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UM DISCURSO DE ESTRATÉGIA NACIONAL:

A COOPERAÇÃO SUL-AMERICANA COMO CAMINHO PARA


A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL

Darc Antonio da Luz Costa

TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS


PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS
NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS
EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO.

Aprovada por:
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Elton Fernandes, Ph.D.
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr.Roberto dos Santos Bartholo Jr.
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr.Carlos Alberto Nunes Cosenza
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr.Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr.João Manoel Cardoso de Mello
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr.João Paulo de Almeida Magalhães

RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL


AGOSTO DE 1999

i
COSTA, DARC ANTONIO DA LUZ
Um Discurso de Estratégia Nacional: A Cooperação Sul-Americana como
Caminho para a Inserção Internacional do Brasil [Rio de Janeiro] 1999
XII,.222p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ. D.Sc.,
Engenharia de Produção, 1999)
Dissertação - Universidade Federal do Rio de
Janeiro, COPPE
1. Estratégia Nacional
2. Brasil
3. MERCOSUL
4. Cooperação Sul-Americana
5. Mundialização
I COPPE II Título (série)

ii
Ao meu pai a quem muito devo e que me ensinou a amar o
Brasil;
À minha mãe pelo amor e carinho que sempre me dedicou;
A estes dois, que me deram uma família e me educaram,
minha eterna gratidão e respeito.
À minha mulher Beth companheira e amiga compreensiva e
dedicada de todas as horas.
Aos meus filhos Marcela, Flávia e Eduardo e ao meu genro
Jesper que sonham e sonhando realizam um aprendizado
contínuo de tudo que lhes cerca.
Ao Mateus e aos meus outros netos que virão e que farão do
sonho um mundo novo vindo do novo mundo nos trópicos.

iii
AGRADECIMENTOS

Aos meus companheiros de infância que me fizeram sentir a tolerância que


vigora em meu Brasil, tolerância que é racial, que é religiosa, que é étnica, mas que é,
antes de tudo, ética;
Aos meus colegas de juventude que me fizeram ver que no Brasil as questões
de classe se diluem pela mobilidade social;
Aos meus velhos amigos do BNDES que me deram uma noção dos problemas,
mas, também, do imenso potencial do Brasil;
Aos membros do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos que discutem
diariamente os problemas e as soluções do Brasil;
Aos meus companheiros do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra
que ainda acreditam que vale a pena continuar estudando os destinos do Brasil;
Aos meus colegas da turma do Curso de Pós Graduação de Engenharia de
Produção pelos momentos de discussão, convívio, estudo mas, principalmente, pela
amizade;
Ao meu amigo Professor Carlos Lessa, pelo seu permanente estímulo e pelas
suas sempre presentes lições;
Ao Professor Elton Fernandes pela paciência, pela atenção que me dedicou
desde antes do início do curso e principalmente pela orientação que tornou possível
esta tese;

iv
SUMÁRIO
Lista de Figuras......................................................................................VIII
Lista de Quadros......................................................................................IX
Resumo......................................................................................................XI
Abstract...................................................................................................XII

1 - CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS PREAMBULARES................1


1.1 - Considerações quanto ao Tema................................................1
1.2 - Porque Megaestado?.................................................................4
1.3 - A Teoria do Retardo..................................................................8
1.4 - Estratégia Nacional: Instrumento para vencer o Retardo.....15
1.5 - A Intervenção e o Triângulo Indissolúvel...............................22
1.6 - Ainda sobre o Poder................................................................29
1.7- O Planejamento: A Metodologia a ser Empregada................31
1.8- Contribuições na Área do Conhecimento................................39

2 - NOSSO DESTINO MANIFESTO: SER A MUNDIALIZAÇÃO...42


2.1 - O Mundo Atual: Globalizado ou Polarizado?.......................42
2.2 - Mundialização e Globalização: o Fato e o Discurso.............. 49
2.3 - Brasil : o Demiurgo da Mundialização...................................57

3 - CONSTRUINDO A ESTRATÉGIA NACIONAL...........................63


3.1-Considerações quanto à Conjuntura.........................................63
3.1.1 - Considerações quanto ao Centro Hegemônico.................63
3.1.2 - Considerações quanto aos Demais Centros.....................68
3.1.3 - Considerações quanto à Periferia....................................70
3.1.4 - Considerações da Nossa Alteridade................................72
3.2 - Considerações quanto à Estrutura..........................................73
3.2.1 - Componentes Históricos e Antropológicos......................73

v
3.2.2 - Componentes Geográficos..............................................75
3.2.3 - Componentes Econômicos..............................................80
3.3 - A Proposta de Estratégia Nacional.........................................82

4 - O PRIMEIRO PASSO DA ESTRATÉGIA NACIONAL: O


MERCOSUL...........................................................................................84
4.1 - Um Breve Histórico do MERCOSUL....................................84
4.2 - Caracterização do MERCOSUL e Seus Objetivos................88
4.3 - Polarização e Subpolarização: MERCOSUL, NAFTA e União
Européia...........................................................................................89
4.4 - Trafegando para o Mercado Comum.....................................91
4.4.1 - Zona de Livre Comércio.................................................92
4.4.2 - União Aduaneira.............................................................92
4.4.3 - Mercado Comum..........................................................100
4.5- Resultados do MERCOSUL..................................................103
4.6 - MERCOSUL como Concepção Estratégica.........................113
4.7 - Obstáculos Recentes..............................................................116
4.8 - Considerações Finais.............................................................119

5 - FORMATANDO O MEGAESTADO: A COOPERAÇÃO SUL-


AMERICANA.......................................................................................121
5.1 - A Economia como Meio.........................................................124
5.2 - Integração Sul-Americana e Auto-Suficiência.....................126
5.3 - A Polêmica Questão Demográfica........................................132
5.4 - A Questão da Mão-de-Obra..................................................140
5.5 - A Questão da Educação.........................................................143
5.6 - A Ação Agrícola.....................................................................147
5.7 - A Ação em Infra-Estrutura...................................................153
5.7.1 - Grandes Projetos de Transportes...................................155
5.7.2 - A Ação nas Ferrovias....................................................157
5.7.3 - A Ação nas Rodovias...................................................162

vi
5.7.4 - A Ação na Marinha Mercante e no Sistema Portuário...164
5.7.5 - A Ação na Infra-Estrutura Hidroviária e na Irrigação....166
5.7.6 - A Ação no Semi-Árido do Nordeste do Brasil...............167
5.7.7 - Um Novo Canal ligando o Atlântico ao Pacífico..........168
5.7.8 - Canal Orinoco-Rio Negro.............................................168
5.7.9 - Ligação da Bacia do Amazonas com a Bacia do Prata...169
5.7.10 - Lago Mamoré-Guaporé e canal Guaporé-Paraguai......170
5.7.11 - Obras na Bacia do Prata..............................................170
5.7.12-- Canais do Brasil.........................................................171
5.7.13 - Transposição Hidráulica dos Andes............................172
5.8 - A Ação Mineral.....................................................................172
5.9 - A Ação Industrial .................................................................176
5.9.1 - Ação na Indústria Pesada..............................................179
5.9.2 - Ação em Bens de Capital..............................................179
5.10 - A Ação Energética...............................................................180
5.11 - A Ação nas Comunicações...................................................186
5.12 - Conclusões............................................................................187

MAPAS..........................................................................................189

BIBLIOGRAFIA...........................................................................210

vii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.-Mapa1 América Do Sul Densidade Demográfica 1985......190
Figura 2 -Mapa2 América Do Sul Densidade Demográfica 2020......191
Figura 3 -Mapa3 América Do Sul Áreas Agrícolas 2000-2020.........192
Figura 4 -Mapa4 América Do Sul Principais Ferrovias.....................193
Figura 5 -Mapa5 América Do Sul Rodovias Troncais......................194
Figura 6 -Mapa6 Brasil Extremo Oriente Rotas de Carga................195
Figura 7 -Mapa7 América Do Sul Principais Portos.........................196
Figura 8 -Mapa8 Integração das Bacias............................................197
Figura 9 -Mapa9 América Do Sul Grandes Projetos Hidráulicos......198
Figura 10 -Mapa10 Transposição de Águas no Nordeste Brasileiro .199
Figura 11 -Mapa11 Rotas para um Novo Canal Inter-Oceânico .......200
Figura 12 -Mapa12 Integração das Bacias do Orinoco e Amazonas.201
Figura 13 -Mapa13 Integração das Bacias do Amazonas e Prata......202
Figura 14 -Mapa14 Grandes Projetos Hidráulicos na Bacia do Prata203
Figura 15 -Mapa15 América Do Sul Minerais Metálicos..................204
Figura 16 -Mapa16 Projeto do Grande Carajás................................205
Figura 17 -Mapa17 América Do Sul Principais Centros Industriais..206
Figura 18 -Mapa18 América Do Sul Reservas Energéticas...............207
Figura 19 - Posição Mundial do Brasil.............................................208
Figura 20 - América Do Sul Mapa Político.......................................209

viii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Evolução do Comércio: Brasil e o MERCOSUL.............104
Quadro 2- Corrente de Comércio Intra MERCOSUL.......................105
Quadro 3- MERCOSUL nas Exportações Brasileiras.(%)...............105
Quadro 4-.MERCOSUL nas Importações Brasileiras.(%)................106
Quadro 5- Exportações Brasileiras para a Argentina........................106
Quadro 6- Importações Brasileiras da Argentina..............................107
Quadro 7- Exportações Brasileiras para o Uruguai...........................107
Quadro 8- Importações Brasileiras do Uruguai.................................108
Quadro 9- Exportações Brasileiras para o Paraguai..........................108
Quadro 10- Importações Brasileiras do Paraguai..............................109
Quadro 11- Exportações Brasileiras para o Chile.............................109
Quadro 12- Importações Brasileiras do Chile...................................110
Quadro 13- Exportações Brasileiras para a Bolívia..........................110
Quadro 14- Importações Brasileiras da Bolívia................................111
Quadro 15- Evolução do Comércio o Brasil e o MERCOSUL........111
Quadro 16- Corrente de Comércio Intra MERCOSUL.(Total).........112
Quadro 17- MERCOSUL nas Exportações Brasileiras.....................112
Quadro 18- Nível de Auto-Suficência da América do Sul.................127
Quadro 19- Densidade Demográfica na América do Sul...................133
Quadro 20- Demográfia Comparativa com a Coréia do Sul..............134
Quadro 21- Energia, PIB e Demografia............................................135
Quadro 22- Demografia na Europa, Eua e Japão..............................139
Quadro 23- Produto, Emprego e Produtividade................................141
Quadro 24- Parâmetros de Crescimento da América do Sul.............143
Quadro 25- Estudantes no Segundo Grau e Universidade.................145
Quadro 26- Ciências Naturais e Engenharia.....................................146
Quadro 27- Disponibilidade de Superfície e Água............................149
Quadro 28- Perfil da Agricultura......................................................150
Quadro 29- Disponibilidade Mundial de Superfície Agricola............151
Quadro 30- Comparativos de Custos de Transportes........................156
Quadro 31- Rede Ferroviária Sul-Americana....................................158
Quadro 32-.Projeção de Parâmetros Ferroviários.............................161
Quadro 33- Produção e reservas de Minerais Metálicos...................173
Quadro 34- Aplicações de Minerais Estratégicos.............................175

ix
Quadro 35- Produção de Máquinas Operatrizes...............................177
Quadro 36- Produção per Capita de Produtos Industriais.................179
Quadro 37- Custos de Investimentos em Energia Elétrica.................183
Quadro 38- Comparações de Fontes de Eletricidade........................185
Quadro 39-. Projeções de Mercados de Microcomputadores............186

x
Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc)

UM DISCURSO DE ESTRATÉGIA NACIONAL:

A COOPERAÇÃO SUL-AMERICANA COMO CAMINHO PARA

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL

Darc Antonio da Luz Costa

Junho de 1999

Orientador: Elton Fernandes

Programa: Engenharia de Produção.

