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NOVAS POLíTICAS DE RECURSOS

HUMANOS: SEUS IMPACTOS NA


SUBJETIVIDADE E NAS RELAÇÕES
DE TRABALHO

* Maria Elizabeth Antunes Lima

Os resultados de uma pesquisa realizada em grande empresa brasileira pioneira


na introdução de novas políticas de Recursos Humanos.

The findings of a research carried out in a Brazilian enterprise which can be seen as
pionner in the introduction of new human resources policies.

PALAVRAS-CHAVE:
Novas Políticas, dualismo so-
cial, racionalidade instrumen-
tai, modelo japonês, relações
de trabalho.

KEYWORDS:
New policies, social dualism,
instrumental rationality, Japa-
nese model, industrial rela-
tions.

• Professora Adjunta do Depar-


tamento de Psicologia da
UFMG.

Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 34, n. 3, p. 115-124 Mai./Jun. 1994 115
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Apesar de recorrer aos princípios de concorrência japonesa. No entanto, em
antigas teorias administrativas, as políti- vez de tentar a síntese dos dois modelos
cas de pessoal, adotadas por um grande (aderindo, assim, à corrente chamada "ca-
número de empresas ocidentais no de- liforniana") a idéia do Projeto Saturno era
correr dos últimos anos, apresentam-se a de inaugurar uma nova prática geren-
como inovadoras. Com efeito, por trás de cial, diferente de tudo o que havia sido fei-
um discurso mais sofisticado e pretensa- to até então. Apesar da busca de originali-
mente científico, é possível identificar as dade, a maior novidade neste segundo
principais formulações de antigas teorias modelo consiste na tentativa de se criar
administrativas como a Teoria de Rela- um novo pacto social, negociado com os
ções Humanas, a Teoria Estruturalista, a sindicatos, ao invés da hostilidade aberta
Teoria Comportamental, dentre outras. O contra a ação sindical manifestada pelas
que nos parece representar uma novida- empresas "californianas". Além disso, na
de é a considerável generalização dessas empresa "saturniana", as divergências e
antigas idéias, isto é, sua grande aceita- conflitos são considerados inevitáveis e
ção e conseqüente aplicação por um nú- por isso devem ser tratados de forma
mero cada vez maior de empresas, no de- aberta e negociada para se obter o consen-
correr dos últimos anos. so. A forma de controle é que se modifica:
A entrada dos produtos japoneses no "O empregador saturniano se serve das nego-
mercado mundial e as crises do petróleo ciações coletivas como um meio de se informar
têm sido apontadas como as duas prin- sobre o que se passa na fábrica". 2
cipais causas da expansão desta "nova" Percebe-se, no entanto, que o sindicalis-
prática gerencial. Realmente, após a en- mo aceito e preconizado por este modelo
trada massiva de produtos japoneses no identifica-se exatamente com aquele do
ocidente, ameaçando economias até en- qual tenta se afastar, ou seja, o "sindicalis-
tão hegemônicas, a preocupação central mo à japonesa". É o próprio Messine, um
dentro da administração tem sido a de dos apologistas deste modelo, que nos
decifrar o segredo tão bem guardado oferece o melhor argumento quando afir-
pelo Japão e que lhe permitiu, não ape- ma: "É preciso reduzir a função tradicional do
nas recuperar rapidamente sua econo- sindicato relativa à negociação salarial, para
mia, totalmente destruída após a Segun- privilegiar um sindicalismo de proposição, to-
da Guerra, como também provocar de- talmente voltado para a eficácia operacional.
sequilíbrios importantes no mercado Esta reorientação significa o abandono pro-
mundial. gressivo de um sindicalismo nacional ou por
Uma das primeiras tentativas de com- categoria, em proveito de um sindicalismo por
preensão do sucesso japonês foi realizada empresa. Enquanto o primeiro fixa as normas
por William Ouchi, no best seller Teoria Z.1 salariais e, por natureza, ignora os problemas
A idéia mais importante veiculada por específicos de cada empresa considerada indivi-
este autor é a de que é possível realizar dualmente, o segundo se presta bem a uma in-
uma síntese entre os modelos administra- tegração funcional à japonesa". 3
tivos oriental e ocidental. Segundo ele, as Portanto, as políticas de pessoal que
empresas mais lucrativas do ocidente são têm sido adotadas por um número signifi-
aquelas que já realizaram esta síntese. cativo de empresas ocidentais baseiam-se,
Muitos autores lhe sucederam e a idéia direta ou indiretamente, no que conven-
de se importar o modelo administrativo cionamos chamar de Modelo Japonês.
japonês permanece, com ligeiras modifi- Aquelas que possuem os recursos neces-
cações, até os dias atuais. sários conseguem importar este modelo
No entanto, é preciso citar uma outra de maneira bastante fiel, enquanto que às
1. OUCHI, W. Théorie Z - faire corrente dentro da administração contem- outras resta apenas a possibilidade de um
face au défi japonais. Paris: In- porânea, composta por críticos à importa- arremedo grotesco, como temos presen-
tereditions, 1979. ção do Modelo Japonês. O modelo preco- ciado através da recente generalização dos
nizado pelos autores desta corrente ba- programas de Qualidade Total. As políti-
2. MESSINE, Ph. Les saturniens
- quand les patrons reinventent seia-se numa experiência realizada pela cas adotadas pelas primeiras empresas,
la société. Paris: La Découverte, General Motors, denominada Projeto Sa- isto é, aquelas que conseguiram importar
1987. de maneira mais fiel o Modelo Japonês,
turno. Evidentemente, esse projeto foi
3. Idem, ibidem. também concebido para se enfrentar a podem ser assim resumidas: estabilidade

