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DELTA: Documentação de Estudos em Linguística Teórica

e Aplicada
Print version ISSN 0102-4450

DELTA vol.19 no.spe São Paulo 2003

http://dx.doi.org/10.1590/S0102-44502003000300013

ARTIGOS ARTICLES

A interpretação de conferências: interfaces com a


tradução escrita e implicações para a formação de
intérpretes e tradutores*

Conference interpreting interfaces with written translation


and implications for interpreter and translator training

Reynaldo Pagura

PUC-SP, Associação Alumni-SP e ISAT-RJ

RESUMO

O presente trabalho faz uma breve retrospectiva da interpretação de conferências e


apresenta semelhanças e diferenças entre o processo de tradução (escrita) e o de
interpretação (oral). Tomando como base teórica a Teoria Interpretativa da
Tradução, desenvolvida na Escola Superior de Intérpretes e Tradutores (ESIT) da
Universidade Paris III (Sorbonne Nouvelle), o trabalho mostra como, apesar de
semelhanças teóricas, os dois processos são operacionalizados de maneiras
bastante diferentes. A seguir, discute algumas implicações para a formação de
tradutores e de intérpretes resultantes da operacionalização dos dois processos.

Palavras-chave: Tradução; Interpretação; Teoria Interpretativa da Tradução;


Formação de Tradutores e de Intérpretes.

ABSTRACT
This paper aims at presenting an overview of conference interpreting and shows
similarities and differences between translating and interpreting. From the
theoretical groundworks of the Interpretive Theory of Translation, developed at the
ESIT (University of Paris III - Sorbonne Nouvelle), it shows that, despite theoretical
similarities, the two processes have different operational constraints. The
implications for translator and interpreter education resulting from these
operational differences are then discussed.

Key-words: Translating; Interpreting; Interpretive Theory of Translation;


Translator and Interpreter Education.

Introdução

"Os intérpretes existem desde a antiguidade, assim como os tradutores, com quem
são frequentemente confundidos; o tradutor trabalha com a palavra escrita, o
intérprete com a palavra falada."1 Assim começa o livreto da União Europeia
(Commission of the European Communities, s/d) com informações para os
candidatos a seus cursos de formação de intérpretes que atende às necessidades
da instituição, o maior empregador de tradutores e intérpretes do mundo.

Embora a diferença seja bem clara para os profissionais dessas duas áreas, ainda é
bastante comum ouvir referências ao "tradutor-intérprete", hábito talvez criado no
Brasil com a edição da Lei 5692/71, também conhecida como a Lei da Reforma do
Ensino, que incluía a formação do "tradutor-intérprete" como uma das inúmeras
possibilidades dos cursos profissionalizantes a serem instituídos no ensino de
segundo grau (atual Ensino Médio), o que era uma proposta bastante insensata,
mas cuja análise não é objeto do presente artigo.

Embora não haja dúvidas de que a interpretação simultânea e a consecutiva


envolvam um processo de tradução, no sentido mais amplo do termo – a conversão
de uma mensagem de um idioma para outro e de uma cultura para outra –, a
maioria dos teóricos e dos praticantes das duas áreas reserva o uso dos termos
mencionados acima para duas atividades diferentes, conforme as delimitações já
mencionadas. Quais são as semelhanças entre os dois processos que poderiam ter
gerado tal confusão? E quais são as diferenças que viriam justificar uma separação
entre as duas atividades? Que implicações essas possíveis semelhanças e
diferenças teriam para o processo de formação de tradutores e de intérpretes?

Breve Explicação dos Termos Usados na Prática da


Interpretação

Como a terminologia utilizada na Interpretação não é de amplo domínio dentre


aqueles que não se dedicam a essa atividade, parece interessante explicar aqui
alguns dos termos comumente utilizados. Fala-se comumente em dois modos de
interpretação: consecutiva e simultânea (cd.: AIIC, s/d; Child 1992; Jones 1998;
Mikkelson 2000; Seleskovitch 1978), aos quais o autor deste artigo acrescenta um
terceiro – intermitente – que tem características diferentes dos outros dois, como
se verá a seguir.

A modalidade consecutiva é aquela em que o intérprete escuta um longo trecho


de discurso, toma notas e, após a conclusão de um trecho significativo ou do
discurso inteiro, assume a palavra e repete todo o discurso na língua-alvo,
normalmente a sua língua materna. A época áurea da interpretação consecutiva foi
o período compreendido entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, em que
predominavam o francês e o inglês como línguas diplomáticas e de comunicação
internacional e o grande fórum de debates internacionais era a Liga das Nações,
com sede em Genebra, na Suíça. (cf.: Seleskovitch 1978: 3) Embora não seja mais
comumente utilizada em grandes eventos internacionais, ainda é bastante usada
em pequenos grupos, principalmente quando o evento envolve apenas dois
idiomas. É importante ressaltar também que a consecutiva tem papel
preponderante no treinamento de intérpretes simultâneos, uma vez que nesse
modo se desenvolvem as técnicas que serão fundamentais para o desempenho da
simultânea, tais como a capacidade de compreensão e análise do discurso de
partida.

A modalidade simultânea é a mais amplamente utilizada hoje em dia, embora só


tenha se firmado no pós-guerra, com as necessidades surgidas no Julgamento de
Nuremberg, em que se utilizaram quatro idiomas (inglês, francês, russo e alemão)
e, quase que imediatamente a seguir, com a criação da Organização das Nações
Unidas, onde se utilizam seis idiomas oficiais (inglês, francês, espanhol, russo,
chinês e árabe). Nessa modalidade, os intérpretes – sempre em duplas – trabalham
isolados numa cabine com vidro, de forma a permitir a visão do orador e recebem o
discurso por meio de fones de ouvido. Ao processar a mensagem, reexpressam-na
na língua de chegada por meio de um microfone ligado a um sistema de som que
leva sua fala até os ouvintes, por meio de fones de ouvido ou receptores
semelhantes a rádios portáteis. Essa modalidade permite a tradução de uma
mensagem em um número infinito de idiomas ao mesmo tempo, desde que o
equipamento assim o permita. A interpretação simultânea não ocorre, de fato,
simultaneamente à fala original, pois o intérprete tem necessidade de um espaço
de tempo para processar a informação recebida e reorganizar sua forma de
expressão. Esse breve espaço de tempo recebe o nome tradicional de "décalage",
termo francês usado em todo o mundo. Uma outra forma de se realizar a
interpretação simultânea é a chamada "interpretação cochichada" ou "chuchotage"–
outro termo em francês usado por intérpretes de todo o mundo –, em que o
intérprete se senta próximo a um ou dois ouvintes e interpreta simultaneamente a
mensagem apresentada em outro idioma. Por ser essa a forma mais utilizada
atualmente, não é nada incomum que as pessoas não familiarizadas com a
terminologia profissional chamem de "simultânea" a qualquer tipo de interpretação
que tenham presenciado.

