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M I S T I C I S M O l C I Ê N C I A l A R T E l C U L T U R A

INVERNO 2017
Nº 301 – R$ 10,00

ISSN 2318-7107
n MENSAGEM

Prezados Fratres e Sorores


© AMORC

Saudações Rosacruzes!

O periódico O Rosacruz é uma tradição da AMORC em todo o


mundo. Ele é editado em vários idiomas em 66 países. Nós, da
Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa, primamos por
mantê-lo o mais instrutivo possível em termos de cultura de modo
geral; incluindo ciência, misticismo e arte.
A migração do estudo das nossas monografias pela internet
tem aumentado consideravelmente. Esta modalidade tem se mos-
trado positiva na medida em que diminui o uso de papel, tinta, grampos e outros materiais que
têm impacto direto na natureza. Se o frater ou a soror desejar, poderá optar por este meio de estu-
do que é também mais econômico, além de sustentável sob o aspecto dos insumos envolvidos no
processo. Algumas Grandes Lojas só têm a modalidade virtual e a tendência é de cada vez mais
jurisdições expandirem suas lições e atividades pela internet.
Lembro que o projeto de acessibilidade continua se aperfeiçoando. Além das monografias
acessíveis a partir de novembro para deficientes visuais, em breve teremos materiais em Libras
(linguagem de sinais!), para deficientes auditivos. Aguardem!
Nossa Grande Loja já começou a preparação para a XXV Convenção Nacional Rosacruz, que
será de 10 a 13 de outubro de 2018, no Teatro Guaíra, em Curitiba-PR. O tema é “Ética, Pessoa e
Sociedade – A Força da Unidade”. Ele deve suscitar as nossas reflexões mais profundas como ci-
dadãos do planeta em qualquer país que vivamos, porque os problemas que enfrentamos hoje são
resultado de um conjunto de características humanas que precisam ser reformuladas para serem
superadas. Além do seu tema provocar abordagens ousadas, a Convenção despertará o espírito de
fraternidade que nos une a todos, enquanto “Caminhantes na Senda da Sabedoria”.
Teremos uma participação especial da OGG – Ordem Guias do Graal, além de arte, lúdico,
cultura e o mais genuíno misticismo. Tudo num clima peculiar aos nossos estudos.

Com meus melhores votos de Paz Profunda, sou

Sincera e Fraternalmente
AMORC-GLP

Hélio de Moraes e Marques


Grande Mestre

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


1
n SUMÁRIO

04 Código Rosacruz de Vida – Artigo décimo nono


Por CHRISTIAN BERNARD, FRC – Imperator da AMORC

06 Cogitar para compreender


04
Por RODMAN R. CLAYSON, FRC – ex-Grande Mestre da GLI

11 Ah! Os relógios
Por MARIO QUINTANA

12 Agostinho da Silva – O Paradoxo e a Vida Conversável

06
Por ABDUL CADRE, FRC

18 Marketing pessoal e Misticismo


Por LUIZ AFONSO CAPRILHONE ERBANO, FRC

24 Os cavaleiros templários
Por RALPH M. LEWIS, FRC

32 A semente
Por AULORES FERREIRA LYRA, SRC

12
34 Os ensinamentos da Cabala
Por SANDRA REGINA RUDIGER AYYAD, SRC

38 Um pouco de nós mesmos


Por ROBERT E. DANIELS, FRC

42 Pinóquio e a didática do Mito


Por MARIO SALES, FRC

48 Sanctum Celestial
“A FONTE DA JUVENTUDE” por H. SPENCER LEWIS, frc – Ex-Imperator da AMORC

52 Ecos do passado
UMA HOMENAGEM À HISTÓRIA DA AMORC NO MUNDO
24
2 O ROSACRUZ · INVERNO 2017
O
s textos dessa publicação não representam a palavra oficial da
AMORC, salvo quando indicado neste sentido. O conteúdo dos
artigos representa a palavra e o pensa­mento dos próprios autores
Publicação trimestral da e são de sua inteira respon­sabilidade os aspectos legais e jurídicos que
Ordem Rosacruz, AMORC
possam estar interrelacionados com sua publicação.
Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa
Bosque Rosacruz – Curitiba – Paraná Esta publicação foi compilada, redigida, composta e impressa na Ordem
Rosacruz, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa.
Todos os direitos de publicação e repro­dução são reservados à Antiga
e Mística Ordem Rosae Crucis, AMORC – Grande Loja da Jurisdição de
Língua Portu­guesa. Proibida a reprodução parcial ou total por qualquer meio.
As demais juris­dições da Ordem Rosa­cruz também editam uma revista
do mes­mo gênero que a nossa: El Rosacruz, em espanhol; Rosicru­cian
Digest e Rosicrucian Beacon, em inglês; Rose+Croix, em francês; Crux
Rosae, em alemão; De Rooz, em holandês; Ricerca Rosacroce, em italiano;
Barajuji, em japonês e Rosenkorset, em línguas nórdicas.
CIRCULAÇÃO MUNDIAL

Propósito da expediente
Coordenação e Supervisão: Hélio de Moraes e Marques, FRC
Ordem Rosacruz n

A Ordem Rosacruz, AMORC é uma orga- n Editor: Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa
nização interna­cio­nal de caráter templário,
místico, cul­tural e fraternal, de homens e
n Colaboração: Estudantes Rosacruzes e Amigos da AMORC
mulheres dedicados ao estudo e aplicação

como colaborar
prática das leis naturais que regem o uni-
verso e a vida.
Seu objetivo é promover a evolução da
huma­nidade através do desenvolvimento
das potencia­lidades de cada indivíduo e
n Todas as colaborações devem estar acom­panhadas pela declaração do
propiciar ao seu estudante uma vida har- autor cedendo os direitos ou autori­zando a publicação.
moniosa que lhe permita alcançar saúde,
felicidade e paz.
n A GLP se reserva o direito de não publicar artigos que não se encaixem
Neste mister, a Ordem Rosacruz ofe- nas normas estabelecidas ou que não esti­verem em concor­dância com a
rece um sistema eficaz e comprovado de pauta da revista.
instrução e orientação para um profundo
auto­c onheci­mento e compreensão dos n Enviar apenas cópias digitadas, por e-mail, CD ou DVD. Originais não
processos que conduzem à Iluminação. serão devolvidos.
Essa antiga e especial sabedoria foi cui-
dadosamente preservada desde o seu n No caso de fotografias ou ilustrações, o autor do artigo deverá providenciar
desenvolvimento pelas Escolas de Misté- a autorização dos autores, necessária para publicação.
rios Esoté­ricos e possui, além do aspecto
filosófico e metafísico, um caráter prático. n Os temas dos artigos devem estar relacionados com os estudos e práticas
A aplicação destes ensinamentos está ao rosacruzes, misti­cismo, arte, ciências e cultura geral.
alcance de toda pessoa sincera, disposta a
aprender, de mente aberta e motivação
positiva e construtiva. nossa capa
Pintura de J. Augustus Knapp, intitulada Father
C.R.C., uma concepção idealista do espírito
do Rosacrucianismo – o sábio sentado em sua
mesa, copiando do Livro Secreto da Natureza
apoiado na caveira humana, com suas páginas
iluminadas pela vela da mente iluminada. O
Rua Nicarágua 2620 – Bacacheri Grande Livro da Rosacruz ao lado na mesa
82515-260 Curitiba, PR – Brasil
Tel (41) 3351-3000 / Fax (41) 3351-3065 junto a uma ampulheta, mostra que oportu-
www.amorc.org.br namente tudo deverá ser revelado.

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3
n IMPERATOR

© AMORC
Por CHRISTIAN BERNARD, FRC – Imperator da AMORC

O
Código Rosacruz de Vida é um singular o campo de aplicação deste artigo.
guia de conduta para todo estu- É evidente que, demonstrar um profundo
dante Rosacruz que pretende vi- interesse pelas criaturas humanas, é ajudá-
ver conforme os ideais da Ordem. -las, sempre que possível ou tivermos ocasião
Publicamos nesta edição mais um artigo do para fazê-lo, é a nossos irmãos humanos
Código, comentado pelo nosso Imperator. que devemos estar prontos para acudir, para
prestar-lhes a assistência necessária. De fato,
“Preste assistência a qualquer ser humano, uma planta ou um animal estarão sempre
a despeito de raça, credo ou cor, sempre dispostos a aceitar nossa ajuda. Não haverá
que puder ajudar, direta ou indiretamente, dissimulação, ditada pela compreensível
em qualquer emergência. Se não puder altivez do homem e será fácil observar-se
auxiliar pessoalmente, mas puder interce- uma planta que definha, ouvir-se os ge-
der no sentido de lhe ser prestada ajuda, midos de um animal ou distinguir-se, nos
também isto será imperativo. Em silêncio olhos deste, um laivo de angústia ou um
e em paz, realize o seu trabalho, preste apelo de socorro. No que diz respeito ao ho-
o seu serviço, e retire-se sem alarde.” mem, é preciso ir, às vezes, muito além das
aparências, porque inúmeros são aqueles
Esta determinação inclui um apelo direto que, acreditando ser incompreendidos ou
à solidariedade humana, ou, indo mais além, mal interpretados, preferem não repartir
a todo ser vivente, o que amplia de forma sua dor ou seus tormentos, nem revelar a

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situação precária em que se encontram. É em questão, lembremo-nos do que ex-
fundamental aprender a sentir o que pode plica este artigo dezenove: nós temos o
encobrir uma atitude ou um comportamen- dever imperioso de agir. De outro modo,
to, se se tem a consciência de que uma ajuda e tratando-se de um “dever”, nenhuma
pode ser útil. Neste caso, é necessária maior desculpa pode ser apresentada. Se nós não
prudência, pois a pessoa que nós queremos agirmos, a lei do carma, a lei de compen-
ajudar poderá melindrar-se por nossa in- sação, registrará nossa falha e teremos,
gerência em sua vida, em problemas não mais cedo ou mais tarde, que aprender uma
mencionados abertamente. Todo auxílio, lição, por termos infringido o preceito da
aliás, deve ser efetuado em silêncio o que é solidariedade, que deve reger nosso com-
frisado por este artigo do “Código Rosacruz portamento em relação a todos os seres
de Vida”, com as seguintes palavras: “Em humanos, onde quer que se encontrem.
silêncio e em paz, realize o seu trabalho, É claro que, para o Rosacruz, ajudar
preste o seu serviço, e retire-se sem alarde.” não é um simples dever. Para nós, ajudar
Cada termo deste artigo reveste-se é bem outra coisa. É uma doação de nós
de uma importância capital. Ele indica, mesmos aos outros, com alegria, calma e
por exemplo, que a assistência pode ser paz, no silêncio da mais atenciosa discri-
direta ou indireta. Se ela é direta, não há ção. Na formação que os recebe da Ordem,
qualquer problema. Constatamos que tudo nos conduz ao estado primeiro que
estamos pessoalmente em condição de um discípulo deve alcançar no caminho
auxiliar e auxiliamos. De fato, um auxí- em que a iluminação do ego, do “eu” ma-
lio direto é sempre possível pela prece, terial e limitado, constitui a característica
pela meditação e pelos princípios que nós essencial. Em todo o caso, o Rosacruz que
aprendemos, progressivamente, no cur- imprime a devida atenção e zelo necessário
so de nossos estudos rosacruzes, mas ele a seus estudos não pode encarar a assistên-
deve ser complementado pela assistência cia prestada a outro senão como um ato de
imediata que pudermos prodigalizar. amor fraternal, realizado com alegria, sem
Que tipo de assistência podemos pres- qualquer reserva ou restrição, e de forma
tar? É impossível responder objetivamente gratuita, ou seja, sem esperar nada em tro-
esta pergunta porque podemos ajudar de ca; são estas as qualidades que nos permi-
mil maneiras, e cabe a cada um de nós, tem reconhecer o auxílio verdadeiramente
definir individualmente o tipo de assis- místico, muito diferente daquele que, não
tência que pode prestar. Antes de decidir raramente, se observa no mundo profano.
isso, recomenda-se um rápido período de Desta sorte, que as recomendações
meditação, mas, se a urgência for mui- deste décimo nono artigo de nosso “Có-
to grande e se for preciso ação imediata, digo” fiquem gravadas em nós, prontas a
então, um simples pensamento, dirigido emergir de nossa consciência no momento
como um apelo ao Cósmico, bastará para em que o privilégio e a felicidade de au-
nos esclarecer e conduzir à solução justa. xiliar os outros nos forem concedidos.
No que concerne à ajuda indireta, se Possa o Cósmico e nossos Mestres dar a
nada pudermos fazer diretamente, mas todos força e coragem, não apenas para en-
se estivermos em condições de fazer um frentar as circunstâncias difíceis da vida, mas
apelo a alguém ou a alguma instância, também, para ajudar os outros a sobrepujar,
por saber que ela poderá ser útil no caso eficientemente, as suas. Que assim seja! 4

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n REFLEXÃO

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Cogitar
Por RODMAN R. CLAYSON, FRC – ex-Grande Mestre da GLI

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D
esde Sócrates, nos bosques de gregos resumiam seus argumentos, a fim de
Atenas, ao moderno cientista em que pudessem aprendê-los. E aprendiam, a
seu labora­tório, os homens amplia­ fim de que pudessem compreender. Estavam
ram o horizonte do conhecimento, plenamente conscientes da verdade que foi
pela cogitação, indagação, formulação de afirmada centenas de anos mais tarde por
perguntas buscando comprovar a verdade. Francis Bacon: “O conhecimento é poder”.
À medida que seguimos o curso de nos- A cogitação é a base para a busca do co-
sa curiosidade e cogitação, verificamos que nhecimento. A cogitação é a sensação de
estamos sujeitos a muitas incompreensões. mistério a respeito de uma coisa; contudo,
A incompreensão é uma ideia imprecisa ou não nos dá conhecimento da mesma. Pode,
errônea que algumas vezes advém da aceita- não obstante, prover o estímulo para a ação
ção, como verdade e fato, de coisas a respeito que nos levará a descobrir a verdadeira res-
das quais temos pouco conhecimento e sobre posta e todos os fatos com ela relacionados.
as quais não nos aprofundamos suficiente- Tanto Platão como Aristóteles afirmavam que
mente. As incompreensões são usualmente o a cogitação é o sentir do filósofo. Mais tarde,
resultado de uma falta de entendimento claro Descartes afirmou: Cogito, ergo sum. A cogita-
e preciso a respeito de uma coisa ou assunto. ção é algo mais que curiosidade. É um proces-
Com essa falta de compreensão, somos mui- so de pensamento que leva ao conhecimento.
tas vezes levados a interpretar muitas coisas A vida de uma pessoa pode ser uma aven-
erroneamente. Como os filósofos, devería- tura estimulada e aguçada pela descoberta.
mos recorrer à meditação para tornarmo-nos À medida que satisfazemos nossa curiosida-
completamente conscientes a seu respeito. de, que aprendemos no­vos fatos, não temos
Seria interessante começarmos com nós tempo para nos aborrecermos. Os fatos se
mesmos, com uma espécie de autoexame adaptam ao grande esquema das coisas, po-
e auto elucidação. Compreendemos o que rém, de­vem ser fatos e não incompreensões.
temos realizado ou experimenta­do? A forma da Terra foi para o Homem
Qual a base exata para o nos- motivo de preocupação desde
so exame de qualquer coisa? tempos imemoriais. Até há
Muitas vezes somos desviados algumas centenas de anos a
por uma crença arraigada ou Terra era considerada como
convicção baseada em ideias sendo chata. Então, com
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errôneas. Devemos apren- a intensificação do novo


der a não nos enganar­mos conhecimento, a incom-
nem presumir em demasia. preensão foi eliminada e a
Na busca intelectual de Terra passou a ser conhecida
fatos e verdades devemos ser como redonda e esférica.
honestos com nós mesmos. Não Devemos prosseguir em
apenas explorar fatos de determi- nossas buscas, pelo esforço inte-
nados processos naturais, mas apren- lectual, estimulado pela observação, de
der a compreender essas coisas. Devemos modo que possamos chegar a conhecer algo
ser científicos em pensa­mento. O propósito a respeito da verdade, da natureza do mundo
do pensamento científico é responder as em que vivemos e do significado de nossas
cogitações do Homem e satisfazer a sua próprias vidas. Nossa preocupação relaciona-
necessidade de conhecimento. Os filósofos -se com o mundo material, nossa compre-