116 © 1994, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.
NOVAS POLíTICAS DE RECURSOS HUMANOS ...

no emprego, salário acima da média do têm encontrado no Modelo Japonês a sua


mercado, grande investimento na forma- fonte máxima de inspiração. O sucesso
ção dos empregados e na inovação tecno- destas empresas - cujos resultados eco-
lógica, maior polivalência dos trabalhado- nômicos representam o parâmetro de
res, busca da adesão do sindicato aos obje- avaliação mais importante - é freqüente-
tivos da empresa, criação de um "merca- mente atribuído por seus dirigentes e por
do interno", isto é, elaboração de um pla- seus ideólogos ao tipo de política que
no de carreira que permite a ascensão fun- elas adotaram.
cional, incentivo à participação dos em- Algumas das grandes empresas brasi-
pregados nas decisões relativas ao seu se- leiras já tinham inovado suas políticas,
tor de trabalho, maior autonomia e maior mas a discussão só se ampliou realmente
controle do processo de trabalho por parte após a publicação do livro Virando a pró-
dos trabalhadores, redução dos níveis hie- pria mesa.r Com efeito, pela primeira vez
rárquicos e fragmentação da empresa em no Brasil um livro sobre política empresa-
pequenas unidades com a finalidade de rial interessou até mesmo às pessoas que
facilitar seu controle. não estavam diretamente vinculadas às
No presente artigo pretendemos discu- empresas. Este livro esteve na lista dos
tir os resultados de uma pesquisa realiza- mais vendidos durante cerca de três anos,
da numa grande empresa brasileira do se- o que reforça a sua importância no novo
tor metalúrgico, que importou de maneira cenário que se delineava. Um dos objeti-
bastante fiel as práticas gerenciais japone- vos revelados por este empresário ao
sas.! Esta pesquisa tinha por objetivo estu- transformar suas políticas de pessoal era o
dar os impactos destas políticas sobre a de tornar a empresa um lugar atraente,
subjetividade dos empregados. O enfoque onde as pessoas se sentissem bem e gos-
especial dado aos aspectos subjetivos tassem de trabalhar. Para ele, a gestão da
deve-se não somente à carência de estu- empresa depende essencialmente da rela-
dos neste campo, como também e, princi- ção de confiança que se estabelece entre
palmente, à idéia de que estas novas práti- patrão e empregado. É por esta razão que
cas gerenciais atingem de forma privile- inicia a transformação de sua empresa
giada a vida psíquica, ao contrário de al- pela eliminação de alguns dispositivos
gumas das antigas práticas que tinham no tradicionais de vigilância e de controle
corpo seu alvo maior. Não podemos nos dos empregados: o controle do ponto, isto
esquecer que, se os fundamentos de tais é, o controle dos horários de entrada e de
políticas podem ser identificados em anti- saída e a revista dos empregados na saída
gas teorias administrativas, a sua versão da empresa. Além disso, Sernler percebia
atualizada vem enriquecida pelas desco- o modelo gerencial anterior como paterna-
bertas mais recentes da Psicologia, além lista e autoritário, pois não suportava
daquelas realizadas por outras disciplinas qualquer sugestão ou reivindicação dos
como a Sociologia,a Economia e a própria trabalhadores. Segundo ele, os antigos di-
Administração. Isto significa que nesta rigentes consideravam qualquer reivindi-
nova versão, antigas práticas de Relações cação ou sinal de insatisfação como uma
Humanas, por exemplo, ficam potencial- ofensa pessoal. Tratava-se, portanto, da
mente mais perigosas, pois são enriqueci- necessidade urgente de "profissionalizar"
das pelas descobertas mais recentes reali- a empresa, isto é, de separá-la radicalmen-
zadas pelas Ciências Humanas, notada- te da vida pessoal dos seus proprietários e
mente pela Psicologia. empregados. Desta forma, ela não seria 4. Os resultados desta pesquisa
mais considerada como uma extensão da serviram de subsídios para a
elaboração de nossa tese de
AS NOVAS POLíTICAS DE PESSOAL NO vida familiar e as reivindicações passa- doutorado, intitulada Eftets
BRASIL - CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO riam a ser aceitas naturalmente, como algo psychopathologiques des nou-
inerente à toda vida organizacional. velles politiques de ressources
humaines, defendida na Univer-
As políticas de Recursos Humanos, Se este discurso não traz nada de real- sidade Paris IX, em junho de
adotadas nos últimos anos por um núme- mente novo para quem tem acompanha- 1992.
ro cada vez mais significativo de empre- do o desenvolvimento das políticas de
5. SEMLER, R. Virando a pró-
sas brasileiras, baseiam-se em modelos pessoal adotadas pelas empresas, ele é pria mesa - um sucesso empre-
propostos pelas empresas mais lucrativas rico em esperanças para aqueles que sarial made in Brazil. São Paulo:
do Primeiro Mundo, que, por sua vez, sempre se submeteram a modelos autori- Best Seller, 1988.

