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VIDA NAS TEIAS DA CULTURA: TECNOLOGIA SOCIAL DE FOMENTO AO

PROJETO DE VIDA PARA JOVENS DE COMUNIDADES PERIFÉRICAS

Maria Isabel Silva Bezerra Linhares

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Como citar:
LINHARES, Maria Isabel Silva Bezerra. Vida nas teias da cultura: tecnologia social de fomento ao projeto de
vida para jovens de comunidades periféricas. Revista Juventude e Políticas Públicas, Brasília, v. 1, n. 2, p. 19-
33, jul./dez. 2017. Semestral.
DOI: 10.22477/2525-7161.v1.n2.19-33
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Resumo: Este artigo é resultado de uma pesquisa de natureza exploratória e descritiva, que utilizou as técnicas
da documentação e da entrevista estruturada. O cenário de estudo foi a tecnologia social “Projeto Vida nas Teias
da Cultura”. Os sujeitos do estudo são agentes sociais e juvenis egressos do período de 2011 a 2013. Foram
tomados os seguintes objetivos: verificar de que forma a atuação como agente social ou juvenil colaborou para
seu desenvolvimento pessoal e social; conhecer a compreensão que o agente social ou juvenil apresenta sobre
projeto de vida; identificar qual a contribuição da vivência de agente social/juvenil no projeto de vida dos
egressos. A análise documental foi realizada a partir de informações coletadas junto ao arquivo do projeto
(relatórios, desenhos do projeto, dentre outros), a aplicação de entrevista ocorreu conforme roteiro pré-elaborado.
Procedeu-se leitura minuciosa a fim de identificar as aproximações e os distanciamentos entre as respostas,
reflexões, fios e concepções tecidas, a fim de estabelecer diálogo com os principais autores que embasaram a
pesquisa: Velho (1999), Carrano (2008), Freitas (2009; 2010), Pais (2003), Gil (2007) e Bourdieu (1983; 2005;
2010). Os resultados foram fios, conectando as principais concepções teóricas norteadoras do estudo, os quais
proporcionaram ampliar a compreensão sobre o tema. A escuta dos sujeitos evidenciou que muitos adolescentes
e jovens egressos do “Vida” (re) definiram seus projetos de vida a partir da experiência vivenciada no projeto e,
atualmente, vivem em condições mais dignas.
Palavras Chaves: Tecnologia Social. Juventude. Fios. Projetos de Vida.

Abstract: This article is the result of an exploratory and descriptive research that used the techniques of
documentation and structured interview. The study scenario was the social technology "Project Life in the Webs
of Culture". The subjects of the study are social and juvenile agents from the period of 2011 to 2013. The
following objectives were taken: to verify how the work as a social or juvenile agent collaborated for their
personal and social development; To know the understanding that the social or juvenile agent presents about life
project; To identify the contribution of the experience of a social / juvenile agent in the life project of the
graduates. The documentary analysis was carried out based on information collected from the project file
(reports, project drawings, among others), the application of the interview occurred according to the pre-
elaborated script. A detailed reading was carried out in order to identify the approximations and distances
between the answers, reflections, threads and woven conceptions, in order to establish a dialogue with the main
authors who supported the research: Velho (1999), Carrano (2008), Freitas (2009, 2010), Pais (2003), Gil (2007)
and Bourdieu (1983, 2005, 2010). The results were threads, connecting the main theoretical conceptions guiding
the study, which allowed to broaden the understanding on the subject. The listening of the subjects showed that
many adolescents and young people from the "Life" (re) defined their life projects from the experience lived in
the project and, currently, live in more dignified conditions.
Keywords: Social Technology. Youth. Wires. Life Projects.

INTRODUÇÃO
A palavra Rede vem do latim ‘rete' que em português, condensou vários sentidos em
uma só palavra, desde a rede de pesca, até a malha, grade, rede de comunicação, teia ou uma
tela de fios entrelaçados. Todas as redes pressupõem o entrelaçamento, a ligação, a conexão
de fios.
No presente artigo falamos de um tecido de fios entrelaçados, no qual podemos achar
muitos “fios da meada”. Fios estes que podem ser identificados como os indivíduos que