A modalidade intermitente (ou "sentence-by-sentence", ou ainda "ping-pong")


não é comumente estudada por pesquisadores da área, nem é utilizada por
profissionais em eventos de caráter internacional. É vista mais frequentemente em
reuniões nas quais se pede a uma pessoa que fala as duas línguas, via de regra
sem qualquer treino em interpretação, para que se coloque ao lado de um
palestrante estrangeiro e traduza o que ele está dizendo. O palestrante fala uma ou
duas frases curtas e faz uma pausa para que as suas sentenças sejam traduzidas
para o idioma da plateia. Esse processo centra-se basicamente na tradução das
palavras ditas, sem levar em conta diversos outros fatores importantes no processo
interpretativo, seja pela própria natureza da situação ou, muito comumente, pela
falta total de treino da pessoa colocada na posição de "intérprete". É comum
algumas pessoas confundirem essa modalidade de interpretação com o que os
profissionais chamam de consecutiva, já mencionada acima.
Podemos ainda nos referir a diversos tipos de interpretação, em função de onde e
quando ocorram (cf.: Childs 1992; Mikkelson, 2000). Os três modos mencionados
acima podem ocorrer em todas as situações a seguir. Falamos, comumente, em
interpretação de conferências, interpretação comunitária, interpretação em
tribunais2, interpretação na mídia, interpretação de acompanhamento ou ligação,
interpretação médica, entre outras. A terminologia ainda não está consagrada em
português, e é bastante comum os intérpretes se referirem a "escort interpreting"
em inglês em vez de utilizarem "interpretação de acompanhamento". Não cabe aqui
uma explicação sobre cada uma delas, mas deve-se levar em conta que as
referências feitas à interpretação no corpo deste artigo pressupõem basicamente
a interpretação simultânea realizada em conferências ou congressos envolvendo
participantes que falem línguas diferentes.

Breve histórico da Interpretação

A mais antiga referência a um intérprete parece ser um hieróglifo egípcio do


terceiro milênio antes de Cristo. Há registros de intérpretes na antiga Grécia e no
Império Romano. Na Bíblia, o Apóstolo Paulo faz a seguinte admoestação em sua
Epístola aos Coríntios: "E se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por
dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete" (I Coríntios 14:28). A
atuação de intérpretes também está documentada na Idade Média, seja nas
Cruzadas ou em encontros diplomáticos. No Novo Mundo, sabe-se que Colombo
trouxe intérpretes em sua expedição, ainda que das línguas erradas: hebraico,
caldeu e árabe. Mais conhecido e mais bem documentado é o caso de Doña Marina,
famosa intérprete de Cortez em sua conquista do México (cf.: Hogg 1997).

Mas a interpretação de conferências mais próxima do que conhecemos atualmente


teve início com a Primeira Guerra Mundial. Anteriormente, as negociações
internacionais eram realizadas basicamente em francês, uma vez que essa era a
língua comum aos diplomatas da época. Foi o que aconteceu, por exemplo, no
famoso Congresso de Viena, realizado em 1814-1815. Com a entrada dos Estados
Unidos na Grande Guerra, torna-se necessária a interpretação entre inglês e
francês, uma vez que alguns dos representantes americanos, como também os da
Inglaterra, não falavam francês com a fluência necessária para as negociações.
Considera-se que o primeiro dos intérpretes modernos foi Paul Mantoux. Nascido e
educado na França, era professor do University College, de Londres. Foi o principal
intérprete das conferências realizadas na França imediatamente após a Primeira
Guerra, que negociaram o Tratado de Versalhes.

No período de aproximadamente duas décadas entre as duas Guerras Mundiais,


ganha ímpeto a interpretação consecutiva entre o inglês e o francês, as duas
línguas utilizadas na Liga das Nações, sediada em Genebra, na Suíça. As coisas
começam a complicar-se com a criação da Organização Internacional do Trabalho,
uma vez que alguns representantes sindicais não falavam francês nem inglês e
tinham de expressar-se em sua própria língua. Utiliza-se aí uma combinação de
interpretação consecutiva e "interpretação cochichada" ou chuchotage, como é
conhecida nos meios profissionais, e um sistema primitivo de simultânea, que não
teve grande sucesso. Pouco antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial surge o
equipamento, ainda que embrionário, que viria a possibilitar a interpretação
simultânea como conhecida hoje em dia, produzido pela IBM. Com o início da
Guerra e o fim da Liga das Nações, a ideia foi, inicialmente, abandonada (cf.:
Herbert 1978; Gaiba 1998).
Ao final da Segunda Guerra, com a o advento do Julgamento de Nuremberg dos
criminosos de guerra alemães, surge o problema de realizar um julgamento com
quatro línguas principais: inglês, francês, russo e alemão. A consecutiva seria
impensável, pois alongaria imensamente a duração das sessões do Tribunal, além
de dificultar a mecânica de atuação de testemunhas, promotores, advogados, juízes
e réus, falantes de diferentes idiomas. Quem recebeu a incumbência de encontrar a
solução para o problema foi o Coronel Leon Dostert, intérprete do General
Eisenhower. A IBM empresta o equipamento gratuitamente, tendo em vista a
grande propaganda que seria o seu uso em tal ocasião. Dostert convoca jovens
intérpretes consecutivos e outras pessoas sem experiência em interpretação, mas
com excelente competência linguística e, após alguns meses de experimentação e
treinamento intensos, surge o embrião do que viria a ser a interpretação
simultânea como a conhecemos hoje em dia (cf.: AIIC 1996; Gaiba 1998).

Segundo o vídeo comemorativo dos cinquenta anos da profissão de intérprete


produzido pela Associação Internacional de Intérpretes de Conferência (AIIC 1996),
Dostert acreditava que era possível ouvir uma mensagem e expressá-la ao mesmo
tempo, o que não era aceito pelos intérpretes consecutivos mais experientes que
tinham atuado na Liga das Nações. Foi também Dostert quem insistiu na
importância de os intérpretes serem colocados de maneira a ver o que acontecia no
recinto para poderem ter a compreensão global do que se passava. Esse é um
princípio básico do processo da interpretação simultânea, em que os intérpretes
continuam a insistir hoje em dia, uma vez que dependem das expressões faciais e
outros movimentos corporais tanto quanto das próprias palavras sendo proferidas,
para terem uma compreensão global do sentido da mensagem. Os intérpretes em
Nuremberg foram colocados no fundo do salão, perto dos réus, em "cabines"
abertas de vidro, semelhantes a um guichê de agência bancária, que logo começam
a ser chamadas de "aquários". Em cada uma delas, atuavam três intérpretes com a
mesma língua de chegada e com três diferentes línguas de partida. Por exemplo, na
chamada "cabine de inglês", atuavam três intérpretes que tivessem o inglês como
língua A (ou língua materna), sendo que um intérprete trabalhava do francês para
o inglês, outro do russo para o inglês e outro do alemão para o inglês. A mesma
estrutura era encontrada na cabine de francês, de russo e de alemão. Assim, as
equipes atuavam com doze intérpretes ao mesmo tempo, divididos em quatro
cabines, com três intérpretes em cada uma, agrupados segundo sua língua
materna, que era uma das quatro línguas de trabalho do Julgamento. Havia três
equipes de doze membros, atuando alternadamente (cf.: AIIC 1996; Gaiba 1998).
Esse sistema de trabalho adotado em Nuremberg era diferente do que se utiliza
atualmente, em que os intérpretes atuam em duplas nas cabines, ambos com a
mesma língua de partida e de chegada, aumentando-se o número de cabines (e de
duplas de intérpretes) de acordo com as necessidades linguísticas do evento.

Antes mesmo do fim do Julgamento de Nuremberg, é criada a Organização das


Nações Unidas (ONU), para a qual são deslocados alguns intérpretes que atuavam
em Nuremberg. É interessante notar que a Conferência de São Francisco, nos
Estados Unidos, onde seria organizada a ONU, não previa a atuação de intérpretes.
Segundo Herbert (1978:7), Stettinius, Secretário de Estado americano e anfitrião
do evento, faz seu discurso de abertura em inglês e, para a sua surpresa, o Ministro
das Relações Exteriores da França, George Bidault, que havia providenciado uma
equipe de intérpretes da delegação francesa, faz um sinal para que iniciem a
interpretação consecutiva para o francês, surpreendendo a todos. Fica claro,
imediatamente, que a ONU não funcionaria sem intérpretes e que o inglês não seria
a única língua da organização. Segundo o vídeo mencionado acima (AIIC 1996), ao
inglês, somam-se o francês, o espanhol, o russo e o chinês como línguas de
trabalho da ONU. Na década de 70, acrescenta-se o árabe e são essas, até hoje, as
seis línguas oficiais da Organização. Aos poucos, a interpretação simultânea vai
vencendo os preconceitos iniciais, ganhando confiança e prestígio, e vai
substituindo a consecutiva nos diversos setores que compõem a família de
organizações da ONU.