Este trabalho desenvolve estudos sobre o que colocam como Nova (Des)Ordem
Mundial, rearticula antigos conceitos filosóficos e apresenta novos como a figura do
Megaestado e a Teoria do Retardo e os aplica a situação singular do Brasil- herdeiro
único e direto da mundialização, iniciada pelos portugueses há 500 anos-, para
fundamentar a tese que o caminho da Estratégia Nacional do Brasil é prosseguir e
aprofundar esta mundialização, algo que teve recentemente como seu primeiro passo
o MERCOSUL e que deverá ter como segundo a cooperação sul-americana.

Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the


requirements for the degree of Doctor of Science(D.Sc.).

xi
A NATIONAL STRATEGIC DISCOURSE:

THE SOUTH-AMERICA COOPERATION AS THE WAY FOR THE

INTERNATIONAL INSERTION OF BRAZIL

Darc Antonio da Luz Costa


June/1999

Advisor: Elton Fernandes

Departament: Production Engineering

The present thesis studies the so-called New World (Dis)Order in the light of some
traditional philosophical conceps connected to some new ones, such as Megastate and
the Theory of Tardiness. This theoretical framework in then applied to the unique
situation of Brazil - sole heir to the globalization effort set forth by the Portuguese
about 500 years ago. The aim is to pave the way for a National Strategy which may
foster and expand such globalization effort, should the first step taken in that
direction - the Mercosul - be followed by South American cooperation.

xii
CAPÍTULO I
CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS PREAMBULARES

A abordagem de questões vinculadas ao estudo da estratégia nacional encontra sérios


obstáculos no Brasil, neste final do século XX, em decorrência do amplo predomínio ideológico, no
país, de uma visão liberal de mundo, que.não contempla a ação planejada do Estado. Esta visão
formaliza seu predomínio na difusão da tese do fim da história, como colocou FUKUYAMA(1989).
Portanto, o estudo de nossa estratégia nacional, ao se contrapor a este predomínio, requer um
esforço, de conteúdo quase filosófico, no sentido de recompor as idéias e permitir a solução de
questões preliminares. Em época de dependência, teremos de falar em retardo. De globalização,
teremos de falar em mundialização e regionalização. De diminuição do Estado, teremos de falar na
importância do Estado. De ênfase no consumo, teremos de falar na valorização da cidadania. De
competição, teremos de falar em cooperação. De elaboração de cenários, como instrumento
construtor e delimitador de futuro, teremos de falar no planejamento. De privatização, teremos de
falar na importância da ação indutora do Estado. De uma ação hegemônica colocada como Área de
Livre Comércio para as Américas (ALCA), teremos de falar de um projeto na periferia, a Área de
Livre Comércio na América do Sul (ALCSA), ou seja, um único mercado na América do Sul.
Este capítulo pretende atender este esforço, tratando destes assuntos, buscando um novo
plano conceitual, sobre o qual se pretende imaginar e construir a inserção internacional do Brasil.

1.1 CONSIDERAÇÕES QUANTO AO TEMA


As potencialidades do Brasil- país localizado no Hemisfério Ocidental, com grande extensão
territorial, substantiva massa populacional e ascendente poder nacional (principalmente, no período
compreendido entre 1930 e 1980), como colocaram BECKER e EGLER(1992)- não se devem
perder na história. Elas exigem a formulação pela sua elite pensante, pela sua intelectualidade, de
diretrizes maiores para o Brasil que criem uma nova mitologia nacional e que articulem os
interesses nacionais. Exigem a elaboração de um discurso de estratégia nacional.
Esta tese apresenta os elementos necessários para este discurso. Portanto, tem como tema
central e objetivo mais geral a discussão de uma estratégia nacional para o Brasil.
Como coloca EARL(1944) e RAPOSO(1992a) todo discurso de estratégia nacional tem no
seu âmago a questão da inserção de um Estado Nacional na ordem internacional. Ao se discutir a
inserção internacional de um país, as questões que se colocam são as mesmas para qualquer
planejamento regional, quais sejam, aquelas vinculadas a critérios geográficos, antropológicos e
econômicos. Contudo, neste estudo, o Brasil não será visto, exclusivamente, sob os prismas

xiii
geográfico, antropológico ou econômico, mas, sim, considerado, objetivamente, também, em
termos de seus objetivos nacionais, de seus interesses, dos seus possíveis conflitos, das ações e
processos reflexivos de seus governantes e, em especial, da desejada e possível conscientização
nacional. Não se pretende, todavia, construir um discurso baseado na análise da situação atual do
país, dentro do contexto mundial. Pretende-se ir mais além e dar uma visão maior; construir uma
síntese mais complexa.
Este estudo fundamenta a visão, intuída por RIBEIRO(1995), de o povo brasileiro ter um
destino manifesto, o de construir uma nova civilização. Haverá o momento em que esta intuição far-
se-á realidade. Se trata de uma proposição. É uma premissa transfigurada numa assertiva, construída
como o resultado da reflexão. Algo, contudo, que necessita e necessitará, antes de tudo, da
maturação e de reconhecimento coletivo.
Este estudo, também, deverá se encontrar apoiada no espaço delimitado pelas relações que
cercam qualquer intervenção humana: o poder, a estratégia e a política, conceituando-as, dentro de
uma sistematização teórica nova, como um triângulo indissolúvel.
Esta tese não se propõe a estabelecer as diretrizes últimas e definitivas de nossa estratégia
nacional, pois, na verdade, elas nunca existirão como uma obra acabada, mas, sim, a criar os
elementos mínimos necessários para a construção das discussões que deverão balizar a montagem
de uma concepção estratégica para a sociedade brasileira. Ele se fundamenta, todavia, em uma
premissa, desde já configurada; de ser o Brasil o núcleo geográfico e histórico de um Megaestado
em formação na América do Sul.
A idéia da cooperação sul-americana não visa criar uma doutrina. Só será doutrina caso
converta-se em uma ação. Trata-se, também, de admitir e confessar uma aspiração. Mas é uma
daquelas aspirações que pode vir a ser realidade.
Neste caminho, o primeiro passo já foi dado: o MERCOSUL. O segundo, como
apresentaremos, adiante, deverá ser a cooperação sul-americana ou a ALCSA- Área de Livre
Comércio da América do Sul, ou, como outros já nomeiam, de AMERCOSUL.
A análise feita adiante demonstrará que a integração de Estados Nacionais, no caso da
América do Sul, não é um jogo de soma zero, onde uns tem de perder para outros ganharem. A
sinergia decorrente do processo de integração poderá acrescentar a todos os Estados Nacionais
participantes parcelas expressivas de poder e bem estar para todas as sociedades envolvidas
Contudo, o objetivo central desta tese é o de criar os elementos necessários para a
contestação de um discurso, esposado por parcela expressiva do pensamento nacional, de que há
uma impossibilidade na posição brasileira, a nível mundial, e que, apoiado na falsa idéia da
dependência, apresentada por CARDOSO e FALETTO(1969a), nos coloca como caudatários do
capitalismo mundial e impossibilitados de criar um espaço próprio de acumulação capitalista.

xiv
A tese, portanto, nos parece ter como contribuição marcante ao pensamento a possibilidade
de demonstrar que há um outro caminho para o destino do Brasil, que não o da dependência e da
manutenção de uma situação periférica. Com esta tese explica-se e justifica-se uma inserção
autônoma e soberana do Brasil e dos demais países da região no contexto mundial, fugindo, assim,
também, a tentativa da potência hegemônica da constituição de um único mercado na América, o
ALCA.
Tendo em vista que o tema a ser estudado diz respeito ao avanço brasileiro e sul-americano
dentro do processo civilizatório far-se-á algumas considerações, também ditas preambulares, que se
vinculam a uma visão dialética deste avanço, algo que conceituamos como a teoria do retardo e que
se opõe, filosoficamente, ao discurso da dependência.
Isto posto, cabe-nos explicar ao leitor o porquê da tese. O próprio título da tese apresenta
que se infere e que se buscará demonstrar que o melhor caminho, para a inserção do Brasil no
mundo do século XXI, é o da cooperação sul-americana.. Entretanto, necessita ter respaldo prático e
científico. Precisa ser racionalizado.
Mas, o fato é que esta tese se destina, também, a defender a idéia do planejamento governamental, em um
momento, em que se desencadeou sobre ele uma insidiosa campanha conduzida por HAYEK(1947a) e outros novos
liberais, que objetiva o seu progressivo desaparecimento., em prol de uma pseudo ordem supranacional. A
intransigência, já dizia COSTA(1996a), é tudo o que se opõe à ação criadora de ordem do homem. Ela se volta, no final
do século XX, diretamente, contra o planejamento governamental. Não recorre mais a subterfúgios. Esta tese, portanto,
também, destina-se a apresentar e justificar o planejamento governamental. Mas, principalmente, destina-se a resgatá-lo
como único instrumento com que conta um país como o Brasil para vencer a sua crise estrutural, o seu retardo.

Contrariando o discurso dominante, esta tese tem como finalidade reafirmar a solidariedade
nacional ao transcendê-la através da estruturação de um Megaestado, cuja definição será adiante
colocada, explicitando e explicando a importância da ação coletiva, traduzida sob a forma de uma
vontade e de um discurso de estratégia nacional, algo que, naturalmente, se transfigurará, ao final,
numa concepção estratégica nacional.
Ademais, este estudo destina-se, também, a motivar discussões em torno das questões
colocadas, para que, das sínteses encontradas, se aperfeiçoem as nossas concepções e convicções,
naquilo que se mostrar necessário à defesa dos interesses nacionais do Brasil.
Em síntese, o que defendemos é que, no momento adequado, o sonho- que levou a Ibéria a
combater os seus preceptores mouros e que a levou a buscar o desconhecido e a iniciar a
mundialização, como imaginada por BRAUDEL(1986a) se fará, de novo, presente, não só no
discurso dos estudiosos em estratégia, mas, no imaginário coletivo deste lado do Atlântico e buscará
então, terminar o que ni iciou, a mundialização, conduzindo, de novo, o fio da história, através dos
largos caminhos do Lácio.

xv
1.2- PORQUE MEGAESTADO?
Antes de discutirmos o que OHMAE(1995) coloca como globalização, cabe-nos abordar um
outro fenômeno: a regionalização. A regionalização, vista por BERRY(1969), no mundo de hoje, é
um processo com componentes bem mais marcantes do que aquilo que chamam de globalização.
Entretanto, ele não tem merecido uma análise tão acurada como o fenômeno dito da globalização.
Daremos aqui uma pequena contribuição ao tema, já que ele é muito importante nas nossas
considerações, apresentando um aspecto relevante da regionalização, aquele vinculado à perda da
soberania do Estado Nacional em prol de uma figura nova, uma conjunção de Estados, como a
União Européia, que, à falta de outro título, nomearemos de Megaestado. Não contestamos a
importância do Estado Nacional com a idéia do Megaestado. Pelo contrário, a reforçamos.
No passado, de acordo com HOBBES(1651a), a situação da humanidade era infinitamente pior do que as
circunstâncias atuais. O homem vivia, para este filósofo, no “estado natural”, concorrendo violentamente com os seus
semelhantes pelo poder e pela glória. Nessas condições, sua vida era inevitavelmente, segundo as palavras daquele
filósofo, solitária, pobre, desagradável, brutal e curta. Felizmente, ele não estava fadado a viver sempre assim, havia um
meio de tornar sua vida associativa, rica, agradável, civilizada e longa. Essa revolução humana foi a constituição
progressiva do Estado, algo que resultou de sucessivos e inúmeros pactos silenciosos entre os homens.