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compõem o tecido do Projeto “Vida nas teias da Cultura”. Visualizamos os sujeitos desta
pesquisa, como caminhantes, dentro da imagem de rede, composta pelo Projeto, a
comunidade e a sociedade, rompendo a ideia de que indivíduo e sociedade são entidades
separadas entre si. Partimos do pressuposto que o homem aprende a ser homem com outros
homens e a interdependência entre seres individuais é uma condição humana.
A pesquisa decorreu como um processo de tecelagem. Percebemos que os fios não
compõem a rede independentemente uns dos outros, pois tecem e são tecidos, mutuamente.
No entanto, a rede, teias e seus fios, como inerentes ao ser humano, têm em sujeitos, a
capacidade de autônomos, ainda que aponte valores e interesses compartilhados, cooperação
mútua, vivência de novas relações e novos campos de possibilidades e projetos. Assim,
consideramos que o “Vida nas Teias da Cultura”, enquanto tecnologia social pesquisada e
suas interrelações representam uma teia invisível que integra e une os indivíduos, e dá
significação à construção da identidade e de seus projetos de vida.
O Projeto “Vida nas Teias da Cultura, doravante chamado “Vida”, é fruto de uma
experiência acumulada originalmente com a realização de outro projeto chamado "Vida que te
quero viva"1, executado em Sobral entre 2007 a 2010, que à época desenvolvia ações de
prevenção às drogas e gravidez na adolescência. Os princípios fundamentais para ambos os
projetos foram a base territorial, a defesa dos direitos e o protagonismos juvenil dos jovens.
Para isso a implantação da figura dos agentes sociais e juvenis2 foi fundamental nos saberes e
fazeres metodológicos e no desenvolvimento das atividades do projeto, bem como
possibilitou que a experiência se configurasse e efetivasse como uma tecnologia social
reaplicável.
Em 2011, o projeto “Vida que te quero viva” passou por uma reformulação
metodológica, direcionando suas ações ao fomento do acesso e da democratização da cultura,
e foi reorganizado enquanto Projeto “Vida nas Teias da Cultura”. A partir de 2011, ele deixou
de ser executado pela Prefeitura de Sobral e passou a ser gerido, como entidade executora, por
duas organizações não governamentais ligadas à Diocese de Sobral. Quanto ao financiamento,
os recursos vinham, inicialmente, diretamente do Instituto Votorantim e passaram a ser
viabilizados a partir do Fundo Nacional de Cultura, patrocinado pelo Instituto Votorantim por
meio da Lei Rouanet3.

1
Projeto executado em parceria com a então Fundação de Assistência Social do Município de Sobral – Ceará.
2
Agentes sociais e agentes juvenis são jovens, com perfil de liderança, que comprovem atuação comunitária, na
faixa etária de 15 a 29 anos.
3
Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá
outras providências. A Lei Rouanet configura-se como um dispositivo do governo federal para incentivo à
cultura.

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A aproximação com a temática decorreu da experiência de vida e de trabalho social


dos pesquisadores junto ao projeto desde sua concepção. A inquietude de quem também
acompanhou e vivenciou in loco os processos de desenvolvimento de ambos projetos,
fomentou o interesse de compreender de que maneira a tecnologia social empregada foi
decisiva na vida, no delineamentos dos passos, caminhos, trajetórias dos agentes sociais e
juvenis. Assim, as vivências de trabalho comunitário com jovens em situação de
vulnerabilidade social, e as observações tecidas sobre as intervenções sociais provocadas pelo
Projeto Vida nas Teias da Cultura fomentaram a pergunta que instigou a realização do
presente estudo: como a experiência no Projeto “Vida nas Teias da Cultura” contribuiu na
construção do projeto de vida dos agentes sociais e juvenis egressos?
Tal pergunta norteou o presente estudo, que tem como objetivo geral: Analisar a
contribuição do Projeto Vida nas Teias da Cultura na construção do projeto de vida dos
agentes sociais e juvenis egressos. Os objetivos específicos definidos são: verificar de que
forma a atuação como agente social ou juvenil colaborou para seu desenvolvimento pessoal e
social; conhecer a compreensão que o agente social ou juvenil apresenta sobre projeto de
vida; identificar qual a contribuição da vivência de agente social/juvenil no projeto de vida
dos egressos.
Este trabalho resulta de um caminho de tecelagem, na subjetividade de suas teias,
fios e redes que se estabelecem na tecnologia social desenvolvida pelo Instituto Teias da
Juventude (ITJ)4, por meio do Projeto Vida Nas Teias da Cultura.
A pesquisa tem caráter exploratório-descritivo, e utilizou as técnicas da
documentação e da entrevista estruturada. O cenário de estudo foi o Projeto Vida nas Teias da
Cultura, no período de 2011 a 2013. Os sujeitos do estudo foram os agentes sociais e juvenis
egressos do projeto, atuantes no período mencionado, o que configura um total de 09 (nove)
entrevistados. Os principais autores que embasaram a pesquisa foram: Velho (1999), Carrano
(2008), Freitas (2009; 2010), Pais (2003), Gil (2007) e Bourdieu (1983; 2005; 2010).
O artigo está estruturado da seguinte forma: após uma breve introdução e
apresentação da proposta de estudo delineamos os primeiros fios que se estabelecem no
cenário da pesquisa. Em seguida trazemos os segundos fios que se entrelaçam a partir das
concepções teóricas: territorial e vivenciais. Posteriormente são apresentados outros fios que
representam as Teias da construção do conhecimento, suas reflexões e contribuições.

1 OS PRIMEIROS FIOS

4
O ITJ é uma entidade autônoma, de direito privado, sem fins lucrativos com foro jurídico no município de
Sobral, cujo principal foco de atuação está relacionado às políticas públicas com ênfase nas juventudes.