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n REFLEXÃO

ensão objetiva a seu respeito e a necessidade mentar de astronomia. Os planetas não têm
de cultivarmos a intensificação do conheci- luz própria, porém, emitem luz refletida do
mento e maior compreensão. Não temos de sol. É essa luz refletida que vemos na direção
ser cientistas. Muitas poucas pessoas o são e Oeste, à tarde, ou do Este, pela manhã, ao nos
muitas outras não têm o desejo de se reportar referirmos à estrela matutina e vespertina.
ou ultrapassar suas experiências diretas. Não Vênus e Mercúrio, porém, não são estrelas;
obstante, o pensador, aquele cuja consciência são planetas do sistema solar e, às vezes, refle-
está imbuída de cogitações, tem necessidade tem, brilhantemente, a luz do sol.
dos métodos científicos. Ele conduz suas Hoje, sorrimos quando lemos que há cen-
buscas inteligentemente, porque compreende tenas de anos o povo pensava que a Terra era
que não pode permitir que sua mente se obs- fixa, que era o centro do uni­verso e que as
trua com in­compreensões. estrelas, no céu, passavam sobre suas cabeças,
à noite. Isso era, realmente, incompreensão.
Ilusões e Atualmente, sabemos que o nosso sol é o
centro do sistema solar. A Terra é apenas um
superstições dos nove planetas que giram em torno do sol
em seu sistema. Sabemos, também, que há
Mencionemos aqui algumas das incompreen- centenas de milhares ou mesmo milhões de
sões mais comuns. Todos nós, com probabi- outros sistemas solares, girando em torno de
lidade, gostamos de descrever as belas glórias sóis-estrelas, nas profundezas dos espaços
do luar. Agrada-nos dizer que a lua cheia tem cósmicos do universo. Sabemos que a Terra é
iluminado a Terra. Mencionamos seu brilho. uma esfera gira­tória no espaço; que as estre-
Consciente ou inconscientemente pensa­ las não passam sobre nossas cabeças, à noite;
mos na lua como emitindo uma intensidade que é a rotação da Terra para o Leste, da qual
tremenda de luz, ao passo que o que nos refe- não estamos conscientes, que faz com que
rimos como luar é, na verdade, luz do sol re- a luz, o sol e as estrelas pareçam nascer no
fletida. A lua não tem luz própria. É um corpo Leste e se pôr no Oeste, o que, naturalmente,
escuro, exceto que quando o sol brilha sobre não é a realidade. A Terra está girando em
ela a luz é refletida para a Terra. Verifica­mos torno do seu eixo, abaixo deles e temos essa
que o mesmo se aplica aos planetas do siste- grande ilusão do movimento estelar.
ma solar, se nos entregarmos ao estudo ele- Talvez alguém possa achar que essas coisas
são por demais remotas, por de­mais afastadas
de nós para que façam grande diferença no co-
nhecimento prático, porém, examinemos mais
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detidamente a questão da incompreensão.


É verdade que algumas incompreensões
são classificadas na categoria de ilusões e, se
não compreendemos a ilusão, podemos formar
uma concepção errônea. Quando criança ou
adulto teve a oportunidade de enfiar uma vara
num barril de água, num poço, num córrego
ou num lago? Para comprovação, a introdução
de uma colher em um copo cheio de água bas-
tará. Uma vara introduzida na água num de-

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terminado ângulo e, também, a colher, darão a fio de cabelo de um cavalo, se deixado na


impressão de serem curvas. Sabemos, contudo, água durante longo tempo, transformar-se-ia
que a vara e a colher não se dobram, quando numa cobra. Infantil, talvez, porém, lembra-
na água; na verdade, podemos provar que isso mo-nos de adultos que acreditavam nisso.
realmente não ocorre. Toda­via, uma pessoa Poderá começar a ver, então, quão pró-
de pouca imaginação poderia, simplesmente, xima da ilusão e da incompreensão está a
aceitar a ideia de que a água tem alguma influ- superstição. É dever do pensador contribuir
ência sobre a vara ou a colher que faz com que para com a eliminação das superstições exis-
elas se curvem. Isso seria incompreensão. tentes no mundo, assim como das incompre-
Estamos naturalmente familiarizados com ensões e ilusões. Como adultos, é bom que
outras ilusões que são in­compreensões como jocosamente admitamos certas ideias supers-
as que se relacionam com o sentido do tato. ticiosas que possam afastar a decantada má
Se alguém vendar seus olhos e colocar um sorte após passarmos por debaixo de uma
de seus dedos sobre um pedaço de gelo e lhe escada, quebrarmos um espelho ou vermos
disser que o que está sentindo é quente, acre- um gato preto cruzar nosso caminho, porém,
ditará que o objeto que seu dedo está tocan- é coisa bem diferente aceitarmos essas ideias
do é quente. O frio extremo e determinada supersticiosas. Há incompreensões a respeito
intensidade de calor parecem ter algo em de negócios? A caixa de surpresas, sua emba-
comum com o sentido do tato. lagem e o seu tamanho tornam o produto em
Lembra-se, quando criança, da “cobra de seu interior de melhor qualidade? Investigue
cabelo”? Certamente lembrar-se-á se tiver por si mesmo. Não se deixe levar pela suges-
vivido numa fazenda ou rancho, onde havia tão e inferência. Não presuma. Não se deixe
cavalos. Acreditávamos, firmemente, que um levar por uma incompreensão.

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n REFLEXÃO

Muitos de nós acreditamos que aprecia-

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mos o gosto da soda e sorvete de baunilha,
porém, a ciência nos diz que temos sido
enganados em nossa suposição, porque nem
a soda nem o sorvete de baunilha têm sabor
distinto, mas apenas um odor distinto que é o
fator que orienta a nossa escolha.

A mente
inquiridora
Alguém poderá argumentar: quando desa-
parece a incompreensão? A verdade ou fato
de uma circunstância ou coisa será revelada e adquirir maior compreensão. Com essa
pela investigação e conhecimento acurado da compreensão não estaremos inclinados a nos
mesma. Até a época de Leonardo Da Vinci, lançar a conclusões que possam ser impreci-
no século XV, os médicos não acreditavam sas. Para a pessoa mentalmente preguiçosa
que o sangue circulasse através do corpo é muito fácil aceitar uma incompreensão.
físico. O talento de Da Vinci abarcava muitos Usualmente, chegamos a esse ponto pela ma-
campos. Ele era, primariamente, pintor e nutenção de pensa­mentos que nos agradam,
cientista. Descobriu, contudo, que o sangue sem levar em consideração o ponto de vista
no corpo humano circula e anunciou este mais generalizado ou a perspectiva que, por
fato às escolas científicas da época. Sua afir- necessidade, deve incluir maior conhecimen-
mativa foi recebida com escárnio. Escreveu to geral e, possivelmente, também conheci-
sobre sua descoberta com amplos detalhes. mento específico, em determinados campos.
Seu manuscrito, afortunadamente, foi pre- Devemos estar a par das novas descober-
servado para os anos futuros, quando os tas da época; devemos ter mente inquiridora
médicos se tornariam mais compreensivos e investigar. Da pesquisa e investigação
e evoluídos para receber a notícia alarmante advém novo conhecimento, e este traz nova
de sua descoberta e testá-la. compreensão. As incompreensões, via de re-
Naturalmente, pode ser argumentado gra, são o resultado da falta de conhecimento
que não havia uma incompreensão e que e, se não formos cuidadosos, isto poderá
era apenas questão de conhecimento que nos levar ao reino da superstição e da ilusão.
estava aguardando descoberta. A despeito Portanto, entreguemo-nos às cogitações.
do ponto de vista que se possa for­mar, deve Adquiramos conhecimento. Determinemos
ser admitido que a curiosidade, a cogitação, os fatos e a verdade. Se isto fizermos com
a busca e a investigação eliminaram o que mente ampla, a falta de compreensão desapa-
anteriormente tinha se tornado uma ideia recerá. Pela auto aplicação as falsas crenças
ou conceito errôneo. são despojadas, uma a uma. O resultado é
A educação e a aquisição de conhecimento que nos tornamos mais verdadeiramente
não são apenas para uns poucos; elas se des- eruditos, mais propriamente preparados e
tinam a todos. Portanto, é de vantagem para mais abundantemente qualificados para vi-
todos procurar aumentar seu conhecimento ver uma vida de sucesso e felicidade. 4

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n POESIA

Amigos, não consultem os relógios


quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios…
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são…

Por MARIO QUINTANA – poema do livro A Cor do Invisível

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11
n CULTURA

Agostinho
da Silva
O Paradoxo e a
Vida Conversável
Por ABDUL CADRE, FRC*

“A meta é provavelmente o ponto sem dimensão.


E esse é muito difícil. Acho que não o vou atingir
e estou contente por a meta ser essa!”

C
hegou a este lado da vida no ano de 1906, desembarcou na ci-
dade do Porto sob o signo de Aquário e entendeu deixar-nos no
Domingo de Páscoa de 1994. Neste entretanto, foi o mais que
numa só vida se pode ser: filósofo (no mais profundo do concei-
to), professor contagiante, escritor polifacetado, conferencista, educador,
poliglota, viajante, fundador de institutos e universidades. À semelhança de
Fernando Pessoa, usou vários heterónimos, não para produzir um drama
em gente, como dizia aquele, mas como matriz de uma vida conversável.
Se quiséssemos um nome para o seu pensamento, podíamos chamar-
-lhe “filosofia da vadiagem”. Em que consiste? Tornarmo-nos na criança
que se maravilha com tudo o que observa, poetas à solta e arranjarmos
maneira de criar as condições adequadas para cumprir o nosso destino
(que é a nossa liberdade) de contemplar o mundo tornado conversável,
isto é, pacífico, fraternal e solidário. Como fazê-lo? Ser cada um aquilo
que verdadeiramente é e tornar-se contagiante. Contagiar pelo exemplo e
não fazer batota com o vírus que o torna humano, que é a fala, não esque-

12 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


cendo que esta lhe vem do céu; o que
se ganha ao nascer é a voz.
Se cotejássemos a extensa obra
ensaística de Agostinho da Silva com
quanto é regra, entendimento ou en-
sino da nossa Ordem, dificilmente
encontraríamos contradições substan-
ciais de conteúdo, dado que a conver-
gência é a principal característica do
pensamento místico.
Quando se referiam ao seu discur-
so como o seu pensamento, logo ele
retorquia não saber se o pensamento
era dele; era bem possível que o pensa-
mento andasse por aí e que o seu méri-
to teria sido encontrá-lo…
Nascido português – nacionalidade
que só readquiriu em 1992 – natura-
lizou-se brasileiro, na sequência do
exílio a que se viu obrigado, por razões
políticas. Foi por isso no Brasil que de-
senvolveu a maior parte da sua longa
vida académica e deu largas à sua pro-
dução literária e filosófica, onde ne-
nhum género lhe foi estranho. Quando
nos deixou, tinha dupla nacionalidade,
a sua pátria era a língua portuguesa e a
sua religião a dos fiéis do amor.
Aos Fratres e Sorores que queiram
saber da riquíssima bibliografia e dos
pormenores biográficos de George
Agostinho Baptista da Silva, aconse-
lhamos consultarem a página http://
www.agostinhodasilva.pt. Nestas linhas,
vamos tão somente tentar interpretar
a figura daquele que entre amigos e
admiradores era chamado apenas de
“Professor”. Dizemos interpretar, sa-
bendo bem que toda a interpretação
implica limitação e parcialidade. Profes-
sor, aureolado de mistério, rodeado de
alunos e de pombos, sob uma frondosa
árvore, no Largo do Príncipe Real, em
Lisboa, é também como é referido no

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13
n CULTURA

Do muito que se dizia e comentava,


diríamos nós que aqueles mais virados ao
Ele nunca orientalismo chamavam-lhe Mahatma;
os tocados pelo new age diziam que tinha
quis discípulos, vindo do futuro; os esoteristas queriam-no
apenas procurou como mestre; os ateus lamentavam que ele
não repudiasse a crença em Deus, os cris-
despertar no tãos que ele fosse budista e os budistas que
ele fosse cristão; os monárquicos queriam-
outro a chama -no para alferes da pátria, os conservadores
tímida ou chamavam-lhe comunista, os comunistas
chamavam-lhe intelectual burguês, os amigos
ignorada.
” do autoritarismo chamavam-lhe anarquista.
Que bom, para quem dizia que não ti-
nha discípulos, porque quem puxa carroça
é burro; que discutir, que etimologicamente
significa sacudir, é bom, porque, mais do que
romance Casa da Rússia, do escritor britânico despertar-nos, não nos deixa adormecer; que
John Le Carré, que o visitou um dia no nº 7 da se a natureza quisesse que todos pensássemos
Travessa do Abarracamento de Peniche, a bem igual não dava uma cabeça a cada um.
conhecida morada, situada na 7ª colina de Ele nunca quis discípulos, apenas pro-
Lisboa, onde acorriam em peregrinação per- curou despertar no outro a chama tími-
manente os muitos amigos e admiradores, que da ou ignorada. Além disto, sendo certo
tinham por ele uma atração quase religiosa. que não desprezava os livros nem o saber
Após uma série de entrevistas televisi- de que eles são depósito, prezava bem
vas, subordinadas à designação Conver- mais a vida, que ela sim é que é mestra.
sas Vadias, o pensamento do professor Quando lhe perguntavam se se considera-
Agostinho da Silva chegou ao grande va um esoterista, ou um ocultista, dizia que
público, tornando-se conversa de café, não, que o Pessoa é que sim, ele seria sim-
nem sempre fiel, antes pelo contrário. plesmente, se lhe quisessem pôr uma etique-
O seu magnetismo e a aura pública que ta, um místico, cuja principal característica é
ganhara eram tais que o número daqueles o amor no seu sentido mais lato, implicando
que não gostavam dele seria bem reduzido, naturalmente o amor ao saber. Dizia ele: Tal-
poucos se atrevendo a criticá-lo negativa- vez o maior amor seja o dos místicos, porque
mente. Um dos seus poucos detratores, o esse [amor] tem consigo a suprema qualidade
melhor que achou para dizer – citamos de de nunca ser plenamente realizável1.
cor – foi: “como filósofo, é uma fraude, mas Quando lhe diziam do quão utópicas eram
o que mais me aborrece nele é aquela pos- as suas proposições, respondia que pois claro,
tura presunçosa e anacrónica de profeta”. pois que se referiam ao futuro. Não seriam
Todavia, tal remoque mais se destacou pelo utópicas se havidas no passado, pois que uto-
azedume do que pela originalidade, pois pia é aquilo que ainda se não realizou, aquilo
é certo que alguns comentadores de boa que ainda não teve lugar, segundo a própria
vontade e respeito o designavam como um etimologia. Não se trata de coisas impossíveis.
misto de filósofo grego e profeta bíblico. A utopia de hoje é a realidade de amanhã.

