíades, e de um possível
princípio ético que se faz constante no diálogo e que dá um sentido moral à scala
amoris.
9

Capítulo 1 – Um banquete, um tema e cinco discursos.

Introdução ao diálogo.

Os banquetes (symposium) eram celebrações comuns na sociedade ateniense,


encontros aristocráticos em que se bebia, ouvia-se música e dialogava-se. Nesse
banquete narrado por Platão, no entanto, ocorre algo incomum. Seus participantes, ainda
debilitados pela bebedeira do dia anterior, resolvem moderar na bebida, bem como
dispensar as flautistas, de modo a entregarem-se plenamente ao discurso. Mas qual será
o tema? É Erixímaco quem relata a indignação de Fedro e propõe um tema: “Não é
estranho, Erixímaco, que para outros deuses haja hinos e peãs, feitos pelos poetas,
enquanto que ao Amor (Eros) todavia, um deus tão venerável e tão grande, jamais um
só dos poetas que tanto se engrandeceram fez sequer um encômio?(Banquete,
Platão,177 A)”. Sendo assim, fica decidido aquilo sobre o que discursarão: Eros.
Sócrates declara ao início dos discursos seu contentamento com o assunto escolhido,
pois a única coisa de que entende é a arte do amor (177 E)1. Como Apolodoro havia
previsto, os discursos no Banquete em muito diferem das conversações dos homens de
negócios. Neles encontramos paixão, beleza e arrebatamento. No total, Apolodoro relata
oito discursos em elogio à eros, na seguinte ordem: Fedro, Pausânias, Erixímaco,
Aristófanes, Agatão, Sócrates / Diotima (in absentia) e Alcibíades.

O diálogo apresenta diferentes visões da natureza e sentido de Eros. O primeiro a


discursar é Fedro (178 A – 180 C). Seu discurso evoca o poder enobrecedor de Eros,
pois considera o efeito que tem nos amantes, inspirando o desejo de ser o melhor
possível na presença do amado. Fedro imagina o quão poderoso e insuperável seria um
exército composto apenas por apaixonados, que defenderiam de maneira singular a vida
de seus amados, buscando ser corajosos ao máximo, para não enrubescerem na presença
de seus amados. O segundo discurso é o de Pausânias (180 C – 185 C), que é o amante
de Agatão. Pausânias distingue dois tipos de amor, um divino e um comum. O comum
envelheceria e desmancharia como a formosura corporal, o divino, no entanto,
promoveria o aprimoramento moral dos amantes. O terceiro discurso é o de Erixímaco

1
PLATÃO. Idem.
10

(185 E – 188 E), o médico. Erixímaco expande o alcance de Eros, considerando-o não
só como presente em casais apaixonados mas também nos ciclos grandiosos da natureza
e do cosmos. O quarto discurso é o do comediógrafo Aristófanes. Aristófanes é
conhecido também por ter escrito a comédia As Nuvens, em que representa um Sócrates
delirante e risível; compondo uma anedota da busca intelectual socrática. O discurso de
Aristófanes (189 C – 193 E) é de caráter mítico e conta a origem de Eros na
humanidade. Em seu discurso, além da imagem cômica de um ser humano original, com
duplos membros, evoca a ideia de alma gêmea, ou “cara metade”, ideia que, até hoje,
exerce grande influência no imaginário popular a respeito do amor. O quinto discurso é
o de Agatão (194 E – 198 A), tragediógrafo e anfitrião do banquete. Seu discurso é
repleto de imagens belas e fluidez de expressão, como se espera que sejam as palavras
de um poeta. Eros é louvado por sua juventude, beleza e inspiração que dá aos poetas. O
sexto discurso é o de Sócrates. Ele começa por dialogar com Agatão, investigando e
refutando algumas das ideias presentes no discurso do poeta. Em seguida, Sócrates
relata o que aprendeu a respeito de Eros com Diotima, sacerdotisa da Mantineia. O
discurso de Diotima é o clímax do Banquete. Nele está contida, como já vimos, a ideia
central de scala amoris. Em seguida, há o discurso de Alcibíades que, ao receber a
proposta de elogiar Eros, decide por elogiar Sócrates. Seu discurso narra importantes
fatos a respeito de Sócrates e traça imagens e comparações interessantes a respeito de
sua natureza.

Contudo, antes de introduzir-nos ao relato do banquete, propriamente dito, Platão


faz uma pequena introdução, por assim dizer. Nessa introdução há temas que merecem
atenção. Portanto, antes de entrarmos nos discursos de elogio a Eros, presentes no
Banquete, passaremos por três detalhes iniciais que merecem atenção. O primeiro deles
diz respeito às camadas narrativas. Platão faz com que o relato do banquete de Agatão
passe por diferentes narradores. Tendo por objetivo, talvez, ressaltar a importância da
memória. Em seguida, é interessante observar o caráter do narrador ao qual o leitor é
exposto: Apolodoro. Esse narrador demonstra uma espécie de desprezo filosófico. Isso
fica patente ao observarmos suas respostas aos seus interlocutores. Algo que também é
digno de nota é o fato de Sócrates ter tomado banho e posto sandálias para esse
banquete, cuidados esses que raramente aconteciam.
11

Camadas Narrativas.

O inicio do diálogo Banquete desperta o interesse para o seguinte tema: as camadas


narrativas. A leitura começa com a resposta de Apolodoro a um interlocutor não
conhecido, o texto refere-se a ele como companheiro. Quem é Apolodoro? É alguém
interessado na companhia de Sócrates, um discípulo recente, que não faz três anos
esforça-se, diariamente, em saber o que seu mestre fala e faz (172 C). Apolodoro conta
que, recentemente, em Falero, encontrou-se com Glauco, que disse estar a sua procura,
pois desejava “(...) obter informações precisas a respeito da conversa de Agatão com
Sócrates, Alcibíades e os demais convivas do banquete dado por ele, em que proferiram
vários discursos sobre o amor” (172 A-B). É preciso observar que aqui a narrativa já
está em outro plano: Apolodoro continua na presença de seu companheiro, mas agora
narra seu encontro com Glauco. Portanto, concluímos que a pergunta feita por seu
companheiro foi a mesma feita por Glauco, essa pergunta diz respeito ao banquete em
que o próprio Sócrates estava presente e cujo tema era Eros. Ao continuar o relato,
Apolodoro repreende Glauco, por sua falta de noção histórica. Ele [Glauco] imaginava
que o próprio Apolodoro havia comparecido ao banquete, algo que este mostra ser
impossível, uma vez que ele ocorreu quando Agatão ganhou o prêmio por sua primeira
tragédia. Nessa época, esclarece Apolodoro, ambos, ele e Glauco, ainda eram crianças
(173 A). Essa digressão introdutória desperta, no leitor, a vontade de ouvir o tal do
relato, que conta a respeito desse famoso banquete. Apolodoro acaba descobrindo que a
confusão de seu amigo Glauco deve-se à fonte infiel da qual conseguiu informações: um
tal de Fênix, filho de Filipe. Apolodoro revela que recebeu o relato do banquete de
alguém que realmente esteve presente nele, trata-se de Aristodemo, “(...) sujeito
baixinho que sempre andava descalço (...)”, “(...) um dos mais fervorosos admiradores
de Sócrates (...)” (173 B).

O início do diálogo Banquete nos coloca na seguinte situação: estamos tendo acesso
à narrativa escrita em que Apolodoro narra, oralmente, a seu companheiro, aquilo que
conversou com Glauco, a quem conta, por sua vez, o relato que recebeu, oralmente, de
Aristodemo. Qual é o sentido dessas camadas narrativas, através das quais Platão nos
apresenta o diálogo Banquete? Em primeiro lugar, podemos destacar que essas
camadas narrativas dão ao leitor uma noção de temporalidade: desde o banquete real do
12

qual Sócrates participou e a narrativa que se está lendo, passou-se um bom tempo. O
leitor fica sabendo, também, que é graças à memória de Apolodoro e de Aristodemo que
esse relato não se perdeu. Mas, se considerarmos o conteúdo do relato, quando lemos a
respeito do banquete e de seu desenrolar, essas camadas narrativas parecem um
problema a parte, desconectado do restante do diálogo. Teria Platão colocado algo
completamente desconectado do tema do Banquete, o amor, no início desse diálogo?

Talvez, nessa introdução aparentemente desconectada, o tema central do Banquete


já esteja colocado, ou ao menos uma face dele: o problema do amor. Quem são aqueles
graças aos quais o relato do banquete sobrevive e chega até nós, leitores? São duas
pessoas que amaram Sócrates. Platão deixa bem claro, através das descrições dessas
personagens. Portanto, já de início estão conectados no enredo narrativo do Banquete o
amor e a memória. Tal relato sobreviveu pelo amor que essas duas pessoas tiveram a
Sócrates. Do mesmo modo, pode-se entender que os diálogos platônicos são
testemunhos do amor de Platão a seu mestre, Sócrates. A memória que nós, estudantes
do século XXI, podemos ter de Sócrates, deve-se a essas pessoas que o amaram e por
esse amor preservaram sua memória.

A ligação entre amor e memória não é difícil de ser reconhecida. Basta pensar na
facilidade em decorar as letras ou a melodia de músicas que se ama. Isso também
acontece com histórias, pessoas e fatos. Parece que o amor predispõe aquele que ama a
memorizar tudo aquilo que diz respeito ao objeto ou pessoa amada.

Desprezo altivo ou Apolodoro desprezível?

“Os indivíduos que vinham na retaguarda, ouvindo o que podiam da


conversação, pareciam ser na maioria estrangeiros trazidos por Protágoras
das diversas cidades pelas quais ele viaja. Como Orfeu, ele os encanta com
sua voz, enquanto eles seguem o som de sua voz encantados, como se
estivessem num transe. Alguns de nossos próprios habitantes também o
seguiam, formando um cortejo como numa dança coral. De minha parte, ao
contemplar suas evoluções, encheu-me de prazer o modo como, mediante
admirável cuidado, em nenhum momento constrangiam a movimentação de
13

Protágoras pondo-se à frente deste. E quando ele se voltava com os grupos


que o ladeavam, o cortejo de ouvintes na retaguarda dividia-se muito
ordenadamente em dois grupos, e então circulavam de um lado e outro,
readquirindo a formação única anterior atrás dele, com máxima beleza”
(315 A – B – Protágoras).