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“O que importa não é o que fizeram de nós, mas o que nós faremos com aquilo que
fizeram de nós”. (JEAN PAUL SARTRE)
Tomando como referência Carrano (2008) e Pais (2008) discutir juventudes
pressupõe discutir efetividade das políticas públicas, contribuição das tecnologias sociais
existentes nas comunidades periféricas, acesso direitos, modernidade com desenvolvimentos
de oportunidades, com sua realização em distintos planos e para distintos grupos sociais. A
opção pela expressão “juventudes” decorre da concordância quanto à compreensão que
existem diversos modos de se vivenciar a juventude, considerando-se aspectos fatores sociais,
culturais, econômicos, regionais e políticos que influenciam o cenário de pluralidade juvenil
que reconhecemos.
Nestes cenários os jovens e adolescentes são desafiados a serem sujeitos criadores de
suas próprias referências e significações, tornando-se protagonistas das suas práticas e
representações, orientando-se pelos acontecimentos circunstanciais, pelas influências e pelas
necessidades imediatas.
Em Sobral5, município da zona norte do estado do Ceará, a realidade social de
muitos jovens moradores de áreas periféricas também tem evidenciado situações de
vulnerabilidades e risco que comprometem a vida de crianças, adolescentes e jovens.
Contudo, a partir da inquietude de lideranças sociais, do Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente, e de gestores municipais ávidos em pautar tal situação, foi
concebida um projeto social com atuação em base territorial, na perspectiva possibilitar uma
melhor qualidade de vida aos jovens e adolescentes de tais comunidades.
Originalmente foi implementado o Projeto "Vida que te quero viva", de 2007 a 2011,
que tinha como foco ações preventivas a gravidez na adolescência e ao uso abusivo de álcool
e outras drogas, sendo executado pela Prefeitura Municipal de Sobral em parceria com o
Conselho Municipal dos Diretos da Criança e do Adolescente, com financiamento do Instituto
Votorantim. Em 2011, o projeto passou por uma reformulação metodológica, passando a
direcionar suas ações ao fomento do acesso e da democratização da cultura, e foi reorganizado
enquanto Projeto Vida nas Teias da Cultura. Em 2012 deixou de ser executado pela Prefeitura
Municipal de Sobral, passando a ter como entidade executora a Cáritas Diocesana de Sobral
conjuntamente com a Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), ainda tendo ainda seus
recursos incentivados advindos do Fundo Nacional de Cultura, por meio da Lei Rouanet. A

5
A violência homicida no município de Sobral, entre os anos de 2003 a 2010, registrou um crescimento
negativo, de 7%, e de 2010 a 2013, ocorrendo um aumento considerável no número de homicídios, ou seja, um
índice de crescimento da taxa de homicídios de 151%. Nota-se, portanto, que o crescimento de 133% nos anos
de 2003 a 2013 é decorrente de um processo maciço de intensificação da violência homicida a partir de 2011.
Quanto à faixa etária, os adultos jovens, com idades entre 20 e 29 anos foram os mais atingidos (UVA, 2014).

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mudança de entidade executora decorreu do não interesse do poder público em dar


continuidade ao projeto por conta deste não se enquadrar nos critérios de acesso a recursos
incentivos.
A experiência configura-se como uma tecnologia social voltada para minimizar os
agravos sociais acima citados, a partir de diretrizes como base territorial e protagonismo
juvenil, implantando as figuras de agentes sociais e juvenis para desenvolvimento das
atividades.
Dagnino (2009, p. 08) refere que segundo a definição mais frequentes no Brasil,
entende-se por tecnologia Social: “Produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis,
desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de
transformação social”. Alguns autores visualizam a Tecnologia Social como uma ferramenta
para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e ambiental.
Consideramos que o Projeto “Vida” configura-se enquanto tecnologia social pelos
resultados verificados a partir da implementação das diretrizes mencionadas. A efetividade da
proposta é verificada a partir do financiamento reiterado das ações há quase sete anos, o que
contribuiu, ainda, para o fortalecimento da sustentabilidade do projeto, inclusive em
discussões para sua efetivação enquanto política pública local.
Atualmente o Projeto Vida nas Teias da Cultura tem como foco de atuação juventude
e cultura, por meio de grupos de arte e cultura voltados para 180 adolescentes e jovens, em
três territórios, que compreendem sete bairros da cidade de Sobral. Tal definição ocorreu
mediante um processo de reorganização da proposta metodológica, que contou com a
colaboração direta das equipes envolvidas junto aos territórios, em encontros sistemáticos
voltados para planejar, monitorar, avaliar, sistematizar e verificar os resultados de processos e
de produtos. Assim, o projeto busca contribuir na recriação de projetos de vida de
adolescentes e jovens através da ressignificação de valores e da democratização da cultura
enquanto instrumento de transformação social.
Para realização das atividades, o projeto fundamenta-se em três importantes
princípios: Base Territorial, Protagonismo Juvenil e Defesa de Direitos. Para efetivação destes
princípios, como estratégia de ação e execução das atividades, conta-se com os agentes sociais
e juvenis, enquanto agentes do fazer, de transformação, ressignificação de valores e culturas.
Os agentes sociais e juvenis são jovens da própria comunidade de atuação do projeto, que
atuam como interlocutores com os demais jovens e adolescentes beneficiário. Ressalta-se que
dentre estes agentes, muitos foram beneficiários e posteriormente tornaram-se agentes diretos
de desenvolvimento do projeto.