Embora as primeiras teorias do Estado fossem monopólio dos filósofos políticos,


PLATÃO(IV A.Ca.), ARISTÓTELES(IV A.C.a), MAQUIAVEL(1513), nos séculos mais recentes
apareceram novas contribuições de filósofos, HOBBES(1651b), LOCKE(1690a), FICHTE(1800) e
HEGEL(1821a), entre outros, sociólogos, como TOCQUEVILLE(1837), COMTE(1851),
MARX(1867a), ENGELS(1884a)., e WEBER(1918) e, mais recentemente, de economistas, como
SCHUMPETER(1954) e HAYEK(1947b), que têm buscado prover as teorias mais abstratas com
evidências empíricas.
Para simplificar nossa análise, vamos resumir as abordagens de todos estes teóricos, em três
tipos ideais das origens constitutivas do Estado, talvez, na verdade, em três segmentos de um
mesmo espectro. Estes três tipos refletem três visões: o contrato, o contrato imposto e a imposição
contratual.
A visão do contrato é a especialmente preferida dos filósofos idealistas e se apóia na idéia de
que o Estado se constitui pela obediência, de um conjunto de indivíduos, de forma voluntária e
perfeita, aos termos de um contrato, que os favorece e resulta de uma sucessão de pactos que entre
si fazem.
A formulação teórica em que se baseia esta colocação é que, no contexto de uma
coletividade, todo indivíduo prefere a solução da cooperação, já que esta sempre leva a um
resultado superior ao que se poderia conseguir pela ação individualista competitiva.
Na visão do contrato imposto, a colocação acima é complementada em um aprofundamento
do estudo da natureza do contrato. A visão de contrato pressupõe que todo indivíduo está assinando

xvi
um documento que determina seus atos em todos os aspectos e em cada ponto. Entretanto, poderia
muito bem ocorrer que, embora em termos gerais um indivíduo ganhe assinando o contrato, em
particular e em algumas áreas poderia vir a lhe ser mais favorável adotar uma postura competitiva.
Ou ainda que o indivíduo, mesmo tendo assinado o contrato, ache, pessoalmente, ótimo, agir
desafiando os termos do contrato. Assim sendo, trazem a idéia de que alguns indivíduos podem agir
contrariamente a determinadas regras previstas no contrato e colocam, então, que o controle desses
indivíduos passa a ser o objetivo central da coletividade. Surge, portanto, a necessidade de se ir
mais além da visão pura de contrato (onde todos concordam, plena e implicitamente, com todas as
regras, porque isto facilita a consecução de seus próprios fins), já que vivemos um estado de coisas,
que em questões especificas, é possível que não prevaleça uma unanimidade e no qual o desrespeito
deliberado a estas regras pode existir. Chega-se, portanto, a um estágio em que não é possível o
aceite pleno de todas as regras, de todos os indivíduos, mas, sim, pode-se concordar pela maneira
que estas regras serão impostas. Este contrato que estabelece como estas regras serão impostas é
nomeado de Constituição e é a base onde se assenta a idéia de um contrato imposto.
Uma premissa presente nas abordagens já referenciadas é a natureza voluntária do contrato.
Exemplificando, na visão do contrato imposto o monopólio do poder é atribuído a quem decide
após a formação do Estado pela sua constituição.
Contudo, alguns, como MARX(1867b) e ENGELS(1884b), defendem que nem sempre foi, é
e será assim. Colocam que muitas vezes determinadas classes possuem o poder anteriormente à
constituição do Estado (imaginam desde o poder militar até o poder econômico). Neste caso a
Constituição resulta da outorga dos poderosos e temos o que conceituamos como a visão de
imposição contratual.
Estas abordagens nos permitem ter alguma idéia do que poderia ser um Estado. Definamos
assim: é uma associação de indivíduos, todos eles obedecendo regras definidas por alguém, que
toma as decisões sobre matérias de natureza coletiva e que obriga o seu cumprimento. Os membros
da associação têm acesso a um território definido nas formas especificadas de regras sociais.
Aqui cabe inserir um outro conceito fundamental, que é o conceito de soberania. A
obediência aos ditames de Estado pode ser voluntária ou resultante da coação. Contudo, para que
haja coação, a vontade de quem determina tem de ser soberana em relação a todas as demais
vontades, ou seja, a quem decide deve ser dado o monopólio do poder. Para que haja soberania é
necessário que quem decida tenha legitimado o monopólio do poder.
Contudo, para a natureza do nosso trabalho a definição ainda está incompleta. Os Estados
requerem alem de uma simples explicação, pois não há razão alguma para se supor que todo o
gênero humano se associe em um único Estado. Pelo contrário, o que se observa é que muitos
grupos de indivíduos se associam em Estados separados, e as relações entre esses Estados são

xvii
definidas como coloca BODIN(1576) e HITLER(1936) com referência ao poder soberano de quem
toma as decisões. Como o detentor do poder soberano não pode reconhecer nenhuma entidade
acima dela mesma- se o fizesse não seria soberana, fica claro que os Estados vivem em um “estado
natural” e que há uma anarquia internacional.
É óbvio, que o “estado natural” retratado por HOBBES(1651c) é um pouco diferente do
“estado natural” vivido entre os Estados Nacionais, embora as mesmas mediações (estratégias)
encontradas à disposição dos indivíduos estejam à disposição dos Estados Nacionais. Acresce-se a
isto, o fato de que os Estados podem competir uns com os outros e que suas disputas, em última
análise, solucionam-se pela violência.
A finalidade de cada Estado é maximizar o bem-estar de seus próprios cidadãos.
Constatando-se a pluralidade de Estados podemos verificar que este objetivo pode coincidir ou
entrar em conflito com o objetivo de outros Estados. Temos, portanto, de avaliar qual é o
relacionamento que um Estado deve adotar perante a existência de outros Estados, algo que diz
respeito diretamente a sua estratégia nacional. Deverá ser o Estado autônomo ou heterônomo?
Se existisse a hipótese de se revelar plenamente autônomo ou plenamente heterônomo nossa
pesquisa poderia não avançar, já que no primeiro caso, o Estado estabeleceria suas políticas, seus
fins, com total independência das políticas dos demais Estados, não apresentando qualquer
relacionamento externo e no segundo caso, não tendo vontade autônoma também não apresentaria
qualquer ação autônoma externa. No entanto, no mundo moderno não há espaço para
relacionamentos que estejam nas duas posturas puras acima questionadas, o que valida nossa
pesquisa. Contudo, entre estes extremos existe um enorme espaço onde um Estado pode buscar
colocar-se. Na busca desta posição todos os Estados formulam sua estratégia nacional e em certo
sentido sua posição é análoga a dos indivíduos que vagavam no “estado natural”.
As alternativas que se apresentam ao Estado são:
a)ou de buscar a cooperação em qualquer um dos seus três sucessivos graus com outros
Estados:
• o primeiro, a cooperação propriamente dita, no sentido de aproveitar-se das trocas econômicas e
de outras naturezas com outros Estados decorrentes desta postura;
• o segundo, a associação, onde além de aproveitar-se do sistema de trocas buscariam adotar
políticas comuns entre si e inacessíveis a outros Estados;
• o terceiro, ao se unir a uma federação, indo alem da associação, caso em que formalmente
deixaria de ser o Estado, como conhecemos, pois passaria a reconhecer uma autoridade mais alta,
a que COSTA(1996b) nomeia como Megaestado.
b)ou o Estado poderia buscar a competição, o que, naturalmente, leva ao conflito, que é a
busca não acordada com outros Estados dos mesmos fins ou objetivos.

xviii
Resumindo, o Estado se constituiu formalmente em decorrência de sucessivos pactos.
Embora o termo Estado tenha sido usado em traduções de textos escritos, em línguas díspares, em
épocas diversas, de teóricos importantes, como ARISTÓTELES(IV A.C.b), MAQUIAVEL(1513b)
E HEGEL(1837a), é evidente que as referências ao termo não tinham o mesmo significado.
Contudo, a referência que nos interessa é: primeiro com a formatação do que vamos nomear como
antigo Estado Nacional, aquele que se forma e estrutura no Renascimento e depois com o que
classificamos como moderno Estado Nacional, o resultado da Revolução Francesa.
Duas características, de acordo com WEBER(1918a), a moeda e o monopólio legítimo do
uso da força pelas forças armadas, estruturaram o Estado Nacional, que aqui nomeamos como
antigo Estado Nacional. O processo histórico conduzido pela Revolução Francesa agregaram, em
nossa opinião, duas outras novas características: a concepção estratégica do Estado e a vontade
nacional, completando as quatro características relevantes do que conceituamos como moderno
Estado Nacional.
Em tempo de regionalização, como demonstrado pela recém criada União Européia, surge
uma nova figura que se coloca acima do Estado Nacional, o Megaestado, que não o dispensa, mas
que obriga a sua concepção estratégica a se voltar para a solução federativa de forma a garantir sua
própria sobrevivência. Esta será a linha que mais adiante seguiremos ao propormos a cooperação
sul-americana.

1.3-A TEORIA DO RETARDO


Todavia, caberia ainda falar-se em nação em época de regionalização? Obviamente, sim. A
concepção em que se apóia as razões de uma visão nacional, em tempo de regionalização, encontra
seu sentido na análise da vida social e da vida política.
O estudo dos Estados Nacionais modernos e do processo civilizatório, demonstra a
importância da idéia da solidariedade nacional e da utilização do planejamento governamental para
a construção de alternativas, que até suplantam a visão nacional. Apesar de toda campanha contrária
que vem sofrendo, o planejamento governamental foi; é e será um instrumento muito bem sucedido
da atuação do Estado Nacional.
Ao analisar a formação da vida social e política das civilizações na antigüidade e os pactos
que nelas se processaram, vemos, como exposto por COSTA(1996c), que trazem, primordialmente,
como contribuição a nossa tese, a importância da fé ou da vontade consciente e da razão para o
avanço de qualquer movimento bem sucedido do gênero humano.
Ao abordar o período compreendido entre a queda do Império Romano e os dias de hoje não
é difícil ver como os pactos conduziram à formação dos Estados Nacionais. Torna-se claro que o
Estado Nacional sempre foi uma resultante da razão e, portanto, também, contestado pelo maior

xix
oponente da razão: a intransigência. Para melhor entendimento, cabe explicar que nós entendemos a
razão como o processo de cooptação da natureza pelo homem. A intransigência é tudo aquilo, que
vindo do homem, se opõe a esse processo. A intransigência é, portanto, tudo que se move contra a
conformação da natureza às exigências do homem.
O homem desde que racionalizou, se inconformou. E desde que se inconformou, se
defrontou com a intransigência. Muitas das vezes, a intransigência se reveste de uma exaltação à
natureza, como colocado nos Segundo e Terceiros Informe do Clube de Roma, como detalhado por
MESAROVIC e PESTEL(1975) e por TINBERGEN(1976), e pela COMISSÃO MUNDIAL
SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO(1991). Sob esta forma é capaz de
enredar a razão, pois coloca o devir como resultado único dos processos que se passam na natureza,
ou seja, sem a interferência determinante do homem. O futuro, então, passa a resultar da exclusiva
existência do passado e da ação da natureza, o que conduz a resignação, já que toda e qualquer ação
humana presente deixa, nessa forma de encarar o mundo, de ter sentido determinante. Como é
óbvio, defender esta tese ou teses correlatas é, sempre, tanto se opor à razão como tecer um
mecanismo de preservação da situação vigente e do “status-quo”.
É importante mencionar que usaremos, ao longo destas considerações preambulares, de
conceitos de dualidades em uma visão dialética, como as já colocadas de razão e intransigência,.
Acreditamos, como HEGEL(1837b), que são as concepções dialéticas, como periferia e centro,
como barbárie e cultura, que representam e materializam as verdadeiras situações, as que, sempre,
vigoraram entre as sociedades humanas no avanço da civilização, as que sempre se fizeram
presentes.
É também importante colocar, neste início, que contestamos a existência de sociedades
dependentes, como CARDOSO e FALETTO(1969b) tentaram e tentam ainda divulgar, mas
advogamos, sim, a existência de sociedades retardatárias.
O conceito fundamental que apresentamos é que existe o retardo. Duas alternativas se
apresentam ao retardatário: ser dependente ou ser contestador. Menção a isso é relevante, pois a
visão de dependência, que ainda conta com poderosos defensores na intelectualidade atual, cria a
ligação subordinada entre sociedades e a transpõe para os Estados Nacionais.
O Estado Nacional existe como o melhor instrumento, já concebido, para romper a distância
entre as sociedades. Ao minimizá-lo, numa situação de dependência, não se chega à verdade.
Todavia, é um expressivo erro, suficiente para constranger a ação das forças presentes nas
sociedades em estruturação; incapaz, contudo, como veremos, de destruir, na consciência nacional
de uma periferia dinâmica como a brasileira, a sua ação de estruturação. Aos que defendem a teoria
de dependência nada mais definitivo que reconheçam que os conceitos não se impõem por si
próprios. São os fatos que lhes dão vida.