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tários e/ ou tradicionais de gestão. Ele dá da "harmonia de interesses individuais e or-
uma ênfase especial à "humanização das ganizacionais". Um autor que aborda de
relações de trabalho", reforçando a necessi- forma pertinente esta questão é J. Chasin.
dade de reconhecer e valorizar o empre- Ele fala da diferença fundamental entre
gado como um ser humano. É Sem ler participacionismo e a verdadeira demo-
quem constata o esforço realizado pelas cracia afirmando que o primeiro se ba-
empresas atuais para "encontrar um modo seia no estrangulamento das contradições
de tratar este novo ser humano que insiste em pela administração ou pela força, en-
ser tratado como tal". 6 quanto que a segunda dá livre curso a es-
O livro de Semler passa a idéia de que tas contradições para que possam ser ex-
sua empresa encarna a fórmula mais aca- plicitadas e depois resolvidas, não pela
bada de "democracia empresarial", espe- simples participação política, mas pela
cialmente quando toca no ponto mais de-
licado da relação capital/trabalho, reco-
nhecendo a importância do sindicato e da
participação dos trabalhadores nas ativi- Se este discurso não traz nada
dades sindicais ou nas comissões de fábri-
ca. As políticas que preconiza podem ser de realmente novo para quem
facilmente assimiladas àquelas identifica- tem acompanhado o
das anteriormente como modelo "satur-
niano", Apesar da tentativa de se apre-
desenvolvimento das políticas de
sentar o modelo gerencial como tipica- pessoal adotadas pelas empresas,
mente brasileiro, o subtítulo escolhido
ele é rico em esperanças para
para o livro trai suas verdadeiras origens:
"um sucesso empresarial made in Brazil", aqueles que-sempre se submeteram
As idéias que prevalecem em torno a modelos autoritários e/ou
dessas novas políticas não resistem a uma
análise mais cuidadosa. As freqüentes tradicionais de gestão.
contradições revelam as verdadeiras ra-
zões que levam os empresários a adotar
este ou aquele modelo, desmantelando
toda a aparente coerência desse discurso intervenção social. A democracia se defi-
que fala de um "novo humanismo na empre- ne para ele como um campo de batalha
sa" baseado numa "verdadeira experiência aberto na busca de soluções que a ultra-
democrática". Percebe-se, invariavelmente, passam e não simplesmente como uma
a importância crucial dos resultados eco- instância de participações resolutivas que
nômicos, apesar da tentativa freqüente de a reiteram. 8
se dissimular ou minimizar este dado. A reivindicação é valorizada e conside-
Normalmente são as dificuldades econô- rada como legitima, mas é preferível que
micas vividas pela empresa que levam à seja expressa por um grupo interno da
modificação de suas políticas de pessoal. 7 empresa, criado para esta função, do que
Em alguns casos, a empresa se antecipa a ser imposta por um acordo de greve, por
estas possíveis dificuldades, inovando exemplo. Apesar de todo um discurso fa-
6. Idem, ibidem.
suas políticas que, neste caso, teriam uma vorável à expressão de conflitos e de rei-
7. O próprio Semler não é uma função preventiva. Em outros, ela sim- vindicações, Semler deixa bem claro que a
exceção. Ele deixa claro no seu greve é "um movimento de agressão à empre-
livro que as dificuldades econô- plesmente opta por um novo modelo com
micas vividas por sua empresa a finalidade de tornar-se mais competiti- sa" e por isto não deve haver negociação
durante os anos 80 impunham va e conquistar novos mercados. em estado de greve. A sua preocupação
uma mudança imediata. Além com a antecipação dos conflitos fica evi-
disso, é ele mesmo quem con- Além disso, por trás de um discurso
fessa que um modelo tradicio- que preconiza a participação e a demo- dente quando diz que "o corpo de funcioná-
nal de gestão não teria possibili- cracia industrial, o que vemos é um "par- rios percebe que a greve não é necessária se
tado o pagamento dos emprés- souber usar os mecanismos de diálogo da em-
timos que foi obrigado a fazer
ticipacionismo" e a "democracia" é o uni-
para salvar sua empresa. verso de sua realização. Esta espécie de presa para se manifestar". Ele sugere, enfim,
"democracia" - colocada como a forma que todo assunto - inclusive o salário -
B. CHASIN, J. A sucessão na seja discutido dentro da hierarquia e das
crise e a crise na esquerda. Re-
suprema de liberdade - não passa na ver-
vista Ensaio, São Paulo, 1989. dade da busca incansável do consenso, comissões de fábrica para evitar que "este

