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Simão Botelho era filho do corregedor Domingos Botelho, tinha um irmão mais velho, Manuel,
com quem tivera algumas desavenças, e irmãs mais novas. Sua mãe chamava-se Rita e por
vezes tinha uma atitude de soberba. Simão era um jovem que envergonhava a família. Suas
amizades eram apenas com aqueles que pertenciam às classes mais pobres. E por tais atitudes
desgostava muito a seus pais, eles na verdade nem sentiam amor pelo filho. Porém, passado
um tempo Simão mudou totalmente. Não saía mais de casa, suas más amizades findaram, suas
desordens também e passava seus dias em casa junto com Rita, sua irmã. A mudança no
comportamento dele devia-se á sua paixão por Teresa Albuquerque, filha de Tadeu
Albuquerque, haviam-se apaixonado, Simão e Teresa eram membros de famílias rivais.
Moradores de casas vizinhas, em Viseu. Os jovens apaixonados, logo perceberam a
impossibilidade da realização desse amor por meio do casamento, pois suas famílias eram
inimigas. Pouco tempo depois começam sentir ódio por seus pais. Todavia mantêm um
namoro silencioso através das janelas próximas. Ambas as famílias, desconfiadas, fazem tudo
para combater a união amorosa. Tadeu de Albuquerque, pai de Teresa, ao descobrir o
romance, trata de prometer a mão de sua filha a seu sobrinho Baltasar Coutinho. No entanto,
a menina o negou até pelo facto de o seu primo a irrita muito e foi então que começaram as
ameaças a Teresa, casava-se ou não seria mais considerada filha, seria mandada para um
convento. Na casa de Simão, o pai, muito irritado com aquela paixão resolve pôr fim ao
romance entre seu filho e Teresa, enviando o jovem Simão a Coimbra para concluir seus
estudos, pretendia com isso sufocar o amor dos jovens pela distância. Simão, enlouquecido
pela saudade de sua amada, decide ir a Viseu encontrar-se com Teresa. É hospedado pelo
ferreiro João da Cruz, homem destemido, forte e fiel que devia favores a seu pai. Após uma
tentativa falhada de se encontrar com Teresa Simão sai ferido. O rapaz busca refúgio na casa
de João da Cruz para recuperar, dos ferimentos. Os amantes ainda mantinham comunicação
por meio de uma velha mendiga que passava com frequência sob a janela do quarto de Teresa.
Para castigar a filha, Tadeu de Albuquerque decide mandá-la para um convento do Porto.
Antes, porém, a jovem é recolhida num convento na própria cidade de Viseu, enquanto Tadeu
aguardava a resposta do Porto. Em Viseu, na casa do ferreiro, Mariana, filha do ferreiro acaba
por se apaixonar por Simão, amor esse não revelado pela moça. Simão ao tomar
conhecimento dos factos, fica furioso e, num acesso incontido de raiva, decide tentar raptar
Teresa. O jovem defronta-se com Baltasar, na tentativa de resgatar Teresa. Mesmo diante de
várias testemunhas o jovem Simão atinge Baltasar com um tiro mortal. Simão é preso e
condenado à morte. Porém, devido à interferência do corregedor Domingos Botelho, pai de
Simão, a pena é convertida ao degredo nas Índias. A sentença do desterro sai, Simão é
condenado a ficar dez anos na Índia. Teresa começa a ter sua saúde abalada, cada vez mais
triste e muito magoada, parece ter perdido a vontade de viver. Ao embarcar rumo à Índia,
Simão vê, pela última vez no mirante do convento Teresa. Também Teresa contempla o navio
que levava seu amado. Logo após, Teresa morre. Simão, antes de seguir seu destino, toma
conhecimento da morte de Teresa e segue rumo ao degredo. Relê cartas de Teresa, seu corpo
vai sendo consumido pela morte. Alguns dias após o início da viagem, Simão adoeceu, tinha
febres e delírios, Simão morre. Mariana, não resistindo à perda de Simão, no momento em
que vão lançar o corpo ao mar, lança-se ao mar também.
Enredo
Nesta obra, há uma coincidência com a vida do autor: é certo que a obra de Camilo e a sua
vida foram lidas uma em função da outra, como reforço mútuo. E essa conjunção produzia um
determinado sentido, tinha uma consequência estética. A maneira como Camilo, que era um
homem que vivia da pena, fez render esse ponto, com a legenda que criava em torno de si
mesmo.