xx
É esta ação de estruturação, próprio do bárbaro, próprio do periférico, que dinamiza o
processo de avanço da civilização. Sente-se, no Brasil do século XX, a ordem humana, a ser
imposta na desordem que aqui impera, assim como FICHTE(1807a) ou HEGEL(1837c) a sentiram
no espaço germânico, no início do século passado.
Entendemos que, neste final do século, no caso brasileiro, a nova montagem de um discurso
de estratégia nacional é de fundamental importância. Este discurso, o elemento central de ordenação
da atuação de um Estado Nacional, é que fundamentará o caminhar deste Estado para o centro e
para a cultura. Imaginamos, todavia, que o conceito de Estado Nacional é um conceito em
movimento. De Estado Nacional caminha-se para o Megaestado. O processo, em curso, de
formação da União Européia atesta, como vimos, esta assertiva.
A queda do Muro de Berlim modificou o mundo, a relação entre as sociedades, a
importância de temas, e principalmente, de conceitos, que pareciam haver se estratificados, de
acordo com RUFIN(1991). Portanto, para lidarmos com os novos desafios, não podemos contar
com todos os elementos formulados nos últimos sessenta anos. Alguns não estão mais vivos, não
mais nos pertencem. Outros nasceram, ou, terão de nascer. É necessário trazer para o presente o
nosso ideário, de forma a defender nossos interesses nacionais em um mundo em rápida mutação.
Para nós, assim como para PLATÃO(IV A.C.b) e HEGEL(1837d) a base de tudo é o
homem, a sua visão de mundo e a sociedade que cria. O homem e a sociedade humana permitem
explicar a civilização
Como coloca COSTA(1996d) há uma dualidade primitiva, que contrapõe o homem e a
natureza. A mediação entre ambos foi, até a época das luzes, o trabalho; hoje ela é, também, a
ciência e a informação. Todavia, as contradições permanecem intocadas. Nem o trabalho, nem a
ciência, nem a informação conseguiram desvelar o ignoto. As perguntas iniciais - Qual a origem de
todas as coisas?; Quem conduz o processo da existência humana?- permanecem sem respostas.
` Entretanto, ainda como afirma COSTA(1996e) é inegável que o homem se aproximou do
Absoluto, desde que se levantou sobre as patas posteriores e andou em alguma planície deste, na
época, para ele, imenso planeta. E se aproximar do Absoluto se tornou possível porque o homem
assumiu a postura de responsável pela posição de seu contraditório: a natureza - materialização
primeira do universo. As razões desta aproximação com o Absoluto são várias. Uma, no entanto, é
unânime, em todos os pensadores que discutem o progresso humano: a vida social e a sua
acompanhante permanente, a vida política. E estas têm, como sua última criatura, o Estado
Nacional.
A idéia de Estado Nacional é um pensamento muito elaborado. Seu entendimento pressupõe
o caminhar por uma linha ininterrupta de idéias, através do espaço e do tempo, que ligam as hordas
às grandes potências. O Estado Nacional constitui o resultado das soluções silenciosas e

xxi
progressivas das questões que surgiram da convivência humana. Entretanto, a forma dessas
soluções sempre foi a mesma: o pacto. Seja aquele resultante da imposição do mais poderoso e que,
portanto, decorre da racionalização de desvantagens; seja aquele que advém da composição de
vontades, e que, portanto, resulta da racionalização de vantagens.
O pacto é, antes de tudo, um produto da razão. A linha que liga as hordas à sociedade atual -
à civilização - é um contínuo de pactos, sendo, talvez, a mais visível expressão da razão. O Estado
Nacional é a mais recente estação dessa linha ininterrupta de acordos. Não a última, mas a última
conhecida. Não definitiva, mas a última largamente praticada. Conhecer o Estado Nacional é
conhecer a história da razão e de seus pactos.
O entendimento de que o Estado Nacional resulta da razão é importantíssimo. O homem em
sua inteireza se defronta, individualmente, com muitas dualidades. As mais importantes para a sua
existência, são: o não conformismo versus a resignação e a razão versus a emoção. A resignação e a
emoção conceituamos como formadores da intransigência, enquanto que consideramos como os
estimuladores da conquista, pelo gênero humano, do universo, o não conformismo e a razão.
Sintetizamos, assim. E esta síntese nos acompanhará, ao longo desta obra.
A idéia de Estado resulta, portanto, da posição de ordenação do homem. Entretanto, esta
posição de ordenação se processa através de ondas sucessivas. Acompanhando a história da
civilização, se verificará, empiricamente, a formulação proposta e que nomeamos como teoria do
retardo.
Há ações que desencadeiam a desordem e há ações que restabelecem uma nova ordem, em
um novo patamar. Ruptura e equilíbrio transitório, estes se alternam. Nada pode explicar melhor a
marcha do processo de avanço da civilização, do que o aceite da teoria do retardo e das rupturas que
nela estão consignadas e que resultam da ação de ordenação do homem, fruto de seu não
conformismo. Ruptura processada segue-se uma nova ordem. Esta nova ordem é início de uma nova
desordem. De certa forma, isto se expressa nas idéias contidas nos versos, apresentados por
COSTA(1996f), abaixo:
Pérsia era o centro, Grécia era a periferia.
Pérsia era culta, Grécia era bárbara. Veio o tempo;
Grécia era o centro, Roma era a periferia.
Grécia era culta, Roma era bárbara. Veio o tempo;
Roma era o centro, o Império Bizantino era a periferia.
Roma era culta, o Império Bizantino era bárbaro. Veio o tempo;
O Império Bizantino era o centro, os árabes estavam na periferia.
O Império Bizantino era culto, os árabes eram bárbaros. Veio o tempo;
Os árabes estavam no centro, a Península Ibérica era a periferia.

xxii
Os árabes eram cultos, a Península Ibérica era bárbara. Veio o tempo;
A Península Ibérica era o centro, a Inglaterra era a periferia.
A Península Ibérica era culta, a Inglaterra era bárbara. Veio o tempo;
A Inglaterra era o centro, a América era a periferia.
A Inglaterra era culta, a América era bárbara. Veio o tempo;
A América é o centro. .A América é culta. .O tempo virá...
Estes versos, além de mostrarem, de forma singela, o predomínio sempre transitório no
processo de avanço da civilização, mostram, de forma inequívoca, a ruptura e o estabelecimento de
uma nova ordem, sucessivas vezes, no decorrer deste processo.
A simplificação estabelecida permite ainda concluir como coloca COSTA(1996g) que a
dinâmica do processo de avanço da civilização, que aqui foi nomeado como teoria do retardo, pode
ser assim resumida:
` Toda periferia busca o centro e toda a barbárie busca a cultura.
O centro exerce sobre a periferia dois papéis: o de repulsor e o de articulador. O centro é
estático, não se desloca, não tem a dinâmica, que é atributo exclusivo da periferia. O centro deve ser
sempre visto como um castelo sitiado. Contudo, como o castelo sitiado pode vir a ser ocupado o
centro pode vir a ser deslocado.
O papel de repulsor do centro repousa na capacidade que desenvolve de repelir o que aqui
serão nomeadas de forças de atração ou de avanço, e que resultam da busca do centro pela periferia.
Dentre essas, podemos citar: a migração, o comércio, o fluxo de idéias, etc. Quanto mais bem
sucedido for o centro na repulsão dessas forças, na transformação delas em forças centrífugas,
maior sucesso poderá ter o centro em permanecer centro.
O papel de articulador do centro reside na capacidade, que desenvolve, de organizar as
forças caóticas que existem na periferia, no sentido de compô-las, objetivando minimizar sua
resultante, buscando uma soma zero, o que, em muito, pode, também, contribuir para seu papel de
repulsor.
Já a cultura, esta exerce, sobre a barbárie, dois outros papéis: o de atrator e o de
organizador.
A função de atrator da cultura, algo imanente, é o que movimenta as sociedades, provoca,
inexoravelmente, a atração da periferia para o centro. A função de organizador dá à cultura a
capacidade de conduzir a barbárie de acordo com seus interesses.
A ruptura se processa quando a barbárie atinge o centro com força suficiente para se impor.
Não se trata, portanto, de algo que resulte de um determinismo. Nem toda periferia está fadada a
chegar ao centro, nem toda a barbárie está vocacionada para chegar à cultura. Trata-se de um
fenômeno de natureza similar ao da fecundação. A busca não é a materialização. Assim como só o

xxiii
mais competente espermatozóide é que pode fecundar o óvulo, assim, também, só a mais
competente barbárie é que pode provocar a ruptura. Não é a periferia que rompe o centro, é a
barbárie mais competente. E o primeiro passo para ser competente é se inconformar e não se aceitar
dependente.
De certa forma, essas colocações recuperam a visão de HEGEL(1837e), em sua inteireza.
Como o filósofo apresentou, a evolução histórica resulta da solução da tensão entre opostos, que se
dá de forma repentina. Desaparecendo os opostos, desaparecia, na visão do filósofo, aquela tensão.
Poderia, então, ser a conclusão, de quem esteja trabalhando sob a ótica de HEGEL(1837f), ao tratar
da dualidade centro e periferia, ou da dualidade barbárie e cultura, que existiriam soluções na tensão
entre esses opostos. Ao se tratar dessas dualidades as duas partes são múltiplas, o que garante uma
permanente tensão e conseqüentemente a imortalidade da história. Síntese feita, antítese colocada.
Novo centro, nova periferia. Nova cultura, nova barbárie. Cumpre, pois, recuperar HEGEL(1821c).
O sonho, fruto do espírito, é o impulsionador da história. E este sonho é muito mais claro e muito
mais forte na periferia e na barbárie. O que HEGEL(1821d) colocava em sua filosofia, a exemplo
do que já havia sido colocado por HERÁCLITO(V A.C.), era a permanente dinâmica. Existe
também uma dinâmica social. E a origem desta dinâmica é o sonho coletivo. Sonho que resulta e se
processa no âmbito de uma sociedade. Diferentemente do que usualmente se tem colocado, o maior
choque é o que se processa entre sociedades e não aquele que se dá dentro de uma sociedade. O
maior dos choques como coloca COSTA(1996h) é o que se dá entre o sonho coletivo de uma
sociedade emergente e a intransigência, ou seja, tudo aquilo que se opõe à dinâmica social. Ou seja,
fica claro em COSTA(1996i), que a intransigência nada mais é do que a ação do centro contra a
periferia, da cultura contra a barbárie.
Outro ponto, muito importante, é o fato que o centro nem sempre é cultura, pois esta sempre
só consegue preencher, plenamente, suas funções atratora e organizadora no centro, ou, melhor
dizendo, quando a antiga periferia passa a ser um novo centro. Por isso que o começo de um novo
centro é sempre na barbárie. Por isso que a cultura do antigo centro sempre é absorvida pelo novo
centro.
Este choque entre periferia e centro, que é condição para o sucesso do processo de avanço da
civilização, exige, do lado da barbárie, uma ação contestadora para processar a ruptura. E essa ação
contestadora resulta dos pactos que se processam no âmbito das sociedades periféricas. Resulta,
hoje, dada a complexidade das questões postas, de acordos que só poderão se processar no âmbito
do moderno Estado Nacional. Resulta da articulação coletiva que se expressa numa concepção
estratégica nacional e na montagem de uma vontade nacional.. Em tempo de regionalização, é
viável que a concepção estratégica nacional possa ser o da formatação de um Megaestado. A
política externa passa, então, a ser o elemento de ordenação da concepção estratégica nacional.

xxiv
Como coloca COSTA(1996j), para nós brasileiros, que somos considerados bárbaros e
periféricos, é chegado a hora de assumirmos a dinâmica, que estes atributos nos impõem. E esta
dinâmica se estrutura com um projeto nacional, fruto de uma estratégia nacional. Poderemos ser ou
não ser. Mas teremos de tentar. Se o conseguirmos, daremos ao processo civilizatório um novo
espaço em ser. Espaço este onde ibéricos, negros, índios, holandeses, mais antigamente, e
japoneses, alemães, árabes e italianos, mais recentemente, se sentiram latinos e trouxeram de novo o
Lácio para o centro da história.