Essa passagem do diálogo Protágoras pode servir de ilustração do caráter de


Apolodoro, que é quem relata o banquete. Por um lado é fervoroso admirador de
Sócrates; por outro, despreza com amargura aqueles que não se converteram à filosofia.
Diz ele a seu companheiro: “Para ser franco, sempre me causa satisfação tratar de
temas filosóficos ou ouvir alguém discorrer a esse respeito, independentemente do
proveito que nos advém de semelhante prática. Outros discursos, pelo contrário,
principalmente dos vossos comerciantes e gente de dinheiro, são por demais fastidiosos
e me levam a apiedar-me de vós outros, seus amigos, por pensardes que fazeis alguma
coisa, quando, em verdade, nada fazeis” (173 C-D) 2. Não satisfeito, Apolodoro
conclui seu discurso, dando ares ainda mais ofensivos: “Mas, sem dúvida vós também
me considerais infeliz e imaginais que nesse ponto estais certos. A diferença é que, do
meu lado, eu não imagino apenas: tenho certeza” (173 D).

Seu comportamento transmite um desprezo afetado que lembra a atitude de recém-


convertidos, no âmbito religioso. A seguinte declaração de Apolodoro bem poderia ser
atribuída a um fanático religioso, trocando o nome de Sócrates por algum outro que
conviesse ao contexto: “(...) pois não sabes [Glauco] (...) desde que frequento a
companhia de Sócrates e me esforço por saber dia por dia o que ele conversa ou faz,
ainda não se passaram três anos? Até então eu perambulava sem destino, pensando
que fazia alguma coisa, quando, em verdade, era mais inútil do que ninguém, tal como
és agora, por imaginares que qualquer ocupação é preferível à filosofia” (173 A).

Apolodoro, ao demonstrar desprezo por todos, a exceção de Sócrates (173 B), dá


provas de não ter compreendido o papel do próprio Sócrates. Dá provas de não ter, em
sentido radical, tornado-se filósofo. A idolatria que demonstra ter em relação a Sócrates

2
PLATÃO. O Banquete. 1a ed. Tradução Edson Bini. Bauru/SP : EDIPRO. 2010.
14

não convém ao filósofo. Nesse sentido, Apolodoro parece o idiota retratado na anedota:
alguém aponta o dedo para a lua; o idiota, ao invés de olhar para a lua, olha para o dedo
e pensa ter compreendido a indicação. Da mesma forma a filosofia, que em sua
etimologia indica o amor à sabedoria, é frustrada, se em vez de amar-se a sabedoria,
ama-se aquele que a busca ou a indica.

Qual será a razão de Platão nos introduzir ao Banquete através dessa personagem?
De maneira sintética, já encontramos nessa personagem pistas de um diagnóstico
espiritual que ficará mais claro ao avançarmos para a scala amoris e o discurso final de
Alcibíades. A definição de Eros que receberemos da boca de Sócrates radicalizará o
caráter de falta e busca, inerente à filosofia. É a própria Diotima quem diz de Eros: “(...)
é filósofo o tempo todo” (203 D). Em seguida, ao ouvirmos o discurso de Alcibíades,
compreendemos que ele também parece ter caído no mesmo erro de Apolodoro:
“confundiu o dedo com a lua”, ou seja, ao invés de amar a sabedoria (e tornar-se
filósofo), ama Sócrates desmesuradamente.

Esse erro ganhará uma imagem e um antídoto na parte central do diálogo: a scala
amoris. Alcíbiades e Apolodoro são aqueles que não conseguiram subir na escada do
amor, ficando presos a um corpo belo e seus discursos: Sócrates. O antídoto é
justamente o exercício de ascensão proposto por Diotima. Uma espécie de fidelidade à
Beleza-em-si.

Sócrates arrumado.

Apolodoro inicia o relato recebido de Aristodemo. Este encontra Sócrates prestes a


sair de casa, “(...) saído do banho e ainda de sandálias, o que mui raramente acontecia.”
(174 A). Pergunta-lhe então onde é que estava indo, assim tão belo. Responde Sócrates:
“Para visitar um belo rapaz, preciso fazer-me belo.” (Idem). Ele se refere a Agatão que ,
na véspera, havia ganho uma competição de tragédias. Para comemorar essa vitória é
feito um banquete, e é para lá que Sócrates se dirige. Um pouco a contragosto,
Aristodemo resolve acompanha-lo, apesar de não ter sido convidado por Agatão.
15

Já no início desse relato algo chama atenção. O fato de Sócrates estar de banho
tomado e sandálias indica, como ele próprio esclarece em seguida, que quer
impressionar alguém. E esse alguém é o próprio Agatão. Mas o que ele quer com esse
jovem e talentoso escritor de tragédias? Quererá tornar-se seu parceiro em uma relação
de pederastia, tradicional relação educativa entre um homem mais velho e um jovem na
Grécia de seu tempo? A sequência do diálogo nos revelará em que consiste, afinal, essa
atração de Sócrates pelos cidadãos ilustres e jovens de sua Atenas. Como veremos, o
desejo de Sócrates por atrair Agatão é a parte inicial de um caso amoroso que será bem
descrito por Alcibíades, ao final do diálogo.

O ensimesmamento socrático.

Após aquele breve diálogo, Aristodemo e Sócrates põem-se em marcha em direção a


casa de Agatão. Contudo, Sócrates acaba ficando para trás, pois estava “todo a
ensimesmar-se” (174 D). Sendo assim, Aristodemo acaba chegando sozinho no
banquete, passando vergonha que gostaria de ter evitado, caso estivesse junto a Sócrates
e esse pudesse apresentar-lhe como convidado seu. Contudo, Agatão o recebe
calorosamente convidando-o logo a reclinar-se ao lado de Eríximaco, o médico.

No que consiste esse ensimesmamento socrático, motivo de seu atraso? Como


outros temas essenciais nesse diálogo, o ensimesmamento também reaparecerá no
discurso de Alcibíades. O jovem atenienese relatará, admirado, o fato de Sócrates ter
passado um dia e uma noite inteiros de pé, em uma mesma posição, meditando (220 D).

É mais um elemento da estranheza de Sócrates, chamado de átopos por alguns de


seus interlocutores, inclusive Alcibíades:

“Muitos outros fatos ainda poderiam ser lembrados neste elogio de Sócrates, e
todos admiráveis; mas em muitas atividades talvez se pudesse dizer a mesma coisa de
outras pessoas; todavia, o não parecer-se com ninguém, nem entre os antigos nem entre
os modernos, eis o que é verdadeiramente de espantar! (...) no que entende com a
originalidade deste homem (atopían anthropos), tanto dele como de suas palavras, por
16

mais que procure, ninguém encontrará nem de longe quem se lhe assemelhe (...).” (221
C-D).

A alcunha serve-lhe bem. A palavra grega átopos tem tanto o sentido de original,
estranho, fora de lugar; como também não-espacial, aquilo que não está em lugar algum.
Quando ensimesmado, observamos Sócrates fora da realidade exterior, voltado para
dentro de si, alheio ao que se passa fora de si. Aliás, essa não-espacialidade não é uma
das características daquilo que chamamos ideias? Afinal de contas, onde é que elas se
encontram? Ortega y Gasset, com a característica fluidez de sua prosa, expressa esse
caráter utópico (no sentido etimológico de não pertencimento a lugar algum) das ideias:

“ Porque as ideias possuem a extravagantíssima condição de que não estão em


nenhum sítio do mundo, que estão fora de todos os lugares, embora simbolicamente as
alojemos em nossa cabeça, como os gregos de Homero as alojavam no coração e os
pré-homéricos as situavam no diafragma ou no fígado. Todas essas mudanças de
domicílio simbólico, que fazemos as ideias padecerem, coincidem sempre nisso: coloca-
las numa víscera; isto é, em uma entranha, ou seja: no mais íntimo do corpo, embora
dentro do corpo seja sempre um dentro meramente relativo. Dessa maneira, damos
uma expressão materializada, - já que não podemos fazer outra coisa, - à nossa
suspeita de que as ideias não estão em lugar nenhum do espaço, o qual é pura
exterioridade; ao contrário, elas constituem, diante do mundo exterior, outro mundo,
que não está no mundo: o nosso mundo interior.3”

O ensimesmamento socrático é a atenção voltada para dentro. Mas o que


busca? Serão ideias através das quais tornar os fatos evidentes? Revelar o “ser das
coisas”? Mas é preciso cautela, de modo a não transformar Sócrates em um pré-
socrático. Ao passo que para aqueles, de uma maneira geral, eram os problemas do

3
Ortega y Gasset, Ensimesmamento e Alteração, in O homem e a gente, Editora Livro Ibero-americano,
pg. 58.
17

universo natural o que espantava e despertava a busca de conhecimento4; para


Sócrates são os problemas morais que despertam espanto. É nesse sentido que nos diz
Cícero: Sócrates “(...) foi o primeiro a trazer a filosofia dos céus, trazê-la à cidade e
introduzi-la às famílias, obrigando-a a examinar a vida e a moral, o bem e o mal” 5. A
atividade de Sócrates, conforme a observamos nos diálogos platônicos, nos autoriza a
imaginar que aquilo que animava sua busca interior não poderia ser outra coisa que
não o fundamento moral da vida humana.

E o que é esse fundamento? É um princípio de ordenamento interior, como


aquele expresso na oração final do Fedro, em que Sócrates pede a Pã e outros deuses:
“(...) concedei-me beleza interior e fazei que meu exterior se harmonize com tudo o
que carrego dentro de mim” 6. Trata-se de descobrir uma norma que valha desde
dentro e guie a conduta externa.

“ Essa atenção para dentro, que é o ensimesmamento, constitui o fato mais


antinatural, mais ultrabiológico. O homem tardou milhares de anos para educar um
pouco, - nada mais que um pouco, - a sua capacidade de concentração. O que lhe é
natural é dispersar-se, distrair-se para fora, como o macaco na selva e na jaula do
Jardim Zoológico” 7.

A partir dos relatos que recebemos, tanto de Aristodemo quanto de Alcibíades,


Sócrates mostra ter proficiência nessa atenção para dentro. A alteração, seu contrário,
é constituído pela dispersão e pela distração. É característico ao animal ter sua atenção
voltada ininterruptamente para fora (a não ser quando dorme).

Dessa maneira, sua ação torna-se sempre reativa. É o ambiente externo quem o
comanda. É nesse sentido que se diz que só o homem é capaz de agir,
verdadeiramente. Ele o é pelo fato de poder refletir e encontrar dentro de si mesmo o
princípio motor de sua ação.