O detalhe notável é a constante referência de Camilo ao fato de escrever para viver, e de ter,
assim, de dar ao público o que ele quer comprar. A novela passional é originada pelo clima
emocional da época que foi absorvido pelo mundo novelístico de Camilo e nessa atmosfera
satura de paixão e lágrimas, de grandezas e misérias, as personagens movem-se, tal como
acontece com o seu criador, não só pelos impulsos próprios, mas também pela estimulação do
meio mórbido em vivem. E, ainda, que a família de Camilo era da mesma espécie de “brigões”
e “cobiçosos” que havia a rodo em Portugal no correr do século XIX, na crise que se seguiu à
independência do Brasil.
Quanto à família da qual proveio Camilo, eis o apanhado mais geral: um avô magistrado
reconhecidamente corrupto; um tio assassino – o tema de Amor de Perdição – que, depois de
mil tropelias pouco românticas, acabou degredado para a Índia; uma tia de má fama,
concubina de um ricaço, cuja fortuna esbanjou depois de espoliar a herança da filha de seu
primeiro casamento e também a dos seus sobrinhos (Camilo, entre eles); o pai, que viveu
amancebado sucessivamente com três criadas.
Esta obra-prima da ficção de língua portuguesa parece ter encontrado na tragédia Romeu e
Julieta, de Shakespeare, uma referência marcante da novela passional de Camilo, que segundo
o filósofo e escritor espanhol Miguel de Unamuno é a maior novela de amor da península
Ibérica.
O romance reúne, em síntese, elementos típicos de uma mundividência que tem raízes na
cultura portuguesa, particularmente na sua expressão literária, desde épocas remotas.
Dois quartos da novela constam de uma lenta narração sobre o namoro entre Simão Botelho e
Teresa de Albuquerque, a separação do casal por rixas familiares, a obstinação de Teresa
mantendo-se fiel a Simão, não cedendo à insistência do pai, Tadeu de Albuquerque, em casá-la
com o fidalgo Baltasar Coutinho.
Por outro lado, Simão, estudante em Coimbra, regressa a Viseu, resolvido a resgatar a amada,
mantida num convento, à guisa de castigo por sua teimosia. Simão, que não conta com o apoio
de sua própria família, mantém-se escondido na casa de João da Cruz, um ferrador. Contando
com a cumplicidade do ferrador e da filha Mariana, o jovem está a salvo. Mariana apaixona-se
pelo hóspede e auxilia-o de todas as formas, no sentido de que comunique com a amada
Teresa.
O final trágico dá-se quando da partida de Simão para o exílio. Teresa assiste do mirante do
convento à passagem do navio que leva a seu amado e vem a falecer. Simão, não resistindo à
dor de perder a amada, também morre, no navio. Mariana suicida-se, abraçada ao cadáver do
jovem, já lançado ao mar.
Acção:
A acção é fechada, pois o público é informado sobre o destino final das personagens centrais
(Simão, Teresa e Mariana). A ação é formada a partir de uma sucessão de sequências
narrativas, ligadas por casualidade. Contudo os acontecimentos posteriores são sempre uma
consequência dos anteriores - encadeamento.
- morte de Teresa;
- morte de Simão;
- suicídio de Mariana.
Pode ser considerada uma obra de ação aberta: Camilo convida o leitor a fazer uma reflexão
acerca dos preconceitos existentes e caducos, em Portugal, sobre o amor.
· Interação das personagens centrais:
- afastamento crescente dos amantes, partindo de uma rua até à despedida de Teresa que
parte para o convento de Monchique;
- Mariana cada vez se aproxima mais de Simão, apesar de classes sociais diferentes, desde o
primeiro encontro até ao suicídio de Mariana;
Narrador
Espaço
Verifica-se, ainda, que, quanto maior é a privação de liberdade, menor é o espaço onde
evoluem as personagens.
Alguns elementos relacionados com os espaços que adquirem uma simbologia importante
nesta obra:
· as grades: além das grades materiais que impressionam Simão, simbolizam os obstáculos
sociais que motivam o seu encarceramento.
Tempo:
· tempo diegético (tempo vivido pelas personagens) – acção decorre entre os finais do século
XVIII e início do século XIX.
· a cronologia;
· a linearidade.
· 1803, Teresa escreve uma carta a Simão, revelando as intenções de seu pai de a enviar para
um convento.
· Prisão de Simão de 1805 a 1807. Antes de embarcar para o degredo, fica 20 meses na prisão.