1.4-ESTRATÉGIA NACIONAL: INSTRUMENTO PARA VENCER O RETARDO


A razão pela qual o nosso tema maior está vinculado a um Estado Nação: o Brasil, decorre
do fato de que o Brasil é hoje um retardatário. E é só com solidariedade nacional que é possível aos
retardatários chegarem ao centro. O Brasil, também, necessita de ter este entendimento para melhor
conceber seu futuro no mundo.
Porque Estado Nacional? Porque não, simplesmente, estado? Ou porque não, simplesmente,
nação? Porque, como coloca COSTA(1996i), nem nação, nem estado, são a mais elaborada
ordenação humana na vida política e nem sozinhos foram capazes de alterar, nos últimos
quatrocentos anos, no tempo da mundialização, as relações no centro e na cultura. E nem o serão
nos próximos cem anos. Isto porque o conceito de nação é uma abstração contemplativa, apesar de
mobilizadora, e o conceito de estado é uma abstração mobilizadora, apesar de contemplativa. Mas,
no Estado Nacional, contemplação e mobilização se juntam, tornando possível a realização coletiva,
tanto de um, como de outro. Tornando possível a construção de um projeto nacional. O Estado
Nacional moderno se explicita através de um projeto nacional. E um projeto nacional é a resultante
última de uma ampla articulação que envolve meios e fins e que conjuga, como veremos adiante, na
metodologia, a política nacional, a estratégia nacional e o poder nacional.
A construção do projeto nacional, como é concebido atualmente, é algo que se processa no
final do século XVIII. Até então, o projeto nacional, era algo implícito na ação dos reis e, de certa
forma, constituía em parte expressiva do chamado direito divino dos reis. O projeto do antigo
Estado Nacional era o projeto da casa reinante, algo que se explicitava através dos desígnios do rei.
Naquela época, o centro do processo civilizatório estava dividido pelo Canal da Mancha.
Estava dividido e estava rompido. Duas rupturas haviam se processado. A primeira na maneira de
agir, na Inglaterra, pelo nascente processo de industrialização. A segunda, na França, na maneira de
pensar, em decorrência do bafejar da abertura proporcionada pela prevalência das idéias sobre os
dogmas. A primeira dessas rupturas é conhecida como revolução industrial e gerou o que veio, mais
tarde, a se denominar sociedade industrial. A outra ruptura deu origem à Revolução Francesa e a
derrubada do absolutismo, o que levou ao moderno estado nacional. A partir da Revolução

xxv
Francesa, a cidadania se coloca como um valor maior e o projeto nacional deixa de ser o projeto da
casa reinante e passa a ser o projeto da cidadania. A partir de então, o Estado só se legitima, se cada
cidadão vir no projeto de seu Estado Nacional, no projeto nacional, o seu próprio projeto.
Como COSTA(1998k) coloca, a periferia do processo civilizatório, ao final do século XVIII,
englobava toda a Europa Continental, excluída a França e os demais continentes. Como se
comportaram as nações que buscavam o centro?
Como se comportaram os antigos retardatários, aqueles que tinham, além dos meados do
século XIX, um amplo mercado interno e que buscavam viabilizar antigos Estados Nacionais
estruturados? Como se posicionaram o Império Austro-Húngaro, a Rússia, a Alemanha, o Império
Otomano, a Itália, os Estados Unidos e o Japão, que aqui nomearemos como os antigos
retardatários? Em primeiro lugar, estabeleceram como seus principais objetivos ter um Estado
Nacional moderno e criar uma sociedade industrial.
O entendimento do que vem a ser um Estado Nacional moderno e uma sociedade industrial é
de extrema importância para essa exposição.
Entendemos como Estado Nacional moderno aquele em que a sua vontade é coincidente
com a dos seus cidadãos e que tem como contraponto o antigo estado nacional, em que a vontade
resultava exclusivamente da sua casa reinante, ou de sua elite dirigente.
Entendemos como sociedade industrial não, exclusivamente, criar um sistema industrial
dentro das fronteiras de um território nacional, mas ir muito além disso, dando condições à
população, que habita aquele território, de participar dessa criação, usufruindo dos bens que vierem
a ser gerados nesse sistema.
Mas se os antigos Estados Nacionais estruturados buscavam como política criar um Estado
Nacional moderno e uma sociedade industrial, necessitavam dotar-se, para atingir esses objetivos,
de uma Estratégia Nacional, fruto de uma concepção estratégica de Estado e de uma vontade
nacional. A título de ilustração, analisemos o comportamento desses retardatários:
O Império Austro-Húngaro buscou uma concepção estratégica muito limitada. Talvez em
decorrência do seu processo de formação - que se deu pela assimilação, ao longo do século XVIII,
de diversas nacionalidades, no centro europeu, sob um predomínio germânico - a concepção
estratégica austro-húngara resumia-se a uma formulação européia. A síntese dessa concepção seria
o domínio dos Bálcãs e o acesso crescente ao Mar Mediterrâneo. A diplomacia austro-húngara, ao
final do século passado e ao início desse século, moveu-se claramente com esses objetivos.
Entretanto, a questão das nacionalidades minou todas as tentativas feitas pela ação diplomática. Não
se tornou possível criar-se uma única vontade nacional que respaldasse a ação diplomática. O
Estado Nacional moderno, sem um projeto nacional, mantido através de uma vontade nacional, não
existe. O Império Austro-Húngaro não conseguiu ser um Estado Nacional moderno. Também não

xxvi
conseguiu ser uma sociedade industrial. Ao iniciar-se a Primeira Grande Guerra, a produção
industrial do Império Austro-Húngaro era incipiente, se comparada com outros retardatários como a
Alemanha ou o Japão, e excessivamente concentrada em áreas germanizadas, como a Áustria e os
sudetos da Tchecoeslováquia. Sem ter sido um Estado Nacional moderno, sem ter sido uma
sociedade industrial, vitimado em decorrência de não ter conseguido impor uma vontade nacional às
suas nacionalidades, fruto, talvez, também, de sua limitada concepção estratégica, o Império
Austro-Húngaro fragmentou-se com sua derrota na Primeira Grande Guerra e, de retardatário,
passou a ser só parte de nossa história.
A Rússia contava com uma ampla visão estratégica. Buscava um domínio sobre a Europa e
Ásia e daí o predomínio mundial. Para tanto, desdobrava-se sobre os Bálcãs e expandia-se sobre o
Extremo Oriente. A Rússia de todos os retardatários teve a trajetória mais conturbada. A idéia da
criação de um Estado Nacional moderno nunca conquistou plenamente a elite dirigente russa no
século XIX. Presos ao estado absolutista, que lhe proporcionava tantas vantagens, a aristocracia
russa não via com bons olhos compartilhar seus ideais com o povo russo. A sociedade industrial
como concebemos não era desejada como objetivo final. A industrialização era vista como um meio
de instrumentalizar-se a concepção estratégica. Na época dos tzares, os meios eram os fins e os fins
eram meios. A revolução bolchevique, antes de ser uma validação às teses marxistas de lutas de
classes, é muito mais uma ruptura entre o povo russo e as suas elites dirigentes. É a resultante
explícita das forças anímicas presentes na nação russa, fruto de sua história, desde a formação do
Grão-Ducado de Moscou, assim como, também, o é o recente estilhaçar do Estado Soviético. Nada
é mais definitivo, na defesa dessa posição, do que o comportamento do Estado Soviético no
decorrer da Segunda Grande Guerra. Ao longo de todo o conflito, o que se defendia não era o
Estado Soviético, mas a velha Mãe Rússia. O Estado Soviético buscou criar uma sociedade
industrial. Buscou criar um Estado Nacional moderno. Entretanto, o sistema econômico que adotou
não lhe deu condições de dotar o povo russo de uma convincente vontade nacional. Sem vontade
nacional, a busca ao centro transforma-se numa viagem no labirinto. E é isso que ainda está
acontecendo, ainda hoje, com a sociedade russa.
A Alemanha, no início da segunda metade do século XIX, buscava, antes de tudo, se tornar
um Estado Nacional. Para isto, contava com a Prússia que, antes de ser um Estado que contava com
um exército, era um exército que contava com um Estado. A Prússia, após duas guerras, com a
Áustria e com a França, pode reunificar os alemães e criar um grande Estado no centro da Europa.
Este Estado, sob a égide de Bismarck, talvez tenha sido o que mais claramente tenha explicitado a
busca pela criação de um Estado nacional moderno e de uma sociedade industrial. Sua concepção
estratégica era clara: o domínio da Europa Continental, daí o domínio da Europa e Ásia e do
Mundo. A educação deveria ser o suporte para a criação de uma vontade nacional. A Alemanha, na

xxvii
sua busca ao centro, envolveu o Mundo em duas guerras mundiais. Foi perdedora em ambas. Perdeu
parcela de seu território em ambas. Mesmo assim, chegou ao centro, como veremos mais adiante.
Qual o seu segredo?
O Império Otomano nunca conseguiu ter uma concepção estratégica. Ao longo de todo o
século XIX, sofreu uma progressiva decadência. Sem ter estabelecido uma política que privilegiasse
a montagem de um Estado Nacional moderno e uma sociedade industrial, o Império Otomano
abdicou da busca do centro. Quando acordou, em 1908, era para ele muito tarde. A revolução dos
jovens turcos, que estabelecia como política a busca daqueles objetivos, veio tarde. Logo veio a
Primeira Guerra e, com ela, a partilha do Império Otomano. Sem política, sem ter, portanto,
concepção estratégica, sem vontade nacional, o Império Otomano deixava de existir.
A Itália, a exemplo da Alemanha, também buscava, no início da segunda metade do século
XIX, a sua constituição como nação. Conseguido esse objetivo, partiu a nação italiana para a busca
ao centro. Buscava, também, a criação de uma sociedade industrial e de um Estado Nacional
moderno. Muniu-se de concepção estratégica. Tendo sido sede do maior império da antigüidade, a
Itália procurou reviver, no espaço, algo que o tempo não permitia. Procurou recriar a concepção
estratégica de Roma. Dominar a Bacia do Mediterrâneo e, com esse domínio, dominar a Europa.
Contudo, essa estratégia era neste momento inadequada. A concepção estratégica, que há 2000 anos
era definitiva, não se adequava à conjuntura do século XX. Espaço e tempo serão sempre a razão de
tudo. A concepção estratégica italiana foi limitada. Sua vontade nacional não se explicitou e a Itália
chega ao centro como coadjuvante, assim como o centro antigo, a Inglaterra e a França, de um ator
maior, a Alemanha, na União Européia.
Os Estados Unidos tornam-se independentes no mesmo instante histórico em que se
processa o rompimento no modo de agir, a revolução industrial, e na maneira de pensar, a revolução
francesa. A busca desses novos paradigmas transformou-se no objetivo maior da sociedade
americana. Desde sua independência, os Estados Unidos formularam uma concepção estratégica
ampla. Esta concepção, exposta por FRIEDMAN e LEBARD(1991), pode ser assim resumida: o
domínio da massa territorial norte do hemisfério ocidental, ou seja, da América do Norte; não
permitir que um país ou coligação de países do hemisfério ocidental ameace seu predomínio nesse
continente; não permitir que um país conquiste a supremacia absoluta na Europa e Ásia; e,
finalmente, ter o controle do tráfego marítimo no Atlântico Norte e no Pacífico. Ao lado dessa
concepção, o Estado Nacional Americano tem procurado dotar a sociedade americana de vontade
nacional. Ao longo de todo esse século, utilizando-se de propaganda e dos novos meios de
comunicação, tem-se procurado incutir na sociedade americana valores que objetivam
exclusivamente fortalecer a vontade nacional. Pela heterogeneidade ética, racial e religiosa do povo