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tópico acabe virando assunto de greve". Uma dencial, onde associava-se à imagem de
frase sua resume bem o verdadeiro objeti- um jovem audacioso e dinâmico, natu-
vo de suas políticas: "a desobediência civil ralmente o único capaz de levá-la a ter-
na empresa deve ser sutilmente encorajada ... O mo. Modernizar significava, antes de
bom senso requer um pouco de desobediência mais nada, integrar o Brasil ao Primeiro
civil para alertar a organização de que alguma Mundo. Este é apresentado como o
coisa não vai bem". Desta forma, a empresa exemplo maior de sucesso e como o pa-
pode ser alertada sobre as insatisfações e raíso das conquistas materiais, em espe-
os conflitos antes que eles possam "virar cial, graças ao funcionamento da econo-
assunto de greve". 9 mia de mercado sem interferência do Es-
Apesar disso, este discurso foi muito tado. Se o mercado é soberano, a abertu-
bem recebido em nossa sociedade: de ra total da economia aparece como a úni-
um lado, a população em geral vê neste ca saída possível ao subdesenvolvimen-
modelo o nascimento de uma nova rela- to. Segundo Barelli, "As dificuldades da
ção, mais justa e mais humana, entre ca- economia brasileira são atribuídas à inter-
pital e trabalho, ou até mesmo a solução venção excessiva do Estado e à fraca exposi-
mágica às contradições e aos conflitos ção da economia ao exterior. Ao liberar as ex-
sempre presentes nesta relação e consi- portações, a indústria brasileira seria obriga-
derados até então como insolúveis; de da a se modernizar e a incorporar as novas
outro lado, os empresários vêem nele a tecnologias, sob pena de não poder enfrentar
resposta aos problemas econômicos vivi- a concorrência internacional". 12 Concorda-
dos por suas empresas. Aqueles que co- mos com este autor quando ele fala da
locam em prática estas políticas são per- extrema fragilidade deste argumento
cebidos como verdadeiros pioneiros na que negligencia "o fato de que a atual divi-
humanização da empresa no Brasil. são internacional do trabalho tem suas pró-
Além disso, eles foram capazes de solu- prias regras no que se refere aos capitais e à
cionar problemas muito graves e antigos tecnologia, e que não é suficiente abrir a eco-
sem provocar mudanças drásticas na or- nomia para conquistar posições no mundo
dem das coisas. 10 Enfim, estes empresá- contemporâneo". 13 Além disso, não pode-
rios são percebidos como extremamente mos deixar de perceber, neste tipo de
habilidosos, pois foram capazes de en- discurso, o que Mappa 14 considera como
contrar medidas que satisfaziam plena- a melhor ilustração da racionalidade ins-
mente todos os participantes da organi- trumental, isto é, "a questão do como al-
zação, assegurando assim a paz social e cançar o trem do desenvolvimento domina
organizacional. E tudo isso não impede - aquela do porque, para quem e qual desen-
mas ao contrário, favorece - a rentabili- volvimento".
dade crescente da empresa. Este é um Foi, portanto, com este objetivo vago
dos seus maiores méritos: conseguir au- de "modernização industrial" no Brasil
mentar cada vez mais os lucros sem que que um grupo de técnicos do Ministério
isto implique o tratamento injusto e de- da Economia elaborou em 1990 o docu- 9. SEM LER, R. Op. cit.
sumano de seu pessoal. Eles lhe conce- mento citado anteriormente e que mere-
10. Como diz o próprio Sem ler:
dem, pelo contrário, vantagens materiais ce ser rapidamente descrito. Para eles, a "Não há sinal de revolução e de
e psicológicas que as outras empresas ja- modernização das indústrias brasileiras desautorização a caminho".
depende da adoção de modernos méto- SEMLER, R. Op. cit.
mais pensaram em introduzir nas suas
políticas. dos de gestão da produção e de gestão 11. CARDOSO DE MELLO, Z. et
Um outro elemento importante para tecnológica, assim como da capacidade ai. A modernização industrial no
compreendermos a expansão dessas no- de incorporar novas tecnologias. Para Brasil, documento divulgado em
1990.
vas políticas de pessoal no Brasil diz res- isto, o essencial é a "qualidade e a produti-
peito a algumas medidas adotadas pelo vidade" que são colocadas como "instru- 12. BARELLI, W. Le coüt social
governo Collor. Um documento elabora- mentos estratégicos" para tomar possível de la modernisation conservatri-
ce. Revue Mensuel, Marxisme,
do por Zélia Cardoso de Mello e seus as- "o crescimento econômico e o desenvolvimen- Mouvement. Paris, n. 42,1990.
sessores é bastante revelador do desejo to social". Segundo eles, a política adota-
deste governo de colocar em prática um da pelo governo Collor, buscando redu- 13. Idem, ibidem.
plano de modernização das empresas. 11 zir a presença do Estado na atividade 14. MAPPA, S. et ai. Rapport de
Esta idéia de modernização esteve pre- produtiva, tomava a economia competi- Synthese de Forum de Delphes.
sente durante toda a campanha presi- tiva em nível internacional e oferecia um Paris: Karphala, 1991.

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ambiente favorável à implementação DISCUSSÃO DOS RESUl lADOS
dessas mudanças. Propõem, então, o
Programa Brasileiro de Qualidade e de As dimensões psicológicas
Produtividade que teria um pressuposto Através do nosso estudo detectamos os
fundamental: "a ação harmoniosa e coorde- seguintes impactos psicológicos provoca-
nada do Estado, dos empresários e dos consu- dos por estas novas políticas de pessoal:
midores". Eles criaram o Comitê Nacional uma forte identificação dos empregados
de Qualidade e de Produtividade, que com a empresa e com seu projeto de domi-
teria a função de estabelecer um conjun- nação, a idealização da empresa, favore-
to de ações indutoras da modernização cendo com freqüência a emergência de
industrial e tecnológica no país, introdu- processos narcisistas (especialmente entre
zindo, assim, o Brasil "no contexto das eco- os empregados de escritório e os executi-
nomias mais desenvolvidas".
Não poderíamos deixar de criticar
uma visão tão simplista das 'economiae
dos países subdesenvolvidos. Estes técni- Modernizar significava, antes
cos consideram que a modernização in-
dustrial, baseada especialmente na preo- de mais nada, integrar o Brasil an
cupação com a qualidade e com a produ- que chamamos Primeiro MundO;
tividade, será suficiente para elevar o
Brasil ao nível dos países do Primeiro
Este é apresentado como o
Mundo. Vários aspectos importantes es- , exemplo maior de sucesso e como
tão ausentes nesta discussão, mas, em
o paraise das conquistas materiais,
nossa opinião, o mais importante concer-
ne ao fato de que nossa economia é de- graças ao fúncionamento da
pendente desde suas origens e que "a economia de mercado sem
mundialização do capital subsume formações
sociais distintas e engendra desenvolvimentos interferência do Estado.
desiguais e combinados (...) Com ela não se
processa, a não ser formalmente, (. ..) uma
igualização internacional, mas a constituição
de uma cadeia de elos muito desiguais, cuja vos), a importante redução da capacidade
dinâmica constitutiva, grau de configuração, de questionar e criticar a empresa, o cresci-
capacidade de auto-sustentação e potência re- mento da rivalidade entre os pares e, espe-
produtiva são prof~mdamente distintos ", 15 cialmente, entre aqueles que se encontram
Finalmente, concordamos plenamente em um processo de mobilidade ascenden-
quando Chasín afirma que "pela via colo- te, a forte instrumentação das relações in-
nial da objetivação do capitalismo o receptor terpessoais. Estes últimos reproduzem na
tem de ser reproduzido sempre enquanto re- relação com os subordinados ou com os
ceptor, ou seja, em nível hierárquico inferior pares a forte instrumentação presente nas
na escala global de desenvolvimento". 16 políticas adotadas pela empresa e que é a
Em resumo, decidimos estudar uma própria essência da sua aplicação: o outro
dessas empresas, pois nos pareceu ur- toma-se um mero instrumento para o al-
gente e necessário desvendar as novas cance de suas próprias finalidades que são
relações de trabalho que estavam se deli- freqüentemente associadas ao projeto de
neando a partir da introdução dessa es- carreira proposto pela empresa.
tratégia gerencial no Brasil. Nosso estu- Afirmamos, anteriormente, que uma
do foi basicamente qualitativo com uma das causas principais da expansão dessas
amostra composta por três categorias so- novas políticas conceme à crença no livre
cioprofissionais: operários, trabalhadores jogo de mercado como o único elemento
de escritório e executivos. Utilizamos regulador da oferta e da demanda. Sabe-
quatro intrumentos para coleta de dados: mos que o neoliberalismo é, antes de mais
uma adaptação do T.A.T. (teste projetivo nada, o retomo do velho tema da regula-
de personalidade), uma entrevista indi- ção econômica pelos mecanismos de mer-
15. CHASIN, J. Op. clt. cado e da concorrência. Desta forma, fica
vidual semi-estruturada, um questioná-
16. Idem, ibidem. rio e uma entrevista coletiva. legitimado o afrontamento de interesses,

