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I- Em Janeiro de 2014, António foi contratado pela clínica médica Medicir para

prestar os serviços da profissão de enfermeiro no gabinete de enfermagem da referida


clínica. Desde Janeiro, a clínica vinha solicitando a António que lhe apresentasse a
sua cédula profissional de enfermeiro, ao que António respondia que “não estava para
ter trabalho com tais documentos”. Em Abril de 2014, a clínica obteve a confirmação
de que António não possuía carteira profissional nem qualquer certificado das suas
habilitações, pelo que intentou uma acção judicial no Tribunal de Trabalho de
Coimbra, pedindo a declaração de nulidade do contrato de trabalho celebrado.
António contesta, invocando que não pode estar em causa a nulidade do contrato,
porquanto a clínica só reagiu durante a execução do contrato de trabalho. Quid iuris?

Distinção entre o cenário de invalidade do contrato de trabalho (por não verificação


originária de um requisito relativo ao trabalhador – a posse do título profissional para
o exercício da profissão de enfermeiro – art. 117.º/1) e o cenário de extinção do
contrato de trabalho por caducidade (por verificação de um facto superveniente que
gera a impossibilidade de prestar trabalho – a perda do título profissional – art.
117.º/2). No caso, estamos perante uma hipótese de invalidade do contrato de
trabalho, já que António não era detentor originariamente do título habilitante.

II - No passado dia 15 de Junho de 20014, a empresa Céu Azul e o trabalhador


André decidiram, por acordo, pôr fim ao contrato de trabalho que haviam celebrado
em 1995, estabelecendo, todavia, que esse acordo só produziria efeitos quinze dias
após a respectiva celebração (a 30 de Junho de 2014, portanto).
Na fase das negociações tendentes ao acordo, o empregador, alegando razões
de “maior segurança”, insistiu em formalizá-lo junto do notário, mas o trabalhador fez
notar que tal não era necessário para que o acordo se considerasse válido.
1. Quanto a este último ponto, quem tem razão?
2. Na ocasião da conclusão do acordo, o empregador colocou à disposição do
trabalhador um montante de 2500 euros, a título, esclareceu, de “acerto final de
contas”. O trabalhador veio, porém, a concluir que essa quantia não atingia o valor
dos créditos já vencidos e ainda não satisfeitos. Com efeito, estavam em dívida dois
salários do ano de 2005 (André auferia, então, tal como à data da cessação do vínculo,
uma retribuição mensal de 1200 euros) e, por outro lado, não havia ainda sido pago o
subsídio de Natal de 2007, sucedendo também que André não tinha ainda gozado, no
ano da extinção do contrato, qualquer dia de férias, nem lhe fora paga qualquer
quantia a esse título. O empregador, porém, alega que todos esses créditos devem
considerar-se liquidados. Poderá André reclamar judicialmente os referidos créditos?

1- Identificar o modo de cessação do contrato em causa: revogação ou acordo


revogatório, regulado nos arts. 349.º e ss..
Requisitos de validade do acordo revogatório
Do ponto de vista formal: negócio formal – acordo formalizado atarvés de documento
escrito, assinado por ambas as partes, e com menções obrigatórias – art. 349.º/2/3
A questão do reconhecimento notarial das assinaturas invocada pelo empregador
Dúvida: contende com a validade do acordo?
Não estamos perante uma formalidade que seja exigida para a validade do acordo,
mas que tem repercussões ao nível da faculdade reconhecida ao trabalhador no art.
350.º/1; este preceito reconhece ao trabalhador o direito de fazer cessar os efeitos do
acordo revogatório, uma espécie de “direito de arrependimento”, direito que, em
princípio, pode ser exercido até ao 7.º dia seguinte à data da celebração do acordo
revogatório (ver, no entanto, pág. 316 do Manual, a respeito do modo de contagem do
prazo); caso o acordo revogatório tenha sido levado junto de um notário para
reconhecimento das assinaturas, o trabalhador já não gozará desse direito de se poder
vir a arrepender, ou seja, o reconhecimento notarial impede essa faculdade de
arrependimento – art. 350.º/4; explicar a razão de ser da solução

2- Compensação pecuniária recebida por ocasião da celebração do acordo revogatório


Notas gerais sobre a compensação
A atribuição de uma compensação ao trabalhador não é um efeito legal/obrigatório
que decorra da lei, mas um efeito voluntário, que as partes, se assim entenderem, são
livres de convencionar (art. 349.º/4)
Caso as partes entendem convencionar uma compensação de fim de contrato, essa
compensação pode revestir natureza global ou não. No primeiro caso, não são
discriminados os fundamentos pelos quais o montante é estabelecido. Caso as partes
esclareçam que a compensação será de x, sem prejuízo de outros créditos que o
trabalhador tenha a reclamar ou se as partes fixarem que o montante é devido a título
de horas de trabalho suplementar ainda não pagas, a título de créditos relativos a
férias, etc., não se poderá afirmar que a compensação reveste natureza global.
Qual a importância da fixação de uma compensação de natureza global? Quando as
partes estabelecem uma compensação que se reputa de natureza global, tal tem o
efeito de presumir que se encontram incluídos nesse montante todos os créditos a que
o trabalhador tem direito por força da execução do contrato de trabalho e até ao
momento não pagos (ex. salários em atraso, pagamento de horas de trabalho
suplementar prestado, etc.) ou que lhe sejam devidos em razão da cessação do
contrato (ex. proporcionais em matéria de subsídio de férias e de Natal).
Análise do caso
Saber se no caso a compensação fixada foi ou não uma compensação de natureza
global
Caso se conclua que a compensação não revestia natureza global, o trabalhador terá
direito a reclamar os créditos em falta
Caso se conclua (como parece ser o caso) que a compensação revestiu natureza
global, a situação do trabalhador é mais delicada. Nesse caso, o empregador
beneficiará da presunção de que no montante fixado (2500 euros) já se encontram
incluídos todos os créditos devidos ao trabalhador. Os meios de reacção do
trabalhador, nesse caso, podem ser dois: (i) lançar mão do direito de arrependimento
previsto no art. 350.º e desfazer o acordo revogatório (mas, note-se, para tal é
necessário que ainda não tenham decorrido sete dias desde a data da celebração do
acordo e que o acordo não tenha sido levado junto do notário…); (ii) ilidir a
presunção - trata-se, na verdade, de uma presunção juris tantum ou relativa – que
admite ilisão/prova do contrário (art. 350.º /2 do Código Civil), o que significa que o
trabalhador pode vir demonstrar que um crédito cujo pagamento pretende obter não
foi, afinal, incluído no montante fixado (mas, note-se, essa é, no entanto, uma prova
complexa e exigente).

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