xxviii
americano, esses valores não emergiriam naturalmente. Ao término da Segunda Grande Guerra, os
Estados Unidos atingiram os seus objetivos e se estabeleceram no centro.
O Japão, quando foi forçado a romper o seu isolamento, a partir do início do século XIX,
defrontou-se com a necessidade de buscar o centro, pois a outra opção era a de ser mais um
território do contencioso colonial do centro e dos antigos retardatários. As elites japonesas
preferiram, entre a posição de colônia, que a Índia adquiria, e a posição de espaço a ser ocupado que
a China estava se tornando, buscar um lugar entre os antigos retardatários. E, para isto, resolveram
copiar o que de melhor havia no centro da época e nos seus possíveis companheiros de viagem. O
seu maior paradigma foi, sem dúvida, a Alemanha “bismarckiana”, como demonstra a constituição
que promulgaram em 1889. A busca da criação de uma sociedade industrial e de um Estado
Nacional moderno já eram princípios de ordenação na chamada Reforma Meiji, em 1867. O
isolamento a que foram submetidos deu aos japoneses um extremo impulso à criação de uma
vontade nacional. Contudo, sua concepção estratégica foi limitada e resumiu-se ao domínio das
margens da Bacia do Pacífico.
Passados dois séculos das rupturas, no final do século XX, três desses retardatários disputam
o centro: os Estados Unidos da América, a Alemanha e o Japão. Todos dotados de concepção
estratégica, todos dotados de vontade nacional. Todos os três adeptos da doutrina do
intervencionismo e do nacionalismo econômico. A economia, para eles, sempre foi vista como uma
ferramenta a ser utilizada pelo estado na busca de uma concepção estratégica, ou como um
elemento primordial para a formulação de sua política. Nunca foram liberais. O liberalismo
econômico, que hoje praticam, coaduna-se perfeitamente, com os postulados desta doutrina, como
está perfeitamente sintetizado no trecho abaixo, do livro “Sistema Nacional de Economia”, do
economista alemão LIST(1841):
“A história ensina que as nações ... podem e devem modificar seus sistemas de acordo com
o estágio de seu próprio progresso: no primeiro estágio, adotando o comércio com nações mais
adiantadas como meio de saírem de um estado de barbárie; no segundo estágio, promovendo o
crescimento das indústrias, pesca, navegação, adotando restrições ao comércio; e no último
estágio, após atingir o mais alto grau de riqueza e poder, retornando ao princípio de comércio
livre ... de maneira a que seus comerciantes e industriais possam ser preservados da benevolência e
estimulados a conservar a supremacia que adquiriram.”
Concepção estratégica e vontade nacional são os ingredientes primordiais, como a história
nos mostrou nos últimos 200 anos, capazes de conduzir um Estado Nação para o centro, capazes,
portanto, de preencher os reclames, ainda atuais, de uma nação ser uma sociedade industrial e um
Estado Nacional moderno.

xxix
De toda a análise, resulta claro que para se vencer o retardo é necessário: primeiro, ter claro
que a solução das questões sociais de uma sociedade passa, obrigatoriamente, pela sua solução
como sociedade industrial; segundo, que isto só é, modernamente, possível pela constituição dessa
sociedade como nação; terceiro, que nação se constrói com um Estado Nacional moderno e com
defesa dos interesses nacionais e que isto no campo econômico é protecionismo; e quarto, o que é
extremamente importante, que cabe a esse Estado prover essa sociedade de uma concepção
estratégica e de vontade nacional. Daí porque a relevância do tema.
Todavia, entre os dois últimos ingredientes, concepção estratégica e vontade nacional, a
serem providos pelo Estado, existe uma clara hierarquia. É da concepção estratégica do Estado que
se extrai parcela relevante dos dados capazes de criar e de manter uma vontade nacional. E
concepção estratégica decorre primordialmente da forma como um Estado Nacional olha o mundo e
nele busca se inserir.
O pressuposto a ser seguido nesta tese é que o melhor caminho que se afigura na inserção
internacional do Brasil, a razão atual de sua concepção estratégica, é a cooperação sul-americana.
Este é pois o tema desta proposta de tese e se insere plenamente na concepção estratégica do Brasil,
como está exposto na CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL(1988), no
parágrafo único, de seu artigo quarto:
A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e
cultural dos povos da América Latina visando à formação de uma comunidade latino-americana
de nações.
Cabe, entretanto, uma reflexão maior sobre este posicionamento novo da concepção
estratégica nacional. Do alinhamento automático ocidental, que mantivemos, ao longo de toda
guerra fria, das vantagens daí decorrentes, deparamo-nos com uma nova época, que é dita de
globalização, como coloca OHMAE(1991) onde tudo mudou. Uma coisa, entretanto, não mudou, a
globalização do século XX. é o imperialismo do século XIX e o mesmo colonialismo do século
XVIII.
Aliás sobre o século XX, é inteligível que o Ocidente, durante as décadas que vão de 50 a
80, portanto, em plena vigência de um sistema dual de poder, como coloca KISSINGER(1994a),
conforme a ordem mundial de então, os países componentes do G-7 (EUA, Canadá, Alemanha,
França, Itália, Reino Unido e Japão) promovessem, patrocinassem e estimulassem o
desenvolvimento das regiões sob suas influências, em consonância com a política “de fazer
prevalecer sua ideologia” Deste modo, neste final de século, após o fim da guerra fria, é natural que
mudassem o discurso em prol da nova roupagem do velho tema e acentuassem um novo discurso e
forjassem novas antigas políticas que viessem a ser planejadas e estabelecidas nos países mais
desenvolvidos, visando a manutenção de suas hegemonias; não deixando outro espaço a periferia,

xxx
senão, a uma nova colonização, a dita globalização . É o centro procurando exercer suas funções
articuladora e repulsora. É a cultura buscando exercer seu papel atrator e organizador.

1.5 - A INTERVENÇÃO E O TRIÂNGULO INDISSOLÚVEL


Cabe-nos, neste instante, discorrer como a periferia pode, ao início do século XXI, se
contrapor a manutenção pretendida de hegemonias. Como já foi dito há uma dualidade primitiva: a
do homem e da natureza. Quem conduz o processo? O homem ou a natureza?
Ao iniciar-se o século XIX, esta questão primitiva havia se transformado em uma dualidade
mais elaborada e que opunha a ordem racional à lei natural. A ordem racional resultava, tanto da
capacidade demonstrada pelos pensadores franceses, em especial em DESCARTES(1637a), de dar
a natureza, com os números, uma descrição intelectualmente satisfatória, como da posição presente
na escola filosófica alemã, em especial em HEGEL(1821e), de ver no homem, no seu espírito e na
sua razão, o demiurgo da civilização e do progresso. Já de outro lado, se posicionava toda a
formulação inglesa, algo que fundamentou a economia clássica e que se apoiava na impossibilidade
humana, algo claramente representado no seguinte pressuposto, lembrado por DENIS(1978) e
conhecido como lei natural:
“Há um conjunto de regras de direito ou de justiça e talvez mesmo de moralidade em geral,
que são, ou podem ser, conhecidas por todos os homens com a ajuda da razão ou de um sentimento
moral, e que possuem uma autoridade superior aos ditames emanados de soberanias humanas e às
limitações legais e morais correntes que possam vir a contrariá-las.”
É interessante colocar que a questão original da possibilidade ou da impossibilidade coletiva do homem,
presentes, respectivamente, na ordem racional e na lei natural, transferiram-se, de inteiro, para a idéia de mercado que,
hoje, nos é colocada. O mercado, é bom lembrar, é concebido como o espaço onde se realizam todos os processos
econômicos.
O mercado sob a ótica lei natural é um, sob a visão da ordem racional é outro.

Sob a lei natural o mercado repudia qualquer intervenção que busca à ordenação, pois há o
entendimento que o próprio choque de interesses, que ocorre em seu interior, o organiza. Há, de
acordo com esta visão, uma mão invisível que tudo ajusta, tudo coloca no seu devido lugar. A ação
individual na busca de sua máxima satisfação se encarrega por si só, ao chocar-se com outras ações
individuais, de, naturalmente, construir uma estrutura, que classificam como ordenada e nomeiam
de mercado. Não existe uma ordem coletiva humana estabelecida no mercado, existe sim, uma
organização que se processa com o deveio e não tem nenhum compromisso com o devir, senão o
que é natural. Sob a égide da lei natural, o mercado privilegia o consumidor e coloca como objetivo
final de todo o processo econômico o consumo.
Já, sob a ordem racional, a idéia de mercado é uma idéia estruturada. O mercado é algo que
se organiza, se estrutura. O mercado é, para os que advogam a necessidade de uma ordem racional,

xxxi
o dinâmico resultado de sucessivas intervenções. O espaço pode ser delimitado. O homem deve
intervir. As transações econômicas podem ser previstas. Há, de acordo com esta visão, a
possibilidade de se impor uma organização, uma utilização racional aos fatores de produção; de se
impor uma ordem racional pela adoção de progressivas intervenções. Sob a égide da ordem racional
o mercado tem de privilegiar a cidadania e deve colocar a produção como objetivo final de todo o
processo econômico.
Os Estados Nacionais modernos, por mais que possam vir a dizer o contrário, como bem
coloca REICH(1991), nunca abandonaram a possibilidade da estruturação. Nunca abandonaram a
idéia que o mercado é algo que se estrutura. Nunca abandonaram a intervenção.
A intervenção sempre se processa submetida aos determinantes últimos de todos os
processos humanos: ao espaço e ao tempo. Toda intervenção se estrutura em um determinado
espaço e a um dado tempo. Toda intervenção, é uma ação em busca de um fim a ser atingido. E para
o atingir temos de dispor de meios. Meios e fins são os instrumentos que estão presentes em toda
intervenção.
A intervenção se processa de duas formas: a que justapõe o homem com a natureza e teve
como mediação, primeiro o trabalho, depois, o trabalho e a ciência, e mais recentemente, o trabalho,
a ciência e a informação; e a que nos interessa mais diretamente, a que relaciona o homem com o
homem, que foi mediada pelo quer veio a se denominar modernamente como estratégia.
Estratégia pode ser, inicialmente, definida como a mediação que se processa entre os
homens, ou sociedades humanas, numa intervenção. Algo que se explicita dessa análise é que a
estratégia é o pressuposto racional de uma intervenção que envolve uma ação coletiva. A
intervenção sempre que envolveu uma ação coletiva sempre se processou seguindo uma das três
modalidades de contato:
Cooperação - quando dois ou mais homens ou sociedades se unem em busca do mesmo
objetivo;
Competição - quando dois ou mais homens ou sociedades buscam o mesmo objetivo,
preservando, nessa busca, algumas regras acordadas;
Conflito - quando dois ou mais homens ou sociedades buscam o mesmo objetivo, não se
prendendo a nenhuma regra previamente acordada.
Repetindo, a mediação que existe nas três modalidades de contato acima colocadas é a
estratégia. O nosso objetivo é propor uma estratégia de cooperação do Brasil com os demais países
sul-americanos.
Entretanto, no passado, como bem colocou RAPOSO(1992b), a estratégia só adquiria foro
próprio no conflito. Na antiga Grécia, era conceituada como a arte dos generais. Do Renascimento

xxxii
até o século passado, a estratégia era tida como a arte da guerra. Modernamente, a estratégia tem
uma definição muito mais elaborada e abrange as três modalidades de contato.
As razões dessa evolução encontram sua explicação na história. Nos meados do século XIX,
houve um considerável avanço no conhecimento da estratégia, principalmente, devido aos conceitos
do pensador alemão CLAUSEWITZ(1832a), que enfatizou, em sua análise sobre o tema, a ação de
fatores sociais no choque entre oponentes racionais e a subordinação da estratégia ao fator político.
Contudo, o conceito de estratégia só transcendeu o restrito campo militar, no presente século, com a
deflagração das duas guerras mundiais. A I Guerra Mundial, ao envolver populações civis em
operações militares, ensaiou o que se convencionou chamar de guerra total, e reformulou o
conceito, então existente, de estratégia. A estratégia teria de extrapolar, no conceito de guerra total,
seu escopo exclusivamente militar. Teria que açambarcar formulações que mobilizassem a
população, os meios de produção e os transportes. Impunha-se uma visão total da idéia de
estratégia, algo que veio se nomear como macro estratégia ou como mais se conhece como
estratégia nacional. Mas foi durante e após a II Grande Guerra, que se consolidou este novo
conceito de estratégia. Ademais, após este conflito, o novo conceito de estratégia havia ultrapassado
sua ligação primitiva com a sobrevivência, a segurança; sendo empregado, também, para fins de
desenvolvimento.
A transformação do primitivo conceito de estratégia, preso a uma visão exclusivamente
militar da vida humana, para outros espaços da existência, como o campo econômico, cultural,
político, técnico e científico, conduziu a outras adjetivações do termo estratégia. Contudo, o tronco
central, que se seguiu a raiz presa na visão militar do termo, deu origem ao que se convencionou
chamar de estratégia nacional.
Entretanto, a evolução do conceito de estratégia, se de um lado a estendeu através de
diversos campos da ação humana, de outro a colocou, definitivamente, ligada a dois outros
conceitos: o de política e o de poder. A estratégia é como se fosse um dos vértices de um triângulo
indissolúvel, que tem na política e no poder seus outros dois vértices. Não é demais ressaltar que a
estratégia também é aqui um conceito básico e fundamental muitas das vezes quase se isolando dos
dois outros conceitos a ela ligados, na origem e na finalidade: o poder e a política.
Estratégia, política e poder são formas novas de se analisar uma intervenção, são formas
novas de se organizar os meios e os fins, que, como vimos, são os instrumentos e objetivos últimos
de toda a intervenção.
A política, no triângulo indissolúvel, estabelece o que fazer, qual o fim procurado, o poder,
com o que fazer., com que meios se dispõe para se buscar o fim, e a estratégia, o como fazer, como
se dispor dos meios para se atingir o fim. Com estes três ingredientes unidos e ajustados , isto é,
com o triângulo indissolúvel processa-se a intervenção.