14 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


É bom que se diga que as propostas de Flora4 e das propostas de Francisco de Assis,
Agostinho da Silva, classificadas por muitos cuja anunciação ritual e simbólica remonta
como utópicas, partiam de exigências bem em Portugal às ações da Rainha Santa Isa-
simples, que ele invocava como a base da bel5: as festas (culto) do Espírito Santo, a
verdadeira sociologia e chamava do princípio coroação do Menino Imperador do Mundo,
dos três esses: o sustento, a saúde e o saber. a libertação dos presos, a vida gratuita.
Depois, quando afirmava que não era A sua grande admiração pela Fé Bahá’í,
pelo heterodoxo nem pelo ortodoxo, mas sim levou algumas pessoas a pensar que ele
pelo paradoxo2, punha em tudo isto o cerne seria membro desse culto, mas Agostinho
do mistério da Religião e da Ciência, bem da Silva, poeta à solta, não pertencia a ne-
como de todo o conhecimento. Veja-se o nhuma igreja instituída, nem a partido
grande paradoxo da Geometria: o ponto, que político ou grupo. Todavia, do seu ponto
não tem dimensão, desenha todas as dimen- de vista, a Fé Bahá’í constituía uma atitude
sões, toda a geometria conhecida. Também religiosa que valia a pena estudar, entender
Deus poderá ser visto como o supremo ser e praticar, pois enquadrar-se-ia nos valo-
paradoxal, pois tem a fatalidade de ser livre, res constitutivos do Quinto Império6 .
sendo assim o modelo de todos os paradoxos Não se confunda Quinto Império com
e o poeta à solta por excelência. Então, se o qualquer mando ou poder mundano, conote-
concebemos como modelo, fundamos ne- -se sim com quinta-essência, Idade do Espíri-
cessariamente o nosso dever de ascender ao to Santo, Era de Aquário. Veja-se em Fernan-
paradoxo. A conquista do paradoxo impede do Pessoa, veja-se na Ilha dos Amores.
que nos acusemos mutuamente. Quem é que E saiba-se que as propostas Bahá’í7, agostinia­­
não sabe que é sempre um ortodoxo que acu- nas e pessoanas, têm imensos pontos convergen­
sa outro ortodoxo de ser heterodoxo? tes e coincidentes com a nossa “Utopia Rosa-
O seu contacto com a cultura japonesa – foi cruz”, conforme contida no manifesto Positio.
bolseiro da UNESCO no Japão – despertou- Voltemos então à vida conversável: …
-lhe o interesse pelo xintoísmo e pelo Zen bu- a pluralidade e até a contradição de opiniões
dismo. O seu apreço pelo paradoxo fê-lo dizer [obriga] a pensar e a escolher e é pela escolha
que podíamos definir o Zen como um sistema que se afirma a liberdade de cada um8. Será,
paradoxal por excelência, aquele que admite pois, pela via do conversável – da poesia à
que alguma coisa seja sempre alguma coisa e o solta – que a vida se desenvolverá, porque o
seu contrário. Se perigo existe nisto, é a impos- mundo acaba sempre por fazer o que sonha-
sibilidade de um verdadeiro código moral. ram os poetas9, sendo que poeta é todo aquele
Tendo estudado profundamente várias que cria10. Afinal, o mundo é só o poema em
religiões, incluindo os cultos afro-brasileiros que Deus se transformou11. Então, bastas
– participou em rituais de candomblé – dizia vezes o professor dizia que há duas coisas
do islão que o critério da submissão – eti- muito importantes que devemos aprender: o
mologia de islam – não lhe era simpático, já quão extraordinário é o mundo e sermos por
que a liberdade é o nosso dever ser, mesmo dentro tão amplos quanto possível, para que
que paradoxalmente se possa dizer que o o mundo todo possa entrar, sem esquecer
nosso destino é a nossa liberdade e a liber- que um dos significados da palavra mundo
dade o nosso destino. O seu fervor ia para é limpo. Por isso, devemos querer o mun-
o que se referia à Idade do Espírito Santo3, do e não o seu contrário, que é o imundo.
na sequência do pensamento de Joaquim de Todavia, seria preciso não viver para negar

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


15
n CULTURA

“ … há duas coisas muito importantes


que devemos aprender: o quão
extraordinário é o mundo e sermos por
dentro tão amplos quanto possível.

que o mundo seja mau; mas é nessa mesma vezes, chegava a ser desconcertante. Numa
maldade que devemos procurar o apoio em entrevista, dizia: Não há homem algum que
que nos firmarmos para sermos nós próprios não possa ser elogiado; às vezes os assassinos
melhores e, como tal, melhorarmos os outros12. têm pontaria excelente; e não existe homem
Este melhorar os outros, porém, exige muita algum que não possa ser censurado; houve
empatia e um cuidado apurado quanto à in- santos que não tomavam banho15.
transigência. Ser intransigente com os outros De ser desconcertante poderia falar aque-
não tem grande sentido; eles são o que podem le franciscano que fora convidado para dar
ser e creio que seriam melhores se o pudessem; início à ideia do professor de uma Faculdade
a Natureza ou o meio lhes tiraram as condi- de Teologia e que, quinze dias depois da che-
ções que os levariam mais alto; não os devo gada ao Brasil, vindo de Portugal, continuava
olhar senão com uma íntima piedade13. Afi- à espera, sem nada para fazer. Foi ter com
nal, o mal que se vê é aguilhão para o bem que o professor: “então, a Teologia?”. Responde-
se deseja; e quanto mais duro, quanto mais -lhe o Professor: “Meu querido irmão, faça
agressivo, se bate em peito de aço, tanto mais o seguinte, escolha um lugar sossegado
valioso auxiliar num caminho de progresso14. onde ninguém o possa ver ou perturbar,
Quando o tomavam por vegetariano, sente-se numa pedra e pense em Deus, sem
costumava dizer que evitava comer bicho, nunca se distrair, pelo tempo que possa”.
porque os bichos não tinham culpa de que A ideia de Agostinho da Silva para uma
ele precisasse de comer… Faculdade de Teologia, era um lugar onde
Mas um certo dia, em sua casa, um grupo residiriam em permanência teólogos de
alternativo condenava com paixão a cruelda- várias religiões com a missão de investi-
de dos caçadores. Ele ouvia, ouvia paciente- garem, ensinarem e trocarem experiências
mente e a dada altura remata: pois é, matar teológicas. Nunca tal concretizou e o má-
os pobres dos pássaros, que não fazem mal ximo que conseguiu foi uma Faculdade de
a ninguém… Claro, é cruel. Mas por outro Teologia restritamente católica, entregue
lado, já viram quanta perícia é necessária aos dominicanos, com quem acabaria por
para apontar a arma a um bicho assim tão se dar excelentemente. Foi por eles convi-
pequenino e acertar-lhe em pleno voo? dado para falar sobre o ateísmo e acabou
Era a sua forma de ver as coisas pelo seu por converter um deles às suas teses.
conflito intrínseco e a aplicação didática do Uma das teses era de que alguns dos
princípio cristão de “não julgarás”. Nisto, por ateístas tinham uma vida mística tão forte

16 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


e tão sensível quanto a de qualquer homem no Príncipe Real, a dar milho aos pombos
religioso16 . Outra tinha a ver com as re- e palavras de eucaristia aos jovens atentos.
lações entre religiosidade e mística, pois Como o viu John Le Carré e quase assim o
entedia que há milhões de pessoas religiosas pôs na “Casa da Rússia”. O escritor só não
cuja vida mística é nula, sendo praticamen- viu que este era um ritual, um quase conjuro
te uma vida comercial, visto comprarem do grande banquete do Espírito Santo, que
um certo número de coisas por meio de Isabel, influenciada por Joaquim de Flora,
certos atos e cerimónias e mais nada17. inventou para um dia – um dia de comer
Em Julho de 1986, entrevistando o pro- de graça para todos – e nós temos de ser
fessor Agostinho da Silva para o Diário de capazes de em futuro mais ou menos pró-
Notícias, a jornalista Antónia de Sousa dizia a ximo prolongar por todo o ano. E aí à mesa
dado passo: O professor é contagioso..., ao que se conversa, que é o modo mais humano de
ele retorquia: Se o contágio é bom, excelente! Se comunhão dos alimentos do corpo e da alma.
o contágio for considerado ruim, péssimo! Conversar sim, que é colocar-se a gente
É que há palavras que são vírus de matar na posição do outro. Em conversão, que é um
a Graça, a charis. Por exemplo: competição, caminho de dois sentidos, uma postura de
produtividade e rendibilidade, que são formas mútua descoberta. 4
de negar a fraternidade, a liberdade e a igual-
dade. Tal trindade agnóstica dos economistas
deste tempo que passa, envolve o desprezo do
homem, da natureza e do sagrado. O homem * Por respeito ao autor, que é de Portugal,
tornado ser descartável, a natureza como conservamos a forma original da escrita.

uma serva e o sagrado como postura tola de Notas: 1. “Sete Cartas a Um Jovem Filósofo”; 2.
Uma das obras de Agostinho da Silva chama-se
poetas vagos e beatas serôdias. E assim a vida precisamente Reflexões, Aforismos e Paradoxos; 3.
se nega pela assunção da morte e esta nos Podíamos identificar com Idade de Aquário; 4. Teo-
ria das três idades: do Pai, do Filho e do Espírito
despreza, porque a escolhemos por engano. Santo; 5. De educação e ascendência cátara, à Rai-
E há palavras que são vírus de enganar, nha Santa Isabel atribui a lenda o célebre milagre
das rosas: teria transformado moedas de ouro nas
como o moderno diálogo, que é o divórcio na mencionadas flores. O curioso é que à sua tia-avó,
Isabel da Hungria, também a lenda diz o mesmo.
fala pela emulação dos monólogos; a língua De Santa Isabel, o que muito poderá despertar a
bifurcada com palavras de pontas aceradas, es- curiosidade dos rosacruzes é a sua relação com o
médico, astrólogo e alquimista Arnaldo de Vilano-
perando a rendição. Falsamente polidas, enve- va. O túmulo da santa, com o seu corpo incorrupto,
encontra-se no Convento de Santa Clara-a-Nova,
nenadamente sopradas. Eis o credo ainda inse- em Coimbra; 6. “Raízes Intemporais da Vida e da
pulto e já cadáver, a sombra que passa. Diálogo Alma de Agostinho da Silva”, Ellys, Editora Sete
Caminhos, Lisboa, 2006; 7. A título de afastar qual-
que, como dizia o mestre, tem o mesmo prefi- quer confusão, devemos esclarecer que os célebres
xo que diabo, que é aquele que divide. Diabo colóquios “TRADIÇÃO E INOVAÇÃO – SUA UNI-
DADE EM AGOSTINHO DA SILVA”, que tiveram
que só existe quando lhe damos existência. lugar na Faculdade de Letras do Porto (1996-1999),
se deveram ao grande empenhamento da associa-
E há ainda palavras de ornamento, inúteis ção agostiniana CADA, onde membros da AMORC
como togas, e outras de ruído que empapam e seguidores da Fé Bahá’í tiveram a iniciativa; 8.
“Carta Vária”; 9. “Conversação com Diodima”; 10.
a conversa. E há o discurso da promessa e “Conversas Vadias”, entrevistas televisivas. Foram
do apelo, a ameaça e os esbirros de soslaio. publicadas em DVD; 11. “Quadras Inéditas”; 12.
“Parábola da Mulher de Loth”; 13. “Diário de
Mas vem o menino imperador e diz: “bas- Alcestes”; 14. “Considerações”; 15. “Conversas
Vadias”; 16. “Vida Conversável”, textos organiza-
ta!” Nem grades nem ornamentos. O me- dos e prefaciados por Henryk Siewierski, Assírio
nino tem o sorriso bondoso e matreiro do & Alvim, Lisboa, 1994; 17. Ibidem.

velho professor. Está como sempre esteve,

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17
n ORIENTAÇÃO

Marketing pessoal
e Misticismo
Por LUIZ AFONSO CAPRILHONE ERBANO, FRC*
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18 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


N
enhum vento sopra a favor de mas sim agentes transformadores, emana-
quem não sabe para onde ir, dos que somos - imagem e semelhança de
frase atribuída à Sêneca, cé- Deus. Cabe-nos evoluir em todos os sentidos
lebre filósofo grego que viveu e, presos que estamos temporariamente à
entre 4 a.C. e 65 d.C. Assim, devemos matéria, podemos e devemos desfrutar, com
nos propor a seguinte questão: “O que eu sabedoria, dos benefícios que ela pode trazer
estarei fazendo daqui a dez anos? Onde à evolução de nossa personalidade-alma.
estarei? Quais serão meus objetivos?” Assim, como conciliar o desejo de as-
Planejamento, nos dias atuais, tornou- cender na senda da iluminação com a bata-
-se uma palavra de ordem. Não se alcança lha diária pela sobrevivência num mundo
nenhum objetivo, de qualquer natureza, seja cada vez mais materialista e competitivo? A
de caráter pessoal ou empresarial, se não AMORC nos ensina que não podemos ne-
houver um minucioso trabalho de gligenciar nossa condição material,
análise, avaliação e execução pois ela tem papel importante
de um plano, no qual cons- em nosso desenvolvimento
tem todas as possibili- espiritual, propiciando-
Não

dades e alternativas -nos as necessárias
referentes ao que se experiências para o
espera ou se propõe
para o futuro.
basta querer, desenvolvimento
total de nosso cor-
Planejar, num é preciso colocar po, de nossa men-
sentido mais ge- te e de nossa per-
ral, é determinar em prática ações sonalidade-alma.
o caminho que Logo, os recur-
nos levará da situ- que nos levem ao sos que a Ciência
ação atual a uma
situação futura me-
estado futuro nos coloca à dis-
posição não podem
lhor, em todos os seus
aspectos. Não basta
querer, é preciso colocar
em prática ações que nos
almejado.
” ser negligenciados
ou esquecidos, pois
que podem nos ajudar
significativamente na busca
levem ao estado futuro almejado. das condições materiais que nos
Todo estudante Rosacruz sabe da facilitem o alcance da transcendência
importância da mentalização como instru- da alma, aliviando o sofrimento resultante da
mento para a consecução de objetivos, por busca da satisfação das necessidades básicas
mais difíceis que possam parecer. O Cós- da carne e abrindo a oportunidade para a
mico possui todos os recursos, cabendo a iluminação espiritual.
cada um de nós imaginar exatamente o que Portanto, o tema deve ser analisado sob
queremos e deixar que o Cósmico encontre duas óticas: inicialmente, devem ser analisa-
os meios, dentro do merecimento de cada dos os aspectos existentes no mundo físico,
um, para que o objetivo seja alcançado. ou seja, o que a sociedade e o mundo empre-
O Universo é ilimitadamente rico em sarial esperam dos profissionais, quais são
potencialidades e não somos nós apenas os seus valores e seus atributos e o que fazer
meros espectadores de sua grandiosidade, para desenvolvê-los. Depois, como conciliar