Na década de 50, é criada a CECA – Comunidade Europeia de Carvão e Aço – que


foi o embrião do Mercado Comum Europeu, hoje União Europeia. Segundo um de
seus fundadores e seu primeiro presidente, Jean Monnet, logo em seu início,
reconhece-se a necessidade de um serviço de interpretação e é chamada a fazer
parte dessa organização inicial uma jovem intérprete, Danica Seleskovitch, que
deixaria profunda impressão nos serviços de interpretação da atual União Europeia
e viria a transformar o treinamento e a formação de intérpretes (cf Monnet 1975:
iv). Ao contrário da ONU, na qual se estabeleceram seis línguas de trabalho fixas, a
União Europeia considera como línguas oficiais a de todos os países-membros,
chegando hoje a 11 idiomas, com provável aumento à medida que outros países
venham a ser aceitos como membros da União.

A formação de intérpretes ontem e hoje

Os primeiros intérpretes atuantes em Nuremberg, na ONU e na CECA foram


formados na prática. Nos meios profissionais, diz-se que esses intérpretes foram
"formados" pelo método "sink or swim", expressão em inglês que significa
literalmente "afogue-se ou nade", e que se refere ao fato de que os intérpretes
simultâneos eram colocados na cabine para interpretar sem que recebessem
previamente qualquer treinamento formal.

A primeira escola especificamente criada para a formação desses profissionais foi a


da Universidade de Genebra, na Suíça, em 1941, que a partir de 1972 passa a se
dedicar também à formação de tradutores. (Université de Genève, 2000) . Em
finais da mesma década de 40, é fundada por Dostert a Divisão de Interpretação e
Tradução da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, (Gaiba 1998) escola
essa que acaba de ser extinta. Mas é a chegada de Danica Seleskovitch, à escola de
intérpretes da Sorbonne, em 1956, que viria a alterar significativamente os
métodos de formação de intérpretes. Seleskovitch viria a tornar-se um dos maiores
nomes no ensino da interpretação e uma das mais conhecidas pesquisadoras da
área. A AIIC (Associação Internacional de Intérpretes de Conferência)
homenageou-a, dando seu nome ao prêmio internacional concedido a cada dois
anos a um intérprete que preste serviços relevantes à profissão. Pöchhacker
(1992:212), ao analisar o papel da teoria na interpretação simultânea, é claro: "De
fato, Mme Seleskovitch merece total reconhecimento por ter feito oposição às
estreitas concepções linguísticas a respeito da língua, que ainda prevaleciam no
início dos anos 70". Ainda a seu respeito, Christopher Thiery, intérprete-chefe do
Ministério das Relações Estrangeiras da França e ex-presidente da AIIC, declara em
um congresso realizado na Sorbonne:

(...) eu gostaria de propor uma homenagem profissional a respeito da vida de


Danica [Seleskovitch] e de tudo que ela fez. (...) Creio ser importante dizer três
coisas [sic]. A primeira é que Danica não era nada além de intérprete, uma
intérprete notável, como podem pressupor. Era também alguém que queria ver as
coisas melhorarem. Ela quis imprimir sua marca à organização de uma profissão.
(...) Em segundo lugar, Danica compreendeu que a interpretação era um meio de
fazer outra coisa que enriqueceria seu trabalho de intérprete e a faria desabrochar
plenamente. Foi certamente graças ao Professor Gravier que Danica veio a
desenvolver sua tese, o que lhe abriu as oportunidades. Mas é evidentemente
graças a Danica e a tudo o que ela suscitou a seguir – a princípio com o seu
trabalho de pesquisa e depois com o trabalho que veio a se desenvolver a seu redor
– que nós, profissionais, nos sentimos atualmente à vontade nos meios
acadêmicos. (...) (Lederer e Israël 1990:300-301).

Antes do início de seu trabalho como professora de interpretação e pesquisadora na


Sorbonne, o treinamento de intérpretes estava associado ao ensino de línguas
estrangeiras. [Seleskovitch 1975:3] É Seleskovitch quem começa a refletir sobre o
processo, vindo a desenvolver toda uma linha teórica sobre o assunto, a chamada
"Teoria Interpretativa da Tradução" ou "Théorie du Sens" (Teoria do Sentido),
conhecida em todo o mundo pelo seu nome original em francês. A inexistência de
livros ou artigos traduzidos para português ocasiona a falta de uma terminologia
consagrada em língua portuguesa. Essa teoria será discutida mais à frente neste
trabalho.

A maior parte das escolas de formação de intérpretes encontra-se na Europa. Além


da ETI (Universidade de Genebra) e da ESIT, (Sorbonne Nouvelle-Paris III), as
mais tradicionais são o ISIT (Instituto Católico de Paris), a Universidade de
Westminster, em Londres, anteriormente denominada Polytechnic of Central
London e as faculdades que fazem parte da Universidade de Heidelberg, na
Alemanha e da Universidade de Viena, na Áustria. Existem ainda diversos outros
programas na Espanha, em Portugal, na Bélgica, na Itália e nos países do leste
europeu. Nos Estados Unidos, com o fim das atividades da escola de formação de
intérpretes da Universidade de Georgetown, o único programa pleno, cujo
treinamento envolve diversos idiomas, restante é o do Monterey Institute of
International Studies, na Califórnia, embora existam programas menores em
diversas outras universidades. No Canadá, existe um programa pleno na
Universidade de Ottawa. É interessante mencionar que praticamente todos os
programas mencionados neste parágrafo não estão associados a cursos de Letras,
como ocorre frequentemente no Brasil, mas constituem faculdades dedicadas
especificamente à formação de tradutores e intérpretes, inseridas na estrutura das
respectivas universidades em pé de igualdade com as demais que integram o
sistema universitário.

No Brasil, os pioneiros no desenvolvimento de um programa dedicado à formação


de intérpretes foram a PUC do Rio de Janeiro e a Associação Alumni, em São Paulo.
Posteriormente, foram criados programas que combinam a formação de tradutores
e intérpretes ao mesmo tempo, como o da Faculdade Ibero-Americana, atualmente
Unibero. E em 1999, foi criado o Curso de Formação de Intérpretes de Conferência
de Língua Inglesa da PUC São Paulo.

Teorização: A Teoria Interpretativa

Há diversas teorias existentes relacionadas à tradução e, em menor número, à


interpretação. Dentre elas, destaca-se a chamada théorie du sens, em francês, ou
a Teoria Interpretativa da Tradução, desenvolvida por Danica Seleskovitch e
sua equipe na ESIT, já mencionada acima. Desenvolvida a partir da experiência de
décadas de Danica Seleskovitch como intérprete de conferências e detendo-se, a
princípio, na interpretação de conferências, a Teoria Interpretativa da Tradução
veio posteriormente a ser aplicada à tradução escrita per se, posição essa firmada
definitivamente por Marianne Lederer (1994) em sua obra La Traduction
Aujourd'hui: le modèle interprétatif. Tal aplicação consagra definitivamente a ideia
de que os fundamentos teóricos são, de fato, os mesmos tanto no processo da
tradução como no da interpretação.
Seleskovitch (1980:403) apresenta em alguns poucos parágrafos uma introdução
aos princípios teóricos da Teoria Interpretativa da Tradução. Diz ela:

Se ao ler um jornal ou ouvir um discurso numa determinada língua, uma pessoa


pensar que basta unicamente o conhecimento da língua em questão para
compreender a mensagem estará implicitamente acreditando na hipótese levantada
por algumas teorias linguísticas da tradução. Desde Saussure, os estudos da
linguística sincrônica tentam imprimir-lhe um cunho mais científico ao dissociar o
estudo das línguas e de seu funcionamento do estudo de seu uso, propriamente
dito, na dicotomia "língua X fala" da teoria saussuriana. No entanto, paralelamente
ao aprofundamento dos estudos a respeito dos mecanismos e do funcionamento da
linguagem em nível de língua, vimos surgir nas últimas três décadas a
Psicolinguística, a Sociolinguística, as Teorias da Comunicação, as pesquisas
empíricas dos Atos de Fala e de Análise do Discurso, além da própria Linguística
Textual, que estuda as estruturas pragmáticas da língua. Todas essas áreas de
estudo vão muito além do escopo da língua estabelecido pela linguística pós-
saussuriana, sem que, porém, deixem de possuir caráter científico.