Visto que o discurso é linear, o narrador segue a ordem cronológica dos acontecimentos
(podemos referir, no entanto, a analepse em que João da Cruz conta a forma como matou o
almocreve; há resumo na introdução).
Simão morre “ao amanhecer, depois de um formoso dia de Primavera” (o dia 28 de Março),
que se seguiu a vários dias de tempestade. A primavera e a manhã estão conotadas com a luz,
com a pureza de um tempo, ainda libertos de corrupção. Trata-se de um momento de
promessa e de felicidade. Assim, da escuridão e da morte, relacionadas com o caos, nasce o
amor verdadeiramente purificada por um tempo transcendente ao dos humanos – é o período
da realização e da plenitude.
É ainda importante notar que, ao sétimo dia de viagem, acalmou a tempestade – o número 7
corresponde ao dia da Ordem, aquele em que, após a criação do mundo, Deus descansou. O 7
remete para a luz e para a plenitude temporal. E, ao nono dia, Simão delira pela última vez e
são as cartas e as promessas de felicidade que ecoam na sua memória. O 9 é o número da
gestação, o do final de um ciclo para iniciar outro.
Personagens:
· Simão
- nasceu em 1784.
- após a visão de Teresa, Simão transforma-se: distancia-se da ralé de Viseu; torna-se caseiro;
cumpre os seus deveres de estudante; passeia pelo campo, procurando o espaço natural, em
detrimento do espaço social.
- quando Teresa é obrigada a sair da janela, local onde via Simão e, posteriormente, quando
lhe comunica o desejo do seu pai de que ela se case com o seu primo Baltasar, Simão revela-se
de novo rebelde. A par desta faceta, irá porém surgir uma outra: a sua nobreza de alma, que se
manifesta no momento em que deseja poupar um dos criados de Baltasar, que tentara matar
Simão, pelo facto de o homem se encontrar ferido.
- surge, entretanto, mais outra faceta de Simão: a de poeta, que se manifesta nas cartas que
escreve a Teresa (cf. Cap. X).
- o seu sentimento exacerbado de honra é também notável – ele manifesta-se pelo facto de
Simão enfrentar sempre aqueles que se lhes opõem, pelo facto de se ter negado a fugir,
depois de ter morto Baltasar, em legítima defesa, e ainda por recusar qualquer ajuda da
família, aceitando a sua condenação à forca e, depois, ao degredo. O seu código de honra
conduzi-lo-á, em última análise, à sua tragédia. Este sentimento valer-lhe-á a admiração de
personagens como João da Cruz e ainda daquelas que se situam numa esfera social marcada
por valores conservadores, como é o caso do desembargador Mourão Mosqueira.
· Teresa
- tem 15 anos.
- revela autonomia, para a época, sobretudo, quando se recusa a casar com Baltasar.
- esta personagem não tem uma evolução psicológica, pelo que é considerada uma
personagem plana.
· Mariana
. tem 24 anos.
- o narrador salienta a sua beleza física.
- caracteriza-se pela sua intuição, pelo poder de predição, enfim, pelo misticismo popular.
- apresenta complexidade humana, ao nível das emoções que experimenta e da esperança que
acalenta de poder ser amada por Simão e ficar junto dele.
- esta personagem apresenta a evolução psicológica, pois o seu amor motiva as suas
esperanças e os seus desalentos, oscilando entre emoções que fazem vibrar a sua dimensão
humana.
· João da Cruz
- pela antítese das emoções que experimenta e pelas atitudes que apresenta, é considerado o
tipo do “bom bandido”.
· Baltasar
- é a personagem que, pelos seus defeitos, se opõe a Simão, fazendo sobressair as qualidades
exemplares do herói.
- a sua vaidade torna-o incapaz de esquecer o seu orgulho ferido e de compreender o amor
que Simão e Teresa sentem um pelo outro.
- são inflexíveis nas suas decisões e baseiam-se no seu próprio orgulho e nas suas
conveniências sociais.
· D. Rita Preciosa
- representa a convencionalidade do sentimento materno – age mais por obrigação familiar do
que por motivos afetivos; ajuda Simão porque esse é o seu papel e não porque o amor de mãe
a leve a perdoar e a compreender as atitudes do filho.
· Ritinha
- representa, para Simão, o único laço familiar genuíno. Porque é conduzida por aquilo que
sente e não pelas convenções que lhe são impostas.