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Compreendemos que a efetivação das figuras dos agentes sociais e juvenis foi uma
estratégia estruturante para o projeto e, considerando-se a densidade do seu fazer e os
resultados verificados junto às comunidades onde atuam, emergiu o seguinte questionamento:
como a experiência no Projeto “Vida nas Teias da Cultura” contribuiu na construção do
projeto de vida dos agentes sociais e juvenis egressos?
Pretendeu-se, portanto, compreender se houve e quais foram as transformações
vividas pelos agentes sociais e juvenis a partir de sua experiência no projeto, numa
perspectiva de projeto de vida desses jovens.
Conforme mencionamos em parágrafos anteriores, a aproximação com a temática
ocorreu a partir do olhar dos pesquisadores. Ainda que a relação destes com a temática e com
o projeto tenha impulsionado o desenvolvimento da pesquisa, é importante elucidar que tal
relação favoreceu uma aproximação para fins de conhecimento do desenho do projeto, mas
não comprometeu o rigor científico necessário à realização do estudo, uma vez que este foi
voltado para egressos que não mantém nenhuma relação institucional com o referido projeto.
Também é válido mencionar que foram respeitados os princípios éticos que resguardavam os
sujeitos do estudo e suas expressões (fossem elas de fragilidades ou de potencialidades da
experiência vivida).
Consideramos como cenário de estudo o Projeto Vida nas Teias da Cultura, no
período de 2011 a 2013. Já os sujeitos do estudo são nove agentes sociais e juvenis egressos
do Projeto “Vida”, que tiveram atuação no período mencionado. Para este recorte tomamos
como referência documentos internos de nomes dos egressos agentes. Ao realizar um sorteio,
selecionamos dois nomes, resguardando a paridade na representação de agentes sociais e
juvenis.
A pesquisa, de caráter exploratório-descritivo, utilizou, para o alcance dos objetivos
propostos, das técnicas da documentação e da entrevista estruturada. Sobre estas técnicas, Gil
(2007, 124) refere que a documentação “É toda forma de registro e sistematização de dados,
informações, colocando-os em condições de análise por parte do pesquisador”. Quanto à
entrevista estruturada, o autor menciona que apresenta questões direcionadas, articuladas
entre si, e previamente elaboradas.
A documentação foi realizada a partir de informações coletadas junto ao arquivo do
projeto, de onde foram utilizados documentos oficiais (relatórios, desenhos do projeto, dentre
outros). Tais documentos forneceram elementos para ampliar a compreensão sobre a proposta
do projeto, o que evidenciou três aspectos que foram tomados como referência para a análise
das informações colhidas junto aos sujeitos entrevistados: consciência de sua identidade social

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enquanto jovem; reconhecimento dos jovens enquanto moradores de um território vivo, e suas
implicações sociais; (re) significação do projeto de vida dos jovens.
As entrevistas ocorreram conforme roteiro pré-elaborado. Após a coleta de
informações estas foram organizadas da seguinte forma: as falas foram agrupadas em um
quadro contemplando todas as perguntas e respostas. Em seguida procedeu-se a uma leitura
minuciosa a fim de identificar as aproximações e os distanciamentos entre as respostas. Foram
contemplados para fins de análise os elementos das falas que foram mais constantes, bem
como aqueles que, embora pouco mencionados, mostraram-se relevantes para as reflexões
tecidas no estudo, a partir dos elementos destacados na leitura documental referida acima.
A análise das informações tomou como referência a concepção teórica da
hermenêutica dialética, por entender, do ponto de vista do pensamento, ela faz a síntese dos
processos compreensivos e críticos. Minayo (2010) refere que a hermenêutica trabalha com a
comunicação da vida cotidiana, do ponto de vista metodológico busca esclarecer os diferentes
contextos e linguagens; acredita que existe um teor de racionalidade e de responsabilidade e
coloca os fatos, os relatos e as observações no contexto dos atores. A dialética é a ciência e
arte do diálogo, da pergunta e da controvérsia.
Neste estudo, observamos as contradições, buscamos analisar os significados a partir
da realidade das práticas sociais, valorizamos os processos e ressaltamos o condicionamento
histórico das falas, relações em consonância objetivos do projeto. Assim, foi possível
compreender os contextos, trajetórias, vivências, significados e processos da prática social.
Apresentaremos a seguir alguns fios que permearam a análise dos resultados da
pesquisa. São fios que se cruzam, conectando as principais concepções teóricas norteadoras
do estudo.

