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e Aplicada
Print version ISSN 0102-4450
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-44502003000300013
ARTIGOS ARTICLES
Reynaldo Pagura
RESUMO
ABSTRACT
This paper aims at presenting an overview of conference interpreting and shows
similarities and differences between translating and interpreting. From the
theoretical groundworks of the Interpretive Theory of Translation, developed at the
ESIT (University of Paris III - Sorbonne Nouvelle), it shows that, despite theoretical
similarities, the two processes have different operational constraints. The
implications for translator and interpreter education resulting from these
operational differences are then discussed.
Introdução
"Os intérpretes existem desde a antiguidade, assim como os tradutores, com quem
são frequentemente confundidos; o tradutor trabalha com a palavra escrita, o
intérprete com a palavra falada."1 Assim começa o livreto da União Europeia
(Commission of the European Communities, s/d) com informações para os
candidatos a seus cursos de formação de intérpretes que atende às necessidades
da instituição, o maior empregador de tradutores e intérpretes do mundo.
Embora a diferença seja bem clara para os profissionais dessas duas áreas, ainda é
bastante comum ouvir referências ao "tradutor-intérprete", hábito talvez criado no
Brasil com a edição da Lei 5692/71, também conhecida como a Lei da Reforma do
Ensino, que incluía a formação do "tradutor-intérprete" como uma das inúmeras
possibilidades dos cursos profissionalizantes a serem instituídos no ensino de
segundo grau (atual Ensino Médio), o que era uma proposta bastante insensata,
mas cuja análise não é objeto do presente artigo.
Não se pode deixar de mencionar que existe uma outra linha teórica de pesquisa de
interpretação, que denomina a si mesma de "comunidade das ciências naturais", e
seus estudos são de natureza interdisciplinar com forte orientação, principalmente,
da psicologia cognitiva e da neurologia e dão grande valor à chamada pesquisa
empírica. Seus estudos, porém, são ainda de natureza bastante heterogênea.
Diversos membros dessa comunidade científica
É ainda a mesma autora, ela própria uma das vozes mais influentes da chamada
"comunidade das ciências naturais", quem afirma o seguinte a respeito da chamada
"comunidade das ciências humanas", referindo-se ao trabalho de teorização e
pesquisa desenvolvido pelo grupo encabeçado por Seleskovitch e Lederer:
Outra semelhança ainda é que tanto a tradução quanto a interpretação devem ser
realizadas por profissionais capazes de compreender e expressar ideias
relacionadas às mais diferentes áreas de conhecimento humano, sem ser
especialistas nessa área, como o são seus leitores ou ouvintes. Como diz
Seleskovitch (1978:148):
Raras são as atividades nos dias de hoje, estejam elas relacionadas à ciência ou
tecnologia, finanças ou comércio, agricultura ou indústria, tribunais de arbitragem
ou controle de gafanhotos, que não se estendam para além das fronteiras de um
país e, consequentemente, envolvam mais de uma língua.
Como já foi mencionado acima, o domínio dos idiomas de trabalho e do assunto por
parte do profissional que realiza o ato tradutório deve ser excelente. O intérprete,
no entanto, tem de ter pleno domínio das formas de expressão oral de ambos os
idiomas. Não seria arriscado dizer ainda que o intérprete terá de ter maior domínio
das línguas, do assunto, da cultura-fonte e da cultura-alvo do que o tradutor. Tal
afirmação não será temerária quando se consideram as condições de trabalho em
que ocorrem os dois processos. Na tradução, o processo pode ser interrompido
para a consulta de dicionários, enciclopédias, sites da Internet e uma infinidade de
obras de referência. Podem ainda ser consultados outros profissionais, quer sejam
tradutores quer especialistas da área de conhecimento com a qual estejam
trabalhando. Além disso, o texto traduzido poderá ser revisado diversas vezes, até
ser encontrada a melhor forma de expressão ou ainda se fazerem mudanças, se
posteriormente, for descoberto um termo mais preciso para determinado conceito.
Como dizem Padilla e Martin (1992:196): "O texto escrito é estático porque foi
produzido no passado. O tradutor pode consultá-lo em seu próprio ritmo, a seu
próprio tempo, utilizando os recursos que considerar necessários".