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NOVAS POLíTICAS DE RECURSOS HUMANOS ...

base de uma economia regida pelo merca- cessivamente dependentes e pouco críti-
do, e que se manifesta com mais clareza cas em relação à empresa. Existe, portan-
na concorrência entre capitalistas e na re- to, um preço a ser pago pela participação
lação capital-trabalho. Observamos que as em um grupo tão privilegiado.
empresas que adotam estas políticas ade- Um outro resultado que nos parece im-
rem a este princípio ao ponto de introduzir portante diz respeito à amplificação ou até
o "mercado" no seu próprio espaço inter- mesmo à imposição de estratégias defensi-
no. Na empresa estudada, esta prática, ca- vas por essas políticas. Certos tipos de me-
racterizada notadamente por uma forte canismos de defesa (idealização, identifi-
política de carreira, provoca uma violenta cação, recusa da realidade, clivagem, re-
concorrência entre setores e indivíduos, pressão etc.), 18 assim como certos compor-
cujos meios para vencer não diferem da- tamentos defensivos (individualismo, re-
queles utilizados no mercado externo. Não lação instrumental com o outro etc.), pare-
nos parece muito difícil concluir que uma ceram-nos ampliados e, às vezes, adota-
sociedade que considera legítimo o afron- dos com muito esforço pelo sujeito para
tamento de interesses e que, além disso, responder às pressões típicas dessas em-
considera-o como a única maneira de al- presas. Estas pressões são, essencialmente,
cançar a ordem e o equilíbrio, legitime, ao as exigências excessivas de produtividade
mesmo tempo, certas condutas pouco con- e de qualidade, a forte competição entre
formes à ética, como, por exemplo, a rela- pares, as injunções paradoxais e as contra-
ção instrumental com o outro. Não se tra- dições (facilmente observadas nos seus
ta, portanto, de um mero acaso à forte pre- princípios), além do imperativo de auto-
sença deste comportamento nos resultados superação. É importante esclarecer que a
obtidos, especialmente entre aqueles que intensificação exacerbada de mecanismos
psicológicos de defesa é considerada 17. Alguns autores (I. Hoffman
se dispõem a entrar na corrida pela ascen- em seu artigo Les managers et
são e que, portanto, participam mais ativa- como elemento importante nos processos le capitalism; J. Palmade, no ar-
mente do jogo proposto pela empresa. Em de ruptura da estabilidade psíquica, o que tigo Management post-moderne
nossa opinião, este jogo não passa de uma reforça a nossa hipótese de que a situação ou la technocratisation des
sciences de I'homme, dentre
recuperação, por parte da empresa, das criada por estas políticas envolve riscos outros) têm alertado sobre a
práticas mais comuns na sociedade con- mentais significativos. possibilidade de que estas práti-
temporânea, e o Brasil não representa, de Além disso, observamos uma estreita cas ultrapassem o espaço da
empresa, invadam o espaço so-
maneira nenhuma, uma exceção. relação entre a função afetiva preenchida cial e reforcem, desta maneira,
Nosso objeto de estudo era, essencial- pela família de origem e o tipo de relação suas tendências autoritárias.
mente, os impactos dessas novas políticas que o sujeito irá estabelecer com a empre- Nossas primeiras observações
sobre a forma pela qual os pro-
sobre a subjetividade dos empregados. sa que adota estas políticas. Nossos resul- gramas de Qualidade Total têm
Percebemos que essas novas práticas ge- tados sugerem fortemente que aqueles penetrado em outros setores,
renciais não são de modo algum inocen- que viveram relações originárias pouco como a educação e a saúde, re-
velam-nos que esta previsão
tes e que elas repercutem negativamente, afetivas se mostravam mais dispostos a pode, infelizmente, ser correta.
não só na vida psíquica dos indivíduos, aceitar o discurso dessas empresas e a se
mas também no campo social. 17 É impor- identificar com elas. Em resumo, a maior 18. Os mecanismos de defesa
parte dos indivíduos que tiveram pouco são compreendidos como "dife-
tante sublinhar que todas estas considera- rentes tipos de operação" ela-
ções não nos impedem de reconhecer os afeto na família tentam recriar este afeto, borados pelo ego, através dos
aspectos positivos presentes nessas políti- seja com a empresa, seja com o superior quais o sujeito afronta os confli-
hierárquico. Aqueles que tiveram segu- tos. A idealização é um "proces-
cas: a maior valorização econômica dos so psíquico através do qual as
empregados, que se reflete na política de rança afetiva na família mostraram-se qualidades e o valor do objeto
altos salários, o maior espaço para inova- sempre capazes de estabelecer uma boa são elevados à perfeição". A cli-
distância em relação à empresa e de lhe vagem é definida como uma
ção e participação, o enriquecimento do forma de defesa através da qual
conteúdo de algumas funções, a maior se- dar uma dimensão mais real. Nossos re- o objeto é cindido em "bom" e
gurança no emprego, as relações hierár- sultados nos permitem concluir que os im- "mau". A identificação é defini-
pactos dessas políticas diferem segundo a da como "um processo psicoló-
quicas menos despóticas etc. No entanto, gico pelo qual um sujeito assi-
não podemos nos esquecer de que todas categoria socioprofissional na qual se en- mila um aspecto, uma proprie-
estas vantagens representam ao mesmo contra o sujeito, mas têm igualmente uma dade, um atributo do outro e se
tempo um perigo, pois a maioria das pes- relação com a sua história pessoal e com o transforma, total ou parcialmen-
te, em seu modelo". LAPLAN-
soas que se submetem a tais políticas ma- perfil psicológico que dela resulta. CHE, J., PONTAUS, J. Vocabu-
nifestam um forte apego aos privilégios É igualmente importante salientar que lsire de la Psychanalyse. Paris:
que lhes são concedidos, tomando-se ex- nossa análise centrou-se sobre o sujeito e PUF, p. 67 e 186-87,1967.