2 FIOS QUE SE ENTRELAÇAM: CONCEPÇÕES TEÓRICAS E VIVENCIAIS


“Gente lavando roupa, amassando pão. Gente pobre arrancando a vida com a mão.
No coração da mata gente quer prosseguir. Quer durar, quer crescer. Gente quer luzir.”
(Caetano Veloso)
Em sua composição, Caetano Veloso cantou “(...) Gente nasceu para brilhar”.
Quando um jovem tem um projeto de vida e caminha na sua direção, ele não está mais
carregado pelas circunstâncias, como um objeto na correnteza, um barco à deriva, sem
bússola, um filme sem roteiro, uma vida sem rumo. Daí a necessidade de dar um sentido à
vida. Conhecer as juventudes em sua complexidade requer compreender sua relação com o
chão que ocupam, com os territórios onde vivem, onde influenciam e onde são influenciadas.
As possibilidades de dimensionar uma trajetória contrastante com a realidade de
vulnerabilidade social aparecem, portanto, como um desafio. Neste sentido a delimitação de

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um projeto de vida apresenta-se como uma possibilidade de orientar o jovem quanto ao seu
desenvolvimento pessoal e social. O “Vida” traz em sua missão este desafio. Portanto,
buscamos aqui ampliar as concepções teóricas e os caminhos que podem ser trilhados a partir
das oportunidades e das escolhas dos jovens.

2.1 FIOS DO TERRITÓRIO: CHÃOS, DESTINOS E VIOLÊNCIAS.


A cidade de Sobral, situada no noroeste do Estado do Ceará, possui uma população
de 188.333 habitantes. Os jovens na faixa-etária de 15 a 29 anos representam 31,1% da
população, totalizando 59.120 pessoas. Deste total, 29.914 são do sexo feminino e 29.206 são
do sexo masculino. Quanto à segmentação por raça, se afirmam desta forma: 38.505 de cor
parda, 16.129 brancos, 3.272 negros, 1.120 amarelos, e 64 indígenas6.
Tomando como referência o número de óbitos junto à população de adolescentes e
jovens na faixa etária de 0 a 19 anos, no período de 2008 a 2010 foram registrados 111 óbitos,
65,9% foram identificados como causas externas. Dessa porcentagem, 42,3% foram
identificados enquanto homicídios. Tal registro aponta para a gravidade da problemática da
violência junto à população jovem do município de Sobral, sobretudo, quando comparamos
com a média nacional. Segundo Wailselfsz (2014), o Mapa da Violência aponta os homicídios
como responsáveis por 39,7% das mortes entre os jovens.
Considerando os dados do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CMDCA) conforme Mapeamento das Violações de Direitos diagnosticadas no
ano 2012, verificamos que os bairros atendidos pelo projeto pesquisado encontram-se no
recorte, representam os maiores índices de violações de direitos na sede do município: 28% de
Maus tratos (violência física ou psicológica, abandono ou negligência), 18% Crianças ou
adolescentes autores de ato infracional; 20% Situação de rua/ trabalho infantil; 28% Crianças
ou adolescentes envolvidos com o consumo ou dependência de álcool e drogas.
A amarração social ocorre pela violência nas suas várias formas e atinge a todos.
Nessa lógica e com uma sociedade onde violência, corrupção e impunidade são moedas
correntes, ocorre a institucionalização da violação dos direitos humanos. VELHO (1999, p.
124) ressalta que “Há uma avaliação de uma deterioração das condições e da qualidade de
vida, com o agravamento das tensões sociais. A miséria, a pobreza, a má distribuição de
renda, a taxa de iniquidade social, configuram um quadro propício à violência”.
A partir destes dados e informações, temos um cenário de múltiplas fragilidades que
demandam alternativas de intervenção que contemplem minimamente as situações apontadas.

6
Segundo os últimos dados do IBGE, em 2010.

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É nesse contexto que o projeto Vida Nas Teias da Cultura atua, em territórios publicamente
reconhecidos como área de vulnerabilidade e risco social, contemplando tanto as fragilidades
sociais identificadas, quanto as potencialidades locais reconhecidas.
Conhecer esse território requer compreendê-lo além dos aspectos físicos ou
geográficos. Por isso, a definição de base territorial enquanto diretriz do “Vida” reflete uma
opção pelo reconhecimento da relação entre o jovem e seu contexto social, que se determinam
mutuamente. Por território, o projeto adota a seguinte concepção:

(...) o território tem que ser entendido como território usado, não o território
em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o
sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento
do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do
exercício da vida” (SANTOS et al apud NEPOMUCENO; QUEIROZ,
PAIVA; 2010, p. 96).

Entendemos que os sujeitos de referência no “Vida” são os agente sociais e juvenis,


os quais se caracterizam como jovens com perfil socioeconômico pré-definido e com
características de liderança, os quais mantém vínculo com o projeto e recebem auxílio
financeiro mensalmente. É imprescindível que more no território onde pretende atuar, e que
demonstre identificação com a missão do “Vida”.
Os agentes sociais e juvenis tem, dentre suas atribuições, contribuir para que os
beneficiários do “Vida” superem a condição de vulnerabilidade social, através da articulação
da rede socioassistencial local. Além disso, os principais elementos balizadores de sua prática
são a vivência comunitária, as ações de liderança, as reflexões sobre juventudes e seus
projetos de vida, de forma a contribuir para que o público beneficiário possa compreender e
conviver com sua realidade territorial, numa perspectiva de superação e crescimento
individual e coletivo.