4
Por essa razão podendo ser chamados também de fisiólogos (como os chamava Julian Marías) ou
filósofos da natureza. Naturalmente é problemático considerar esses filósofos em bloco, mas aqui se
recorre a esse meio com o objetivo de destacar a originalidade socrática.
5
CÍCERO, Tusc. Disp., V, 4, 10.
6
Fedro, 279 B
7
IDEM Pg. 61
18

Para concluir essas breves considerações a respeito do ensimesmamento


socrático, citamos mais uma vez Ortega:

“Vimos que a ação não é qualquer caminhar aos golpes com as coisas em torno,
ou com os outros homens: isso é o infra-humano, isso é alteração. A ação é atuar
sobre o contorno das coisas materiais ou dos outros homens conforme um plano
preconcebido em uma prévia contemplação ou pensamento.”8

(...)

Na sequência do texto, referindo-se aos gregos, Ortega arremata:

“Por isso acreditavam que o destino do homem não era outro senão exercitar
seu intelecto, que o homem tinha vindo para meditar, ou, em nossa terminologia, para
ensimesmar-se”9.

Ao observarmos o ensimesmamento sob essa perspectiva podemos


reconhecer em Sócrates o paradigma, no mundo antigo, dessa atividade interior. E
também podemos enxergar na filosofia, a disciplina intelectual que colocou o
ensimesmamento, ou a fé na capacidade humana de ensimesmar-se, no centro de sua
atividade.

Os cinco discursos

Nas páginas que seguem o objetivo é introduzir o leitor aos cinco discursos que
precedem o discurso de Sócrates/Diotima. Neles podemos observar temas que
retornarão no discurso de Diotima, que aqui é considerado o ápice do diálogo. É como
se o discurso socrático fosse um círculo maior que abrange a todos os círculos menores

8
IDEM, pg. 68.
9
IDEM, pg. 69.
19

anteriores. Algo como uma síntese superior. É a esse conjunto de temas que será dado
maior atenção, reunindo-o na seção sete desse capítulo.

Fedro

O discurso de Fedro é aquele que abre a série de elogios ao deus Eros. Esse
mesmo personagem aparece nos diálogos Protágoras e no Fedro. É principalmente por
esse último diálogo que aprendemos ser ele um apaixonado de discursos. É natural,
portanto, que seja ele quem dá o tema a eles. Seu aspecto literato também ficará patente
ao notarmos as referências de que seu discurso está repleto, indicando alguém que de
fato ama discursos de diferentes áreas do saber.

É Erixímaco, o médico, quem dá notícia de uma reclamação recorrente por parte


de Fedro: ““ Não é absurdo, Erixímaco”, repete sempre, “ que para todos os deuses os
poetas tenham composto hinos e peãs, e com relação a Eros, divindade tão grande e
gloriosa, entre tantos poetas como já tivemos, não houve um só que fizesse o seu
panegírico?””(177 A). E adicionando ainda uma pitada deliciosa de humor, continua: ““
Nada disso é de admirar, pois recentemente me caiu nas mãos um magnífico elogio do
sal, às luzes de sua utilidade.””(177 B – C). Tendo assim transmitido aos convivas do
banquete a indignação de Fedro, Erixímaco sugere: “Minha ideia é de todos presentes
fazerem o elogio de Eros, por ordem, da esquerda para a direita, da maneira mais bela
possível, a principiar por Fedro, não apenas por estar no primeiro lugar da mesa, como
por haver partido dele a sugestão.” (177 D).

O tema é bem acolhido por Sócrates e pelos demais convivas. Ao comentar o


tema proposto por Erixímaco Sócrates confessa “(...) não entender de nada mais, senão
do amor” (177 E), e conclui: “ Com feliz auspício, pois, inicie Fedro o elogio de Eros”
(Idem).

Fedro inicia seu discurso referindo-se a origem de Eros. Segundo ele Eros é o
mais antigo dos deuses. “A prova disso é não ter pais, que, de fato, nunca são
mencionados pelo vulgo nem pelo os poetas” (178 A). Para firmar esse ponto, ele
recorre a Hesíodo:
20

“ Narra Hesíodo que antes o Caos existiu,

vindo a Terra a seguir, de amplos seios,

Inabalável assento das coisas; depois chegou Eros” (178 B).

E, em seguida, Parmênides:

“ Eros nasceu em primeiro lugar; nenhum deus antes dele.” (Idem).

A primeira parte de seu discurso trata da origem de Eros e conclui: ele é o deus
mais antigo, não possui mãe nem pai. Aqui encontramos um tema recorrente que
retornará em outros discursos que o seguem, e também no discurso de Diotima. Qual é a
origem de Eros? Fedro deixa claro seu posicionamento: Eros é o primeiro dos deuses,
por isso não possui pais.

Em seguida, Fedro explora os benefícios desse deus aos homens. Qual é a


benção mais expressiva que esse deus confere aos seres humanos? Aquele que está
apaixonado, sob a ação de Eros, ganha inspiração incomparável para dirigir sua conduta
de modo a “viver bela e retamente” (177 E). Mas como é que isso ocorre?

Acontece que o amante, quando na presença de seu amado, sente vergonha de


praticar más ações e emula a bela conduta. E o faz, de maneira muito mais consistente
na presença daquele a quem está ligado por uma paixão, do que o faria em presença de
seu pai ou de um amigo qualquer. Isso ocorre tanto em relação ao amante quanto em
relação ao amado. E aqui somos introduzidos a mais um tema importante: a relação
amado-amante. São dois polos da relação amorosa: o passivo e o ativo. Na sequência
de seu discurso Fedro irá defender a superioridade do amante sobre o amado, sob a
razão de que o amante está possuído por um deus.

Tendo exaltado esse efeito enobrecedor de Eros, Fedro concebe a ideia de um


exército composto somente de amantes e dos respectivos amados. Segundo ele, não
haveria melhor maneira de estruturação; “(...) juntos, nos combates, apesar de serem em
número reduzido, venceriam, por assim dizer, o mundo inteiro (178 E)”. Ser visto em
alguma atitude desprezível ou covarde por seu amado seria uma vergonha insuportável
para o amante, preferiria morrer a ter de sofrer tal humilhação (179 A). Desse modo,
21

qualquer indivíduo, por mais pusilânime que seja, torna-se corajoso e conspícuo na
presença de seu amado. Eros insufla-lhe a coragem, tornando-o digno das façanhas dos
heróis homéricos (179 B). Tamanho é o poder transmitido pelo deus, que o sacrifício
supremo torna-se uma possibilidade real ao amante: “(...) morrer por outrem, só os
amantes a tanto se decidem, o que não se verifica apenas com os homens, mas com as
próprias mulheres” (179 B).

Em seguida Fedro narra três acontecimentos míticos, em que observamos essa


façanha: morrer por outrem. Alceste prontificou-se a morrer no lugar de seu marido. O
detalhe de que ele ainda possuía pai e mãe serve para reafirmar a superioridade do amor
erótico sobre os outros tipos de amor: “(...) Alceste a tal ponto ultrapassou em afeição,
por virtude do amor, que os reduziu [pai e mãe de seu marido] à posição de estranhos,
com relação ao filho, e só de nome aparentados com ele” (179 C). De pura admiração
por seu ato, os deuses permitiram-lhe que sua alma retornasse do Hades (lar dos mortos
na mitologia grega), privilégio raro concedido a poucos (179 C).

Já Orfeu, filho de Eagro, teve um destino diferente. Tendo sua mulher morrido e
sido conduzida ao Hades, Orfeu conseguiu penetrar vivo, através de algumas artimanhas
que envolviam seu talento de harpista, no lar dos mortos. Seu objetivo era resgatar sua
amada. Contudo, os deuses o castigaram por sua pusilanimidade: não teve a coragem de
Alceste, a de morrer por sua amada. Por isso, os deuses determinaram que morresse pela
mão de mulheres.

Em seguida nos conta do conhecido caso de Aquiles. Mesmo tendo recebido de


sua mãe, Tétis, a revelação de que, caso matasse Heitor, morreria logo, ao passo que, se
não o fizesse gozaria de uma vida longa em sua pátria, Aquiles mata-o. Decide fazê-lo
em vingança à seu amigo Pátroclo, que fora morto por Heitor (179 E). Por essa razão os
deuses o admiraram tanto, a ponto de enviá-lo à Ilha dos Bem-aventurados. Fedro
discorda de Ésquilo segundo quem Aquiles seria o amante de Pátroclo. Mas, apoiando-
se em Homero, acha absurdo tal consideração, uma vez que Aquiles ultrapassava em
beleza a todos os heróis, além de ser ainda imberbe e mais moço que Pátroclo. A
respeito da beleza daqueles ainda imberbes, Sócrates pergunta a seu amigo, em tom de
desafio, no diálogo Protágoras: “Será que desaprovas Homero, que declarou que a
juventude revela seu supremo encanto naquele cuja barba está aparecendo (...)?”
(Protágoras, 309 B).
22

Sendo assim, continua Fedro, Aquiles mereceu honra ainda maior, por parte dos
deuses, que Alceste. Pois ao passo que Alceste deu sua vida por seu amado, Aquiles
morreu por seu amante. “Sendo verdade que os deuses apreciam particularmente a
virtude relativa ao amor, muito mais admiram, e amam, e recompensam quando o
amado se afeiçoa ao amante do que o inverso: o amante ao amado (180 A-B)”.
Dizendo isso, remata com uma frase de máximo interesse para aquilo que será tratado
no discurso de Diotima: “O amante é mais divino do que o amado, por estar possuído
pela divindade (180 B)”.

A maneira com que Fedro profere seu elogio a Eros torna patente o fato de que é
um amante de discursos, um literato. A começar, como já foi dito, por ter sido ele quem
sugeriu o tema do banquete, após ter notado que, em seu vasto conhecimento de
discursos, havia encontrado até um elogio do sal, mas ainda não havia se deparado com
um elogio de Eros. Em seu elogio observamos como ele recorre a diferentes autores,
tidos por ilustres na cultura grega, para fundamentar seu discurso: Hesíodo (178 B, 178
C); Acusilau (178 C); Parmênides (178 B); Homero (179 B, 180 A). Talvez ele seja o
scholar mais antigo de que temos notícia.

De seu discurso é preciso destacar algumas ideias, que serão importantes para a
sequência desse trabalho. A primeira delas é a interessante imagem do imbatível
exército de apaixonados. Entre amantes e amados Eros serve como um estímulo sem
igual para a prática de ações virtuosas. Inspira a “vergonha de praticar más ações” (178
D) e também a “emulação para o belo” (Idem). Esse estímulo é tão potente (muito além
de qualquer outro, como parentes, beleza, riqueza ou quaisquer dignidades (178 C)) que
chega a dar a força necessária para uma decisão radicalmente corajosa e que é , como
veremos através dos casos de Alceste e Aquiles, sumamente admirada pelos deuses:
morrer por outrem (179 B).
23

Pausânias.