Por outro lado, estruturalistas como G. Mounin ou R. Jakobson que viram a


tradução humana exclusivamente sob o ângulo do funcionamento da língua, e um
gerativista como N. Chomsky, que trabalhou indiretamente a favor da tradução
mecânica, não perceberam que para estudar a tradução, deve-se abandonar o
domínio dos sistemas de signos articulados, o domínio da competência linguística
neutra de um "native speaker" [em inglês no original francês], a fim de penetrar no
domínio do ato de comunicação que é, por sua vez, a realização da língua e a
expressão de um pensamento individual, o domínio das mensagens transmitidas
pela fala e que são, ao mesmo tempo, compostas da língua e de conteúdos
cognitivos ligados aos signos linguísticos apenas de maneira transitória. O estudo
da tradução exige que se levem em consideração não apenas a competência
linguística do indivíduo que compreende e fala, mas também sua bagagem
cognitiva e suas capacidades lógicas. (...) Compreender um texto ou discurso não
consiste apenas em identificar os conteúdos semânticos permanentes dos signos
linguísticos e a eles atribuir a significação que se depreende de sua combinação
sintática em frases, mas também discernir os demais elementos cognitivos não
linguísticos que, em uma dada situação, estão ligados ao enunciado.

Quais são, então, os principais postulados teóricos da Teoria Interpretativa da


Tradução? Em Seleskovitch (1978:9), a autora apresenta os três estágios que
formam o arcabouço básico da teoria:

“1. Percepção auditiva de um enunciado linguístico que é portador de significado”.


Apreensão da língua e compreensão da mensagem por meio de um processo de
análise e exegese;

2. Abandono imediato e intencional das palavras e retenção da representação


mental da mensagem (conceitos, ideias, etc.);

3. “Produção de um novo enunciado na língua-alvo, que deve atender a dois


requisitos: deve expressar a mensagem original completa e deve ser voltado para o
destinatário.”

Analisemos os três estágios mencionados acima. Nota-se aqui a origem da teoria,


que deriva da forma oral de tradução, quando a autora menciona "percepção
auditiva". A mesma teoria aplica-se à tradução escrita, como postulado por Lederer
(1994) e mencionado mais adiante neste trabalho, pois a percepção do enunciado
linguístico pode ser feita tanto pela audição como pela leitura. Ainda no primeiro
estágio, uma vez apreendida a mensagem por meio de sua forma linguística, ela
será analisada e compreendida para que se chegue ao sentido, por meio de uma
fusão do significado linguístico das palavras e frases com os "complementos
cognitivos".

Segundo Lederer (1990:56-57), há três tipos básicos de "complementos


cognitivos": contexto verbal, contexto situacional e contexto cognitivo. A respeito
do primeiro deles, diz ela: "A fala é enunciada por meio de um fluxo contínuo de
palavras, cada palavra contribuindo para o significado das palavras a seu redor e
tornando-se mais específica pelas demais palavras que a acompanham. A interação
significativa das palavras presentes da memória de trabalho é o primeiro nível de
complementos cognitivos; ela acaba com a polissemia das palavras." O contexto
situacional, explica a mesma autora aplicando o conceito à interpretação de
conferência, tem a ver com o fato de que "os intérpretes fazem parte do evento no
qual estão interpretando. Eles não somente veem o participante, mas sabem quem
são e qual a sua função ao falar. (...) A consciência do contexto situacional é mais
um complemento cognitivo que faz com que se compreenda significados relevantes,
eliminando a polissemia." Aplicando o mesmo conceito à tradução escrita, Lederer
(1994:41) diz: "O tradutor identifica a realidade designada, a época em que o texto
foi escrito, o autor, o público original (...) A bagagem cognitiva do tradutor
permite-lhe reencontrar e transmitir as ideias e as emoções que o texto designa,
mais do que aqueles que ele exprime." Por último, o contexto cognitivo é definido
como: "um saber latente, desverbalizado, que intervém na compreensão das
sequencias verbais sucessivas" (Lederer,1994: 41). Em outras palavras, tanto no
processo escrito como no oral, o profissional da tradução "faz uso de sua memória
das coisas ditas anteriormente a fim de compreender as sentenças sendo
enunciadas" (Lederer 1990: 57) Complementando a noção, a autora explica que ele
"é cognitivo, uma vez que não mais tem uma forma verbal e contextual, uma vez
que deriva de coisas já ditas" (Lederer, 1990: 57).

Um conceito relacionado ao dos complementos cognitivos mencionados acima é o


de "bagagem cognitiva" (Lederer 1990: 58; Lederer 1994: 36). Em outras palavras,
a bagagem cognitiva é o "conhecimento de mundo que existe independentemente
dos atos da fala. É o todo daquilo que conhecemos, quer seja por experiência, quer
seja por meio do aprendizado. Partes relevantes desse conhecimento são
mobilizadas pela cadeia enunciativa e contribuem para a compreensão [do que foi
dito]" (Lederer 1990: 58). A bagagem cognitiva é, essencialmente, o que se chama
em inglês de encyclopaedic (or world) knowledge (cf.: Lederer 1994: 38). Ela se
associa aos demais elementos contextuais discutidos acima para, em associação ao
significado linguístico das palavras e frases, possibilitar que o tradutor ou intérprete
cheguem ao sentido daquilo que está sendo dito.

É ainda importante mencionar mais um conceito ligado à teoria em discussão.


Como não há relações previamente estabelecidas entre palavras ou expressões de
duas línguas diferentes, tais relações são criadas tendo em vista como, onde,
quando e por que razão alguma palavra ou expressão é utilizada, como já
mencionado nos parágrafos anteriores. As exceções ficam, praticamente, por conta
das palavras ditas "técnicas", dos nomes próprios (quer sejam de lugares, pessoas
ou organizações) e de expressões numéricas. Esse processo recebe o nome de
"transcodificação" (do francês, transcodage) (cf.: Lederer, 1994: 46-48;
Seleskovitch, 1975: 11-31) e restringe-se basicamente a palavras que denotem
quantidades, a nomes próprios e a palavras ou expressões de natureza técnica.
Inclui exemplos como hepatitis (em inglês) sendo traduzido como "hepatite" em
português; ou ainda London tornando-se "Londres" no texto em português. Nesses
casos, não há necessidade de "interpretação" (significando aqui o ato de processar,
interpretar o que foi dito no original usando-se a bagagem cognitiva do tradutor e
os complementos cognitivos pertinentes) no processo tradutório, mas
simplesmente utiliza-se a relação previamente estabelecida entre os dois idiomas e
de domínio de ambas as comunidades linguísticas.