2.2 FIOS DE UM NOVO CAMINHAR: CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO DE VIDA


NA ÓTICA DOS AGENTES SOCIAIS E JUVENIS
“Aquilo que uma pessoa se torna ao longo da vida depende basicamente de duas coisas: das
oportunidades que teve e das escolhas que fez.” (COSTA, COSTA, PIMENTEL, 2001, p.142).
É na discussão sobre projetos, em especial projetos de vida, que focamos nossa
pesquisa. Nosso principal intuito foi compreender a contribuição que o “Vida” trouxe para os
agentes sociais e juvenis, neste sentido. Contudo, ao analisarmos os documentos institucionais
do projeto verificamos que dentre os objetivos elencados não figura nenhum que deixe claro
tal pretensão. Reconhecemos que todos os objetivos propostos no “Vida” guardam coerência
com seu propósito de intervenção em cenários de vulnerabilidade social, com vistas à difusão
cultural em comunidades periféricas. Por isso, os relatos dos sujeitos junto a esta pesquisa

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mencionam diversas formas de colaboração que a vivência trouxe para os agentes sociais e
juvenis quando atuaram no referido projeto, conforme verificaremos a seguir.

2.3 CONTRIBUIÇÕES DA ATUAÇÃO ENQUANTO AGENTE SOCIAL OU


JUVENIL
Sujeito Qual foi a Influência do Projeto em sua vida?

Esperança Toda base e todos os pilares com os quais eu passaria a traçar a construção de uma edificação, a
vida.
Inquietude Conheci pessoas que somaram para meu crescimento profissional e humano.
Crescimento Influenciou a cada dia mais buscar meus sonhos, correr trás dos meus objetivos. Persistir naquilo
que buscava e busco.
Alegria O vida foi importante para minha vida social pois pude saber o real valor como jovem dentro da
minha comunidade
Paz De crescimento tanto pessoal, como profissional. Digo pessoal, porque aumentou a vontade de me
doar ao outro, de um novo olhar, Porque abriu meus olhos para o mais amplo, vi novas
possibilidades na vida.
Criatividade O projeto me fez ver além de meus limitados horizontes
Ousadia O Projeto Vida nas Teias da cultura teve uma ação determinante em minha vida, digamos que girou
360º, tinha uma visão de cultura e de mundo distorcida, com estudos passei a ter outras visões de
cultura, que devemos mudar de conceitos, tirar o velho e acrescentar novas maneira de entender o
espaço que ocupamos, sou capaz de fazer leituras das relações sociais do meio, com isso passei a
viver melhor, se socializando com as pessoas, entender que cada pessoa é uma esfera diferente e é
preciso métodos diferentes de abordagens, de conversa, vale ressaltar que somos a mudança e essa
mudança é agora, contudo passei a ser uma outra pessoa, com sede de realizar meu sonhos, de
vencer, com autoestima elevada, esse projeto me proporcionou ser uma pessoa que tem projeto de
vida, me deu uma base para ser alguém que tenha uma opinião própria e ter uma voz autentica na
comunidade de Aracatiaçu.
Amorosidade Me ajudou muito a desenvolver meu lado tímido, fiz amizades e me abriu novos caminhos.

Verificamos que uma das principais contribuições da atuação enquanto agente social
e juvenil, foi quanto ao despertar para a sensibilidade frente às questões sociais, ampliando a
visão e a leitura de como se dão as relações sociais na comunidade, a partir do entendimento,
do olhar e do lugar do jovem e do adolescente. Reconhecem dos espaços ocupados e
transformados por eles mesmos, com voz autêntica, protagônica, consciente e critica, e isto
resulta dos processos vividos no projeto.
Percebemos ainda falas que dialogam com a epígrafe de Costa, Costa, Pimentel
(2001), ao referir que o que seremos na vida terá que passar por duas dimensões: pelas
oportunidades e pelas escolhas que se possa fazer. Nos relatos dos sujeitos, por diversas vezes
referem que a condição de ter sido agente social e juvenil, pode abrir novos caminhos, e
vislumbrar novas possibilidades na vida.

2.4 COMPREENSÃO DO AGENTE SOCIAL OU JUVENIL SOBRE PROJETO DE


VIDA
Sujeito Para você, o que é um projeto de vida?
Esperança São todos os traços que ouso escrever para um bem próximo futuro. São as sementes de esperança, de luta,

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de ousadia e protagonismo,

Inquietude É uma porta de saída para muitos jovens que estão ociosos em suas vidas

Crescimento È você trilhar seus objetivos, buscando cada dia seu crescimento

Alegria É ter um planejamento em que organizamos em nossas vidas e decidimos e mudamos hábitos para vida
futura melhor.