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suas possibilidades de defesa e de resis- real, a eliminar da consciência seus confli-
tência. Neste aspecto, nosso estudo se dis- tos e contradições, sendo que tal tendência
tancia de outros realizados neste domínio: se intensifica à medida que o sujeito se
ao contrário da concepção dominante nes- aproxima do topo da hierarquia. Além
te tipo de análise, partimos da idéia de disso, o discurso paradoxal e contraditório
que o sujeito é capaz de analisar sua situa- é igualmente comum, apesar de ser mais
ção de trabalho e de encontrar a melhor explícito entre aqueles que querem ser os
forma de enfrentar as dificuldades e pres- intérpretes da ideologia da empresa, como
sões aí existentes. Ele não é um "joguete os altos executivos, por exemplo. Em nos-
passivo", "modelado" pela empresa, mas sa opinião, estes resultados podem ser, em
mostra-se, ao contrário, freqüentemente grande parte, atribuídos ao longo tempo
capaz de mobilizar uma energia conside- de exposição destes indivíduos à comuni-
rável a fim de atingir um certo equilíbrio e
alcançar uma certa adaptação às pressões
impostas por essas políticas. É importante
salientar que este equilíbrio é precário e
que ele se torna mais precário à medida
Percebemos que essas novas
que o sujeito se aproxima do topo da pirâ- práticas gerenciais não são de
mide. Concluímos, portanto, que os meios
de proteção contra os efeitos nefastos des- modo algum inocentes e que elas
ta prática gerencial são tanto mais frágeis repercutem negativamente, não
quanto mais o sujeito se encontra próximo
do alto da hierarquia. Logo, foram os altos somente sobre a vida psíquica
executivos que se mostraram mais vulne- dos indivíduos, mas começam a
ráveis a estes efeitos.
Finalmente, um outro resultado que estender seus efeitos nefastos
merece ser discutido aqui concerne aos
sobre o campo social.
eventuais distúrbios da subjetividade e da
intersubjetividade que estas novas políti-
19. EIGHER, A. Le pervets nar-
cissioue et son complice. Paris: cas podem desencadear ou reforçar. Ao
Dunod, 1989. iniciarmos a pesquisa, nossa hipótese era
a de que tais políticas teriam um efeito cação paradoxal. Não pudemos nos esque-
20. Empregamos aqui o mesmo cer que a estabilidade dos empregados
termo utilizado por Enriquez
amplificador ou mesmo catalisador destes
para designar as empresas que distúrbios. No entanto, nossos resultados neste tipo de empresa é muito grande, não
colocam em prática essas no- nos permitiram ir além; pensamos, então, somente pela sua política de não-demis-
vas políticas de pessoal, isto é, são, como também pelas outras medidas
aquelas que adotam um modelo
no favorecimento à constituição de novos
gerencial que tem por objetivo distúrbios e não apenas na amplificação voltadas para a fixação do pessoal. Eigher
aumentar seus resultados eco- daqueles que o sujeito já apresentava ao nos ajuda a compreender este dado quan-
nômicos, mas tentando dissi- do afirma que um receptor submisso du-
chegar à empresa. Parece-nos importante
mular este objetivo através de
um discurso fortemente ideoló- ressaltar que estes efeitos diferem segun- rante muito tempo à comunicação parado-
gico que coloca o bem-estar do a categoria socioprofissional na qual se xal muito provavelmente adotará este
dos indivíduos acima de qual- mesmo tipo de pressão na sua relação com
encontra o sujeito. Assim, pertencer a uma
quer outro valor. Elas tentam
também nos convencer de que categoria socioprofissional onde seja pos- os outros. Segundo este autor, "As conse-
suas decisões baseiam-se uni- sível encontrar uma fonte de valores co- qüências são a degradação da lógica simbólica e
camente em critérios éticos, so- muns, atividades mais objetiváveis e rela- a impossibilidade de estabelecer uma lógica dos
ciais e/ou estéticos. Segundo
este discurso, os resultados ções mais afetivas e solidárias, revelou-se contrários, ou seja, de atingir o conJlito".19
econômicos alcançados pela um elemento fundamental na compreen- Enfim, parece-nos importante salientar
empresa são uma conseqüên- são do modo pelo qual o sujeito irá en- que a empresa estratégica 20 não apenas
cia, ou até mesmo uma recom-
pensa, de sua prática humanis- frentar essas políticas. cria, mas mantém uma considerável de-
ta. Em nossa opinião, estas po- Constatamos igualmente uma dificul- pendência dos empregados em relação a
liticas tornaram-se um compo- dade bastante generalizada na percepção si própria. Por trás de um discurso que
nente muito importante das es-
do conflito e uma forte tendência a esque- enaltece a liberdade e a democracia, en-
tratégias adotadas pela empresa
para poder enfrentar as pres- matizar a realidade, ou seja, a reduzir (ou contramos um universo totalitário ou, no
sões do mercado. ENRIQUEZ,E. mesmo negar) sua complexidade. Em ou- mínimo, totalizante, um universo fechado,
L'individu pris au piêge de I'en-
tras palavras, percebemos que as três cate- que exerce grande influência sobre a vida
treprise stratégique. Paris, Re-
vue Conexions, v. 54, 1989-2. gorias estudadas tendem a simplificar o psíquica dos indivíduos, ao contrário dos