Antes de entrarmos no conteúdo do discurso de Pausânias, é importante


explorar um elemento que estará bem presente em suas palavras, podendo mesmo
configurar seu traço mais marcante. Trata-se de uma prática educativa comum na
Atenas de seu tempo: a pederastia.

Vale lembrar, também, que temos notícia de Pausânias em outro diálogo


platônico, o Protágoras. Ali já o vemos deitado próximo a um “(...) rapaz ainda
bastante jovem (...) bem nascido e bem criado, e certamente muito atraente”
(Protágoras, 315 D-E). Sócrates acredita que aquele jovem é Agatão, ninguém menos
que nosso anfitrião no Banquete. (adicionar mais referências ao diálogo Protágoras, i.e.
a suposição do próprio Sócrates). A partir desses dados já podemos identificar
Pausânias como sendo uma figura paradigmática da pederastia. Mas em que é que
consiste a pederastia grega?

A pederastia grega: método pedagógico.

A palavra pederastia significa, etimologicamente, aquele que se relaciona


eroticamente com moços (Do Grego PAIDERASTES, “o que pratica sexo com meninos”, de
PAIS, “criança”, mais ERASTES, “amante”, de ERASTHAI, “amor sexual”). Essa prática tinha,
na nobreza ateniense, um cunho educativo. Ela misturava elementos herdados da antiga
moralidade guerreira com os novos valores aristocráticos.

Em sua História da Educação na Antiguidade, Henri-Irénée Marrou10 investiga a


pederastia grega. Para tanto, julga necessário que se afaste a curiosidade vã pelos
aspectos puramente sexuais dela; diz ele que “(...) o verdadeiro interesse humano não está
aí [nas práticas sexuais], mas reside na concepção do amor (que desde o século XII aprendemos
a aprofundar mais além da libido, no sentido biológico do termo) e no papel que este exerce na
vida” 11. Portanto, é a concepção de amor que está implícita na pederastia grega aquilo que
mais interessa. A pederastia não é algo de pouca importância na cultura helênica; pelo

10
MARROU, Henri Irinee. História da Educação na Antiguidade.
11
Idem, pág. 52.
24

contrário. Segundo Marrou, é preciso reconhecer que “(...) a antiga sociedade grega alojou a
forma mais característica e mais nobre do amor no intercurso passional entre homens ou, mais
precisamente, entre um mais velho, adulto, e um adolescente (a idade média do erômeno
oscilando dos quinze aos dezoito anos) 12”. Ou seja, na relação pederástica, havia dois polos:
um passivo e um ativo; havia o eromenos (o amante) e o erastes (o amado). Marrou
continua destacando a importância da pederastia na sociedade grega:

“O amor pelos jovens foi – como a nudez atlética, com a qual aliás se relaciona
estreitamente -, (...) , umas das características peculiares do helenismo, um dos costumes que
mais nitidamente o contrapunham aos “bárbaros”, e, portanto, para o mesmo helenismo, um
dos apanágios marcantes da nobreza civilizada.13”

Em geral, reconhecia-se que o mais velho ocupava o lugar de amante na relação


pederástica. Isso se explica pelo seguinte:

“Inicialmente, o amor grego contribuiu para dar sua forma ao ideal moral que se arroga
toda a prática da educação helênica, ideal cuja análise comecei a propósito de Homero: o
desejo, no mais velho, de afirmar-se aos olhos de seu amado, de brilhar diante dele, e o desejo
simétrico, no mais moço, de mostrar-se digno de seu amante, só lograram reforçar, num e
noutro, este amor da glória que todo espírito agonístico exaltava por toda parte: a ligação
amorosa é o terreno de escolha em que se depara uma generosa emulação. Por outro lado, é
toda a ética cavalheiresca, fundada sobre o sentimento de honra, que reflete o ideal de um
companheirismo de combate. A tradição antiga é unânime em ligar a prática da pederastia à
bravura e à coragem.14”

Compreendemos, portanto, que a pederastia tinha grande importância no cenário


educativo da Grécia antiga. Principalmente se considerarmos que ainda não existiam
instituições formais de educação, como as escolas. Nesse sentido, a pederastia era um método
pedagógico, pelo qual os mais velhos transmitiam sua experiência e conhecimentos aos mais
novos.

Dois tipos de Eros: Celeste e Vulgar.

O discurso de Pausânias inicia fazendo uma crítica para fins de esclarecimento


do tema proposto. Pausânias argumenta que o tema não havia sido devidamente

12
Idem, pág. 52.
13
Idem, pág. 52.
14
Idem, pág. 55.
25

proposto. Ao “(...) imporem a tarefa pura e simples de fazermos o elogio de Eros” (180
C), escapa o que Pausânias passará a primeira parte de seu discurso explicando: “ Eros
não é único” (180 C). Mas, se Eros não é único, quantos é?

Para chegar ao número correto de Eros, Pausânias fará uma associação essencial,
que reaparecerá, mais adiante, no discurso de Diotima: “Como todo mundo sabe, não há
Afrodite sem Eros” (180 D). Assim como existem duas Afrodites, assim também haverá
dois Eros: “Ora, se só houvesse uma Afrodite, Eros também seria um só; mas, como há
duas, será forçoso haver dois Eros” (180 D). Pausânias associa Eros à Afrodite e
introduz um novo elemento ao elogio, a dualidade. Ele iguala o ato de amar
(manifestação erótica) a qualquer outro ato: “(...) nenhum, em si mesmo, é belo ou
censurável (...)” (180 E -181 A). Tudo depende do modo como é praticado.

Um tipo de Eros associa-se à Afrodite denominada Urânia ou celeste, pois é


filha somente de Urano, não possui mãe. O outro tipo associa-se à Afrodite mais nova,
filha de Zeus e Dione, sendo apelidada de pandêmia ou vulgar (180 D). Tendo
destacado essa dualidade inerente à Eros, Pausânias inicia uma descrição mais detalhada
de cada tipo, deixando claro que “(...) nem todo amor é belo e merecedor de encômios,
mas apenas o que se alia à nobreza.” (181 A).

O que, portanto, distingue um Eros do outro? Pausânias começa descrevendo


aquele Eros inferior, que está ligado à Afrodite pandêmia. Ele é vulgar, e é o preferido
pelos indivíduos de baixa extração (181 B). Tanto gosta de rapazes como de mulheres e
tem mais amor pelo corpo do que pela alma; pensa somente na realização do ato, sem
considerar se o busca de maneira feia ou bela (181 B). Pausânias dá uma explicação
baseada em alguns detalhes da teogonia dessa deusa: ela é “(...) muito mais nova do que
a outra [Afrodite Celeste], e do seu nascimento participaram os dois sexos, masculino e
feminino” (181 B-C).

Em seguida, é a vez de conhecermos as características do Eros que se liga a essa


Afrodite mais nobre. Devemos considera-lo, segundo Pausânias, totalmente diferente da
anterior. Em primeiro lugar, não participa do sexo feminino, mas do masculino apenas
(181 C). Volta-se para esse sexo, considerado por Pausânias, “o gênero mais forte por
natureza e mais inteligente” (181 C). Por ser mais velha, não se deixa levar pelos
arroubos insidiosos, característicos das paixões juvenis. Sendo assim, aqueles que estão
inspirados por esse tipo de amor somente se afeiçoam por rapazes quando estes
26

começam a revelar discernimento, ou seja, “(...) na idade em que aponta o buço” (181
D). E àqueles a quem ficar a dúvida de que essa idade seja, de fato, aquela em que a
beleza juvenil é mais encantadora é Sócrates quem interroga: “Ora, qual é o problema?
Será que desaprovas Homero, que declarou que a juventude revela seu supremo encanto
naquele cuja a barba está aparecendo, como agora ocorre com Alcibíades?” (Protágoras,
309 A-B). Assim se expressa Homero: “(...) sob a figura se adianta de um jovem de fina
prosápia, / na mais atraente das idades, quando o buço lhe aponta gracioso” (Íliada,
Canto XXIV, 348). E também na Odisseia, referindo-se a uma aparição de Hermes:
“(...) na figura de um moço radiante / a quem o buço começa a apontar na mais grata
sazão” (Canto X, 279).

Mas não se trata apenas da bella faccia que esses jovens ostentam, quando
começa a surgir o buço. Pausânias quer dizer mais do que isso. Como ele mesmo
explica, o buço na face é sinal de que o discernimento já chegou naquele jovem.
Portanto, qualquer relação pederástica em que seja eleito um jovem antes de que surja
seu discernimento é considerada, por Pausânias, reprovável, e fruto daquele eros vulgar
: “ (...) é muito fácil reconhecer nas relações entre os jovens os que em toda a sua
pureza são levados por esse Amor [Amor Celeste]: não se afeiçoam a nenhum rapaz
senão depois que este revela discernimento, isto é, só na idade em que aponta o
buço.”(181 D).

Portanto, ao dar importância à idade devida em que se deve entregar-se ao amor,


Pausânias quer destacar que a relação amorosa entre dois varões, para que seja nobre,
deve direcionar-se mais à admiração da beleza da alma do que à admiração da beleza do
corpo. Pois aqueles que se relacionam através desse amor mais nobre “(...) cogitam de
uma união para toda a vida e procuram um companheiro para sempre” (181 D). E
aqueles dominados pelo eros vulgar, visam apenas “ (...) à realização do ato” (181 B).
Um liga-se à alma e o outro ao corpo; um é efêmero, pois seu objeto (o corpo) é
efêmero; e o outro é duradouro, pois seu objeto (a alma) é duradouro.

Em seguida, Pausânias inicia um discurso em que repreende aqueles que amam


as crianças, ao invés de esperarem a já comentada idade adequada, em que despontam o
buço e o discernimento. Considera que os homens de bem se abstêm, voluntariamente, a
relacionar-se com crianças, uma vez que “(...) não se pode prever para onde as levarão
suas tendências, ou boas ou más, tanto as do corpo como as da alma.” (181 E). Essas
27

pessoas de bem, naturalmente, são aquelas que se deixam dirigir pelo eros superior. Já
os amantes vulgares deveriam, segundo Pausânias, serem constrangidos a não
relacionarem-se com esses jovenzinhos.