O segundo estágio do processo é a chamada "desverbalização". O conceito é


claramente explicado por Seleskovitch e Lederer (1995:24): "O processo da
interpretação envolve a percepção de ideias, ou sentido, expressas no discurso. À
medida que se percebe o sentido, as formas verbais utilizadas para transmiti-lo
desaparecem, deixando apenas a consciência a partir da qual o intérprete pode
espontaneamente expressar o sentido, sem estar preso à forma da língua de
partida".

O terceiro estágio envolve a chamada "reverbalização". É o momento em que o


tradutor e o intérprete dão uma nova feição à mensagem já compreendida. Como
claramente dito por Seleskovitch (1978:9), o novo enunciado deverá atender a dois
critérios básicos: a mensagem original deve ser completa, provida de todos os
detalhes e deve refletir as características da língua de chegada. Ao se traduzir do
inglês para o português, por exemplo, o texto de chegada, quer seja ele escrito ou
oral, deverá parecer ter sido produzido originalmente em português, sem traços
que denotem sua origem no inglês.

Não se pode deixar de mencionar que existe uma outra linha teórica de pesquisa de
interpretação, que denomina a si mesma de "comunidade das ciências naturais", e
seus estudos são de natureza interdisciplinar com forte orientação, principalmente,
da psicologia cognitiva e da neurologia e dão grande valor à chamada pesquisa
empírica. Seus estudos, porém, são ainda de natureza bastante heterogênea.
Diversos membros dessa comunidade científica

"escolheram aspectos bem específicos da interpretação e criaram estudos


experimentais sobre eles. É comum entre os membros dessa comunidade a busca
de uma teoria da interpretação que seja precisa e verificável, ainda que não
necessariamente de simples compreensão, que tenha um alto grau de poder de
explicação a fim de descrever objetivamente o ato de interpretação e, ao mesmo
tempo, atender aos princípios rígidos da investigação científica." (Moser-Mercer
1994).

É ainda a mesma autora, ela própria uma das vozes mais influentes da chamada
"comunidade das ciências naturais", quem afirma o seguinte a respeito da chamada
"comunidade das ciências humanas", referindo-se ao trabalho de teorização e
pesquisa desenvolvido pelo grupo encabeçado por Seleskovitch e Lederer:

A consistência geral da teoria (...), sua abrangência e simplicidade, seu valor


explanatório intuitivo e consequente apelo pedagógico somaram-se para dar-lhe
ampla aceitação. Assim, de várias maneiras, essa teoria atende a muitas das
exigências inerentes a uma teoria em geral. (idem)

Há ainda inúmeros estudos teóricos relativamente recentes, que se ocupam


basicamente da tradução em sua forma escrita, tanto no Brasil como em âmbito
internacional. Podem-se mencionar no Brasil os trabalhos de Arrojo (1986) e Aubert
(1994) e, em âmbito internacional, os de Baker (1992) e de Snell-Hornby (1995). A
semelhança entre esses estudos e a teoria interpretativa da interpretação não pode
ser de toda descartada, pois todos concordam basicamente que o processo
tradutório não pode se deter apenas no nível linguístico, devendo levar em conta o
cultural e o situacional. Não cabe, aqui, entretanto, uma análise de todos esses
estudos. Uma abordagem detalhada de várias posições teóricas pode ser vista em
Pöchhacker (1992) e em Shlesinger (1995). Ambos os autores sugerem como
estabelecer fundamentos teóricos que se apliquem tanto à tradução escrita como à
oral (interpretação).

Semelhanças básicas entre a tradução (escrita) e a


interpretação (oral)

O propósito principal tanto da tradução quanto da interpretação é fazer com que


uma mensagem expressa em determinado idioma seja transposta para outro, a fim
de ser compreendida por uma comunidade que não fale o idioma em que essa
mensagem foi originalmente concebida. Arrojo (1986:80) cita a etimologia da
palavra "tradução" e explica sua posição: "de acordo com a
etimologia, tradução (do latim traductione ) significa 'ato de conduzir além, de
transferir' (...) Como tentamos demonstrar, traduzir, mais do que transferir, é
transformar: 'transformar uma língua em outra, e um texto em outro' (Jacques
Derrida)." Pode-se dizer que o tradutor e o intérprete são profissionais que
permitem que uma mensagem cruze a chamada "barreira linguística" entre duas
comunidades, sendo comum usar a metáfora "ponte" para designar esses
profissionais. Tal imagem é mesmo utilizada no título de conhecida obra escrita
pelo tradutor e ensaísta brasileiro recentemente falecido, José Paulo Paes, que a
intitulou "Tradução: A Ponte Necessária – Aspectos e Problemas da Arte de
Traduzir" (Paes 1990).

Alguns autores já apontaram a semelhança essencial entre os processos de


tradução e interpretação. Harris (1981:154) afirma: "É melhor admitirmos logo de
início que a tradução e a interpretação têm muito em comum. Em resumo, são
apenas dois modos daquilo que é, essencialmente, uma única operação: um
processo por meio do qual um enunciado falado ou escrito acontece em um idioma,
que tem a intenção e a expectativa de transmitir o mesmo significado previamente
existente no enunciado de outro idioma." Lederer (1994:11) também fala a respeito
da semelhança entre a tradução e a interpretação: "A teoria interpretativa (...)
estabeleceu que o processo consistia em compreender o texto original,
desverbalizar sua forma linguística e expressar em outra língua as ideias
compreendidas e os sentimentos experimentados. Essa constatação, feita
inicialmente a respeito da tradução oral, ou interpretação de conferências, aplica-se
também à tradução escrita."

Outra semelhança é que tanto na tradução quanto na interpretação, é preciso


dominar plenamente os dois idiomas envolvidos no processo, embora ao tradutor
baste o domínio de sua forma escrita e ao intérprete, a sua forma oral. Há
excelentes tradutores de textos escritos que não são capazes de compreender a
forma oral da língua da qual traduzem. Em outras palavras: compreendem
perfeitamente um texto lido na língua estrangeira de trabalho, mas não são
capazes de entender um texto semelhante se apresentado oralmente por seu autor,
em forma de conferência ou palestra, por exemplo. Esse tipo de profissional
também teria dificuldades para manter uma conversa no mesmo idioma do qual
traduz muito bem um texto escrito. Caso o profissional tenha o conhecimento da
língua-fonte na forma escrita para fins de leitura, nada impede um excelente
desempenho como tradutor para sua língua materna, desde que tenha um bom
domínio da forma escrita de seu próprio idioma. Paulo Rónai, o fundador da
Associação Brasileira de Tradutores (ABRATES), afirma: "Muitas vezes nasceram
traduções relativamente boas feitas de línguas que os tradutores não falavam.
Muitas vezes esses têm da língua de partida apenas um estudo livresco, sem
conhecerem o país onde ela é falada. (...) E no caso de obras gregas e latinas, o
conhecimento da língua-fonte, por mais sólido que seja, é quase sempre apenas
passivo." (Rónai 1981:27-28) O intérprete, por outro lado, recebe toda a
mensagem original em forma oral e precisa ter total domínio da forma oral da
língua de partida, percebendo sutilezas de pronúncia, nuances de entonação, sendo
capaz de compreender diferentes variantes regionais do idioma estrangeiro.
Necessita, obviamente, de total domínio das formas de expressão oral de seu
próprio idioma, mesmo que não tenha um bom domínio da escrita em sua própria
língua.

Outra semelhança ainda é que tanto a tradução quanto a interpretação devem ser
realizadas por profissionais capazes de compreender e expressar ideias
relacionadas às mais diferentes áreas de conhecimento humano, sem ser
especialistas nessa área, como o são seus leitores ou ouvintes. Como diz
Seleskovitch (1978:148):

Raras são as atividades nos dias de hoje, estejam elas relacionadas à ciência ou
tecnologia, finanças ou comércio, agricultura ou indústria, tribunais de arbitragem
ou controle de gafanhotos, que não se estendam para além das fronteiras de um
país e, consequentemente, envolvam mais de uma língua.