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NOVAS POLíTICAS DE RECURSOS HUMANOS ...

antigos métodos que tinham no corpo o dividuais, são aspectos dessas políticas
seu alvo mais importante. No entanto, que nos ajudam a compreender melhor
este universo representa, ao mesmo tem- este dado.
po, uma situação de extremo conforto à Diante das evidências oferecidas pela
medida que ele oferece aos participantes grande parte dos países que adotam essas
uma espécie de segurança, de certeza e de políticas, até mesmo aqueles que as de-
satisfação narcísea dificilmente encontra- fendem serão obrigados a admitir que é
das em outras situações de trabalho. impossível a sua adoção por todas as em-
Esse tipo de empresa torna-se um lu- presas, assim como é impossível estender
gar privilegiado, uma referência maior à sociedade como um todo os benefícios
de valores, substituindo outras institui- que lhes são atribuídos. As conclusões de
ções como a família, a igreja, a escola ou Gorz nos parecem pertinentes para com-
mesmo o sindicato. Tudo isso concorre preender, pelo menos em parte, o que se
para a redução considerável da capacida- passa na nossa sociedade. Este autor
de crítica do sujeito e,conseqüentemente, constata uma "divisão ou dualismo social"
de suas possibilidades concretas de opor que se opera nas sociedades industrializa-
uma resistência a essas políticas. Percebe- das há algum tempo e que lhe parece ine-
mos que um número importante de em- vitável. Segundo ele, é uma elite de traba-
pregados forjou uma imagem da empre- lhadores nessas sociedades que detém o
sa como inatacável e perfeita, através de privilégio de ter um emprego, um traba-
um jogo complexo de idealizações, cliva- lho mais qualificado, altos salários e
gens e deslocamentos. Isto não quer dizer maiores possibilidades de formação e
que os meios de resistência e de reapro- promoção. Este privilégio tem como con-
priação estejam ausentes, mas constata- trapartida, segundo ele, o desemprego, a
mos que eles estão bem aquém do que precariedade do emprego, a desqualifica-
tem sido observado nas empresas que ção e a insegurança da maioria. As suas
adotam outras políticas. conclusões vêm reforçar as nossas pró-
prias observações: para ele, as empresas
As dimensões sociológicas tentam fixar uma elite operária da qual
No plano sociológico, a análise dessas elas não podem prescindir, tentando, ao
novas práticas gerenciais nos leva a pen- mesmo tempo, "desligá-la de sua classe de
sar num duplo processo de exclusão: de origem, conferindo-lhe uma identidade e uma
um lado, a exclusão de uma grande mas- dignidade sociais distintas". E conclui, de
sa de assalariados que não tem acesso às uma forma bastante coerente com os nos-
vantagens oferecidas por essas empresas sos próprios resultados, dizendo que esta
que - apesar de sua importante difusão elite operária "é encorajada a ter seus pró-
no decorrer dos últimos anos - são ainda prios sindicatos independentes, seus próprios
uma minoria, particularmente em função seguros de saúde co-financiados pela empresa,
do alto custo dessas políticas; de outro mas que ela terá ao mesmo tempo sua capaci-
lado, constatamos a auto-exclusão dos dade de negociação e de reivindicação limita-
próprios empregados dessas empresas das devido ao seu isolamento e ao seu apego
em função do seu isolamento num uni- aos privilégios que lhe são concedidos". 21
verso tão distante da realidade na qual Enriquez segue na mesma direção
vive e trabalha a maioria das pessoas. quando afirma que nas empresas estraté-
Observamos, entre outras coisas, que os gicas a implicação dos empregados não
trabalhadores da empresa estudada sen- significa sua integração, pois o critério de
tem-se muito distantes das reivindica- eficácia está bem longe do critério de inte-
ções mais freqüentemente expressas pela gração. Suas conclusões coincidem com as
classe operária no Brasil, além de rejeita- nossas: "... trata-se freqüentemente de uma
rem fortemente o sindicato. A antecipa- identificação dos trabalhadores com a empresa,
ção dos conflitos, a hostilidade em rela- com seus objetivos (rentabilidade, eficácia, lu- 21. GORZ, A. Métamorphose du
ção à ação sindical (mesmo se alguns cro) e com seus métodos. Neste caso, a aliena- travail - la quête du senso Paris:
desses empresários defendem uma polí- ção é maior à medida que aquilo que é solicita- Galilée, 1988.
tica de boas relações com o sindicato) e a do ao trabalhador não é somente seu trabalho, 22. ENRIQUEZ, E. Rapport de
tentativa de evitar toda reivindicação co- mas seu ser como um todo, sua afetividade ou symnêse de Forum de Delphes.
letiva, privilegiando as reivindicações in- até mesmo seu inconsciente". 22 Paris: Karphala, 1991.