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


19
n ORIENTAÇÃO

estes atributos com os valores de um verda- uma filosofia de gestão, aplicada a qualquer
deiro místico, que busca a plena harmonia atividade humana, na qual as decisões são
entre o plano material e o plano espiritual? tomadas mais de fora para dentro (o que o
Dentre os diversos conceitos utilizados mercado ou a sociedade precisa), do que de
pela moderna Administração de Negócios, dentro para fora (o que eu tenho para ofere-
destaca-se o Marketing como um dos mais cer ao mercado ou à sociedade).
importantes neste mundo globalizado e cheio Por extensão, pode-se, a partir da defi-
de desafios. Porém, no mais das vezes, esta nição original de Marketing, atribuir um
Ciência é mal-entendida e até mesmo mal- conceito à ideia de Marketing Pessoal como
vista, num sentido frequentemente bastante sendo como o indivíduo/profissional projeta
pejorativo. Entretanto, trata-se de ferramenta sua imagem no mercado de trabalho, ou seja,
estratégica indispensável e fundamental para o processo contínuo que visa à construção e
o sucesso das organizações. manutenção de uma imagem pesso-
Destaca-se, por sua abran- al e profissional diferenciada.
gência, a definição estabe- Trata-se, em última instân-
lecida por Kotler (2000, cia e dentro de padrões
p.30): Marketing é rigorosamente éticos
…o

um processo social e profissionais, de
por meio do qual como o profissional
pessoas e grupos
de pessoas obtêm
sucesso pessoal “vende” sua ima-
gem ao mercado
aquilo de que e profissional está de trabalho.
necessitam e o Mas, antes de
que desejam com atrelado a pessoas tudo, é necessário
a criação, oferta e
livre negociação de com visão de conhecer o que o
mercado de traba-
produtos e serviços
de valor com outros.
Ou seja, a principal
função do Marketing é a
futuro…
” lho procura num
profissional; quais
são os conhecimentos
que ele deve desenvolver,
de satisfazer desde as neces- quais deverão ser as habi-
sidades básicas dos indivíduos lidades que devem ser desen-
até e os seus mais sofisticados desejos, volvidas para enfrentar os desafios da
por meio de ferramentas que impliquem no vida cotidiana, quais serão as suas atitudes
processo de trocas, ou seja, se há uma neces- diante destes desafios? A soma destes valores
sidade (estado de carência, falta) ou um dese- denomina-se competência e a soma das com-
jo (aspecto da necessidade, derivado de fato- petências individuais origina, numa organi-
res socioculturais e individuais) há como sa- zação, o que se chama de capital humano.
tisfazê-los, obtendo, em troca, uma remune- Assim, o capital humano de uma orga-
ração ou o reconhecimento de uma situação nização deriva da capacidade individual de
que traga algum benefício aos envolvidos. resolver problemas (Competências Técnicas,
O conceito de Marketing surgiu no final Habilidades Pessoais, Atitudes, Educação,
dos anos 50, com conotação fortemente Experiência e Valores), cujo valor pode e
empresarial, mas nos dias de hoje é mais deve ser atribuído ao balanço das organi-

20 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


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zações, pela impossibilidade de se conceber primeiro lugar, deve-se ter visão de mundo
uma organização sem pessoas. holística, ou seja, perceber claramente que
Destes conceitos, pode-se ainda depreen- a vida é uma só quer estejamos em casa, no
der que o sucesso pessoal e profissional está trabalho, no lazer ou num templo sagrado. A
atrelado a pessoas com visão de futuro (ca- realização é um processo contínuo e ocorre a
pacidade de analisar possibilidades), que são cada minuto do dia, onde quer que estejamos
capazes de resolver problemas com compe- ou estejamos fazendo. Para isto, é preciso uma
tências específicas para determinadas funções grande dose de autoconhecimento, ou seja,
(ancoragem técnica) e que possuam vontade devemos conhecer profundamente nossos
de fazer as coisas, com capacidade de trabalhar talentos no sentido de aprimorá-los, e nossas
em equipe, além de serem comprometidas e limitações, na intenção de minimizá-las.
com grande capacidade e vontade de aprender. Para tornar estes atributos perceptíveis é
E isto tudo deve estar solidamente fundamen- necessário também aprender a se comuni-
tado em valores éticos e num grande sentido car, a expressar pensamentos e ideias com
de responsabilidade social e ambiental. clareza, criando assim um ambiente favorá-
Além disto, há uma série de atributos que vel junto aos possíveis interlocutores, para
certamente são necessários para um maior a consecução de objetivos que favoreçam
desenvolvimento pessoal e que os estudantes não só o desenvolvimento individual, mas
de misticismo, em geral, têm mais facilida- principalmente de todo o grupo envolvido
de de reconhecer e, então, aprimorar. Em numa determinada atividade. Perseverança,

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21
n ORIENTAÇÃO

persistência e nunca desanimar, devem ser estes fatores todos são apenas um instrumen-
palavras de ordem, para que se tenha a capa- to para que ele possa atingir as condições
cidade de suportar as pressões do dia e dia e necessárias para perseverar na senda da ilu-
voltar à luta sem perder o ritmo e o entusias- minação, ou seja, o sucesso material deve ser
mo, o que se chama de resiliência. visto como um facilitador para o acesso aos
Importante ainda é destacar a importân- recursos que levem o buscador ao caminho
cia de ampliar os relacionamentos pessoais e da Luz, da Vida e do Amor.
profissionais, formando uma rede (network) Neste momento surge a necessidade de se
de contatos que manterão o indivíduo, no analisar a segunda proposta deste texto, que
sentido pessoal e profissional, sintonizado é a de definir as condições que vão além do
com o mundo e com o mercado de trabalho. texto científico, além das exigências do mer-
Deve-se lembrar o que diz a sabedoria popu- cado, mas que se configuram como a inclu-
lar: “quem se assemelha se aproxima”. são de aspectos de natureza mística
Logo, aqueles que fazem parte na busca da evolução profissio-
de uma rede de relaciona- nal, tornando clara a fina-
mentos, geralmente apre- lidade espiritual a partir
sentam semelhanças da busca de melhores
em diversos aspectos condições materiais.
que acabam por A ideia de su-
qualificar o grupo cesso para o mís-
todo, facilitando tico deve ser a de
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um julgamento alcançar, passo


mais favorável por a passo, metas
quem busca um progressivas, pré-
determinado per- -estabelecidas e
fil de profissional. que levem a um
Daí a importância propósito elevado.
de se estabelecer uma A palavra propósi-
network a partir de to reveste-se de uma
critérios muito rigorosos. importância muito es-
Estes são, de forma pecial, pois deriva do inglês
resumida e concisa, alguns pure proposal, cuja tradução
aspectos concernentes à realidade pode ser entendida como “proposta
atual do mercado de trabalho, cada vez mais pura”, ou seja, o que de mais puro temos a
competitivo e exigente quanto à qualificação oferecer a nós mesmos, resultado de uma
profissional e sem os quais o interessado em imagem nítida e clara de um futuro superior,
se desenvolver pode ver ruir seus sonhos de em todos os aspectos, ao estado presente.
construir ou avançar na carreira, de forma Para que não arrefecer e se manter fiel ao
sólida, consistente e permanente. seu propósito, vale lembrar Mateus 26,41:
Mas existe outro lado da vida, que não é “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação.
apenas satisfazer as ambições de crescimento O espírito, com certeza, está preparado, mas a
profissional, de adquirir bens ou desfrutar carne é fraca”. Isto significa que devemos sem-
das muitas oportunidades que o mundo pre agradecer pelos talentos com os quais o
material pode propiciar. O místico sabe que Cósmico nos abençoou e procurar aprimorá-

22 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


-los sempre, numa atitude de permanente mo- Não basta querer, é preciso determinar,
tivação, ou seja, buscar no fundo do coração inicialmente no plano místico, pedindo ao
os reais e mais nobres motivos para a ação. Cósmico, conforme o que a Ordem ensina
O verdadeiro místico não acredita no des- (mentalizando, refletindo sobre as opções,
tino. É claro que todas as pessoas nascem com meditando e entregando a solução ao Cós-
certa inclinação, certa missão na vida, mas, mico), mas também é necessário colocar no
pelo livre-arbítrio, podem alterar o rumo dos papel as metas, os prazos para que a ação
acontecimentos, pela prática da inalterável lei aconteça, o que oferecemos em troca deste ou
da causa e consequência. A maior parte das daquele objetivo, além de formas eficazes de
coisas que acontecem às pessoas decorre de acompanhamento e avaliação dos resultados
decisões que são tomadas no passado, restan- alcançados. Manter-se fiel ao propósito é fun-
do um percentual bem menos significativo damental. Não é à toa que a palavra foco (do
ao impacto das decisões daqueles que nos ro- grego focus/fogo) representa um ponto no
deiam ou de fatores externos e sem controle. qual se deve concentrar a atenção em busca
Quem trabalha a Energia Cósmica a seu de respostas para as mais variadas aflições.
favor, com persistência e entusiasmo, de- Em síntese, o sucesso pessoal, a autorrea-
senvolve um sentido de autoconfiança que lização e a busca pela iluminação estão todos
o levará ao estado de independência e ri- vinculados ao estabelecimento do equilíbrio
queza espiritual e material que caracteriza, entre o físico e o espiritual, entre o pessoal e
senão os iluminados, com certeza aqueles o profissional, por meio do aprimoramento
que estão trilhando a verdadeira senda que das relações pessoais e interpessoais, com
levará à almejada iluminação. ética e responsabilidade social e ambiental.
Se os objetivos forem claros, os ideais se- Só assim o ser humano estará cumprindo
rão desafiadores e de fácil consecução, pois com o seu mister, que é utilizar os recursos
estarão em convergência com o propósito es- da matéria que ele mesmo escolheu, pelo
tabelecido para esta encarnação. Se todos fi- exercício do livre-arbítrio, como veículo
zerem apenas o que se espera deles, o mundo de evolução da personalidade-alma rumo
não evolui. O verdadeiro buscador, ou seja, à reintegração com o Deus de seu coração,
aquele que não só evolui individualmente, voltando à Unidade, de onde, talvez, nunca
mas quer fazer a diferença para a evolução da devesse ter saído. 4
humanidade, seja em que área for (espiritu-
alidade, política, ciência, humanismo, litera-
tura, artes em geral, etc.) sempre estabelecerá Referência Bibliográfica: KOTLER, Philip. Administração
para si mesmo objetivos desafiadores. de Marketing. 10. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000.
Para melhores resultados é necessário se * Luiz Afonso Caprilhone Erbano é professor universitário,
estabelecer uma divisão entre as diversas áre- consultor de empresas e palestrante em diversas áreas;
especialista em Marketing e Propaganda, Didática do Ensino
as da vida, em seus aspectos físicos (econô- Superior; MBI em Gestão Estratégica do Conhecimento e
mico, financeiro, alimentação, atividades físi- da Inteligência Empresarial; mestre em Educação, doutor
em Engenharia da Produção; cursos de aperfeiçoamento em
cas, saúde, etc.), mentais (carreira, profissão, Engenharia de Avaliações e Gestão Universitária (University
educação formal e informal, leituras, lazer, of Alberta/Canada). Autor de diversos artigos e dos livros:
“Gestão e Marketing na Era do Conhecimento”; “A Captação
política, hobbies, etc.) e espirituais (religião, de Recursos para Instituições de Ensino Superior sem Fins
misticismo, etc.), estabelecendo metas e a Lucrativos no Brasil”; Participação nos livros “Educação
2006”; “Educação 2007” e “Safira Paranaense” (2015).
correspondente troca que poderá ser ofereci- Autor do romance “A Verdade Original Revelada” (2010);
do livro de poesias “Na Intimidade do Espelho”(2014).
da para se alcançar determinado objetivo. FRC, Membro da Loja Rosacruz Água Verde, Curitiba-PR.

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


23
n HISTÓRIA

Os cavaleiros
templários
Por RALPH M. LEWIS, FRC
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24 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


O
s Cavaleiros

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Templários fo-
ram um desen-
volvimento na-
tural das Cruzadas da Idade
Média. Como é de conheci-
mento geral, as Cruzadas fo-
ram uma série de expedições
à Síria e à Palestina, esta últi-
ma denominada Terra Santa.
As Cruzadas consistiam de
“devotos e intrépidos reis e
cavaleiros”, bem como cléri-
gos, soldados e simples cam-
poneses. Seu intuito era de Rua dos Cava­leiros: Em 1310, os Cava­leiros de St. John construí­ram um
castelo e fortaleza na cidade de Rodes, na ilha grega de Rodes, no Mar Egeu,
libertar ou recupe­rar a Terra próxima à costa da Turquia. Os templá­rios original­mente juraram defender a
Santa, a terra natal do Cristo, segurança de todos os peregri­nos que viajassem para a Terra Santa.

daqueles que os cruzados


chamavam de “turcos infiéis”.
Nesse período em particular, o cris- tar os santuá­rios. Em sua devoção e primiti-
tianismo ocidental significava a Igreja va crença, imaginavam que tais visitas lhes
Católica Ro­mana; não havia outras seitas trariam uma graça espiritual, assegurando-
cristãs. Todas as outras religiões ou cren- -lhes bênçãos especiais no outro mundo.
ças eram não-cris­tãs; consequentemente, Eles atravessavam regiões agrestes,
em conformidade com a intolerância que onde praticamente não havia lei e ordem.
então prevalecia, eram elas pagãs e seus E punham em risco a sua segurança, via-
seguidores infiéis. No sentido literal, pagão jando principalmente a pé. Em consequ-
é o indivíduo que não reconhece o Deus ência, eram assaltados, roubados e mortos
da revelação. Todavia, um pagão não é ne- por bandidos que os atacavam. Esses fatos
cessariamente ateu. Mas, na opinião dos chegaram ao conhecimento da Europa
cristãos daquela época, e de muitos cristãos Ocidental e da cristandade e tornaram-
dos nossos dias, uma pessoa devota que -se o incentivo para as Cruzadas.
conceba Deus no sentido pan­teístico, ou Durante os séculos doze e treze, cada
como uma consciência universal, é, não geração formou pelo menos um grande
obstante, pagã. Com toda certeza, todos os exército de cruzados. Além desses enor-
não-cristãos eram assim con­siderados. mes exércitos, que às vezes chegavam a
Parecia irreverente, um sacrilégio, para trezentos mil homens, havia “pequenos
os cristãos, que locais relacionados com o bandos de peregrinos ou soldados da Cruz”.
nascimento e a vida do Cristo estivessem Durante aproximadamente duzentos anos,
sob domínio de alguma autoridade não- houve um fluxo quase contínuo de reis,
-cristã. Pequenos bandos de peregrinos, príncipes, nobres, cavaleiros, clérigos e
durante anos antes das Cruzadas, haviam gente do povo, da Inglaterra, da França, da
viajado para a Palestina, com o fim de visi- Alemanha, da Espanha e da Itália, para a

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


25
n HISTÓRIA

© COMMONS.WIKIMEDIA.ORG

Conquista de Jerusalém pelos Cruzados, por Émile Signol, no Palácio de Versalhes.