À medida que observamos o ataque feroz de Pausânias àqueles que praticam o


que chama de amor vulgar, somos levados a nos perguntar o que motiva essa acalorada
crítica. Não se trata de avaliar ou não a bondade da pederastia a qual Pausânias se
refere. Trata-se de descobrir que é que motiva, internamente, seu discurso. Ele próprio
o esclarece: “São eles [os amantes vulgares] os promotores do descrédito do amor
masculino, a ponto de haver quem declare ser vergonhoso entregar-se alguém a um
amigo” (181 E). Pausânias quer distinguir, no amor masculino, o que considera o joio e
o trigo. Nada mais natural, se considerarmos que ele mesmo mantém um
relacionamento com Agatão, o jovem anfitrião. É no diálogo Protágoras que
recebemos, sutilmente, essa informação. Descrevendo o quarto de uma casa, onde fora
encontrar-se com o famoso sofista Protágoras, Sócrates diz: “Perto dele [de Pródico],
em leitos próximos do seu, estava deitado Pausânias de Cerames e, com ele, um rapaz
ainda bastante jovem – eu diria bem nascido e bem criado, e certamente muito atraente.
Penso ter ouvido que seu nome era Agatão, e não me admiraria se descobrisse ser ele o
favorito de Pausânias” (315 D-E). Outra evidência desse relacionamento está no
comentário feito por Aristófanes, no discurso que segue o de Erixímaco. Falando a
respeito da paixão genuína (o reencontro de metades complementares) entre dois varões,
o comediógrafo deixa escapar:

“Mas não venha Erixímaco, por brincadeira, torcer o sentido das minhas palavras,
como se eu me referisse a Pausânias e Agatão” (193 B).

O discurso de Pausânias basicamente faz um elogio da pederastia; distinguindo-a


dos amores impuros e alçando-a à esfera celeste.

Na sequência de seu discurso, Pausânias discorre a respeito dos diferentes


costumes concernentes à pederastia, em diferentes cidades. Primeiramente, descreve
dois modelos exagerados, por serem, como veremos, demasiadamente simples e
unilaterais. Em seguida, descreve o costume ateniense acerca do amor. Que, a seu ver,
apesar de mais complexo, é mais equilibrado e acertado. Assim ele se expressa : “Nas
demais cidades são muito fáceis de reconhecer as normas relativas ao amor, por
28

admitirem definição fácil e muito simples, ao passo que as nossas são complicadas.”
(182 A).

Pausânias descreve os dois extremos: na Élide e na Lacedemônia e Beócia, e em


qualquer outro lugar onde falte a habilidade de falar, há uma legislação “preguiçosa” em
relação à eros, devido à deficiência de linguagem. Recai-se em uma licenciosidade nos
costumes concernentes ao Amor. Não há restrições, nem ressalvas: “(...) considera-se
natural ceder às solicitações do amigo (...)” (182 B). Por outro lado, na Jônia, e em
quaisquer outros lugares sujeitos ao jugo dos bárbaros, há uma legislação ‘tirânica” em
relação à eros. Uma restrição total do amor, também exagerada. Isso deve-se ao risco
que o amor entre concidadãos traz ao domínio tirânico exercido nesses lugares. Como
diz Pausânias: “ Para os governantes, segundo penso, não é vantagem terem os súditos
ideias avançadas nem formarem amizades e associações como somente o amor sabe
inspirar” (182 C). Portanto, restringem o amor ao máximo, com medo de que ele possa
pôr em risco seu poderio. Esses dois costumes diferentes em relação à eros são
contrários um ao outro, são extremos opostos. Na sequência, Pausânias irá descrever
qual é o costume ateniense. Nesses costumes veremos que aqueles opostos são
reconciliados, com base na compreensão dos dois tipos de amor, o vulgar e o celeste.

Como já dito, os costumes atenienses em relação ao eros masculino, conforme a


descrição de Pausânias, trará um equilíbrio dos dois elementos contrários acima
descritos. Mas para compreender como é que os costumes atenienses reconciliam esses
elementos é preciso compreender sua oposição e, em seguida, compreender o elemento
reconciliador.

Por um lado, “(...) tanto os deuses como os homens concedem plena liberdade a
quem ama, o que nossas leis confirmam (183C)”. Para aquele possuído pelo amor é
natural “(...) jurar, pedir com instantes súplicas e implorações, deitar-se na frente da
porta e prestar serviços que nenhum escravo concordaria em fazer (...) (183 A)”. Tudo
isso seria digno de repreensão, contudo “(...) o amante faz tudo isso com certa graça, o
que lhe é permitido pela liberalidade de nossos costumes, sem incidir na menor censura
de ninguém, como se se tratasse de um ato louvabilíssimo. (183 B)”. Ou seja, a quem
ama não existe ato vergonhoso que não seja perdoável, pois ele está possuído pelo
amor.
29

Por outro lado, àquele que está sendo procurado pelo amante, o amado, os
costumes atenienses impõem restrições: “(...) os pais põem os filhos sob vigilância de
preceptores, para impedi-los de conversar com os amados, e isso mesmo recomendam a
seus prepostos, observando-se, outrossim, que seus coetâneos e companheiros o
repreendem sempre que o apanham nalguma prática desse tipo, sem que as pessoas mais
idosas se rebelem contra tais censores, nem lhes estranhem a linguagem, por injusta e
descabida” (183 C-D). O próprio Pausânias admite que, ao observar essas restrições,
seria cabível pensar que “(...) entre nós [atenieneses] o amor dos jovens é tido como
desonroso” (183 D).

Aí é que está a complexidade dos costumes atenienses mencionada por


Pausânias. Por um lado, dá-se liberdade total ao amor, tendo-o por algo divino; por
outro, é imposto a ele pesadas restrições, como se fosse ilícito. Como resolver essa
contradição? Afinal de contas, por quê há essa contradição nos costumes atenienses?

A resolução dessa contradição encaminha o discurso de Pausânias ao seu fim e


sumariza aquilo que de mais característico ele expressa: a natureza dupla de eros. A
permissividade que é dada ao amor presta uma reverência ao amor superior, aquele
relacionado à Afrodite Urânia. Já as restrições referem-se ao amor mais baixo, ao amor
vulgar. É por isso que não é adequado entregar-se rapidamente às solicitações do
amante, é preciso avaliar qual amor o está inspirando. É por isso que o costume
ateniense “(...) estimula o amante a persistir em suas investidas e o amado a fugir dele,
numa verdadeira competição para decidir a qual dos gêneros um e outro pertence” (183
E – 184 A).

Nesse sentido, Pausânias conclui seu discurso afirmando que o que torna o
desejo erótico belo e digno é o amor à virtude e ao aperfeiçoamento. É esse amor quem
deve dirigir o desejo erótico:

“Concluindo, direi que é louvável condescender alguém por amor da virtude. Esse é o
amor da Afrodite urânia, celeste como ela e da máxima importância para a cidade e os
particulares, por exigir, tanto da parte do amigo como da do amado, preocupação
constante com a virtude. Quanto aos outros amores, são todos da Afrodite pandemia ou
vulgar” (185 B-C).
30

Erixímaco

Erixímaco começa expondo seu acordo e seu desacordo em relação ao discurso de


Pausânias. Segundo o médico, Pausânias começou muito bem, mas terminou de maneira
inapropriada:

“Parece-me certa a distinção por ele feita entre as duas variedades de Eros; mas, (...) a
influência do amor não se faz sentir apenas na alma dos homens em suas relações com
os belos mancebos, porém numa infinidade mais de coisas (...)”. – 186 A.

O comentário de Erixímaco reforça a leitura que fiz do discurso de Pausânias:


nota-se ali um acento na pederastia. O comentário discreto de Sócrates, encontrado no
diálogo Protágoras, lança luzes em relação ao caráter de Pausânias e às suas intenções
com seu discurso: convencer e seduzir Agatão. Para corrigir o que considera um mau
desfecho, o discurso de Erixímaco procura mostrar a influência universal de Eros.

Erixímaco decide começar sua exposição pela medicina, sua arte. A medicina
combate, no que diz respeito ao corpo, o amor vulgar (que o leva à doença) e favorece o
amor nobre (que o leva à saúde). Sendo assim, o médico mais hábil é aquele que sabe
“(...) distinguir (...) entre o bom e o mau amor” (186 C-D). Além dessa distinção, o
bom profissional médico terá de ser capaz de “(...) mudar as disposições do corpo, a
ponto de substituir um amor por outro, fazendo nascer o amor que nele não existe mas
deveria existir, ou extirpá-lo de onde se encontre (...)” (186 D).

Tendo concluído a exposição a respeito da medicina, Erixímaco afirma que o


mesmo ocorre com a ginástica, a agricultura e a música. Mas é nessa derradeira que ele
foca sua atenção e expõe mais pormenorizadamente a influência de Eros.

Erixímaco definiu a medicina como sendo a arte de “(...) restabelecer a amizade entre os
elementos do corpo irreconciliáveis entre si.” (186 D). Assim também definirá a música.
Para confirmar esse ponto ele recorre a um pensamento que atribui a Heráclito: “(...) a
unidade, opondo-se a si mesma, produz o acordo, tal como se dá com a harmonia do
arco e da lira” (187 A). Segundo Erixímaco é absurdo entender que esse pensamento
heraclitiano queira dizer que a harmonia é discordância, o que seria um contra-senso. O
sentido que encontra nesse pensamento é o de que a harmonia forma-se a partir de notas
inicialmente discordantes:

“Não se concebe que possa surgir harmonia de agudos e graves que continuem
a opor-se. Quem diz harmonia, diz consonância, a consonância é uma espécie de
acordo, não sendo possível haver combinação de opostos, enquanto se mantêm como
tais.” (187 B).

A música é a arte pela qual esse acordo (harmonia) é produzido (187 A):
31

“O que neste domínio promove o acordo entre os elementos é a música, como,


no outro caso, a medicina, com estabelecer amor e concórdia entre eles, sendo legítimo
definir a música como ciência do amor relativamente à harmonia e ao ritmo, sem que
nesse domínio impere a oposição a que nos referimos.” (187 C).

Através dessa definição fica clara a visão de Erixímaco acerca do alcance


universal de Eros. Ele é uma força que subjaz a todos os fenômenos do universo, seja o
corpo humano, os graves e agudos ou mesmo as estações do ano (como veremos
adiante). Seu enfoque está em como as artes humanas reconhecem esse ação de Eros e
servem-se dela, promovendo as concórdias das quais se seguem bons efeitos.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, segundo a qual há um amor equilibrado que


produz a concórdia dos contrários e há outro desequilibrado que produz a discórdia
entre eles, Erixímaco passa a descrever os resultados desses dois amores na esfera da
astronomia. É preciso compreender que a astronomia, conforme entendida pelo médico,
abrange as estações do ano e o movimento dos astros. É por isso que, a depender do
amor que esteja agindo nessa esfera, equilibrando ou desequilibrando os elementos
contrários como “(...) o quente e o frio, e seco e o úmido (...)” (188 A), haverão maus ou
bons resultados climáticos. Se o amor de Urânia “(...) mantêm [os elementos contrários]
em harmonia e combinação favorável (...)”, então “(...) enseja prosperidade e saúde aos
homens, aos animais e às plantas, sem prejudicar o que quer que seja” (188 A).
Contudo, se é o amor desordenado quem está agindo, “(...) há prejuízo e estrago” (188
A). É por conta desse amor desordenado que muitas epidemias originam-se, afirma
Erixímaco: “(...) as geadas, o granizo, a mangra (...)” (188 E).