Portanto, a interpretação não é mais restrita, como já o foi, a negociações


diplomáticas, e o intérprete pode vir a ser chamado para (...) atuar em qualquer
área de atividade humana contemporânea.

Tal constatação, obviamente, aplica-se também à tradução, pois além de


conferências e palestras, também existirão sempre textos escritos a respeito dos
mesmos assuntos. No entanto, não é possível que os profissionais que realizam a
atividade tradutória dominem a área médica, por exemplo, como se fossem
médicos. No entanto, os congressos médicos oferecem regularmente interpretação
simultânea realizada por intérpretes e não por médicos. O mesmo se aplica a
outras áreas de conhecimento como engenharia, economia, marketing, etc. No que
concerne à forma escrita da língua, as traduções de documentos e contratos, por
exemplo, são realizadas no Brasil por tradutores juramentados que não são,
necessariamente, advogados. É por isso que as pessoas envolvidas
profissionalmente nas atividades de tradução e de interpretação devem manter-se
atualizadas no desenvolvimento constante das áreas de conhecimento com as quais
trabalhem e consultar especialistas da área, quando necessário. Via de regra, o
tradutor ou o intérprete escreve ou fala a respeito de um assunto que não domina
plenamente, tendo como audiência especialistas desse assunto, que o conhecem
muito mais a fundo.

É interessante mencionar ainda o papel desempenhado pela memória nos dois


processos, "mais especificamente o papel dos processos de memória para fortalecer
pressuposições contextuais ma fase de reformulação, tanto em interpretação
quanto em tradução" (Alves e Pagura 2002:75). Tanto na tradução quanto na
interpretação pode-se perceber que as pressuposições contextuais existentes
formam a base dos processos inferenciais nos dois processos. "Tanto a
interpretação quanto a tradução podem ser vistas como processos que fazem parte
do espectro de processos inferenciais humanos e podem ser explicadas como parte
de uma visão mais ampla da comunicação humana" (Alves e Pagura 2002, 76).

As diferenças entre os dois processos

Presumindo-se que os fundamentos teóricos podem ser considerados os mesmos


como já mencionado acima, conclui-se que a diferença entre os processos de
tradução e de interpretação são, basicamente, de operacionalização (cf.: Lederer
1994:1; Harris, 1981:154). Tanto a fonte da mensagem como o resultado do
processo se dão em formas distintas – escrita e oral, respectivamente – resultando
daí diferenças operacionais. Seleskovitch (1978:2) também trata do assunto:
"Essas profissões gêmeas [tradução e interpretação] têm o mesmo objetivo, atuam
com base nos mesmos princípios e são – ou podem ser – baseadas na mesma
teoria. (...) A tradução converte um texto escrito em outro texto escrito, enquanto
a interpretação converte uma mensagem oral em outra mensagem oral. Essa
diferença é crucial."

Como já foi mencionado acima, o domínio dos idiomas de trabalho e do assunto por
parte do profissional que realiza o ato tradutório deve ser excelente. O intérprete,
no entanto, tem de ter pleno domínio das formas de expressão oral de ambos os
idiomas. Não seria arriscado dizer ainda que o intérprete terá de ter maior domínio
das línguas, do assunto, da cultura-fonte e da cultura-alvo do que o tradutor. Tal
afirmação não será temerária quando se consideram as condições de trabalho em
que ocorrem os dois processos. Na tradução, o processo pode ser interrompido
para a consulta de dicionários, enciclopédias, sites da Internet e uma infinidade de
obras de referência. Podem ainda ser consultados outros profissionais, quer sejam
tradutores quer especialistas da área de conhecimento com a qual estejam
trabalhando. Além disso, o texto traduzido poderá ser revisado diversas vezes, até
ser encontrada a melhor forma de expressão ou ainda se fazerem mudanças, se
posteriormente, for descoberto um termo mais preciso para determinado conceito.
Como dizem Padilla e Martin (1992:196): "O texto escrito é estático porque foi
produzido no passado. O tradutor pode consultá-lo em seu próprio ritmo, a seu
próprio tempo, utilizando os recursos que considerar necessários".

Na interpretação, por outro lado, todo o conhecimento necessário e o vocabulário


específico terão de ter sido adquirido antes do ato tradutório em si. Durante o
processo de interpretação simultânea, fechado em sua cabine e tendo que tomar
decisões em questão de segundos, não há tempo para o intérprete realizar
consultas de qualquer natureza. No máximo, poderá ter a ajuda do companheiro de
cabine em alguma expressão recorrente no discurso que não lhe tenha vindo à
mente a princípio. É claro que o intérprete absorve conhecimento do assunto no
decorrer da própria palestra ou do evento que esteja interpretando, num processo
que a Teoria Interpretativa da Tradução (cf.: Lederer, 1990:56-57) rotula de
"contexto situacional", mas as bases sobre as quais tal conhecimento será
construído têm de ser estabelecidas previamente, em sua preparação para o
trabalho em questão. Sua bagagem cultural (cf.: Lederer, 1990: 58; Lederer 1994:
36-38) tem de ser imensa, pois é impossível prever quais exemplos ou histórias
serão utilizados por um palestrante para ilustrar um determinado assunto. Como
afirmam Padilla e Martin (1992:197)

“[p] ara o intérprete, o processo de compreensão é muito mais complicado”. Ele


não tem tempo de usar dicionários ou consultar um especialista. A única maneira
em que o intérprete pode afetar o processo de compreensão é tomando atitudes
previamente, antes que a mensagem seja realmente comunicada, por intermédio
da preparação exaustiva, tanto lexical como conceitual, a respeito do assunto
envolvido.

Outra diferença importante é o ritmo em que se dá o trabalho. Apesar de os


clientes dos tradutores sempre necessitarem da tradução "com a máxima
urgência", o volume de tradução processado em determinado espaço de tempo será
sempre muito menor em sua forma escrita do que na forma oral. Enquanto nas
organizações internacionais, espera-se que os tradutores de tempo integral
traduzam cerca de 50 linhas a cada duas horas, um discurso cujo texto transcrito
tenha as mesmas 50 linhas será interpretado em cerca de oito minutos, conforme
dados apresentados por Seleskovitch e Lederer (1995: v). Seleskovitch acrescenta
ainda que a interpretação acontece numa velocidade "30 vezes maior" (1978:2) do
que o processo de tradução. É óbvio que, nessas condições, não é possível qualquer
tipo de revisão da mensagem expressa. Enquanto a tradução é revisada pelo
tradutor e, frequentemente, por um outro leitor, o resultado do trabalho do
intérprete é final. Se o que for dito não conseguir transmitir a mensagem,
dificilmente haverá tempo para que a mensagem seja reexpressa de maneira
diferente. No entanto, os intérpretes experientes conseguem, na maioria das vezes,
corrigir ou emendar algum sentido mal expresso com uma determinada palavra ou
frase, ainda que só o façam normalmente duas ou três frases adiante. Isso exige,
porém, bastante segurança por parte do intérprete no próprio processo de
interpretação. Caso ele não se dê conta do eventual erro, não há a figura do
revisor, que possa corrigir o problema antes que o produto de seu trabalho chegue
ao público-alvo como, pelo menos teoricamente, acontece com a tradução escrita.
(cf.: Padilla e Martin, 1992:198-199) Uma vantagem do intérprete em relação ao
tradutor a esse respeito, porém, é que o seu trabalho desaparece quando o evento
termina, enquanto o trabalho do tradutor, impresso e publicado, permanecerá
indefinidamente. Seleskovitch (1978:18) ilustra esse fato citando um provérbio
latino – scripta manent, verba volant – para reiterar essa diferença: as palavras
escritas permanecem para a posteridade, enquanto a palavra falada desaparece.