Ásia Menor. Ostensivamente, essas migra-


ções tinham fins religiosos, levando consigo, A Primeira
como já disse­mos, muitos aventureiros,
cujo objetivo era de explorar. Assassinos e Cruzada
ladrões viajavam para a Terra Santa e rou- Tomando conhecimento desta situação, o
bavam, pilhavam e violavam mulheres. Papa Urbano II, em 1095, em Clermont,
Os muçulmanos, devotos e respeitadores França, exortou o povo a iniciar a primeira
da lei, cuja cultura era muito superior à da grande Cruzada. Conclamou os cavaleiros e
Europa, na época, ficavam chocados com a nobres feudais a cessarem a guerra que tra-
conduta desses “cristãos”. Era de se esperar vavam entre si e socorrerem os cristãos que
que protegessem suas famílias e proprieda- viviam no Oriente. “Tomai a estrada para o
des desses saqueadores religiosos. Assim, Santo Sepulcro; arrebatai a região à raça per-
por sua vez, matavam os peregrinos ou os versa e sujeitai-a ao vosso domínio”. Consta
expulsa­vam. Sem dúvida, muitos peregri- que, quando o Papa terminou de falar, a
nos inocen­tes perderam a vida por causa da vasta multidão que o escutava clamou quase
reputação criada pela conduta de alguns de em uníssono: “É a Vontade de Deus”! Esta
seus com­panheiros. Os povos não-cristãos frase tornou-se depois o grito de guerra da
do Oriente Próximo não podiam distinguir heterogênea massa que formou o exército da
os peregrinos que tinham nobres propósitos Cruzada. Aqueles homens estavam convictos
daqueles cujos objetivos eram perversos. de que estavam obede­cendo à vontade de

26 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


Deus, de modo que brutalidade, assassínio, Hospitalários. Seu objetivo era de socor­
estupro e pilhagem, nas terras do Oriente, rer os pobres e enfermos dentre os pere­
estavam justificados por sua missão. grinos que viajavam para o Oriente.
Era impossível aqueles milhares de ho­ Posteriormente, a Ordem admitiu cava­
mens levarem consigo alimento suficiente leiros, além de monges, e depois tornou-se
para a viagem, visto que esta durava vários uma ordem militar. Os monges usavam
meses, em condições muito difíceis. Por­ uma cruz em sua veste e andavam com
tanto, eram obrigados a buscar sustento nas uma espada à cinta. Lutavam, quando ne­
terras que invadiam. Muitas pessoas inocen­ cessário, embora se dedicassem principal­
tes do Oriente, não-cristãs, eram assassina­ mente a socorrer os peregrinos doentes.
das, seu gado lhes era tomado e suas casas Haviam recebido generosas doações de
saqueadas, para o sustento dos cruza­dos, que terras, nos países do Ocidente. Também
sobre elas se abatiam como nuvem de devo­ construíram e controla­ram mosteiros
radores gafanhotos. Naturalmente, a retalia­ fortificados, na Terra Santa. No século
ção vinha rápida e violenta. Muitos cruzados treze, quando a Síria, principalmente, foi
foram mortos pelos húngaros, que reagiram evacuada pelos cristãos, os Hospitalários
para se proteger contra a depre­dação causada mudaram sua sede para a ilha de Rodes e,
pelas hordas que passavam por sua região. mais tarde, para Malta. Esta ordem ainda
O espírito de avareza ou cobiça apro­ existe e seu emblema é a Cruz de Malta.
veitou-se das circunstâncias. Muitos cruza­ A outra ordem tinha o nome de Cavaleiros
dos procuravam seguir para a Palestina e a Templários, ou “Cavaleiros Pobres de Cristo
Síria por mar, a fim de evitar a viagem mais e do Templo de Salomão”. Esta Ordem não
longa, toda feita por terra. Ricos mercadores foi fundada para fins de auxilio terapêutico.
das prósperas cidades de Veneza e Gênova Desde sua formação, era uma ordem militar.
tramaram conceder aos cruzados “livre” pas­ Seus fundadores foram Hugues de Payens,
sagem para a Síria e a Palestina. Mas exi­giam
dos peregrinos o compromisso de exclusi­
vidade de comércio em qualquer cidade por
eles conquistada. Isto permitiria a esses mer­
cadores ocidentais manter centros comerciais
no Oriente, obtendo então os excelentes pro­
dutos do seu artesanato. As joias, a cerâmica,
a seda, a especiaria, a mobília e os bordados
do Oriente eram superiores a tudo o que se
produzia na Europa Ocidental da época.
Das Cruzadas emergiram muitas curio­
sas ordens religiosas e militares. Duas das
mais importantes foram os Hospitalários
e os Templários. Estas ordens “combina­
vam dois interesses dominantes da época, A Cruz
o monge e o soldado”. Durante a primeira de Malta
Cruzada foi formada, de uma associação
monástica, a ordem conhecida como os

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


27
n HISTÓRIA

© THINKSTOCK.COM

Castelo dos Cavaleiros. Este castelo, do Grande Mestre dos Cavaleiros de São João de Jerusalém, está situado na antiga
cidade de Rodes, onde fundaram uma cidade-fortaleza, no século catorze. Os italianos a restauraram em 1937-40.

um cavaleiro borgonhês, e Geoffroi de Saint- autoridades seculares e no seio da Igreja.


Omer, um cavaleiro francês. Balduíno I, Rei de Jerusalém, cedeu parte
No começo do século doze, eles assumi- do seu palácio a essa Ordem de monges-
ram a proteção dos peregrinos que se diri­ guer­reiros. Esse palácio era adjacente à
giam a Jerusalém. Pretendiam realmente Mesquita de Al-Aksa, o chamado Templo
constituir uma escolta armada para esses de Salomão. Devido a esta localização os
grupos. Mais tarde, seis outros cavaleiros componentes da Ordem passaram a ser cha-
se uniram a eles. Esses nove cavaleiros se mados Cavaleiros Templários (Cavaleiros do
constituíram numa “comunidade religiosa”. Templo). A princípio, não usavam unifor-
Fizeram um juramento solene, ao Patriarca mes, nem qualquer hábito especial; usavam
de Jerusalém, em que se comprometeram suas roupas costumeiras. Depois, passa-
a guardar estradas públicas e abandonar o ram a usar uma veste branca com a dupla
cavaleirismo terreno; seu juramento incluía cruz vermelha. O primeiro ato que atraiu
um voto de castidade, abstinência e pobreza. atenção mundial para eles foi o seu esforço
A missão dos Templários arrebatou a para redimir cavaleiros excomungados.
imaginação, não só dos homens livres de Muitos cavaleiros haviam violado seu
classes inferiores, mas, também de altas alto código de cavaleirismo, em expedições

28 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


à Terra Santa, e haviam sido excomunga-
dos pela Igreja. Os Templários procuraram Banqueiros
redimi-los e introduzi-los em sua Ordem.
Assumiram também a missão de “impe- e Financistas
dir que trapaceiros, assassinos, perjuros e Uma curiosa função, totalmente distinta de
aventureiros, explorassem a Terra Santa”. seu objetivo declarado, mas que era um sinal
Um outro ato, logo no início, colocou do seu poder, foi a de que os Tem­plários se
os cavaleiros em atrito com o clero. Os tornaram os grandes financistas e banquei­
Templários tentaram conseguir imunida- ros da época. Consta que seu Templo de
de à excomunhão por párocos e bispos. Paris era o centro do mercado financeiro
O dirigente principal da Ordem era mundial. Neste banco, papas e reis deposi­
denominado “Mestre do Templo de Jerusa­ taram seu dinheiro. Os Templários ingressa­
lém”. Mais tarde, passou a Grande Mestre ram com êxito no mercado de câmbio com
da Ordem em Chipre. A autoridade desse o Oriente. Essa foi talvez a primeira de
Grande Mestre era considerável; mas não tais empresas na Europa. Não cobravam
era absoluta. Ele tinha de consultar a maio- juros sobre empréstimos, pois, a agiota­
ria dos Templários em questões como, por gem era proibida, declarada imoral pela
exemplo, declarações de guerra. Por mui- Igreja e a Coroa. Aluguéis superiores aos
tos anos os Templários mantiveram-se em valores usuais para empréstimos sob hipo­
guerra contra os “infiéis”. Os chamados teca eram uma espécie de juro tolerada.
infiéis eram principalmente os sarracenos, A história registra que os Templários atin­
muçulmanos devotos e ferozes na defesa giram o ápice do seu poder pouco antes de
de sua fé. Com frequência os Templários, sua ruína. Com efeito, haviam eles se tornado
embora demons­trassem grande bravura, uma “igreja dentro da Igreja”. Isto acabou
eram chacinados nessas campanhas, como provocando uma desavença com o Papa
na batalha de 18 de outubro de 1244. Bonifácio VIII. No dia 10 de agosto de 1303,
Como Ordem, os Templários se torna­ o rei se aliou ao chefe dos Templários contra
ram extremamente ricos. Eram-lhes legadas o Papa. Esse mesmo rei, Philippe, acabou
grandes propriedades, e a nobreza lhes fazia
vultosos donativos. Esta fortuna e seu con-
sequente poder exerceram seu efeito sobre a
Ordem. Às vezes os Templários ostentavam
uma autoridade que chegava a constituir
arrogância. Não obstante, conti­nuaram a
se aliar, por vários meios e particularmente
como indivíduos, às famílias reinantes da
Europa. “Um Grande Mestre era padrinho
de uma filha de Luiz IX”. “Um outro era
padrinho de um filho de Filipe IV”. Sua
influência se fez sentir em meio ao clero,
pois, os Templários eram convocados a par-
ticipar nos concílios privativos da Igreja,
como o Concílio Lateranense de 1215. O templo de Paris.

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


29
n HISTÓRIA

traindo os Templários. Ele havia sofrido um lhes eram imputadas incriminações, os


grande prejuízo financeiro e não conseguira Templários não se defenderam. Seis meses
recuperar seus recursos. Imagi­nou, então, depois, Jacques de Molay e sessenta de seus
que a supressão dos Cavaleiros Templários companheiros foram presos e forçados a
lhe seria vantajosa; assim, plane­jou unir to- confessar. Primeiro, os oficiais do rei os tor-
das as ordens, sob a sua autori­dade. turaram. Em seguida, entregaram-nos aos
Primeiro era necessário, pensava ele, desa- inquisidores da Igreja, para que fossem ainda
creditar os Templários. Procurou realizar seu mais torturados. Muitos desses Templários
intento proclamando que a Ordem era heréti- eram idosos e morreram em decorrência
ca e imoral. Introduziu espiões na Ordem, os da desumana crueldade a eles infligida por
quais, segundo consta, cometeram perjúrio aqueles representantes da Igreja. As con­
revelando os ritos, juramentos e cerimônias, fissões que lhes eram arrancadas eram
e declarando que os mesmos profanavam o falsas; eles foram forçados a confessar atos
cristianismo. O público em geral sabia que de irreverência e heresia. O Grande Mestre
os Templários tinham ritos secretos, mas não foi obrigado a escrever uma carta em que
conheciam realmente sua verdadeira nature- admitia ter cometido atos contra a Igreja.
za. Havia rumores infundados de que esses O Papa acabou sancionando os atos dos
ritos eram lascivos e blasfemos. Portanto, inquisidores e ordenou a prisão dos Tem­
as declarações dos espiões perjúrios do Rei plários em toda a cristandade. É possível
Philippe pareceram confirmar os boatos. que tenha se sentido inseguro quanto à
O Papa não se demonstrou inclinado medida que tomara, pois, mais tarde, de-
a acreditar naqueles relatos que lhe eram terminou uma nova Inquisição, para recon-
transmitidos através das tramas de Philippe siderar as acusações contra os Templários.
e tomar providências em função dos mes- Acreditando que teriam um julgamento
mos. Então o rei, astutamente, apresentou justo, os Tem­plários abjuraram suas confis-
suas inventadas queixas à Inquisição, que, sões anteriores, que tinham sido feitas sob
na época, prevalecia na França. A Inquisição coação. Sofreram, porém, amarga decepção!
tinha o poder de agir sem consultar o Papa. A retração de suas confissões era passível
Em consequência, o Grande Inquisidor exi- de punição com a morte na fogueira, cas-
giu a prisão dos Templários. No dia 14 de tigo que muitos foram obrigados a sofrer.
setembro de 1307, Philippe determinou que No dia 14 de março de 1314, Jacques
os membros da Ordem dos Templários fos- de Molay, o Grande Mestre, e um outro
sem capturados. Tem­plário, foram levados a um cadafal-
so “ergui­do em frente à Notre Dame”.
Jacques de Molay Deviam então confessar sua culpa, ante
os legados papais e o povo. Ao invés dis-
A 6 de junho de 1306, Jacques de Molay, to, abjuraram suas confissões e tentaram
Grande Mestre dos Templários de Chipre, defender os Tem­plários diante da gran-
consultava o Papa Clemente V sobre “a pers- de multidão que assis­tia ao processo.
pectiva de uma nova Cruzada”. Aproveitou Proclamaram a inocência da Ordem. Foi
o ensejo para denunciar as acusações que imediatamente ordenado, então, que eles
estavam sendo feitas contra os Templários fossem queimados. E assim foram executa-
e partiu. Durante todo o tempo em que dos, com a aprovação da Igreja Romana.

30 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


O que os Templários haviam realizado?
Muitos lhes atribuíram o impedimento
da propagação do poder islâmico na Europa.
Talvez eles tenham realmente contribuído
para isto, mas é discutível a questão de que
a propagação da cultura islâmica na Europa
teria sido prejudicial. Geralmente, os his­
toriadores admitem que a civilização teria

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avançado séculos se tivesse sido permitido

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que a sabedoria dos muçulmanos se pro­

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pagasse pela Europa naquela época.

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Foram necessários vários séculos de
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progresso do conhecimento, na Europa,
para igualar e superar o conhecimento
que os muçulmanos então possuí­
am. Os povos islâmicos eram os
preservadores do conhecimento
original dos gregos e dos egípcios.
Talvez a maior realização dos Tem­
plários tenha sido o estímulo à virtude
entre os bravos e fortes. Muitos cavaleiros
haviam adquirido muito conhecimento
nos países orientais durante as Cruzadas.
Tinham descoberto que havia no Oriente
uma civilização superior à que existia na
mais rude sociedade do Ocidente cristão.
Muitos Templários foram secretamente
iniciados nas escolas de mistério do Oriente,
onde lhes foi revelada a sabedoria do passa­
do. Embora constituíssem uma Ordem cristã,
os Templários eram independentes da Igreja,
no sentido de que esta não dominava o seu Jacques de Molay
pensamento. Muitos se tornaram Templários
porque, dentro da esfera de influência e prote­
ção da Ordem, podiam estudar e desenvolver Segundo a tradição, muitos cavaleiros
um conhecimento que não ousavam, como Cruzaram o Umbral da Ordem Rosacruz
indivíduos, estudar e desenvolver fora dessa e a ela se afiliaram os que eram membros
esfera. As pessoas de mentalidade liberal ti­ de escolas esotéricas. Muitos cavaleiros ti-
nham na Ordem dos Cavaleiros Templários veram a coragem de investigar os campos
uma espécie de refúgio. Foram estes estudos, de conhe­cimento que suas aventuras nos
a investigação intelectual e os rituais mís­ países orientais haviam possibilitado. E
ticos, que pro­vavelmente deram crédito ao esse conhe­cimento ultrapassava as limita-
boato de que os Templários eram hereges. das fronteiras de indagação da Igreja. 4

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


31
n CONTO MÍSTICO

Por AULORES FERREIRA LYRA, SRC

S
enhor, criador e doador da vida. abrir meu coração, e de braços abertos
Experimento a vocação para nos acolher como semente e para nos
de ser semente, encontro‑me acompanhar cada uma na sua simplicidade.
no meio de muitas outras E chega um momento histórico,
sementes, sinto‑me em comunhão e um momento decisivo: é preciso
ao mesmo tempo me sinto única. descer até as profundezas da terra.
Tu nos tomas em tuas mãos, É preciso mergulhar no
conheces profundamente cada uma novo, no desconhecido.
de nós, acolhes nossas diferenças e O semeador com toda a ternura
tens carinho especial por todas. do mundo deita‑me terra adentro.
Senhor, reconheço que estar em Algo estranho acontece comigo:
tuas mãos dá‑me segurança, sentir foge‑me a luz, sufoca‑me a terra,
tua ternura me deixa em paz. invade‑me o medo e a solidão…
Sinto alegria única em ser Tudo é escuridão, estou só.
semente e alegria maior por estar Sinto falta da luz, das outras sementes.
em tuas mãos, nosso criador. Sinto falta do carinho, falta‑me
Nesta presença amorosa e significativa, a mão do semeador.
experimento algo novo em meu viver: Deparo‑me com os muros da terra,
sinto grande encanto por minha estou num mundo desconhecido,
existência, sinto sinceros desejos de num silêncio gritante.
querer trabalhar mais em tua senda. Experimento o desespero, o abandono,
Quero ser útil, quero ser sinal, quero não vejo saída, estou sem forças. Sinto‑me
ser tua. Por isso confio no Senhor. acorrentada ao meio, à impotência, ao nada.
Começo a acolher mais e mais O que está acontecendo comigo? O que
teu projeto de vida para comigo, fazer? Como sair dessa? De longe escuto uma
sonho de esperança para todos. voz suave que me diz: “não tenhas medo,
Confesso Senhor, que muitas vezes seja amigo da terra, confie nela” confiar
não sei o que desejas de mim. Vivo em quem me sufoca? Como acolher o que
em muitas dúvidas e resistências. parece uma ameaça? Como ser amigo de
Mesmo assim confio. Sei que quem me amedronta? Com as lágrimas e o
em Tuas mãos estou segura. suor reguei a terra e pouco a pouco fui me
Pois sei que me amas muito. Às vezes rendendo, fui confiando apesar de todas as
me sinto cansada, reajo, e sigo em especial, resistências. Uma voz terna e amiga me diz:
a chuva que vem do céu e que está fazendo não fique na escuridão, você foi feita para a