Paz É uma oportunidade, um novo espelho e um novo olhar

Criatividade Um projeto de vida para mim é saber que não se pode viver de qualquer jeito é o equilíbrio entre o sonho e a
realidade. Ter um projeto de vida é olhar para o presente, ver o que não está bom, planejar todas as áreas da
vida futuramente e pôr em prática o planejado.

Ousadia É um planejamento em que organizamos em nossa vida, às vezes mudando de hábito para alcançar uma
determinada meta para uma vida futura melhor.

Amorosidade Trata-se de um plano, objetivo, meta ou sonho que nós traçamos na nossa vida diária pra alcançarmos.

Tomando como referência as falas dos agentes sociais e juvenis, ficou evidente a
clareza na compreensão do que é projeto de vida. Foram referidos aspectos como
planejamento, metas, objetivos, crescimento, sonhos. Também demonstraram compreensão
da necessidade de comportamento com postura consciente e proativa para o alcance dos
sonhos traçados. Para Velho (1999, p. 102) “O projeto não é abstratamente racional, mas é
resultado de uma deliberação consciente a partir das circunstâncias, do campo de
possibilidades em que está inserido o sujeito”.
O relato de “Criatividade” corrobora com a compreensão do autor ao mencionar que
o “projeto de vida” é manter o equilíbrio entre o sonho e a realidade. Projeto de vida é olhar
para o presente, ver o que não está bom, planejar todas as áreas da vida futuramente e pôr em
prática o planejado, servindo-se dos diversos campos de possibilidades.
O planejamento para o projeto de vida, mesmo que no campo imaginário, é uma ação
deliberada, ainda que incerto. Enquanto projeto, se configura como antecipação futura, desde
equilíbrio desejado e negociado entre realidade e sonho, experiências vividas. Ou seja, uma
ação racionalizada dos caminhos e possibilidades a serem vividas pelos indivíduos.

2.5 CONTRIBUIÇÃO DA VIVÊNCIA DE AGENTE SOCIAL/JUVENIL NO


PROJETO DE VIDA
Sujeito O Vida nas Teias contribuiu em seu projeto Você destaca alguma conquista decorrente de sua
de vida? experiência no projeto?
Esperança Bastante! Como já firmei, tal projeto ensinou Hoje curso Música na Universidade Federal do
a ser inquieto, duvidoso, teimoso e Ceará, e devo ao projeto o fomento, a chama que
protagonista. Ensinou-me que a mínima ardeu em meu peito ao trabalhar com arte e cultura.
atitude é grandiosamente “a diferente”.
Ensinou-me a não estar satisfeito com o que
vivo e lutar pela mudança.

Inquietude Conheci pessoas que me ajudaram bastante e Amigos, momentos e experiência para uma nova

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me ensinaram bastante jornada após projeto.

Crescimento Não respondeu Maior participação dentro da comunidade, aprendi a


ser proativa, a ter opinião própria e formular meus
próprios conceitos.

Alegria Contribuíram para minha formação como A oportunidade de ter feito parte da mudança de
pessoa e faz acreditar na existência de adolescente perspectiva de vida.
oportunidade que é essencial para um futuro
melhor.

Paz Olhar, sonhos, objetivos Meu crescimento pessoal, maturidade

Criatividade Me ajudou a saber que, independente do que Aprendi a conviver em equipe, conquistei a confiança
eu queira ser ou fazer no meu futuro, não da comunidade onde morava e adquiri bastante
quero ser uma ilha, experiência com jovens, o que me ajudou bastante já
que hoje convivo com eles através de minha
profissão (magistério)

Ousadia Me ensinou a fazer um planejamento da minha O meu ingresso na Universidade Estadual Vale do
vida, ter metas no período de 05 anos, tendo Acaraú – UVA, curso de geografia, foi uma
paciência e trabalhando duro para concretizar conquista de grande impacto, pois antes não me via
o meu projeto de vida e ainda estar com capacidade para estar em uma Universidade,
contribuindo pois almejo uma graduação, no cheio de pessoas altamente intelectual, com a minha
caso o mestrado em geografia e é preciso mais participação no Vida, percebi que a conquista vem
planejamento e foco. através de perder o medo de tentar. A minha família
ficou maravilhado, um filho de agricultor que
Antes do projeto eu era um agricultor, trabalhava dia e noite, e que a agora estar em uma
pescador, tinha terminado o ensino regular e universidade, outra conquista agora mais particular
sem muitas pretensões para com o futuro, era ter uma casa e me casar foi amadurecida durante
tinha sonhos e me sentia incapaz de o projeto, o Vida foi um fator determinante na minha
concretizá-los, pois o trabalho consumia por Vida.
demais o meu tempo, ficava sem forças para
lutar. Me sentia um balão vazio, de
sentimentos, sem planos para o futuro, pois
pensava que era um agricultor e tinha que
morrer como um agricultor, era a sina da
família.
Amorosidade Não respondeu Hoje sou uma pessoa bem quista e querida na minha
localidade pelo reconhecimento em ter participado do
projeto. E hoje as pessoas me oferecem
oportunidades.