xxxiii
Numa armação mais definida do processo, assim se explicitam os três vértices do triângulo
indissolúvel, como coloca o MANUAL DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA(1976a):
• Estratégia é a arte de preparar e aplicar os meios para se conquistar e manter os objetivos
pretendidos.
• Política é a arte de estabelecer objetivos ao se interpretar os interesses e aspirações, e de
orientar a conquista e a preservação daqueles objetivos.
• Poder é a expressão e a conjunção integrada dos meios de que se dispõe para conquistar e
manter os objetivos pretendidos.
Voltando-se à idéia da intervenção, pode-se afirmar que sempre ela tem o seu melhor
momento. Pode-se, muitas das vezes, se determinar este momento. Quando isto é possível, também
é possível modificar-se o triângulo indissolúvel, particularmente, o seu vértice poder. Esta alteração
pode ser conseguida pela transformação, ao longo do tempo, de algo fora do triângulo, mas
acessível, tido e chamado como potencial, em poder, ou seja, utilizando-se do tempo para apropriar-
se de novos meios.
Toda intervenção se processa, portanto, sobre um espaço e num dado tempo.
Na lógica da ordem racional a intervenção tem de ser planejada. Toda a intervenção em
decorrência de ser uma ação consciente e racional tem de ser uma ação planejada, devendo resultar,
portanto, de vontade e de conhecimento. Devendo resultar, portanto, de fé e de razão. Deste fato
decorre a assertiva que planejar é uma atividade exclusivamente humana, já que, de todos os seres,
os homens são os únicos dotados de fé e de razão.
O triângulo indissolúvel sempre se posiciona, também, no plano nacional articulando a
política nacional, a estratégia nacional e o poder nacional. Neste plano, a política prende-se,
sobretudo, nos fins a alcançar para o Estado Nacional; cuidando de interpretar aspirações e
transformá-las em objetivos nacionais. Ela sempre tem de ir além, organizando o poder nacional,
criando meios e os desenvolvendo, sempre, em benefício da comunidade nacional. A política
nacional, ao interpretar as aspirações e interesses e ao transformá-los em objetivos nacionais, para a
consecução ou manutenção, em determinado prazo, o faz mediante uma concepção política, que dita
os rumos de uma concepção estratégica.
Já a estratégia, como vimos, preocupa-se, principalmente, com os meios que disporá para
atingir os objetivos fixados pela política. Na dimensão nacional a estratégia preocupa-se,
primordialmente, com os meios que disporá, para a consecução dos objetivos nacionais traçados
pela política. Na verdade, a estratégia nacional cria a forma de traduzir a vontade política ao mesmo
tempo que a busca impor. A estratégia nacional prepara o poder nacional, define opções, propõe a
linha de ação mais favorável a ser seguida, considerando, para tanto, os recursos disponíveis, os

xxxiv
esforços a serem realizados, as prioridades a serem adotadas e os riscos a correr, pelo Estado, na
implementação da decisão tomada.
A estratégia nacional vincula-se a política nacional pelos objetivos que esta estabelece e
pelos riscos para atingi-los ou mantê-los.
Todo estudo de estratégia nacional passa, obrigatoriamente, pelo estabelecimento de
objetivos nacionais e por uma avaliação do potencial nacional e de sua possibilidade temporal de
transformar-se em poder nacional. Houve, portanto, a partir das rupturas do final do século XVIII,
uma colocação no plano nacional do fenômeno estratégico, uma extensão de seu conceito até a
categoria, como colocado, de mediação, já que a estratégia, de uma postura exclusivamente militar,
passou a envolver outras variáveis e começaram a se esboçar os limites entre a política e a estratégia
e as relações entre elas e o poder.
Esta transformação conduz a configuração hodierna da política, cujos estudos abrangem os
níveis teórico (filosófico e científico) e prático (técnica e arte) - ela, como “práxis” é entendida
como arte de organizar e governar um estado e de dirigir suas ações, interna e externamente. A arte
do estadista, o político realizado, como diz RAPOSO( 1992c) é a mais complexa de todas as artes,
definindo objetivos e orientando os destinos de um Estado Nacional, interna e externamente.
A política, como posta na visão “bismarckiana” da arte do possível, preocupa-se com os fins
(objetivos), define os meios para buscá-los, promovendo a consecução ou a manutenção dos
objetivos. A política nacional deve preocupar-se decisivamente com o bem comum da sociedade
nacional e a sobrevivência do Estado Nacional, cuidando do poder e do seu fortalecimento.
A política nacional se incumbe, portanto, de interpretar a cidadania, seus interesses e suas
aspirações, traduzindo-os em objetivos a serem conquistados ou mantidos por determinado prazo.
Envolve, pois, um complexo de atividades que se traduz por uma concepção política, que se coloca
pelos objetivos a serem perseguidos. Para o Estado Nacional, a política nacional cuida dos
seus negócios, interpreta e formula os seus objetivos e organiza o poder nacional, criando meios e
os desenvolvendo em benefício da comunidade nacional.
Há, contudo, uma faixa de indefinição, entre estratégia nacional e política nacional. Melhor
dizendo, a política nacional e a estratégia nacional de vértices do triângulo, avançam e se articulam
no lado do triângulo que os une, quando a política, a arte do estadista, assume-se estrategista, ao
assinalar rumos, direção geral do esforço e metas, assim como a estratégia, arte do estrategista,
assume-se estadista, quando aplica o poder.
Poder nacional é, na maioria das vezes, sempre, ligado a capacidade militar, o que é até
explicável pelo fato da guerra ser sempre a última e definitiva aplicação do poder. Apesar de
vivermos em um mundo ameaçado pelo suicídio coletivo, decorrente da existência de artefatos
nucleares, esta visão é cada vez mais desfocada. Poder nacional é o resultado de uma integração

xxxv
multidimensional de poderes. Um Estado Nacional pode parecer poderoso porque possui muitos
ativos militares. Entretanto, esses ativos podem ser inadequados contra os inimigos potenciais ou
podem não ser apropriados para a natureza do conflito, como bem coloca SCHWEIZER(1994).
Repetindo, a questão ainda é a mesma: Poder em relação a quem? E com respeito a que?
O poder nacional decorre, mais, hoje, de outros fatores, que já se faziam presentes, do que o
poder militar. Nenhum poder nacional foi fruto exclusivo, no passado, de sua componente militar. E
muito menos o será no futuro. Nenhum elemento sozinho é definidor de poder. Para exemplificar
podemos citar que o tamanho do Brasil, a população da Índia, a indústria da Suécia, o exército da
Suíça não dão a estes Estados Nacionais uma posição de primeiro plano na pirâmide mundial do
poder. A idéia do poder nacional baseado em um único fator é sempre uma idéia errada.
Só para fins didáticos é que se consegue separar os elementos determinantes do poder
nacional. Conjugados, eles constituem os meios que se dispõem para se atingir os objetivos
nacionais pretendidos.
Poder nacional é algo relativo, não é absoluto. Nenhuma nação teve, tem ou terá poder
absoluto. O poder é algo relativo e sempre correlacionado aos outros atores presentes na arena
internacional. Dizer que os Estados Unidos são a nação mais poderosa da Terra é algo só possível
de ser dito, porque está precedido de uma comparação de seu poder, com os demais poderes
existentes.
Assim, como não se pode confundir potencial com poder, não se deve confundir potencial
nacional com poder nacional. A capacidade de uma nação converter seu potencial nacional em
poder nacional é algo, muitas das vezes, próximo do intangível e deve ser imaginado, em várias
considerações, pelo menos nas relativas a capacidade de condução do governo e as de unidade de
propósitos da sociedade nacional. Na verdade, também, o poder nacional só pode ser avaliado no
meio que lhe cerca.
Todo triângulo que conjugue poder, política e estratégia deve se explicitar, sob a ordem
racional, em um planejamento. Assim, também, o triângulo deve se explicitar, em um plano
nacional, em um planejamento nacional. A estratégia preocupa-se sempre com os meios. Ao
apresentar, através da sistemática do planejamento, o que veremos na metodologia, a relação meios
–obstáculos - fins estará sempre voltada para a ação decorrente da intervenção. Caberá, portanto,
apresentar, ao tratarmos da metodologia, a concepção que fundamenta a atividade do planejamento,
o instrumento de trabalho que deu base a tese.
O Estado Nacional, ainda, é o mais importante ator no cenário internacional. Deve-se
reconhecer, contudo, que, em décadas recentes, forças e tendências tem produzido uma série
multicentrada de atores transnacionais, que se têm feito cada vez mais presentes no mundo

xxxvi
tradicional dos estados soberanos. Tem-se processado, portanto, deve-se reconhecer, em anos
recentes, uma alteração no poder nacional
Cabe aqui, outra reflexão que se vincula ao tema da proposta de tese e diz respeito ao
conceito de poder nacional. Para finalizar, lembramos que o poder é uno e indivisível, sendo
perseguido, tanto pelos países desenvolvidos como, também, por todos aqueles países que
acreditam na sua soberania e no seu desenvolvimento. Compartilhá-lo não lhe retira a unidade, nem
o divide, só o fortalece.
Todo este esforço de apresentação do triângulo indissolúvel tem sentido, pois, ele estabelece
no imaginário o sistema de idéias, que sustenta a intervenção, ou seja, em nosso caso, a cooperação
sul-americana, e a forma racional de executá-la.