32 O ROSACRUZ · INVERNO 2017



luz, venha para fora. Senti algo e alguém muito presente
neste processo todo. Senti um forte apelo a dar tudo das Nesta
poucas forças que ainda sobravam, para sair e conhecer a
vida nova, a vida estampada no horizonte da esperança.
dinâmica de
… mas como?
Nesta dinâmica de sair de mim para entrar
sair de mim
no novo, sinto que nasço, que renasço. para entrar
Sinto uma presença que me refaz, sinto gosto de
uma mão amiga. É presença que me passa coragem, no novo, sinto
confiança, passa‑me a certeza de que a luz é mais forte
que a noite, sinto que nenhuma noite, por mais escura que nasço, que
renasço.

que seja, consegue impedir o amanhecer de um novo dia.
E, pouco a pouco, fui crescendo e sendo algo
com a ajuda do sol, da água, da luz… da graça.
Hoje sou pequena planta, exposta a tudo. Experimento
grande confiança em ti. É tua seiva que me faz ser,
que me faz viver, que me faz ser para os demais.
Em ti e contigo nossa autonomia se
toma filiação, em ti e contigo nossa vida
se torna serviço alegre e humilde.
Contigo, Senhor, nossas dores se tomam
solidariedade, contigo os medos se tomam
confiança, contigo as nossas cruzes se tornam
sensibilidades, contigo os sofrimentos se tornam
esperança, contigo, a morte se torna vida.
Senhor desejo e quero, com tua graça,
produzir o oxigênio da misericórdia, da
confiança, da fraternidade, da paz…
Desejo e quero acolher a todos na sombra
que me faz descansar e refaz a vida.
Desejo e quero exalar o perfume de tua ternura e
de teu amor infinitos, desejo e quero ser sinal de nova
criação em ti. É a semente se abrindo para a vida.
Que assim seja!
Um dia uma pedra dura, áspera e fria diz a
uma flor que se encontrava no mesmo jardim:
© THINKSTOCK.COM

– Eu sempre te protegerei se tu me mostrar


um único lugar onde possa encontrar Deus.
A flor respondeu:
– Eu te darei um prêmio se me
mostrar um único lugar onde
Ele não se encontra. 4
n MISTICISMO

Por SANDRA REGINA RUDIGER AYYAD, SRC

M
uitos caminhos nos levam ao Criador. Podem ser ca-
minhos filosóficos, religiosos ou científicos; o certo é
que todos nós chegaremos a ele, em tempos diferentes.
Eu escolhi estudar Cabala. Desde minha mais
tenra adolescência lia e buscava livros sobre este assunto. Até hoje
ainda faço isso; só me tornei mais seletiva. A Cabala abriu muitas
portas para mim, respondeu perguntas internas e através dela en-
tendi que há uma metodologia certa para entender esse assunto,
que muitos ainda hoje acham complexo. Os estudos sobre Cabala
possuem três vertentes. Sei que poucos sabem sobre isso.
A primeira vertente é a Egípcia. Ela é a Kabash ou Magia dos
Sacerdotes do Antigo Egito. É a mais antiga e foi transmitida ao
príncipe Moisés. Hoje ela é extremamente reservada e existem no
mundo apenas 12 iniciados.

34 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


A segunda vertente é a Hebraica. O É por isso que trago comigo o aforismo
povo hebreu a conservou e transmitiu até cabalístico que aprendi com o meu Instru-
hoje. Seus grandes expoentes são Abraão, tor: Existem entre os homens vários níveis de
Moisés, Rabino SHIMÓN BAR YOCHAI evolução e vários níveis de compreensão. Este
– O RASHBI – nos séculos II e III da nossa processo também se aplica à Cabala.
Era e que escreveu o Zohar. O primeiro livro para quem quer iniciar
A terceira vertente é a Cristã ou Hermé- seus estudos sobre o tema é A Torá escri-
tica. Basicamente surgiu por volta do século ta; também é conhecida como Chumash (O
XII, com grandes expoentes: Giovanni Pico Pentateuco – os cinco livros de Moisés), nela
della Mirandola; Johannes Reuchlin; Athana- se encontram os 613 mandamentos. Os 5
sius Kircher; Raimundo Lúlio; Jacob Boehme; livros da Torá escrita são: Bereshit (Gênesis),
Louis Claude de Saint-Martin; Martinez de Shemot (Êxodo), Vayikrá (Levítico), Bemi-
Pasquallys; Moshe Cordovero; Fabre Olivier; dibar (Números), Devarim (Deuteronômio).
Alexandre Saint-Yves d’Alveydre; Gérard En- O segundo livro que deve ser estudado é O
causse (Papus); Éliphas Levi, entre outros. Livro da Formação ou SEPHER YETZIRAH
Primeiramente vamos ver o que significa – Bereschit. A tradução mais antiga do inglês
a palavra Cabala. foi feita pelo Rev. Dr. Isidor
Cabala ‫ הינונק‬significa, traduzido do he- Kalisch em 1877; essa versão
breu, “da boca para o ouvido”, implicando em foi publicada pela AMORC
uma tradição oral. Ela nos orienta dizendo em 1950 para o português
quem somos, de onde viemos, e para onde
vamos. Explica que há várias dimensões que
nos permeiam e que estão ao mesmo tempo
OM

ao nosso redor. Nos mostra que não há morte


.C
KSTOCK

como a palavra define; um término para sem-


© THIN

pre. Nós somos de origem divina, não temos


fim. Neste processo não há involução, tudo
o que existe nos múltiplos Universos está em
desenvolvimento na forma espiral ascendente.
Uma parte são os estudos a outra nos
é revelada através da dedicação aos estu-
dos. É onde ocorrem o que conhecemos
hoje como fenômenos parapsicológicos. De
acordo com o grande explorador da Ca-
bala, Gerson Scholem: “Cada homem tem
seu próprio e único acesso à Revelação. A
autoridade não mais reside em um singular
e inequívoco significado da comunicação
divina, mas na sua infinita capacidade
de assumir formas novas”. É por isso que Pergam
inho da
Torá
a Cabala se chama “A Sabedoria Oculta”.
Através dela a pessoa experimenta mudan-
ças internas, que só ela sente ou sabe que
estão acontecendo.

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


35
n MISTICISMO

pela Editora Renes. É baseada no manuscrito Guemaras (comentário e elucidação do pri-


do ARI, Rabi Isaac Luria, texto em hebraico. meiro, escrita no jargão hebraico-aramaico) e
O Sepher Yetzirah nos explica que existem 32 a própria Torá.
vias da sabedoria, vias ocultas, onde o Cria- – TANACH – É a bíblia hebraica. Ta
dor grava seu nome por três numerações: (Torá) + Na (Neviim) + Ch (Ctuvim).
SEPFER, SEPHAR E SIPUR; NÚMERO, o – ASCH METZARAPH – É o Fogo Pu-
que NUMERA e o NUMERADO; rificador. O significado de Ash ou ashah é
ESCRITURA, o NÚMERO e a PALAVRA. “fogo” ou “sacrifício de fogo” e Metzareph é
Contidos nas Dez Sephirotes = Dez pro- “limpo” ou “purificar”.
priedades do divino e suas 22 Letras. – APOCALIPSE DE SÃO JOÃO – Livro
Com exceção do Inefável – que não se do Apocalipse ou “O livro da Revelação”
pode nomear ou descrever em razão de sua é também conhecido como Apocalipse de
natureza, força, beleza; indizível, indescritível. João, é um livro da Bíblia Cristã.
O próximo livro Através destes estudos
que devemos estu- vamos compreender que
dar é o Sefher ha- os cabalistas nos falam

“ O Propósito
-ZOHAR – o Livro do mundo espiritual
do Esplendor. É, sem através da linguagem
sombra de dúvida, do estudo da dos ramos e das raízes.
a obra principal e Nós humanos, que vi-
mais sagrada da Cabala é ser vemos no Mundo dos
Cabala, a dimensão
mística do judaís- um itinerário Resultados e das Cau-
sas (Mundo dos Ra-
mo. Estudo místico
do mundo divino e
para as pessoas mos), não temos acesso
ao (Mundo das Raízes)
suas relações com o alcançarem o Mundo Espiritual, onde
Criador.

nosso mundo. São tudo é criado e deci-
22 livros, correspon- dido. O Propósito do
dentes a cada letra estudo da Cabala é ser
hebraica. O Zohar é um ITINERÁRIO para
a coluna vertebral da as pessoas alcançarem o
Cabala, também chamada de Chochmat ha- Criador. Este caminho da alma consiste em
-Emet – a Sabedoria da Verdade. 125 etapas ou Degraus, que são alegóricos.
Além destes há outros livros que aos pou- Somente um cabalista que passa por todas
cos servem de base e também como orientado- estas etapas quer ardentemente compartilhar
res em nosso caminho, são eles: o que colheu com a humanidade.
– O Sepher Há-BAHIR – O Livro da O objetivo daquele que chega ao Criador
Iluminação; ou o Inefável é compartilhar o que aprendeu.
– O Sepher Sephiroth – O Livro das É Aprender e Ensinar, o tempo todo.
Emanações; A nossa amada Ordem Rosacruz em seus
– O Talmud – Legislação CÓDIGO MO- ensinamentos trabalha de forma a funda-
RAL Hebraico. Conduta do povo. É a junção mentar bem os conhecimentos nos instruin-
das Michná (livro sobre a lei judaica, escrito do sobre: Hermetismo, Alquimia e Cabala
em hebraico –  pilar central da Lei Oral); as – em seus graus mais elevados. Os conheci-

36 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


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Dois livros da
Bíblia Hebraica
(Tanach)

mentos Rosacruzes partem principalmente nele geram MOVIMENTO. Estrelas, Plane-


da Cabala Hermética ou Cristã, mas que se tas, Sistemas solares, Galáxias, Universo. No
fundamenta nos conhecimentos hebraicos. Universo a vida se mantém pelas correntes
O Martinismo – A Sociedade de Iniciados de luz que banham todos os planetas, neles
de Saint-Martin – está baseado na Iniciação. se espalhando abundantemente os princípios
É uma transmissão ritual, pessoal e privada, da geração. O 2 (dois) é o número da criação;
de caráter íntimo, que confere a qualidade de símbolo do processo em que o 1 (Um), Deus,
“Superior Desconhecido/Incógnito” ou S.I. coloca algo fora de si. Sopro de DEUS.
A Cabala trabalha com a ciência da Ana- Na medida em que aprendo a DOAR e
logia. O Microcosmo. É o ensinamento da não apenas RECEBER, recebemos do Cria-
Cabala sobre o Homem. No homem a vida se dor – O INEFÁVEL, uma pequena parte de
mantém pela corrente sanguínea que banha “PRAZER EM LUZ”, de acordo com a nossa
todos os órgãos, repara suas forças e retira intenção de Doar. Este pequeno prazer é cha-
os elementos inúteis; a cada 120 dias há uma mado de Our Pnini = Luz Interior.
renovação completa do sangue. Cada átomo, Espero neste breve artigo, que foi escrito
molécula, célula, tecido, órgão, sistema, apa- com muito amor, poder auxiliar aos amigos
relho do corpo humano é banhado pelo san- sobre a compreensão do assunto. A todos,
gue. Os Glóbulos sanguíneos são receptores e Paz Profunda! 4
transmissores da vida. Somos uma infinidade
de seres em nós mesmos. * Soror Sandra Regina Rudiger Ayyad, Membro da AMORC,
filiada à Loja R+C São Paulo e à TOM. É palestrante da SP1,
O Macrocosmo. É o ensinamento da Ca- Psicóloga, Mestranda em Filosofia pela Fac. São Bento e
bala sobre o Universo; os planetas e as estre- possui várias Pós-graduações. Autora dos livros: “A Cabala e
as Empresas”, “A Aplicação da tradição esotérica no dia a dia
las são os órgãos que dão vida ao Universo e das organizações” – Ed. Madras, entre outros.

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


37
n COMPORTAMENTO
OM .C
KSTOCK
© THIN

Por ROBERT E. DANIELS, FRC

38 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


Não

condeneis o
discernimento de
alguém porque difira
do vosso próprio
discernimento. Não
poderão ambos
estar errados?

A
citação Devemos encorajar
acima, de nosso semelhante a
um antiquís- buscar em seu interior
simo manus- as suas próprias soluções, o
crito, oferece uma lição muito que há de lhes trazer muito mais
impor­tante para todos nós. Como é satisfação. O serviço que prestemos a
frequente condenarmos outras pessoas e outrem deve ser colocado numa perspectiva
seus pontos de vista, achando que podemos de bom senso. Devemos sempre tentar ajudar
legitimamente julgá-los! E quantas vezes àqueles que desejam ajudar a si mesmos, mas
ficou provado que estávamos errados em não devemos fazer pelos outros aquilo que
nosso julgamento! Estes pensamentos devem eles têm de aprender a fazer por si mesmos.
nos levar a refletir seriamente sobre nossos A vida mística inclina todos nós ao desejo
próprios pontos de vista e conceitos. Esse de prestar algum serviço ao semelhan­te, po-
julgamento de nós mesmos e de outrem pode rém, para não sermos arbitrários, devemos
causar muitos problemas e dificuldades, e tentar ajudar a que primeiro aprendam a
inclusive afetar negativamente o nosso esta- ajudar a si mesmos. Em nossas tentativas de
do de saúde, o nosso bem-estar. Portanto, a serviço humanitário, muitas vezes tornamos
crítica a nós mesmos e a outrem raramente as pessoas ainda mais desamparadas. Oferecer
é justificada, e isto deve nos levar a ponderar encorajamento e conselho, quando isto seja
seriamente qualquer pensamento sobre os solicitado, é a única maneira segura de sermos
outros e sobre nós mesmos, antes de falar- úteis; assim, devemos fugir à tendência de im-
mos e emitirmos nosso julgamento. pedir que os outros dependam de si mesmos.
É apenas natural que nos preocupemos Por outro lado, considerando a situação
com o bem-estar de outras pessoas e dese­ mundial, complexa como ela pode parecer, o
jemos ajudá-las, mas constitui norma de Membro da AMORC pode achar que pouco
sabedoria que o estudante de misticismo há que ele possa fazer. No entanto, nisto ele
deve aprender o cuidarmos da nossa própria está equivocado. Com forte determinação e
vida e não interferirmos na vida alheia. Há firme propósito, ele pode começar a conse-
muita diferença entre nos oferecermos para guir aparentes milagres de serviço. Quando
ajudar pessoas necessitadas e insistirmos com recorremos coletivamente aos infinitos po­
os outros em que sigam o nosso conselho. deres do Cósmico, podemos fazer muito

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


39
n COMPORTAMENTO

mais do que “
Tudo o
que pedimos podemos prestar.
originalmente
concebêramos é que irradiem o Nossa influên­cia
sobre as pessoas
como a nossa
meta de serviço.
Amor do Cósmico e que venhamos a
atrair será forte
Pergunta-se manifestem o desejo e útil, porque
com frequên- elas estão bus-
cia: “Se o Deus de ajudar e servir o cando orientação