A adivinhação abrange os sacrifícios e tudo aquilo que é feito visando a uma


comunicação dos homens com os Deuses (188 C). Nesse âmbito o mesmo princípio
aplica-se, a adivinhação será a arte mediante a qual se promoverá o amor equilibrado no
que diz respeito aos Deuses e expurgará o amor desequilibrado, que é aquele que afasta
os homens de seu contato.

Tendo explorado a influência de Eros na medicina, na música, astronomia e


adivinhação, Erixímaco encerra seu discurso:

“Tal é a múltipla, a imensa, direi melhor, a onipotente força do Amor em


universal.” (188 D).
32

Aristófanes

O que salta aos olhos no discurso de Aristófanes é sua engenhosidade. Apesar de


sua tese ser absurda e cômica, os detalhes que enumera para confirma-la despertam, no
mínimo, um sorriso maroto em reverência ao seu engenho.

Aristófanes inicia seu discurso dizendo que fará algo diverso daquilo que fez
Pausânias e Erixímaco. No modo de ver do comediógrafo, “(...) os homens
absolutamente não fazem ideia do poder de Eros (...)” (189 C). Prova disso, prossegue
em sua argumentação, é ausência de culto e veneração a esse deus. Eros é o mais amigo
e também médico dos homens (189 C-D). É nesse título que Aristófanes atribui a Eros,
o de médico, que está o centro de todo seu discurso. Afinal de contas, que mal humano
é curado por Eros? Na sequência de seu discurso Aristófanes passará a explicar que
esse mal é constitutivo da natureza humana e que, por esse motivo, Eros merece tantos
louvores, pois ele é o único capaz de trazer a cura definitiva ao homem e em
consequência disso “(...) ventura indizível para o gênero humano” (189 D).

Com o intuito de descrever a natureza humana, Aristófanes recorre a um relato


que pode ser qualificado como fantástico. Antigamente, diz ele, haviam três sexos:
masculino, feminino e andrógino. Contudo, esses sexos manifestavam-se em seres
bem diferentes: “(...) no todo os homens eram redondos, com o dorso e os flancos
como uma bola” (189 E). Além do mais, eles eram duplos em tudo: “(...) quatro
mãos, igual número de pernas, dois rostos perfeitamente iguais num só pescoço bem
torneado, e uma única cabeça com os rostos dispostos em sentido contrário, quatro
orelhas, dois órgãos genitais e tudo o mais pelo mesmo modo, como será fácil
imaginar” (189 E- 190 A). Talvez não seja igualmente fácil para todos imaginar a
criatura descrita por Aristófanes, contudo, uma vez imaginada dificilmente se
conterá o riso. Ainda mais se considerarmos o malabarismo circense desses seres
quando resolviam correr: “(...) faziam como os saltimbancos, que viram em círculo e
jogam as pernas para o ar, até completar a volta; e como nesse tempo tinham oito
membros para apoiar-se, deslocavam-se com rapidez incrível” (189 E). Por motivo
de serem duplos é que tornava-se possível haverem adróginos: os homens eram
aqueles cujas duas metades eram do sexo masculino; as mulheres, do sexo feminino
e os andróginos eram metade sexo masculino e metade sexo feminino. A cada um
desses sexos, Aristófanes associa um astro celeste de origem: ao masculino o Sol, ao
feminino a Terra, e ao andrógino a Lua que, segundo ele, participa tanto do Sol
quanto da Terra. Dessa associação segue-se o fato, segundo nosso comediógrafo,
desses homens originais terem a forma esférica, ou seja, imitam seus astros
progenitores. Tudo ia bem com esses seres originais, contudo, por serem assim
“dobrados” possuíam vigor e força extraordinária, ao ponto de atacarem os próprios
deuses (190 B).

Esse enfrentamento por parte desses homens potentes não podia, naturalmente,
ser tolerado pelos deuses. Por esse motivo, Zeus reúne-se ao restante dos deuses
33

com o intuito de deliberar o que deverá ser feito para impedi-los (190 C).
Inicialmente não chegam a nenhuma conclusão, contudo, depois de muito refletir,
Zeus chega a uma solução pela qual não precisaria aniquilar a raça dos homens (que
afinal de contas prestava aos deuses agradáveis cultos e sacrifícios), mas, ainda
assim, corrigir sua afronta. Dividir para multiplicar, basicamente é essa a decisão de
Zeus, ei-la: “Agora mesmo vou dividi-los pelo meio, pois desse modo não somente
ficarão mais fracos, como nos serão também de maior utilidade, pelo fato de
aumentarem de número. Passarão a andar com dois pés, em posição erecta. Porém,
se vir que não abatem a arrogância nem ficam quietos, voltarei a cortá-los em dois,
passando eles a andar, aos pulinhos, só numa perna” (190 D). Frente à sentença de
Zeus, fico imaginando que impiedade ultrajante deve ter cometido nosso Saci
Pererê...

Portanto Zeus fez a divisão assim “(...) como cortamos ovos com o auxílio de
um cabelo” (190 E) e Apolo, a seu mando, foi remendando os homens. E aqui
Aristófanes nos presenteia com mais um detalhe curioso: após o corte, Apolo
remendou a pele esticando-a e dando uma espécie de nó, resultando naquilo que
chamamos umbigo (190 E). Virou o rosto das metades de modo a que pudessem pôr
os olhos nesse orifício e lembrarem-se de seu castigo. Contudo, um problema
inesperado assolou os seres humanos, divididos por Zeus e reconstituídos por
Apolo. Separados, os corpos sentiam muita saudade de suas respectivas metades,
buscando-as incansavelmente (191 A). Ao encontrarem-se “(...) estendiam
reciprocamente os braços, estreitavam-se, no anelo de se fundirem num só corpo, do
que resultou morrerem de fome e inanição, pelo fato de nenhuma parte querer fazer
nada separada da outra” (191 A-B). Desse modo, desaparecia a raça.

Por piedade Zeus resolve reconstituir novamente os seres humanos. Faz com que
os órgãos genitais passem para frente (191 B-C) e que passe a haver a geração e a
concepção, antes disso, nos informa o comediógrafo, a geração dava-se na terra,
como ocorre com as cigarras (191 C). Portanto se, movido por uma saudade
irresistível, um homem abraçasse uma mulher “(...) havia geração e propagação da
espécie; porém se se dava entre dois seres do sexo masculino, a saciedade os
separava por algum tempo, ficando ambos em condição de voltar para suas
atividades habituais e de prover às necessidades da vida” (191 C). Portanto, através
dessa estratagema, Zeus garante a procriação e a saciedade aos seres humanos. Essa
é, segundo Aristófanes, a origem de Eros dentre os homens:

“Desde então é inato nos homens o amor de uns para os outros, o amor que
restabelece nossa primitiva natureza e que, no empenho de formar de dois seres um
único, sana a natureza humana” (191 D).

A partir dessa narrativa mítica o fenômeno erótico ganha uma necessidade


óbvia. Desde a separação engendrada por Zeus, os homens andam às tontas,
sofrendo de uma saudade sem fim por algo que não sabem bem o que é, até que
encontrem sua metade complementar. A felicidade sem fim a qual se referiu
34

Aristófanes no início de seu discurso será justamente a fruição da presença dessa


metade. Eros será o bondoso amigo dos homens, aquele que não medirá esforços
para reunir essas metades e tornar os homens imensamente felizes.

O detalhe dos três sexos iniciais também dá conta de explicar as diferenças no


que diz respeito às preferências sexuais. Os que inicialmente eram completamente
homens, naturalmente atrair-se-ão por outros homens, resultando em relações
pederásticas; o mesmo ocorrerá com as que eram completamente mulheres, dando vasão
a relacionamento lésbicos; quanto aos andróginos, haverão os relacionamentos
heterossexuais (192 A – B).

Aristófanes descreve de modo belo e sagaz o estado em que se encontram dois


apaixonados:

“Quando acontece encontrar alguém a sua metade verdadeira, de um ou de


outro sexo, ficam ambos tomados de um sentimento maravilhoso de confiança,
intimidade e amor, sem que se decidam a separar-se, por assim dizer, um só
momento. Essas pessoas, que passam juntas a vida, são, precisamente, as que
não sabem dizer o que uma espera da outra. Apenas poderia ser o prazer dos
sentidos que leva cada um a procurar a companhia do outro. É evidente que a
alma de ambos deseja algo que ela própria não sabe definir, mas adivinha ou
sugere vagamente” (192 B-D).

Se Hefesto, o ferreiro dos deuses, oferecesse seus serviços a dois


apaixonados é certo que eles pediriam o seu mais profundo desejo: “(...) unir-se
ao objeto amado e com ele fundir-se, para formarem um único ser, em vez de
dois” (192 E). O que, portanto, está no fundo desse desejo intenso que sentem os
apaixonados? Está o desejo de reunião daquela unidade original:

“E a razão disso [desejo de fundir-se ao objeto amado] é que primitivamente era


assim nossa natureza, e nós formávamos um todo homogêneo. A saudade desse
todo e o empenho de restabelecê-lo é o que denominamos amor” (192 E).

Aristófanes condiciona a felicidade humana ao reencontro das metades


complementares. Só quando realizar “(...) plenamente a finalidade do amor e (...)
encontrar o seu verdadeiro amado, retornando, assim, à sua primitiva natureza”
(193 C) é que o homem será verdadeiramente feliz. Eros é, nesse sentido, o
benfeitor que concede o maior bem à humanidade (193 D).
35

Agatão.

Agatão incialmente critica os discursos que o precederam por ocuparem-se dos


benefícios recebidos de Eros, sem antes indicar-lhe sua natureza. Inicialmente é a
essa tarefa que o anfitrião do Banquete vai dedicar-se em seu discurso, pois
considera que “(...) o melhor modo de elogiar Eros é explicar, primeiro, sua
natureza, e só depois tratar de seus benefícios” (194 E).