Em sua obra clássica, Nida (1964:150) declara a respeito do domínio linguístico por
parte dos tradutores:
"O sentido de uma frase é o que um autor quer deliberadamente exprimir; não é a
razão pela qual ele fala, nem as causas ou consequências do que ele diz. O sentido
não se confunde com os motivos nem com as intenções. O tradutor que se faça
passar por exegeta e o intérprete que se faça passar por hermeneuta estará indo
além dos limites de sua função."
Uma vez que o processo de depreensão do sentido tenha sido compreendido pelo
aluno, o estágio seguinte concentra-se na reexpressão da mensagem. O segundo e
o terceiro estágios do processo tendem a se fundir aqui, pois o "abandono imediato
e intencional das palavras e retenção da representação mental da mensagem" só
será demonstrado por intermédio da "produção de um novo enunciado na língua-
alvo, que deve atender a dois requisitos: deve expressar a mensagem original
completa e deve ser voltado para o destinatário" (Seleskovitch 1978:9). Embora,
mais uma vez, os exercícios enfatizem a língua escrita ou oral conforme o caso é
importante que seja salientada sempre a importância da desverbalização, ou seja,
da retenção e reexpressão das ideias e conceitos, e não de palavras da mensagem
original, quer seja na forma escrita ou na oral. A esse respeito, sugerem
Seleskovitch e Lederer: "A única maneira de combater a interferência [da língua de
partida na língua de chegada] é insistir na completa dissociação das duas línguas
em questão (...) Nos primeiros estágios do treinamento, um dos mandamentos
deve ser o de que nada deva ser dito da mesma forma que o original (...)"
(1995:26). Esses princípios básicos aplicam-se tanto à formação de tradutores
quanto de intérpretes, pois são essencialmente os mesmos, variando apenas
quanto à forma oral ou escrita.
A partir das três perguntas iniciais – Quais são as semelhanças entre os dois
processos que poderiam ter gerado tal confusão? E quais são as diferenças que
viriam a justificar uma separação entre as duas atividades? Que implicações essas
possíveis semelhanças e diferenças teriam para o processo de formação de
tradutores e de intérpretes? – podemos concluir o seguinte: há, de fato,
semelhanças entre os dois processos, conforme foi demonstrado neste trabalho e
como concluíram os diversos autores citados. Há também diferenças fundamentais
entre a operacionalização da tradução e da interpretação, que deixam claro tratar-
se de duas atividades distintas, ainda que semelhantes. Essas diferenças apontam
para a necessidade de formação diferenciada para as duas atividades. Essa
formação, no entanto, poderá aproveitar-se das semelhanças entre os dois
processos e da base teórica comum para justificar programas que sigam o modelo
"A" e "C", conforme descritos por Renfer (1992) e mencionados acima. Nada
impede, porém, que uma instituição opte pelo modelo "B" de Renfer (1992) e se
dedique à formação destinada exclusivamente à tradução ou interpretação, em
programas separados. Tudo dependerá, obviamente, dos interesses e
circunstâncias individuais das instituições e dos interessados na formação. Esse
último caso é, por exemplo, a situação dos programas existentes na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, em que os programas de formação de
tradutores e de intérpretes são separados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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des Interprètes de Conférence, (aiic.net) [ Links ]
RÓNAI, P. 1981. A tradução vivida. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira. [ Links ]
_____. 1980. Pour une théorie de la traduction inspirée de sa pratique. Meta, v. 25,
n. 4.pp. 401-408. Montreal: Presses de l'Université de Montréal. [ Links ]
E-mail: reynaldop@uol.com.br
* Este trabalho é uma versão bastante modificada e ampliada de outros com tema
semelhante publicado no periódico Claritas, da PUC-SP, e na BRAZ-TESOL
Newsletter. A parte referente à história da interpretação foi apresentada em uma
exposição durante mesa-redonda da qual o autor participou no II CIATI, realizado
em 2001 na UNIBERO em São Paulo.
1 Todas os trechos de citações escritos originalmente em inglês ou francês foram
traduzidas pelo autor deste artigo.
2 A interpretação realizada em tribunais durante julgamento no Brasil é, por força
da legislação, uma atribuição do tradutor público (juramentado). Tal fato corrobora
a