A tradução e a interpretação são normalmente realizadas por pessoas com


características um tanto diferentes. Na tradução, o trabalho tem característica
bastante individual, isolado. É realizado por alguém que trabalha inúmeras horas
sozinho, diante de um computador, com seus dicionários e livros; só eventualmente
troca ideias de seu trabalho com algum colega, seja pessoalmente, por telefone ou
por e-mail, quando em caso de dúvidas ou busca de soluções melhores para
determinado problema. A interpretação, por outro lado, é eminentemente um
trabalho de equipe, quer seja em dupla ou em várias duplas, como acontece em
eventos que envolvam diversas línguas ou que, apesar de envolverem apenas duas
línguas, estendam-se por diversos dias.

O resultado do trabalho de interpretação é sentido imediatamente nas reações da


plateia e, principalmente, nas perguntas ou no debate após uma conferência. Os
bons intérpretes realmente se mostram nas perguntas e respostas. Quando essa
parte da reunião flui sem problemas, fica patente que o trabalho do intérprete está
sendo bem desempenhado. Essa observação foi corroborada por Lederer em
comunicação pessoal com o autor deste trabalho em 2001 e em publicação, quando
afirma: "A melhor maneira de julgar a qualidade da interpretação é ouvir o período
de discussões em que as pessoas fazem perguntas umas às outras. Se isso estiver
acontecendo em duas ou três línguas e as pessoas mostrarem-se satisfeitas com as
respostas, pode-se afirmar que a comunicação foi estabelecida, que a interpretação
teve êxito e que o processo envolvido foi representativo". (1978:324)

Outra diferença fundamental entre a tradução e a interpretação está relacionada ao


processo de análise e retenção de conteúdo. O texto de partida na interpretação,
diferente do que acontece na tradução, não está à disposição indefinidamente. O
intérprete (simultâneo) tem de ter a capacidade de concentrar-se no que está
ouvindo a fim de processar a informação imediatamente e reexpressá-la na língua-
alvo, sem se descuidar da próxima unidade de sentido sendo expressa pelo
palestrante imediatamente a seguir. Como mencionado anteriormente neste
trabalho, o processo da interpretação simultânea é tríplice – ouvir / processar /
reexpressar – (Seleskovitch: 1978; Seleskovitch e Lederer: 1995) e as três etapas
acontecem ao mesmo tempo. Na interpretação consecutiva, as duas primeiras
etapas ocorrem simultaneamente e a terceira (reexpressão) ocorrerá
posteriormente, exigindo ainda mais capacidade de retenção da informação. (cf.:
Seleskovitch: 1975) A capacidade de analisar o conteúdo da mensagem,
depreendendo os elementos de coesão que "amarram" a sequencia de pensamento
do palestrante, é uma habilidade fundamental a ser utilizada no processo. Uma vez
compreendida a mensagem, seu conteúdo terá de ser lembrado até o momento de
ser expresso na língua de chegada, respeitando-se as características desse idioma
e dessa cultura. Não é incomum, porém, que o sentido de um enunciado só se
torne claro após diversas frases ou mesmos parágrafos, mas não é obviamente
possível que o intérprete espere todo esse tempo para começar a falar. Nesses
casos, o processo interpretativo exige uma "transposição linguística ou
transcodificação" (Lederer 1978:324) de maneira calculada, até que a compreensão
da ideia permita que o intérprete se liberte das palavras e parta, uma vez mais,
para a reexpressão da mensagem de forma mais distante da sintaxe e léxico da
língua de partida e mais adequada à língua de chegada. A concentração tem de ser
total, e por essa razão os intérpretes trabalham em duplas e se revezam a
intervalos entre 20 e 30 minutos. Nada semelhante ocorre no processo de tradução
escrita, pois o texto original está à disposição do tradutor para ser consultado
tantas vezes quanto necessárias e pode ser lido inteiramente antes de se iniciar a
tradução. A forma de expressão, por sua vez, poderá ser trabalhada até se chegar
ao considerado ideal.

Implicações para a formação de tradutores e de intérpretes

Em sua obra clássica, Nida (1964:150) declara a respeito do domínio linguístico por
parte dos tradutores:

O primeiro e mais óbvio dos requisitos de qualquer tradutor é que tenha


conhecimento satisfatório de língua de partida. Não basta que ele seja capaz de
compreender o sentido geral do texto, ou que tenha o hábito de consultar
dicionários (o que terá de fazer de qualquer modo). Ele deverá entender não
somente o conteúdo óbvio da mensagem, mas também as sutilezas de significado,
o valor emotivo significativo das palavras e as características estilísticas que
determinam o "sabor e sentimento" da mensagem (...). Ainda mais importante do
que o conhecimento dos recursos da língua de partida é o controle completo da
língua de chegada. (...) [N]ão há substituto para o domínio pleno da língua de
chegada.

Embora Nida refira-se a tradutores, a mesma exigência obviamente aplica-se a


intérpretes. Jones (1998:12) deixa isso bem claro:

Ao falarmos de compreensão, referimo-nos não à compreensão de palavras, mas


de ideias, pois são as ideias que teremos de interpretar. Obviamente, não se
podem compreender as ideias se não se compreenderem as palavras que o orador
está utilizando para expressá-las, ou caso não se esteja suficientemente
familiarizado com a gramática e a sintaxe da língua do orador, para que seja
possível acompanhar suas ideias.

Como já foi mencionado anteriormente neste trabalho, a ênfase no conhecimento


linguístico necessário ao processo de tradução está na língua escrita, ao passo que
para a interpretação se faz necessário o domínio da língua oral. Esse domínio é
condição prévia necessária e indispensável para a formação de tradutores e de
intérpretes. Os programas de formação desses futuros profissionais não têm como
seu objetivo o ensino de línguas. O domínio das línguas de trabalho antecede a
formação de tradutores e intérpretes propriamente dita.
A partir dos princípios teóricos expostos acima, podem-se fazer algumas
recomendações para a formação de tradutores e de intérpretes. Uma vez que o
primeiro dos três estágios preconizados pela Teoria Interpretativa da Tradução está
centrado na "apreensão da língua e compreensão da mensagem por meio de um
processo de análise e exegese" (Seleskovitch 1978:9), o primeiro passo na
formação de futuros tradutores e de futuros intérpretes consiste em "ensinar os
alunos a perceberem e analisarem uma mensagem" (Seleskovitch e Lederer
1995:2). Em outras palavras, tanto o tradutor quanto o intérprete devem ser
capazes de apreender o sentido de uma mensagem. Seleskovitch (1984:269)
define o que é sentido (sens, em francês), princípio fundamental da Teoria
Interpretativa da Tradução:

"O sentido de uma frase é o que um autor quer deliberadamente exprimir; não é a
razão pela qual ele fala, nem as causas ou consequências do que ele diz. O sentido
não se confunde com os motivos nem com as intenções. O tradutor que se faça
passar por exegeta e o intérprete que se faça passar por hermeneuta estará indo
além dos limites de sua função."