é infinito em seu
conhecimento e seu semelhante. e um caminho
para uma vida me-
poder, por que não lhor e mais proveito-
faz mais para ajudar sa. Tenhamos em mente
a humanidade”? Muito irradiar o conhecimento
simplesmente, os poderes cós- que adquiri­mos e as conse-
micos para os quais nos voltamos cuções espirituais, interiores, que
em busca de orientação têm plena consciên­ tenhamos alcançado. Atrairemos as pessoas
cia das necessidades da humanidade, mas conforme as vibrações que emanem do nosso
não impõem nem podem impor sua vontade âmago, e poderemos ajudar os necessitados
aos seres humanos. Precisam de almas so- de um modo que pouco perce­bemos. Uma
lícitas, aqui na Terra, que se tornem canais palavra de conforto e encora­jamento, um
de serviço, a fim de que eles possam se ex- sorriso ou um pensamento, isto é muitas ve-
pressar ou manifestar neste plano. Como zes tudo o que se faz necessário para ajudar-
Rosacruzes, através dos princípios expostos mos aqueles que buscam maior compreensão
em nossos ensinamentos, estamos nos es- para suportar o fardo que a vida lhes impôs.
forçando para harmonizar nossa mente, Para nos tornarmos canais de serviço
de modo a torná-la receptiva a impressões dos Poderes Cósmicos, devemos aprender
dos níveis superiores do Cósmico, e, final- a irradiar uma consciência espiritual em
mente, para sermos iniciados a um contato nossa vida diária, e, por nossa boa dis-
superior com a Consciência do Cósmico. posição de ajudar, mesmo do modo mais
Entretanto, a menos que procuremos simples, estaremos preparados para assistir
ser úteis aos outros, os reinos superiores do o Cósmico em seu sublime empenho.
Cósmico não estarão à nossa disposição. Serviço sempre foi o núcleo do ideal
Portanto, cabe-nos a todos a tarefa de nos Rosacruz. É pelo serviço que verdadeira­
unirmos e servir; este é o nosso lema; este mente expressamos a consciência anímica
é o nosso dever. Nós, que tivemos o privi- em nosso âmago. À medida que desenvolve­
légio de nos tornarmos Rosacruzes, temos mos ou desabrochamos a beleza da Luz
uma sagrada obrigação. Divina de nosso interior e permitimos
Nossa primeira tarefa consiste em irra- que ela de nós se irradie, manifestamos a
diarmos paz e amor o tempo todo; em dei- Vonta­de Divina. A vida espiritual é uma
xarmos que a harmonia do Cósmico de nós vida de serviço, expressando a Vontade, a
se irradie. Essa radiação do nosso cora­ção Inteligên­cia e o Amor de Deus, em ação.
demonstrará a melhor forma de serviço que Sempre que nos dedicamos a esforços úteis,

40 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


o Espírito Divino procura se expressar nesse campo. Tudo o que pedimos é que
através de nós, usando-nos como canais irradiem o Amor do Cósmico e manifestem
em seu plano de serviço ao homem. o desejo de ajudar e servir o semelhante.
Somente ao nos devotarmos aos inte­ Os outros se sentirão atraídos; e, muitas
resses alheios, as forças e inteligências su- vezes, sua amizade e seu proveitoso e encora­
periores nos iluminarão, nos inspirarão, em jador conselho será tudo o que os Amados
proporção direta com o altruísmo do nosso Membros terão de dar. Seu progresso na senda
serviço. Muito podemos fazer por pessoas para a suprema iluminação será assegurado
necessitadas, com apenas um pouco de es- por este caminho de serviço. Nem sempre ele
forço. Não pedimos que nossos Membros será reto e compensador. Conhe­cerão sucesso
ponham de lado seus próprios interesses e e fracasso. Entretanto, só dando é que real-
atividades; pelo contrário, exortamo-los a mente recebemos, e, para recebermos as coisas
ampliar seu campo de interesse e ativida- próprias da vida espiri­tual, devemos doar a
de, permitindo que sua influência cresça parte espiritual do nosso próprio ser. 4

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INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


41
n SIMBOLOGIA

e a didática do Mito
Por MARIO SALES, FRC
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42 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


I
magine que você seja um médico e que saiba, por exemplo, que o sangue
flui através de válvulas dentro do coração e de lá, através de outras vál-
vulas, para as artérias, de forma constante.
Imagine que você queira explicar a alguém que jamais estudou me-
dicina o que são válvulas cardíacas; muito bem, qual imagem comparativa,
para facilitar a compreensão, você utilizaria para representar esta idéia?
A mim vem imediatamente a imagem de portas que se abrem para fora e
depois se fecham. Com isso, falaríamos em controle de passagem, de manei-
ra satisfatória, e a imagem cumpriria seu papel.
O que eu fiz, no entanto? Deformei a realidade: as válvulas cardíacas têm
três folhetos, ou placas, que abrem ao mesmo tempo e que se fecham trepan-
do umas sobre as outras.
Não é bem o que uma porta faz. Ela abre e fecha sozinha. Ela tem um
batente, aonde se encaixa. Portas não são iguais a válvulas. São imagens
auxiliares, no entanto. E servem ao seu propósito de transmitir uma idéia,
ainda que incompleta, do mecanismo do coração.

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Agora, digamos que a imagem seja mais complexa. Digamos que o que
queremos é explicar o que é o Bem. Não há imagem que possa dar uma idéia
aproximada de um conceito tão amplo. Nesta hora entram em cena as cir-
cunlocuções, o contorno do fato, do dado, a “voltinha” que torna a explica-
ção mais complicada e às vezes mais equivocada.
A didática, a arte de transmitir informações a outros de forma accessível
ao seu nível de compreensão, sofre com esses problemas todos os dias. Didá-
ticos todos precisamos ser, não apenas professores e educadores, mas médi-
cos, policiais, operadores de turismo, cientistas, jornalistas, políticos etc.
Talvez a única classe que não precise disso sejam os artistas. Eles criam
um novo real, reinventam a percepção, não para explicá-la, mas para
ampliá-la, com isso ampliando a percepção de todos os seres. Somos nós
que tentamos explicar o que os artistas fazem, para nós mesmos e para os
outros, o que é absolutamente contraproducente, já que arte não é para ser
entendida com o cérebro, mas compreendida pelo coração.

“ Os místicos, iniciadores
da humanidade, só têm um
objetivo com seu serviço:
desfazer os mistérios.

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ
43
n SIMBOLOGIA

A via do coração

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A sensibilidade desenvolvida nos livra da necessidade didática. Aqui a compreensão é
intuitiva, sem palavras, sem intermediários, sem conceitos auxiliares. Aprendemos com
nosso coração.
Estas considerações me vêm à mente enquanto penso nas dificuldades do místico de
todas as eras para explicar àqueles que não eram iniciados as boas novas do conhecimento
esotérico. Sim, porque a luz deve estar no alto, no velador, para que todos possam vê-la, e
não oculta atrás dos armários. Os místicos, iniciadores da humanidade, só têm um objetivo
com seu serviço: desfazer os mistérios.
Esta é sua missão mais nobre e mais urgente, embora a heterogeneidade humana obri-
gue esta missão a ser cercada de prudência. É aí que entra o símbolo, o mito explicativo.
Com sua riqueza interpretativa, o mito se revela mais poderoso e didático do que a narrati-
va cheia de comparações do pobre intelecto aristotélico.
Se os místicos dissessem, ao tempo de Moisés, (onde a barbárie e a ignorância eram
extremas e civilização, uma palavra ainda não totalmente entendida) que Deus, Todo Po-
deroso, gerou tudo que existe em períodos de milhões de anos, e que no princípio, vórtices
de plasma se contorciam em busca de densidade, para explodir em estrelas e galáxias e
planetas, ninguém alcançaria o significado destas palavras. Nem o próprio Moisés deve ter
recebido a informação desta forma.
Ninguém ainda tinha visto uma galáxia, a Terra era todo o Universo conhecido e falar em
Sistema Solar seria uma abstração inalcançável. Então, não se podendo narrar os fatos por
faltar capacidade expressiva, tanto pela inexistência de conceitos e fatos que sustentassem a
compreensão quanto pela falta de cérebros que os compreendessem, usou-se o Mito.
“No Princípio, criou Deus o Céu e a Terra. E o verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.”
Verbo, a ação, a capacidade de realização. Criar, fazer surgir, como o Sol misteriosamente sur-
gia no horizonte, todas as manhãs. De onde vem o Sol? Para onde vai quando se põe?
Lembrem-se: não existiam estações espaciais, nem astronautas. A Terra, para a compre-
ensão da época, era plana. Portanto, o Sol aparecia e desaparecia. Era o Carro de Luz que
percorria o firmamento e depois mergulhava no horizonte.
E tudo ficava bem assim.
Então, surge a necessidade de explicar o homem. Biologia? Isto ninguém conhecia.
Células, mitose, Darwin? Não, ainda não havíamos chegado lá. Nada fluía, tudo era dual
em oposição, sem complementaridade, sem dinamismo. O mundo do passado era estático.
E aí, novamente, surge o Mito.
Uma narrativa não lógica. O homem, o paraíso, a costela e a mulher “traiçoeira”, que
“induz o pobre, inocente e nobre homem” ao pecado. A serpente; a maçã.
E tudo fica bem assim.
As massas aceitaram que a explicação era até plausível. E o mundo seguiu seu caminho,
um pouco menos aflito com sua ignorância atávica. A mulher herdou a maldição bíblica
de ser a tentadora. O homem, a vítima. Machismo mítico explícito, sem questionamento
durante centenas de anos.

44 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


Pinóquio ganha vida
E como alguém que, ouvindo a história da Hidra de Lerna, depois de alguns séculos,
quisesse procurar restos fósseis do monstro, muitas pessoas que ouviram esta fantástica
história de serpentes e maçãs, empreendem esforços arqueológicos e gastam fortunas para
tentar estabelecer em que lugar geográfico do planeta se situava o paraíso.
Para essas pessoas o sonho saltou do livro e sentou ao seu lado. Nossos mitos, nossos
arcabouços explicativos, nossos auxiliares didáticos, como Pinóquio, às vezes ganham
vida própria e vem nos assombrar ou, pelo menos, atrapalhar. Pinóquios modernos que
tiveram atendido seu desejo de ter densidade humana e autonomia de consciência, e que
povoam nossas fantasias com tanta força que ninguém lhes negará existência.
O Gepeto da história era um homem bom. Como todos os criadores, artesãos e ar-
tistas reais do mundo; no entanto, os criadores reais se identificam neste mito moder-
no, pois sabem que suas obras, uma vez publicadas ou expostas, ganham vida própria.
Geram Luz e Trevas, mundos ao mesmo tempo mais claros e mais escuros, pois aquilo
mesmo que foi feito para facilitar a compreensão, vez por outra torna-se uma muralha
entre o homem e a verdade.
Símbolos são como Pinóquio. Criados para embelezar o mundo, são coisas mortas
em si até que ganham a vida da interpretação. Só que, exatamente neste momento em
que ganham vida, podem
também aprender a men-
tir, trair a informação que
deveriam perpetuar.
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Surgem os interpretado-
res, aqueles que dizem: “– eu
sei quem é esse menino, ele
apenas finge ser um meni-
no, mas na verdade é um
boneco de madeira.” E dito
isto, começam a dissecá-lo,
a destruí-lo, a desmembrá-lo
de tal forma que de Pinó-
quio, transformam-no em
um Frankenstein.
Pode-se evitar tal
atrocidade? Totalmente não.

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


45
n SIMBOLOGIA

O símbolo e o
equívoco interpretativo
Em simbologia existem muitos Pinóquios e alguns deles perderão a vida duramente
conquistada às custas da bênção de uma fada mística, ao serem desmembrados
pelos pseudo-doutos. Outros, entretanto, sobreviverão, mesmo que seus narizes
vez em quando cresçam um pouco, nos alertando para a presença de uma
impropriedade oculta, para uma inverdade, que alguns chamariam de mentira, mas
que eu prefiro chamar de falha didática.
Não só quem traduz trai o sentido do que traduz. Quem explica também pode
fazê-lo, e o faz.
E o que são narrativas míticas senão textos explicativos, didáticos ao seu modo,
embora não lógicos?
Os Gepetos do mundo poderão ver os narizes de sua criação crescer quando
fugirem ao sentido original do que deveriam narrar.
Os mitos são animais perigosos, orgulhosos, que só se submetem a uma vontade
superior a sua ou a uma inteligência atenta, que antecipe seus movimentos e que
escape de seus ardis. Pois os mitos são como a Esfinge: seus enigmas, uma vez
resolvidos, produzem a sua própria extinção.

A mentira mítica do Deus de Moisés


Explicar coisas complexas por meios comparativos, como vimos, pode gerar contra-
dições, erros e confusão.
O exemplo a seguir é bem didático, se me permitem usar o termo. Mostra como,
ao tentar narrar a criação, Moisés nos apresenta a Serpente como um ser sincero
e conhecedor de fatos ocultos ao Homem, enquanto Deus, como descrito, aparece
como um ser que oculta fatos, aliás, que mente. Senão vejamos:

Gênesis 3:1 Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus
tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?

Gênesis 3:2 Respondeu-lhe a mulher: do fruto das árvores do jardim podemos comer,

Gênesis 3:3 Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: dele não co-
mereis, nem tocareis nele, para que não morras.

Gênesis 3:4 Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis.  

Gênesis 3:5 Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e,
como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.

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46 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


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Ora, a serpente desmente o Todo
Poderoso e avisa a Eva que o que Deus disse
não é verdade.
Lembremos que toda educação religiosa
fundamentalista diz que se deve seguir
o livro santo ao pé da letra para estar em
comunhão com a palavra santa. Assim
sendo, o que dizer do versículo 22, deste
mesmo capítulo, no qual Deus, depois de
descobrir que Adão e Eva tinham comido
do fruto da Árvore do Bem e do Mal, deixa
escapar a seguinte declaração:

Gênesis 3:22 Então, disse o SENHOR Deus:


eis que o homem se tornou como um de
nós, conhecedor do bem e do mal; assim,
que não estenda a mão, e tome também da
árvore da vida, e coma, e viva eternamente.