- a sua ligação a Simão leva-a a ser ela a relatora da sua história ao autor da obra, quando este
era criança.
– Para mim, que vos prezo, é suficiente. Vinde! – Simão estendeu-lhe o braço e Mariana, ainda
que a medo, aceitou-o. Um gesto tão pequeno, que viria a alterar-lhes o futuro.
Abordagem criativa
v Acróstico
Cercada de invisibilidade,
Mata o desespero.
Calma! Que na
Surge a fé.
Ri. Ri de loucura e os
Um final diferente…
– «Perdoai-me, Simão, que vos amo mas não posso fazer com que sofrais nesta vida. Meu
pobre esposo, Minh ‘alma, olhar-vos-ei nos olhos no Paraíso. Aí, seremos um só; um só
coração; um só espírito.»
Chorou durante toda a noite e gritou a Deus, no quarto escuro e húmido e pequeno que o
encerrava do exterior como um cárcere do seu próprio coração Arrancou a roupa à cama,
calcou as flores amarelas que estavam na jarra de barro, rasgou cartas, documentos, a própria
roupa; sentiu o sabor a sangue na boca e pensou em dezenas de maneiras de terminar com a
autoridade do pai de Teresa.
Mariana e João da Cruz que o haviam ouvido soluçar e esmurrar as paredes logo entenderam
que a carta que a velha mendiga tinha trazido a troco dumas sopas na tarde anterior era
portadora de más notícias.
Desviando o olhar para uma frecha da portada da janela de madeira, já comida pelo caruncho,
Mariana tentou absorver nos seus olhos negros alguma luz da alvorada que se adivinhava
vizinha, como se a luz conseguisse trazer-lhe paz e iluminação.
– Vou ver do fidalgo, moça! O raio do rapaz esteve a pregar ao diabo a noite toda. Vai na volta,
deu-se alguma desgraça com a fidalguinha! Deus queira que não.
– Mas, meu pai, que ides dizer a Simão? Quando o coração padece, não há palavra que o
chame à razão!
– Olha que tu agora… saíste-me cá uma entendida! Prepara o comer, que o fidalgo há-de ter
fome e eu também, que estou com uma gana.
Mariana sabia-o. Não adiantariam as palavras do pai. Ela mesma conhecia aquela dor. Os
soluços de Simão, tão iguais aos seus, que a própria havia reprimido. E os pensamentos que a
assolaram, sobre a dor constantemente no seu peito, rapidamente se foram embora assim que
as lágrimas foram limpas e o pão cortado.
Simão, estendido no chão com o ferimento da bala aberto, chorava baixinho. O quarto estava
desarrumado. Entornou a tinta, rasgou papéis e tinha o lábio cortado. A mancha de sangue
que aumentava no seu ombro mostrava o quanto o pobre rapaz, que pouco conhecia do amor
a não ser das quiméricas cartas que a menina lhe mandava, desejava sair do corpo. Morrer ali,
esvaindo-se, sentindo a vida escorrer-lhe, seria a saída perfeita do mundo que o derrotara.
– Ela vai – profere, com a voz rouca e presa pelo choro, por fim.
– Mestre João, Teresa desistiu! Desistiu de nós. Ela vai. Diz que não lhe espera muito mais
tempo de vida, que está morrendo e que o Paraíso esperará por nós.
Mestre João da Cruz, espantado por tais palavras de uma menina que da vida só entendia de
bordado e luxo, encolheu os ombros em sinal de resignação.
Mariana arrumou o fruto da revolta de Simão enquanto arrumava os seus pensamentos,
também. Enquanto o fazia, reparou no casaco que este havia deixado na cadeira.
A medo, como se estivesse a fazer algo errado, pegou no casaco, deixou-se sentir o aroma que
exalava. Algo quente e fresco ao mesmo tempo; era doce e masculino. Mariana chorou assim
que a imagem de um futuro irreal ao lado de Simão lhe surgiu.
Mariana! Ó pobre e coitada rapariga! Tu amas! E muito! Farias tudo de novo para ajudar
Simão. Não alterarias nada!
– Desculpai-me, Mariana! É tudo culpa minha! Se nunca tivesse trazido para cima de vós as
minhas desventuras, jamais sofrerias tanto.
– Não, Senhor Simão! Não digais isso! Amo-vos como a um irmão ou a um esposo. Vós sabeis!
– O meu pai disse-me. Mas talvez tenha sido melhor assim… – sorriu timidamente, sem sequer
se aperceber disso.
– Achais?