A partir dos relatos constatamos que as vivências e práticas foram à base para a
contribuição, direcionamento ou capacidade de ‘resiliência’ que os agentes sociais e juvenis
tiveram em suas vidas, rompendo com o fatalismo que permeia o imaginário popular de que
“quem nasceu pobre, vai morrer pobre, de quem é agricultor vai viver até no morrer no cabo
da enxada”.
Os relatos de “Esperança” e “Ousadia” rebatem este entendimento fatalista do senso
comum. Quando um deles refere: “Hoje curso Música na Universidade Federal do Ceará, e
devo ao projeto o fomento, a chama que ardeu em meu peito ao trabalhar com arte e cultura”,
para luzir a esperança. E quando o outro relata, com sentimento de quem ousou acreditar que
é possível reescrever as histórias de vida, quando o que parecia impossível, tornou-se

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realidade: “um filho de agricultor que trabalhava dia e noite, e que a agora estar em uma
universidade”. Percebemos aqui o sentimento expresso de orgulho da família camponesa.
Outras conquistas expressas foram o amadurecimento, a opção pelo casamento, pela
constituição de uma família e aquisição de uma casa própria. Segundo o entrevistado, a
experiência no “Vida” teve influência determinante nestas escolhas. Ressaltamos que os
sujeitos mencionados vivem em lugares de diferenças sociais diversas, no contraste das
realidades urbana periférica e rural.
A atuação como agente social e juvenil os colocou num caminho e trajetória de busca
de novas vivências, formação sociocultural e profissional, confronta-os a uma ação
protagonista de suas escolhas, de suas histórias de vida, com vistas à ascensão e crescimento
integral, rompendo com a ideia fatalista de que as conquistas e superação de crises são “coisas
do destino”, na dualidade presente e futuro.
No entanto, apesar de expressões reais da contribuição do “Vida” na (re) definição de
projetos de vida dos jovens, é necessário refletir que estas informações não contemplam
integralmente o conjunto de agentes sociais e juvenis. Enquanto partícipe deste processo,
constatamos que muitos jovens não saíram do campo imaginário dos sonhos e projetos,
embora pudessem trilhar novos rumos na vida. Suas realidades foram mais cruéis que suas
forças de busca, e se tornaram presas da realidade de violências de suas comunidades.
Há que se valorizar, ainda assim, a influência do “Vida” para que esta não fosse a
realidade de muitos, e que alguns jovens buscassem forças e apoio, fazendo escolhas que
gerassem consequências positivas em suas vidas. Tivemos clareza que a opção por atuar no
projeto requer renunciar aos convites por vezes atrativos de constante ociosidade, sem
maiores esforços e obrigações. Contudo, todos os entrevistados manifestaram a importância
da experiência de “estar perto de gente que lhe ajudasse a crescer”, compreendendo a real
função de sujeito de mudança em suas vidas e na vida de muitos.

3 REFLEXÕES FINAIS SOBRE A TEIA


Uma das reflexões suscitadas foi quanto ao fato do projeto “Vida nas Teias da
Cultura” não referir claramente em seus objetivos a contribuição no projeto de vida de seus
beneficiários. Em nosso entendimento, embora textualmente não tenha sido identificado tal
propósito no projeto, percebemos de maneira subliminar a vocação social, a mensagem não
dita nos escritos que a grande razão do projeto é colaborar que os adolescentes e jovens
(re)encontrem seu caminho de encantamento com a dimensão mística da vida, com o sonhar e
o concretizar seus projetos. Ainda assim, concordamos que é necessário contemplar tal

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dimensão na pactuação dos objetivos, a fim de mensurar claramente como este resultado
influencia na vida dos adolescentes.
Os resultados expressos a partir da escuta dos sujeitos evidenciou que muitos
adolescentes e jovens que passaram pelo “Vida” estão numa condição muito melhor e digna.
Inevitavelmente tal resultado reverberou a alegria. Mas também sinalizou o desejo. Desejo
que as políticas públicas saiam do papel e sejam uma realidade para todos e todas, em especial
a juventude que ora é vítima de um extermínio sem precedentes.
A distância entre o que os teóricos apontam e o que a realidade permite às vezes gera
possibilidades de novas compreensões e de construção de novos saberes. A experiência de
construir possibilidades, ainda que em um cenário de negação de direitos, particularmente, é
parte da história de vida desses jovens. Reconhecemos que tal experiência foi decisiva para a
constituição de sujeitos reflexivos e com disposição para a construção de uma nova realidade,
com outras concepções de sociedade e de vida tecidas.

REFERÊNCIAS

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da Universidade Estadual do Ceará, EdUECE, 2013.

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Fim de Século, p. 151-162, 2003.

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Acesso em: 02 jul. 2008.

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Egressos De Uma Experiência De Arte-Educação. Tese apresentada à Coordenação do
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Sobral, n. 1, jan./mar. 2003.

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