Num primeiro estágio de formação, tanto os futuros tradutores como intérpretes


deverão ser expostos a exercícios que tenham o objetivo de lhes ensinar a perceber
o sentido de uma mensagem. Esses exercícios estarão centrados na língua oral
para intérpretes e na língua escrita para tradutores. Em outras palavras, os futuros
tradutores deverão trabalhar a partir de textos escritos enquanto os futuros
intérpretes farão exercícios a partir de gravações ou de trechos lidos pelo professor.
Os exercícios de compreensão auditiva para intérpretes diferem daqueles utilizados
comumente em cursos de ensino de língua estrangeira, chamados comumente em
inglês de listening comprehension exercises. Seleskovitch e Lederer (1995:2)
preconizam o seguinte: "O intérprete ouve [da seguinte maneira]: o intérprete
concentra-se completamente no significado do que o orador quer dizer, captando
todas as nuanças e sutilezas". A seguir, o aluno deverá ser capaz de reproduzir a
mensagem, ainda que de forma resumida, transmitindo o sentido, a intenção do
original. Exercícios semelhantes podem ser utilizados para tradutores, partindo-se
de textos escritos, como já mencionado. A reprodução, neste estágio, pode ser feita
oralmente, pois o objetivo ainda não é o de reexpressar a mensagem em sua forma
final, mas sim o de treinar o aluno no processo de depreensão do sentido. Esses
exercícios têm como objetivo precípuo levar o aluno a parafrasear o original,
reproduzindo o seu conteúdo na mesma língua que leu o ouviu o texto original.
Mais uma vez reitera-se: o objetivo aqui é a compreensão do sentido do original e
não a reexpressão em outra língua.

Uma vez que o processo de depreensão do sentido tenha sido compreendido pelo
aluno, o estágio seguinte concentra-se na reexpressão da mensagem. O segundo e
o terceiro estágios do processo tendem a se fundir aqui, pois o "abandono imediato
e intencional das palavras e retenção da representação mental da mensagem" só
será demonstrado por intermédio da "produção de um novo enunciado na língua-
alvo, que deve atender a dois requisitos: deve expressar a mensagem original
completa e deve ser voltado para o destinatário" (Seleskovitch 1978:9). Embora,
mais uma vez, os exercícios enfatizem a língua escrita ou oral conforme o caso é
importante que seja salientada sempre a importância da desverbalização, ou seja,
da retenção e reexpressão das ideias e conceitos, e não de palavras da mensagem
original, quer seja na forma escrita ou na oral. A esse respeito, sugerem
Seleskovitch e Lederer: "A única maneira de combater a interferência [da língua de
partida na língua de chegada] é insistir na completa dissociação das duas línguas
em questão (...) Nos primeiros estágios do treinamento, um dos mandamentos
deve ser o de que nada deva ser dito da mesma forma que o original (...)"
(1995:26). Esses princípios básicos aplicam-se tanto à formação de tradutores
quanto de intérpretes, pois são essencialmente os mesmos, variando apenas
quanto à forma oral ou escrita.

Nesse momento inicial, a formação do tradutor e do intérprete concentra-se em


princípios básicos e nada impede que esse estágio inicial seja realizado em
conjunto. Outro componente que também se aplica a ambos é a introdução a
princípios teóricos. A teoria pode ser ensinada como um componente separado ou
ser apresentada em conjunto com os exercícios práticos iniciais delineados acima e
a eles aplicada continuamente. "Esse é um estágio fundamental em seu
treinamento, durante o qual adquirem a metodologia para dominar as técnicas (...),
aprendem a dissociar a língua de partida da língua de chegada e a transmitir o
sentido. Se entenderem esses objetivos desde o início, conseguirão concentrar seus
esforços na direção certa (...)"(Seleskovitch e Lederer 1995:21).

A partir desse início, é necessário que a formação se dirija a componentes


específicos inerentes ao processo de tradução e ao de interpretação. O futuro
tradutor irá trabalhar os princípios delineados acima em exercícios específicos de
tradução, com ênfase em aspectos inerentes à expressão em língua escrita como,
por exemplo, a coesão textual. O futuro intérprete, por outro lado, deverá ser
introduzido a princípios de oratória e de colocação da voz, além de dedicar muitas
horas ao treino específico de interpretação consecutiva, que inclui a técnica de
tomar notas, e finalmente o treino específico de interpretação simultânea, em que
desenvolverá as técnicas necessárias ao trabalho na cabine. Mais uma vez, a ênfase
será sempre no processo tríplice já mencionado acima, com destaque para a
desverbalização da mensagem original e sua reexpressão de acordo com a língua
de chegada.

Diferentes escolas adotam diferentes currículos. Christoph Renfer (1992:175)


aponta "quatro modelos básicos de treinamento para tradutores e/ou intérpretes”.

A. Cursos de tradução e interpretação oferecidos em estágios consecutivos. (...) Os


candidatos a intérpretes têm de ser aprovados no exame final de tradução e, a
seguir, serem aprovados no teste de admissão ao programa de interpretação. (...);

B. Cursos para tradutores e para intérpretes funcionando paralelamente, com dois


exames finais separados;

C. O 'modelo-Y' de treinamento de tradutores e intérpretes. Nesta abordagem, o


currículo para tradutores e para intérpretes bifurca-se depois de um currículo
comum básico para todos os alunos;

D. Treinamento de intérpretes em nível de pós-graduação (...) ou treinamento em


serviço intensivo em organizações internacionais.

O modelo A, por exemplo, é o adotado pela Universidade de Genebra, o modelo B


pela Sorbonne Nouvelle, o modelo C pelo Monterrey Institute e o modelo D pela
Universidade Westminster, em Londres, e pela União Europeia. Não cabe no escopo
do presente trabalho uma análise de cada um desses quatro modelos, o que é feito
por Renfer. O que fica claro em todos os modelos apresentados é que, quer desde o
primeiro momento de formação ou em um estágio posterior, a formação do
tradutor e a do intérprete pressupõe o treinamento em técnicas e habilidades
específicas inerentes às diferenças existentes entre a operacionalização dos dois
processos. Nada impede, porém, que uma pessoa atue nas duas áreas, desde que
tenha desenvolvido as técnicas e habilidades utilizadas em ambas.
Conclusão

A partir das três perguntas iniciais – Quais são as semelhanças entre os dois
processos que poderiam ter gerado tal confusão? E quais são as diferenças que
viriam a justificar uma separação entre as duas atividades? Que implicações essas
possíveis semelhanças e diferenças teriam para o processo de formação de
tradutores e de intérpretes? – podemos concluir o seguinte: há, de fato,
semelhanças entre os dois processos, conforme foi demonstrado neste trabalho e
como concluíram os diversos autores citados. Há também diferenças fundamentais
entre a operacionalização da tradução e da interpretação, que deixam claro tratar-
se de duas atividades distintas, ainda que semelhantes. Essas diferenças apontam
para a necessidade de formação diferenciada para as duas atividades. Essa
formação, no entanto, poderá aproveitar-se das semelhanças entre os dois
processos e da base teórica comum para justificar programas que sigam o modelo
"A" e "C", conforme descritos por Renfer (1992) e mencionados acima. Nada
impede, porém, que uma instituição opte pelo modelo "B" de Renfer (1992) e se
dedique à formação destinada exclusivamente à tradução ou interpretação, em
programas separados. Tudo dependerá, obviamente, dos interesses e
circunstâncias individuais das instituições e dos interessados na formação. Esse
último caso é, por exemplo, a situação dos programas existentes na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, em que os programas de formação de
tradutores e de intérpretes são separados.

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Recebido em junho de 2002

E-mail: reynaldop@uol.com.br
* Este trabalho é uma versão bastante modificada e ampliada de outros com tema
semelhante publicado no periódico Claritas, da PUC-SP, e na BRAZ-TESOL
Newsletter. A parte referente à história da interpretação foi apresentada em uma
exposição durante mesa-redonda da qual o autor participou no II CIATI, realizado
em 2001 na UNIBERO em São Paulo.
1 Todas os trechos de citações escritos originalmente em inglês ou francês foram
traduzidas pelo autor deste artigo.
2 A interpretação realizada em tribunais durante julgamento no Brasil é, por força
da legislação, uma atribuição do tradutor público (juramentado). Tal fato corrobora
a

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