Seu elogio começa por mostrar as diversas faces da beleza de


Eros. São elas: juventude, delicadeza, maleabilidade e frescura. A beleza de Eros
não encontra paralelo, é o mais belo de todos os deuses (195 A). Além de mais
belo é também o mais jovem. Agatão encontra comprovação disso no fato de
que Eros só pousa nos jovens (dificilmente se vê um velho apaixonado):

“Por ser moço, só procura a companhia dos moços, confirmando neste


passo o antigo provérbio: “O semelhante sempre se liga ao seu semelhante””
(195 B).

A delicadeza de Eros encontra sua evidência no terreno onde


coloca seus pés. Ele “(...) não pisa na terra dura, mas no que é macio” (195 D),
mas “(...) passeia no que há de mais macio no mundo, por ser no coração e na
alma dos deuses e homens que ele caminha e onde construiu sua morada” (195
E). Por essa razão, por passear no que há de mais macio no mundo, é que Eros é
delicado. Já sua delicadeza está em sair e entrar da alma dos homens sem ser
percebido, além de desprezar a Deformidade (196 A). Além de delicado e
maleável, Eros possui frescura em sua compleição. Isso é devido a reservar seus
pousos aos “(...) lugares floridos e aromosos (...)” (196 B). E assim Agatão
conclui sua exposição acerca da beleza de Eros.

Tendo elogiado a multifacetada beleza de Eros, o tragediógrafo passa a


elogiar sua virtude, que também possui diferentes faces. São elas: justiça,
temperança, coragem e sabedoria.

Eros é justo, pois não ofende e nem recebe ofensa de ninguém, sejam
homens ou deuses (196 B); tudo aquilo que faz é sem constrangimento (196 C).
Além disso, ele é sumamente temperante, uma vez que “(...) nenhum prazer
sobrepuja o Amor (...)” (196 C). Quanto à coragem, Agatão lembra os versos
segundo os quais nem mesmo o “(...) próprio Ares ousa resistir-lhe (...)” (196
D). Desse fato, segue-se o seguinte raciocínio:

“Ora, o dominante é mais forte do que o dominado,e, uma vez que Eros
vence o deus mais corajoso, terá de ser destemeroso ao máximo.” (196 D).
36

Tendo falado de sua justiça, temperança e coragem, o anfitrião do


banquete passa a descrever sua sabedoria. Agatão, imitando Erixímaco, começa
por honrar sua própria arte: a poesia. Como é fácil de observar naqueles que
estão apaixonados, do mais sensível ao mais bruto, a poesia toca-lhes o coração
enquanto sob o domínio de Eros. Eis como Agatão expressa esse fenômeno:

“(...) essa divindade [Eros] é um poeta de tão extraordinária virtude,


que com um simples toque deixa poeta qualquer pessoa,

Ainda que até então estranho fosse às Musas.” (196 E).

Além dessa excelência no domínio da Música, Agatão enumera sua importância


na criação de animais, na Medicina, na Adivinhação e em muitas outras artes. O
tragediógrafo faz uma observação interessante em relação a influência de Eros sobre as
artes, afirma ele que é somente quem teve essa divindade por mestra que alcança a
glória e é admirado naquilo que faz (197 A).

Tendo, como prometido, esclarecido a natureza de Eros através da descrição de


sua beleza e de suas virtudes, Agatão passa a enumerar, em profusão poética, os
benefícios concedidos por Eros, tanto aos deuses quanto aos homens. O ritmo com que
cadencia esses benefícios é próprio a um poeta, e vale a pena ler esse encerramento de
seu discurso na íntegra, para sentir o enlevo poético a que o leitor é transportado (197
B-E). Não por acaso, ao concluir seu discurso a reação de seus convivas é exultarem em
“(...) aplausos estrondosos, tão bem o jovem se expressara, por maneira, a um tempo,
digna dele e da divindade.” (198 A). Mais adiante, comentado essa última parte do
discurso de Agatão, Sócrates diz: “(...) quem poderia escutá-las sem ficar emocionado?”
(198 B).

CONCLUSÃO

Essa primeira parte teve por objetivo a contextualização daquilo que é o tema
central dessa dissertação: a scala amoris. Desse modo, ao avançar na investigação de
nossa pergunta central, os temas tratados nessa primeira parte poderão ser citados sem
prejuízo ao leitor.
37

CAPÍTULO 2 – O coração do Banquete: o discurso de


Sócrates/Diotima.

Finalmente chegamos ao clímax do diálogo: o discurso de Sócrates.


Analisaremos esse discurso dividindo-o em três partes: depuração dialética, mistérios
menores e mistérios maiores. Na depuração dialética, Sócrates faz algumas perguntas a
respeito do elogio de Agatão e chega a algumas conclusões importantes a respeito de
Eros: 1- Eros não é belo; 2- Eros é busca da beleza; 3- Eros é falta. Após essa
purificação, Sócrates passa a narrar as revelações da sacerdotisa de Mantineia, Diotima.
Na primeira parte dessas revelações, chamada de mistérios menores, encontramos a
origem mítica de Eros, encontramos também uma importante revelação a respeito da
natureza erótica da filosofia. Nos mistérios maiores encontramos aquilo que chamamos
de scala amoris, ou escada do amor, que é o processo de ascensão do amor até a
contemplação da Beleza-em-si.

1- Depuração dialética/ Purificação.

Após o discurso de Agatão, no qual o jovem expressara-se “(...) por maneira, a um


tempo, digna dele [afinal, é um tragediógrafo de sucesso]15 e da divindade” (198 A),
Sócrates expressa seu atrapalho diante da tarefa de ser o próximo a discursar. Sua ironia
é perceptível. Em resposta à Erixímaco, que põe em dúvida a realidade de seu atrapalho,
Sócrates responde: “Como assim, varão bem-aventurado (...) de que modo não ficar
atrapalhado, eu ou quem quer que tivesse de usar da palavra depois de uma oração tão
formosa e engalanada?” (198 B).

Em seguida, Sócrates irá fazer uma crítica, de maneira a distinguir dois tipos de
elogio. Aquele que elogia, tendo por fundamento a verdade; e aquele que elogia por
elogiar:

“Na minha inocência, pensava que seria preciso dizer a verdade em tudo o que se
falasse do objeto elogiado; a verdade deveria ser o fundamento próprio do discurso,
para daí escolhermos o que houvesse de mais belo e apresenta-lo na melhor ordem

15
Adição minha.
38

possível. Deixei-me inflar de orgulho ao pensamento de que iria falar bem, visto
conhecer a maneira certa de elogiar. Mas ao que parece, não é esse o caminho
verdadeiro, senão o inverso: atribuir ao objeto quanto de belo e de grandioso se possa
conceber, sem decidir, primeiro, se tal processo corresponde ou não à realidade dos
fatos” (198 D-E).

A respeito do discurso de Agatão Sócrates diz ter-se “(...) lembrado de Górgias (...),
esse orador terribilíssimo (...)” (198 C). Não por acaso Sócrates faz essa referência, pois
no diálogo Górgias é feita uma distinção similar a esta que Sócrates faz a respeito dos
dois tipos de elogio. Nesse diálogo, cujo assunto principal é a retórica, Sócrates
compara o retórico a uma espécie de gastrônomo da alma: “(...) a contraparte da
culinária na alma, atuando nesta como a culinária atua no corpo” (465 D, Górgias). O
que ele quer dizer com isso? Que assim como o objetivo central da gastronomia é
produzir o prazer no corpo, através dos alimentos, assim também o objetivo da retórica
é produzir uma persuasão prazerosa na alma, através de seus discursos.

Portanto, como Sócrates deixa claro em sua crítica aos discursos que o precederam,
a verdade passa a margem, ficando em segundo plano. Atribuindo-se ao objeto do
discurso tudo quanto achar-se de belo e grandioso, de modo a que impressione e encante
a alma. A distinção básica é que um discurso belo não necessariamente é verdadeiro, e
vice-versa.

Tendo feito essa ressalva, Sócrates declara: “A única coisa que posso prometer, se
estiverdes de acordo, é dizer a verdade como a entendo, não segundo a bitola de vossos
discursos; não desejo tornar-me ridículo” (199 A-B).

Contudo, antes de fazer seu discurso em elogio a Eros, Sócrates inicia uma
depuração dialética com Agatão. Nessa depuração, algumas ideias centrais a respeito de
Eros são expostas. Podemos entender essa depuração como sendo uma espécie de
purificação pela qual um iniciado deve passar antes de receber as revelações.

É dessa maneira que Andrea Wilson Nightingale16 entende o diálogo Banquete. Ela
traça um paralelo entre o discurso de Diotima e os Mistérios de Elêusis: “(...) o discurso
de Diotima no Banquete, onde Sócrates explicitamente compara a visão que o filósofo

16
NIGHTINGALE, Andrea Wilson, in Spectacles of Truth in Classical Greek Philosophy.
39

tem das Formas com a revelação mística em Elêusis”17. Sendo assim, essa depuração
dialética a que Sócrates submete Agatão equivale a uma purificação necessária à
revelação dos mistérios. Sócrates, como ficaremos sabendo, já foi iniciado nesses
mistérios; quem está sendo iniciado agora são os convivas do Banquete e o leitor.
Vejamos em mais detalhe essa purificação feita por Sócrates.

Resumo dos resultados da depuração dialética:

1.4- Eros não é Belo.


1.5- Eros é busca da Beleza.
1.6- Eros é Falta.

2- As revelações da sacerdotisa de Mantinéia.

2.1- Mistérios Menores.

2.1.1- A natureza erótica da filosofia.

Na obra Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres18 está a definição clássica de


filosofia. Eis o relato do autor, Diógenes Laércio: “Entretanto, Pitágoras foi o primeiro a
usar o termo e a chamar-se de filósofo; (...) atribui-lhe [a Pitágoras] em conversa com
Lêon, tirano da cidade de Fliús, a frase segundo a qual homem algum é sábio, mas
somente Deus (p.15)”. No diálogo Banquete fica patente que essa definição fora
assimilada por Platão, como parte essencial de sua consciência acerca da natureza da
filosofia. É preciso enumerar o que essa definição pitagórica assume como premissas: a
existência da sabedoria e três características suas. Em primeiro lugar, assevera a
existência da sabedoria, pois para ser buscada há de ser algo. Não só existe como é
amável, é digna de ser buscada amorosamente. Nenhum homem é sábio, logo ela
existe fora do homem (não está dentro dele). Está fora do homem e é superior a ele,
pois somente Deus é sábio.