Não apenas Deus, no texto bíblico, con-


firma a informação da serpente à Eva de
que, ao comer do fruto da Árvore Proibida,
Adão e sua companheira tornaram-se co-
nhecedores do Bem e do Mal, como havia
antecipado a serpente. O desenrolar conhe-
cido do episódio mítico mostra que não
morreram, como o Todo Poderoso havia
prevenido, mas que Adão ainda viveu por
900 anos aproximadamente.
Ou seja, se tomássemos a história e o
mito, o arranjo mítico explicativo como fato,
ao pé da letra, teríamos que admitir que Deus
mentiu e que a Serpente foi sincera e que orientou corretamente a Eva. Ora, não deve ser
esta a conclusão mais ética e ontológica, se bem que pareça lógica.
Tais interpretações, as mentiras que o “pinóquio mítico” do Gênesis bíblico conta, sal-
tam aos olhos como se seu nariz crescesse. Este é, no entanto, o preço a pagar pela neces-
sidade de recorrer ao intelecto e ao mito para compreender o que, às vezes, é temporaria-
mente incompreensível.
Além dos óbvios problemas de tradução do hebraico ou do aramaico para o grego, e
deste para as línguas modernas, ainda temos de enfrentar os problemas da interpretação
de um texto que esconde verdades, que oculta e não revela, as coisas que quer dizer.
Este, no entanto, é assunto para outro texto. 4

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


47
A maior
descoberta da
© AMORC

humanidade
Por CHARLES VEGA PARUCKER, FRC

Q
ual a maior Na verdade, todas estas Eis a maior descober-
descoberta da invenções e descobertas ta dos tempos modernos:
Humanidade? incorporam em si o espíri- “Cada indivíduo pode uti-
Seria a imprensa, que per- to criativo e de pesquisa de lizar o Princípio de Vida de
mitiu estender o conheci- milhares de mentes, mas acordo com sua vontade,
mento a todas as partes da para mim, a compreen- pois este princípio é um
Terra? A navegação marí- são do Princípio de Vida, servo de sua mente, como o
tima, o avião e suas des- que, de alguma forma, foi era o gênio da lâmpada de
cendentes naves espaciais? trazido à nossa Terra há Aladim”. Cada um deve pro-
As vacinas que reduziram milhões de anos atrás, abre curar entender as suas leis e
as doenças e aumentaram uma possibilidade infinita trabalhar em harmonia com
a duração da vida? A te- para o bem-estar e felici- este princípio para conseguir
levisão, o telefone, o raio dade geral do ser humano. qualquer coisa útil de que
laser? A eletrônica com Estamos tomando ciên- necessitar, quer seja saúde,
sua ilimitada capacidade cia gradativamente deste alegria, bens materiais, feli-
de reduzir os sistemas de grande poder colocado cidade e sucesso pessoal.
comunicações a milési- em nossas mãos e de suas Para constituir o que de-
mos de pequenos tempos reais possibilidades para nominamos de civilização
em pequenos espaços? utilização construtiva. moderna, o Criador trouxe

48 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


para este planeta a forma mesmo Princípio de Vida, consciência. A borboleta, o
mais simples de vida. A alga, organizadas para cumprir cavalo, os vegetais criados
substância gelatinosa que tarefas e missões específicas. para alimentação dos ani-
flutuava nas águas e con- O Princípio de Vida foi mais e mesmo aqueles que
tinha o Princípio de Vida, sobejamente testado através consideramos prejudiciais
que anima toda a Natureza, de vulcões e terremotos, ao Homem atendem suas
os vegetais, os animais e o tempestades, geleiras, inun- funções no esquema global.
Homem. E a ameba, primei- dações, temperaturas e umi- Houve uma evolução das
ro ser unicelular, pratica- dades altas e baixas, mas que formas de manifestações das
mente confundindo-se com por sua vez configuraram-se águas, para a terra e para
a massa d’água circundante em novos incentivos para os ares. Para respirar na
a uma célula da vida. As que ele se manifestasse por água, desenvolveu guelras,
outras formas e espécies dos meio de seres mais com- para viver na terra, respi-
reinos vegetal e animal são pletos, mais resistentes e rando o ar, pulmões. Para
manifestações diferentes do com níveis mais elevados de proteger-se contra agentes


O próposito da existência,
como expressão de Vida, é Evolução.
A vida é dinâmica, nunca estática.
Ela nunca para e jamais regride.

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ
49
“ Os grandes
impérios da
antiguidade,
os egípcios, os
persas, os gregos,
os romanos
deixaram de
existir quando
não mais se
© THINKSTOCK.COM

preocuparam com

agressores e adaptar-se a
evolução.
ameaçou extinguir-se, por-

Os grandes impérios
cada mudança desenvolveu que pleno de poder e ener- da antiguidade, os egíp-
inúmeras formas de escudos gia, com o sentido ilimitado cios, os persas, os gregos,
de segurança - as conchas, de vida, possui uma inteli- os romanos deixaram de
as peles, os cabelos, as gar- gência imanente, chamemo- existir quando não mais se
ras, os chifres, as penas, -la de Natureza, de Criador preocuparam com evolu-
etc., mas sempre o mesmo ou de Cósmico, em busca de ção. A decadência começou
Princípio de Vida, ansiando sua completa expressão. quando julgaram ter obtido
manifestar-se na criatura. O propósito da existên- o máximo para seu povo
Todavia, houve seres que cia, como expressão de Vida, e pararam no tempo.
após cumprirem suas mis- é Evolução. A vida é dinâmi- O estudante de misti-
sões, nos momentos em que ca, nunca estática. Ela nunca cismo pode aproveitar esta
aqui viveram, não mais se para e jamais regride. Se aos potencialidade, trabalhan-
adaptaram às constantes mu- nossos olhos se aparentar do com a energia vital e
tações a que foram solicita- uma parada da Natureza, um utilizando-a na solução de
dos, como os grandes répteis pecado imperdoável ocorre- suas dificuldades. Adotando
e monstros da pré-história, rá, como o desaparecimento como base o princípio fun-
e, por isso, não estão, hoje, dos animais e vegetais a que damental de vida podemos
entre nós. Isto não quer di- nos referimos. Mas a vida vencer e até triunfalmente
zer que o Princípio de Vida, ao seu redor continuou sua superar os obstáculos que
a Força Vital dos Rosacruzes busca por mais evolução. se nos apresentam, porque

50 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


desde a primeira manifes- não há nada que fazer, solicitação. Onde houver
tação da vida este sempre parece que o Princípio de uma anormalidade, dificul-
foi o seu propósito. Se você Vida fica amortecido. dade ou doença, o gênio da
considerar que o Princípio Nos infortúnios deve- mente estará pronto, desejo-
de Vida é tão poderoso que mos deixar que o Princípio so e sobretudo capacitado a
é capaz de gerar uma concha de Vida se manifeste, ajudar-nos. Basta, no entan-
para proteger uma ostra, ou dando-lhe todas as opor- to, que saibamos chamá-lo.
criar um veneno para algum tunidades e você verá que O Princípio de Vida é a
fim de ataque, fazer crescer nada lhe é impossível. ação da Mente Universal
uma nova perna numa ara- Conhecemos números nos seres vivos, que através
nha que a perdeu ou recom- casos de pessoas que recebe- do subconsciente mantém
por a vida numa minhoca ram um influxo de energia nossa sintonia Cósmica. O
cortada ao meio, imagine para realizar certas tarefas gênio da Mente se expressará
o quanto este “Princípio” que a olhos normais seriam na medida em que confiar-
poderá fazer por você, como impossíveis de se concre- mos em sua capacitação
ser racional, pensante, com tizar. Pessoas que em mo- infinita e poderosa. Saber
uma mente ativa e apta mentos de agonia, de deses- usá-lo é uma das grandes
para trabalhar com ele. pero e extrema necessidade descobertas da Humanidade,
A evidência disto você recorreram ao gênio que em nossos tempos. 4
poderá constatar sempre. está em nós e conseguiram
Inicie, por exemplo, uma missões impossíveis. Temos
atividade esportiva ou faça em nosso ser este Princípio
um esforço qualquer re- de Vida, tão poderoso, mas
gularmente. Talvez você que necessita de emprego
sinta cansaço, mas após constante, de utilização
alguns dias de prática terá diária, para dizermos
condições de dominar esta que podemos “dar
atividade e, se persistir, a volta por cima”
poderá até chegar a obter de nossos pro-
recordes nos resultados. blemas e difi-
O simples fato de termos culdades usuais.
obstáculos a transpor é uma O Princípio
situação altamente favorável, de Vida está por
pois quando você dele neces- trás de cada ato
© COMMONS.WIKIMEDIA.ORG

sita e o solicita com urgên- nosso. Não faz dis-


cia, que mais facilmente ele tinção entre pessoas,
se colocará em operação. entre neófitos
Quando as coisas ocor- ou estudantes
rem de modo tranquilo, avançados.
quando a vida se desenrola Quanto maior
como uma suave canção, o for a necessi-
Princípio de Vida se atenua. dade, mais in-
Quando tudo está harmo- tensamente res-
nizado e sereno, quando ponderá à nossa

INVERNO 2017 · O ROSACRUZ


51
Nesta seção sempre
homenagearemos a história
de nossa Ordem no mundo
e na língua portuguesa,
lembrando por meio de
imagens os pioneiros que
.com

labutaram pelo Ideal Rosacruz


© thinkstock

e plantaram as sementes cujos


frutos hoje desfrutamos. A
todos eles, a nossa reverência.

Auditório H. Spencer Lewis


Construído em belíssima arquitetura egípcia, em
outubro de 1970, durante a IV Convenção Nacio-
nal Rosacruz, foi inaugurado pelo então presidente
mundial da Ordem Rosacruz, AMORC, Frater Ralph
M. Lewis, acompanhado da responsável pela Ordem
na Jurisdição de Língua Portuguesa, Soror Maria A.
Moura e convidados, o Auditório H. Spencer Lewis.
Esse espaço foi concebido para realizar as ativi-
dades desenvolvidas pela Grande Loja. Porém,
com o passar dos anos foi necessário pensar em
uma repaginação do local e, em 06 de setembro
de 2006, ele foi internamente modernizado.
Com capacidade para 500 pessoas, o palco
ficou maior, foi implantada uma área para cama-
rins e instalada uma cortina de fundo de palco.
Com ambiente acolhedor, o auditório dispõe de
recursos de som e luz de última geração, incluin-
do três projetores Data Show suspensos, com
igual número de telões para exibição simultânea.
O Auditório H. Spencer Lewis é ideal para
formaturas, convenções, congressos, espetá-
culos artísticos e demais eventos. Atualmente
o Centro Cultural da AMORC GLP organiza
palestras e cursos abertos ao público no local.
A arquitetura egípcia única em Curitiba chama
atenção conferindo ao espaço um toque especial
e inusitado. Além disso, o auditório faz parte de
um notável complexo de oito edifícios, a maioria
em estilo egípcio, que compõem a sede mundial
da Ordem Rosacruz para a língua portuguesa.

52 O ROSACRUZ · INVERNO 2017


TRADICIONAL ORDEM M ARTINISTA
Nesta edição, damos continuidade à sequência de extratos do periódico francês “O Véu de Isis”
editado na quarta-feira, 23 de março de 1892, cujo original encontra-se em nossos arquivos.

TERCEIRA CHAVE
“A terceira chave compreende, sozinha, uma série mais
longa de operações do que todas as outras juntas; os
filósofos dela falaram muito pouco, ainda que a perfeição
sal fixo que é o sangue de nossa pedra. Eis o mistério essen-
cial dessa operação, que só é cumprida após uma digestão
conveniente e uma lenta destilação.”
de nosso mercúrio dependa dela; mesmo os mais sinceros, “Filhos da arte, saibam que diz Hermes: Oportet autem
como Artefius, Trevisan e Flamel, ignoraram os prepara- nos eum aquina anima, ut formam sulphuream possideamus
tivos de nosso mercúrio, e deles não se encontra quase ne- aceto nostro eam miscere; cum enim compositum solvitur, clavis
nhum que a tenha suposto, em vez de ensinar a mais longa est restaurationis.”
e mais importante das operações de nossa prática.” “É preciso que o artista saiba fazer a paz entre a água e
“Queremos lhe estender a mão nesta parte do caminho o fogo; vejam o que diz o cosmopolita: Purga ergo rebus, fac
que diz respeito à separação e à purificação de nosso mer- ut ignire et aqua amici fiant; quod in terrá suâ quae cum üre
cúrio, que se faz por uma perfeita dissolução e glorificação (?) ascenderat facile facient.”
do corpo, do qual ele se origina, e pela união íntima da “Sejam, pois, atentos quanto a este ponto; reguem com
alma com seu corpo, cujo espírito é o único elo que opera frequência a terra com sua água, e terão aquilo que desejam.”
essa conjunção. Aí está a intenção e o ponto essencial das “Não é preciso que o corpo seja dissolvido pela água e
operações desta chave que se conclui com a geração de uma que a terra seja infiltrada por sua unidade para que seja pró-
nova substância bem mais nobre do que a primeira.” pria para a geração? Hermes diz a mesma coisa com outras
“Depois que o sábio artista extraiu da pedra uma fonte palavras: Aqua namque est fortissima a natura, quae trans-
de água viva, que extraiu o suco da vinha dos filósofos e cendit et fixam in corpore naturam excitat.”
que fez seu vinho, ele deve observar que em sua substân- “De fato, essas duas substâncias são de uma mesma na-
cia homogênea, que aparece na forma de água, existem três tureza, mas de dois sexos diferentes; elas se abraçam com o
substâncias diversas e três princípios naturais de todos os mesmo amor e a mesma satisfação que o macho e a fêmea,
corpos: sal, enxofre e mercúrio, que são o espírito, a alma e se elevam insensivelmente juntos, deixando apenas um
e o corpo. E ainda que pareçam puros e unidos, é preciso pouco de fogo no fundo do recipiente, de tal modo que a
muito para que de fato o sejam porque, quando pela desti- alma, o espírito e o corpo, após uma depuração exata, pa-
lação nós extraímos a água que é a alma e o espírito, o corpo recem enfim amigos inseparáveis sob a mesma forma, mais
permanece no fundo do recipiente, como uma terra morta, nobre e mais perfeita do que antes e tão diferente da primei-
negra e amilácea, que todavia não deve ser desconsiderada, ra forma líquida, assim como o álcool e o vinho, exatamente
pois em nosso tema nada há que não seja bom.” retificado e aerado com seu sal, é diferente da substância do
“O filósofo Jean Pontanus afirma que as superfluida- vinho de que foi extraído. Essa comparação não é apenas
des da pedra se convertem em uma verdadeira essência e se muito justa, mas também dá ainda aos filhos da ciência um
aprimoram pela ação de nosso fogo, pois os filhos da ciên- conhecimento preciso das operações desta terceira chave.”
cia não devem ignorar que o fogo e o metal estão escondi-
dos no centro da terra e que é preciso lavá-los exatamente (a ser continuado)
com seu espírito para que deles seja extraído o bálsamo, o J. Marcus de Vèze

S.I.
A
humanidade recebe de tempos em tempos personalidades-
© WIKIPEDIA.ORG

alma que são “divisoras de águas”, ou seja, o mundo é um


antes delas e outro após elas.
Como verdadeiros mensageiros de Luz a serviço da
humanidade, esses seres receberam do Cósmico a missão de causar
uma forte influência na sociedade em que estavam inseridos,
recebendo postumamente o reconhecimento pela visão, liderança
e iluminação que abrangeram todo o nosso mundo. Vieram para
mudar, romper paradigmas e deixar os seus pensamentos, palavras
e ações como exemplos de seres humanos especiais.
Esta capa da revista “O Rosacruz” é dedicada a esses seres de
luz que, como Mestres, nos ensinaram o sentido da vida.

Jakob Böhme – Toda a juventude de Jakob Böhme


foi marcada por experiências místicas. Esse filósofo e mís-
tico luterano alemão, que nasceu em 1575 na cidade de Alt
Seidenberg, na Alemanha, passou por importantes questio-
namentos durante sua vida. A espiritualidade e as relações entre o bem e o mal estavam sempre
em evidência em seus pensamentos.
Começou sua vida profissional como pastor de ovelhas. Depois disso enveredou para o ramo
dos sapateiros, onde teve sua primeira experiência mística. Calado e absorto em seus pensamen-
tos, quando passou por uma segunda experiência mística, Jakob Böhme começou a escrever seu
primeiro manuscrito intitulado Aurora oder Morgenröte im Aufgang
Aufgang. Porém a obra não lhe trouxe
bons frutos, pois foi parar nas mãos do principal pastor de Görlitz, Gregorious Ritcher, que o con-
siderou herético e ameaçou exilá-lo caso ele não parasse de divulgar os seus escritos.
Alguns anos se passaram e, por insistência de seus amigos, Böhme voltou a escrever e seus tex-
tos começaram a circular novamente entre o povo. Tanto que em 1623 ele publicou seu primeiro
livro, Christosophia (der Weg zu Christo). Böhme conquistou muitos seguidores em toda a Europa,
mas as demais obras dele só foram publicadas anos mais tardes. Como ele mesmo costumava di-
zer, cada livro que escrevia marcava o crescimento do lírio espiritual, o amadurecimento da vida.
Para ele o universo era um grande processo alquímico.
Seus ideais trouxeram grandes contratempos e no último ano de sua vida ficou exilado em
Dresden retornando à Görlitz apenas para dar adeus à vida aos 49 anos.
Muitas obras de Jakob Böhme são estudadas atualmente por admiradores, místicos e espiritua-
listas em vários países.

“A alma busca na Divindade e também nas profundezas da natureza; pois ela tem
a sua fonte e a sua origem no todo do Ser divino”.
– Jakob Böhme

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