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i1~lJARTIGO
Pensamos também que essas novas prevalece também entre nós. Através
políticas não se apóiam de maneira al- deste artigo, tentamos mostrar como a
guma sobre critérios de integração e expansão dessas novas políticas de pes-
que elas provocam de preferência a in- soal permite, na verdade, o desenvolvi-
clusão dos indivíduos, isto é, a sua con- mento de processos de exclusão e de
formidade, a uma situação imposta pela auto-exclusão em vez de facilitar ou de
empresa." Nosso estudo, dentre outros, acompanhar a integração dos emprega-
revela que a alienação é fortemente pre- dos, a democratização e a humanização
sente nessas empresas, apesar de todo o das empresas, apesar de serem estes os
esforço desenvolvido por elas no senti- conteúdos mais presentes no seu discur-
do de enriquecer o conteúdo do traba- so. As conseqüências de tais políticas
lho e de mobilizar os trabalhadores podem ser ainda mais graves numa so-
através de uma melhor remuneração, da ciedade como a nossa, onde os mecanis-
iniciativa e da participação. As razões mos de regulação dessa racionalidade
dessa alienação são diferentes daquelas instrumental, quando eles existem, per-
encontradas comumente nas empresas manecem ainda pouco desenvolvidos.
tradicionais: ela se mani- Pensamos, como exemplos destes meca-
festa, em geral, nismos reguladores, na maior presença
através da extre- de instituições democráticas ou
ma passivida- no maior acesso à cidadania,
de, da ausên- suscetíveis, em nossa opinião,
cia de qual- de exercer um certo
quer protes- controle sobre os efei-
to, associa- tos perversos
das a um for- desta racio-
te apego aos nalidade.
privilégios Além disso,
concedidos poderíamos
pela empre- nos interro-
sa, dos quais gar, a partir
o sujeito não da extrema
quer ou não pode mais prescindir. instabilidade econômica na qual vive-
Em resumo, podemos afirmar que mos há bastante tempo, se esta precarie-
esta nova cultura empresarial não é por- dade contínua não tomaria os assalaria-
tadora de nenhuma contribuição, no dos brasileiros ainda mais frágeis se
23. Estamos empregando o ter- comparados aos assalariados do Primei-
mo integração como uma rela- sentido de proporcionar uma maior in-
ção de encontro com o outro, tegração dos empregados e uma maior ro Mundo. Tudo isso para dizer que es-
onde ambos os atores são autô- democratização da empresa, mas que sas novas políticas de pessoal, importa-
nomos e conscientes de seus das pelas empresas brasileiras, podem
objetivos, decidindo sobre suas
ela engendra, ao contrário, uma forte re-
ações e sobre os compromis- lação de dominação, provocando, ao apresentar conseqüências bem mais gra-
sos que desejam assumir. Desta mesmo tempo, processos de exclusão e ves no nosso contexto do que aquelas já
forma, na integração existe um explicitadas por numerosas análises rea-
reconhecimento mútuo, um
de auto-exclusão, fonte de novas cliva-
alargamento da esfera da auto- gens, notadamente, na classe trabalha- lizadas nos países que as conceberam.
nomia individual e coletiva pela dora. Nossa intenção neste artigo era a de
aceitação da autonomia e da al- propor uma discussão sobre as prová-
teridade do outro. A inclusão,
ao contrário, pode ser entendida CONCLUSÃO veis conseqüências da expansão cada
como a ação de um sujeito, a vez mais importante dessas novas práti-
fim de que o outro se conforme A racionalidade instrumental, forte- cas gerenciais no Brasil. Tentamos tratar
a uma situação definida por um
dos dois atores em jogo. (Ver a mente presente - seja nas grandes deci- a questão tanto nas suas dimensões psi-
este respeito MAPPA, S. et aI. sões políticas, seja nas práticas cotidia- cológicas quanto sociológicas, mas gos-
Op. cit.).
nas da sociedade contemporânea - reve- taríamos de prevenir o leitor de que não
la-se e adquire uma solidez cada vez tivemos a pretensão de esgotar o assun-
Uma primeira versão deste tex- maior na expansão considerável dessas to, mas somente de propor algumas pis-
to foi apresentada na XVII Reu- novas práticas gerenciais. No Brasil, a tas de reflexão que poderão ser retoma-
nião da Anpad, realizada em
Salvador, em setembro de grande aceitação de tais práticas já reve- das posteriormente através de um am-
1993. la por si só esta perversão da razão que plo debate de idéias. O

124 Artigo recebido pela Redação da RAE em setembro/93, avaliado em 18/10/93, 30/11/93 e 11/02/94, aprovado para publicação em fevereiro/94.

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