17
Idem, pg. 83.
18
LAÉRCIO, DIÓGENES. Vidas e Doutrinas dos filósofos ilustres, UNB.
40

Portanto, por curta e simples que possa parecer, a definição pitagórica da


filosofia contêm em si essas ricas premissas, que enumero: 1- a sabedoria existe; 2- é
amável e merece ser buscada; 3- é exterior e superior ao homem. Mas quem é, afinal,
o filósofo? É a própria Diotima quem diz de Eros: “(...) é filósofo o tempo todo” (203
D). Eros serve como paradigma simbólico do filósofo, daquele que reconhece a
sabedoria como sendo “o que há de mais belo (203 E)”. O filósofo terá uma dinâmica
interior e um destino trágico como o de Eros. A natureza do filósofo é erótica por
excelência. No que consiste essa dinâmica e esse destino trágico?

É mais uma vez Diotima quem nos esclarece: “O que adquire hoje, perde
amanhã, de forma que Eros nunca é rico nem pobre e se encontra sempre a meio
caminho da sabedoria e da ignorância. E a razão é a seguinte: nenhum dos deuses se
dedica à Filosofia nem deseja ficar sábio – pois isso ele já é – tal como entre os homens
não precisa filosofar quem já é sábio. Por outro lado, os ignorantes também não se
dedicam à filosofia nem procuram ficar sábios. A ignorância apresenta esse defeito
capital: é que, não sendo nem bela nem boa nem inteligente, considera-se muito bem
dotada de todos esses predicados. Quem não sente necessidade de alguma coisa, não
deseja vir a possuir aquilo de cuja falta não se apercebe”. O filósofo é aquele que
aceita radicalmente a tensão indissolúvel inerente à filosofia. Essa tensão constitui-se
pelo reconhecimento da sabedoria como aquilo que há de mais belo e digno de ser
amado. E também como algo que existe fora e independentemente do homem. O
filósofo é aquele que vive essa tensão. Se a extingue, deixa de ser filósofo. Ou para
mergulhar nas trevas da ignorância, ou na soberba de considerar-se sábio.

A incompatibilidade irredutível de sua natureza humana com seu objeto de


amor, a sabedoria, faz com que surja essa relação, a única possível: o amor, o anelo, a
busca. O filósofo sempre estará a meio caminho, reiniciando continuamente sua
labuta, aspirando à unidade da sabedoria mesmo sabendo que nunca poderá alcançá-
la. Pierre Hadot confirma esse ponto: “Para Diotima, Eros é filó-sofo, pois está a meio
caminho entre sophía e a ignorância” (p. 75). Diotima arremata, respondendo sem
rodeios a questão de Sócrates:
41

“ “Nesse caso, Diotima”, lhe perguntei, “quem é que se ocupa com a Filosofia, se não o
fazem nem os sábios nem os ignorantes?”

“ Até para uma criança”, me respondeu, “é claro que são os que se encontram entre
uns e outros, estando Eros incluído nesse número. A sabedoria é o que há de mais belo.
Ora, sendo Eros amante do belo, necessariamente será filósofo ou amante da
sabedoria, e, como tal, se encontra colocado entre os sábios e os ignorantes. A razão
desse fato, vamos encontra-la na sua origem: ele descende de um pai sábio e rico em
expedientes, e de mãe nada inteligente e de acanhados recursos. Essa, meu caro
Sócrates, é a natureza de tal demônio. Não é de admirar a ideia que fazias do Amor.
Pelo que posso concluir do que dissesses, imaginavas que o Amor fosse apenas o
indivíduo amado, não o que ama. Por isso, quero crer, ele se te afigurava tão belo. Pois,
em verdade, aquilo que amamos é, realmente, belo, delicado, perfeito e bem-
aventurado. Porém o amante é de natureza muito diferente, conforme te expliquei.”
(203 E – 204 C).”

Esse é um dos grandes temas do Banquete, a essência do filósofo e da filosofia.


O diálogo apresenta dois paradigmas do filósofo, em dois planos diferentes: “(...) Eros
e Sócrates personificam, um de maneira mítica, outro de maneira histórica, a figura do
filósofo. Tal é o sentido profundo do diálogo” (O que é filosofia antiga? Pierre Hadot, p.
72).

“Ainda aqui, reconhece-se logo sob os traços de Eros não só o filósofo, mas Sócrates
que, aparentemente, nada sabe, como os ignorantes, mas que, ao mesmo tempo, é
consciente de nada saber: ele é diferente dos ignorantes, pelo fato de, consciente de
seu não-saber, desejar saber (...). Sócrates ou o filósofo é Eros, o que significa que ele é
o Desejo, não um desejo passivo e nostálgico, mas um desejo impetuoso, digno desse
“caçador terrível” que é Eros.” (p.77).

A filosofia é um aprender a morrer também no sentido de que o filósofo


aprende a morrer cada vez mais a si mesmo, de modo a poder viver, cada vez mais,
para aquilo que verdadeiramente o interessa. Não compartilho da opinião de que o
filósofo não sabe absolutamente nada. O que a tensão central e indissolúvel da
filosofia indica é que o filósofo nunca alcançará o saber absoluto. É a essa
42

impossibilidade que o filósofo deve resignar-se sob o risco de, caso contrário, deixar de
ser filósofo. Mas isso não significa que o filósofo não possa adquirir, através de suas
investigações, vislumbres parciais daquela unidade absoluta, a sabedoria. O filósofo
resigna-se a reconhecer na sabedoria um ideal inalcançável, pois ela é o conhecimento
absoluto.

Outro sentido em que a filosofia é aprender a morrer está ligado à natureza


mesma das ideias. Afinal de contas, quando observamos a noção de ideia exposta por
Diotima no Banquete, podemos entender que a ideia é justamente o não-ser, no
sentido de que contrapõe-se a tudo aquilo que observamos no âmbito da experiência
cotidiana como seres. Encontramo-nos no topo da scala amoris, Diotima descreve a
Sócrates o que é que se encontra lá em cima, em seu topo:

“Quem tiver sido levado até esse ponto pelo caminho do amor (...) perceberá de súbito
uma beleza de natureza maravilhosa (...). “ (210 E).

E então passa a enumerar suas características ou atributos:

“(...) é sempiterna, não conhece nascimento nem morte, não aumenta nem diminui;
ao depois, não é bela de um jeito e feia de outro, ou bela num determinado momento
para deixar de sê-lo pouco adiante, nem bela sob tal aspecto e feia noutras condições,
ou aqui sim e ali não, ou bela para algumas pessoas, porém feia para outras; beleza
que não se lhe apresentará sob nenhuma forma concreta, como fora o caso de um
belo rosto ou de belas mãos ou de qualquer parte, num animal, por exemplo, na terra,
no céu, ou seja no que for, mas que existe em si e por si mesma e é eternamente uma
consigo mesma, da qual todas as coisas belas participam, porém de tal modo, que o
nascimento e a morte delas todas em nada diminui ou lhe acrescenta nem causa o
menor dano. “ (211 A – C).

Fica claro, pela descrição de Diotima do que é a ideia de Beleza, que ela
simplesmente é o não-ser, se considerarmos o ser tudo aquilo que experimentamos
como existente em nossa experiência cotidiana. Afinal de contas, o que é que não
conhece nem nascimento nem morte? Não aumenta, nem diminui? Que não se
apresenta sob nenhuma forma concreta?
43

Se o filósofo é aquele destinado a ser o amigo das ideias, parece natural que ele
tenha de aprender a morrer, pois as ideias encontram-se no âmbito do não-ser. Mas a
virada e a revolução platônica está justamente em afirmar o contrário. Não são as
ideias que são o não-ser, são os seres a que estamos habituados que são não-seres, as
ideias são os verdadeiros seres, são elas que de fato existem. Aqui é que está a
novidade platônica, seu aspecto revolucionário.
44

CAPÍTULO 3- Ébrios de Amor: Fedro, Diotima e Alcibíades.

“Não existe maior amor do que este: de alguém dar a própria vida por causa dos seus
amigos” 19.

O que significa estar ébrio de amor? A embriaguez serve de símbolo para o amor, na
medida em que indica um estado alterado de consciência, em que se está fora de si. Amar é
estar fora de si. Essa é uma das mensagens centrais da scala amoris. Essa mensagem
traz em si um ideal ético implícito; em suas últimas consequências, esse ideal realiza-se
na prova suprema de amor: o auto sacrifício em prol de outro. Dizemos do ébrio: “ele
está fora de si”. Não é por acaso que Alcíbiades, quando chega ao banquete, está
embriagado.Mas, pensando bem, radicalmente, é o amante quem está fora de si. Sua
atenção está voltada para fora, ele é todo olhos para seu amado/amada, seja uma pessoa,
seja uma ideia ou objeto. Aspira intensamente a tal estado de amor em que chegue a
esquecer de si próprio, de tão imerso naquele ou naquilo que ama. O amante emprega
todas suas forças: sua emoção, imaginação, racionalidade; em busca de unir-se ao
amado. Eis uma expressão lindíssima desse fenômeno, por nosso poeta Camões:

“Transforma-se o amador na cousa amada,


por virtude do muito imaginar;
não tenho logo mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.”20

Esse verso bem caracteriza a aspiração profunda daquele tomado por Eros, tomado
pelo desejo: transformar-se na coisa amada, de modo a não mais desejar, por ter, já, a parte
desejada. Encontramos aqui, o paradoxo amoroso, que é o mesmo paradoxo que compõe a
busca filosófica. No plano do desejo, a posse completa daquilo que se deseja significa a
extinção do desejo. É como expressa Sócrates, com muita clareza, em seu exame dialógico
com Agatão:

19
Bíblia, João (15:13).
20
Sonetos de Camões.
45

“-¿Y desea y ama lo que que desea y ama cuando lo posee, o cuando no lo
posee? -Probablemente -dijo Agatón- cuando no lo posee.

-Considera, pues -continuó Sócrates-, si en lugar de probablemente no es


necesario que sea así, esto es, lo que desea desea aquello de lo que está falto y no lo
desea si no está falto de ello. A mí, en efecto, me parece extraordinario, Agatón, que
necesariamente sea así. ¿Y a ti cómo te parece?

-También a mí me lo parece -dijo Agatón. -Dices bien. Pues, ¿desearía alguien


ser alto, si es alto, 0 fuerte, si es fuerte? -Imposible, según lo que hemos acordado. -
Porque, naturalmente, el que ya lo es no podría estar falto de esas cualidades.

-Tienes razó.”(200 A-B).21

A posse plena significa a extinção do desejo. Eros, filho de Pênia e Poros, é, por
natureza, paradoxal. A realização de sua mais profunda aspiração significa sua extinção.

21
PLATÃO, Banquete.
46

You might also like