1.6 - AINDA SOBRE O PODER


Cabe-nos discorrer mais sobre o poder. Poder se manifesta nas intervenções. Como já
vimos, as intervenções se processam de duas formas: as que justapõem o homem com a natureza e
as que se processam do homem com o homem.
O poder se expressa nas relações com a natureza pela capacidade do homem alterá-la para os
seus desígnios. Neste caso, o poder decorre, como já foi dito, do trabalho, ou da ciência, ou da
informação, ou, destes, de forma conjugada.
O poder se expressa na relação do homem com os demais seres racionais pela sua
capacidade de influenciar no comportamento deles. Neste caso, como coloca COUTO E SILVA
(1981) o poder interage com a estratégia.
Contudo, o poder sempre resulta, em última instância, da apropriação da natureza pelo
homem, já que, o poder sempre resulta do domínio relativo das variáveis últimas da natureza: o
espaço e o tempo.
As relações de dominação estão sempre presentes quando há vida. Existe uma inclinação
natural nos seres vivos para o domínio do meio que lhe cerca. Os animais predadores buscam, por
exemplo, o domínio do território onde vivem. Esta inclinação, no gênero humano, se transforma em
um perpétuo e consciente desejo de poder, que só cessa com a morte. Poder é algo humano,
exclusivamente humano.
Quando estão presentes dois ou mais homens, ali existem relações de poder. O poder sobre
outro ser racional se expressa nas relações sempre existentes de dominação e têm duas origens.
material e espiritual. Material, quando se expressam pela força física própria ou de aliados, ou pelo
domínio de meios naturais, tais como território e matéria prima. Espiritual, quando resulta de
prestigio ou de carisma.

xxxvii
O poder tem sempre um desígnio. Este é o seu verificador. O poder está sempre associado ao
seu objeto. Poder só tem sentido quando referenciado a quem e com respeito a que.
O poder se materializa através de um desejo imediato, logo, é um produto da vontade e é,
sempre, exclusivamente, um meio para se atingir um determinado fim. Aqui está uma questão
central para os cratólogos, os estudiosos do poder. O poder é algo totalmente diferente do
potencial..
Poder não é a capacidade de se fazer alguma coisa. Isto é potencial. Entretanto, a palavra
poder é muito empregada para dar este sentido. Poder é o exercício do potencial. A capacidade, o
potencial, não deve ser nunca confundido com o exercício da capacidade, o poder. O potencial
necessita do sopro da vontade para ter vida e ser poder. Entre eles existe o elo fundamental que
caracteriza o poder: a vontade. Poder tem vida e esta vida está na vontade.
Poder, como sabemos, é fazer acontecer. A utilização do poder visa defender ou alcançar
objetivos traçados pela política.. Poder se manifesta nas intervenções. Como já vimos, as
intervenções se processam de duas formas: as que justapõem o homem com a natureza e as que se
processam do homem com o homem.
O poder se expressa na relação do homem com os demais seres racionais pela sua
capacidade de influenciar no comportamento deles. Neste caso, o poder interage com a estratégia.
Contudo, o poder sempre resulta, em última instância, da apropriação da natureza pelo homem, já
que, o poder sempre resulta como foi dito do domínio relativo das variáveis últimas da natureza: o
espaço e o tempo. O poder se expressa nas relações com a natureza pela capacidade do homem
alterá-la para os seus desígnios. Neste caso, o poder decorre do trabalho, e/ou da ciência, e/ou da
informação.
Existe, também, a visão do poder como um fim, como um objetivo, quando se busca manter,
balancear ou aumentar o próprio poder. Neste caso, se poderia, erroneamente, afirmar que o poder
resulta da razão. Na verdade, a busca ao poder é, exclusivamente, o objetivo de uma política.
Portanto, é um fim buscado e como todo fim, buscado pela razão. Mas, ainda, neste caso, o poder
também resulta da vontade, pois a sua materialização é fruto da vontade.
O poder é algo que se mede só quando é empregado. Entretanto, o crédito, de sua existência
e de sua mensuração, é algo fundamental, pois também, gera poder. O que se acredita em termos de
poder é algo muito importante.
Assim, também, se processa com o poder nacional. Entretanto, a meta aqui é de dar a este
poder a característica de suporte à estratégia nacional.
Cabe-nos, finalmente, relembrar que o poder nacional de um estado A, em relação a um
outro estado B, é a capacidade que A tem de influenciar B, de acordo com os seus interesses, a fazer
algo, a continuar a fazer ou a não fazer algo. Os estados usam o poder nacional para alcançar seus

xxxviii
objetivos nacionais. Um ponto extremamente importante na visão de poder nacional é a idéia do
poder de dissuasão, ou seja a capacidade que o estado A tem de influenciar o estado B a não fazer
algo. A capacidade de A influenciar B a não fazer algo, resulta do fato de que B percebe, não só,
que A é capaz de preveni-lo neste sentido, como, também, é capaz de fazer ocorrer a prevenção
colocada.

1.7- O PLANEJAMENTO: A METODOLOGIA A SER EMPREGADA


A base da metodologia a ser praticada para a elaboração da tese proposta se apoiará, de
início, em uma concepção do que é planejamento. Nesta concepção, o planejamento deve ser visto
como a forma de se implementar o triângulo indissolúvel, de se projetar a intervenção, e deve ser
visto como uma atividade permanente. É a aplicação da racionalidade, ao tratar um problema (o
requerimento de toda intervenção), conforme abaixo exposto em DESCARTES(1637b), no seu
Discurso ao Método:
“A primeira regra é a de não se aceitar como verdadeiro nada que não se reconheça
claramente como tal; não se aceitar nada a não ser o que se apresente ao espírito de modo tão
claro e distinto que não se permita duvidar;
A segunda regra é dividir um problema ou dificuldade em tantas partes quanto for possível;
A terceira regra é começar as reflexões nos objetos mais simples e fáceis de compreender e
a partir daí, pouco a pouco, subir ao conhecimento dos mais complexos;
A quarta regra é fazer enumerações tão complexas e análises tão gerais que possam ter a
certeza que nada foi omitido”
Planejamento é uma atividade continuada e permanente, como coloca o MANUAL DA
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA(1996b) e que se desenvolve, de modo ordenado e racional,
sistematizando um processo de tomada de decisão na solução de um problema. O planejamento
humano sempre deve resultar de um ação voluntária responsável. Na verdade, o planejamento se
propõe a responder as seguintes questões:
O que fazer?; Para que fazer? Como fazer? Quando fazer? Onde fazer? Com que meios fazer?
Todo planejamento envolve ações políticas e ações técnicas. A ação política corresponde a
própria política no triângulo indissolúvel, ou seja, está fundamentalmente relacionada com a
determinação das finalidades do esforço, enquanto que as ações técnicas do planejamento se
vinculam ao poder e a estratégia no triângulo indissolúvel e visam principalmente os meios para a
consecução dos fins. O planejamento pretende resolver da melhor maneira qualquer problema
racionalizando a utilização das variáveis últimas em que atua, ou seja: o tempo, o espaço e os
meios. Em síntese, planejar implica em: Analisar metas e objetivos postos no futuro; formular

xxxix
alternativas e prever resultados; decidir sucessivamente em diversas fases; e escolher ações a
realizar em termos de tempo, espaço e meios.
O tempo é de fundamental importância em todo processo de planejamento. Ele se desdobra
em um conceito que difere as soluções pelo curto, mais próximo no tempo, e pelo longo prazo. O
tempo é um agente de ruptura da ordem conhecida. Pode vir a ser um agente de ruptura da ordem
desejada. A tendência é muito mais um elemento do curto prazo, pois o pressuposto é de que o
tempo faz crescer exponencialmente a possibilidade de ruptura, Assim como é um elemento que
pode conspirar contra uma ordem projetada, o tempo também pode ser visto como um instrumento
que facilita a construção de uma nova ordem pela capacidade que possui de articular processos.
O espaço também é extremamente relevante para o planejamento. É dele a determinação do
problema e a sua delimitação. O espaço inclui algo que é primordial para o planejamento, ou seja, a
determinação clara e precisa do com que se defronta, ou do que se pretende, ou do que se precisa e
onde se fará exercer o seu esforço.
Espaço e tempo são utilizados quando se definem a amplitude do planejamento.
Genericamente, planejamento em amplo espaço e de longo tempo é considerado estratégico,
planejamento em espaço limitado de longo prazo ou de amplo espaço e de curto prazo é
considerado tático, enquanto que, planejamento localizado de curto prazo é tido como operacional.
A questão do espaço se faz também presente quando se processa a cooperação entre diversos
órgãos ou entidades para participar em um planejamento. Caso exista entre estes órgãos ou
entidades uma interdependência, além da coordenação do planejamento, far-se-á necessário a
integração das ações planejadas, isto é, o planejamento mediante ações integradas. A efetivação do
planejamento, mediante ações integradas, deve ser encarada sobre dois aspectos:
i) a integração horizontal, quando o planejamento se processa entre órgãos ou
entidades de mesmo nível, onde se faz necessário permanentemente a adoção ao longo de todo
processo de decisões de acomodação; e
ii) a integração vertical, quando o planejamento se processa entre órgãos de
diferente níveis, onde se faz necessário uma harmônica hierarquização encadeada do planejamento,
e que conduz a sucessiva criação de pontos de referência, que sem cercear a iniciativa do órgão de
nível inferior o obrigue a desenvolver suas atividades dentro dos limites impostos no quadro geral
das decisões dos níveis superiores.
Alguns princípios gerais que orientam uma atividade de planejamento merecem ser
destacados. Quais sejam:
Universalidade -- O planejamento deve abordar todos os aspectos do problema e
prever, até onde seja possível, todas as suas conseqüências;

xl
Unidade -- Todas as partes de um planejamento devem, reunidas, formar um único
conjunto integrado;
Objetividade -- Todo o planejamento deve desenvolver-se sem perder de vista o
objetivo que lhe deu origem e a realidade que o cerca;
Economia de meios -- Todo o planejamento deve perseguir além da eficácia a
eficiência, isto é, deve preocupar-se em conseguir o máximo rendimento, através do emprego
eficiente, racional e judicioso dos meios necessários e disponíveis;
Segurança -- Todo planejamento deve buscar a maior segurança possível pela
utilização de informações objetivas que proporcionem o acompanhamento das condições internas e
externas do que está sendo planejado;
Coordenação -- Todo planejamento objetiva a integração de todos que estão a ele
vinculados;
Disciplina intelectual -- Todo o planejamento deve ser realizado em obediência à
orientação e outras prescrições contidas em diretrizes superiores, assegurando fidelidade de
propósito ao que está sendo planejado;
Flexibilidade -- Todo planejamento deve ser conduzido de forma a assegurar a
flexibilidade necessária para atender às contingências.
A seguir faremos uma descrição pormenorizada das fases do planejamento.
Como o planejamento é um processo integrado, só didaticamente resolvemos descrevê-lo em
termos de fases sucessivas de desdobramento. As fases mais características do método do
planejamento são: - Exame da Situação, - Decisão, - Elaboração de Planos, - Desencadeamento da
Ação Planejada, e - Supervisão e Controle da Ação Planejada
Procedamos uma descrição de cada uma dessas fases:
Exame da Situação: O Exame de Situação envolve, necessariamente, uma análise e uma
síntese. Este processamento baseia-se no pressuposto presente na assertiva da ordem racional de que
o espírito humano, na sua análise para a solução de um problema caminha de uma síntese para outra
ou seja trafega entre duas sínteses. A síntese original ou inicial está implícita ou contida nos
propósitos políticos ou administrativos que motivaram o planejamento, seja no contexto de uma
diretriz, seja nos termos de uma missão ou tarefa. A análise pressupõe a aplicação sobre esta síntese
inicial do método analítico de DESCARTES(1637c) já sinteticamente apresentado. Ou seja, a
análise permitirá ao planejador:
- Configurar a situação; e a
- Caracterizar e definir, em termos precisos e objetivos, a problemática no contexto
de uma realidade;

xli
Ao término do método analítico deve-se elaborar uma nova síntese com a escolha das
alternativas, segundo seu próprio juízo, isto é, deve-se fazer predominar a capacidade de integrar. A
análise pressupõe-se um desintegrar, uma visão pormenorizada do conjunto fragmentado de
conhecimentos, de informações e de pontos de vista. A síntese cria e integra num todo essa visão e
estabelece as linhas de ação, bem como procede as análises das conseqüências de suas
implementações. Portanto, pertence a síntese duas ações:
- Criar e formular alternativas para a solução do(s) problema(s);
- Examinar as repercussões de cada uma das alternativas.
De posse da síntese formula-se um quadro sintético, onde se apresenta o resultado da criação
e formulação de alternativas, ou linhas de ação, que solucionam o(s) problema(s). Estas linhas de
ação devem responder as questões objeto do planejamento, quais sejam: O que fazer, para que fazer,
como fazer, quando fazer, onde fazer, com que meios fazer. A formulação e a criação de
alternativas exige o projeto no tempo, para o futuro, de processos, o que requer o estabelecimento,
a partir do presente, das etapas principais a serem atingidas e das seqüências de ações a serem
exercidas, para se alcançar os resultados desejados, em determinados prazos. As fontes mais usuais
de linhas de ação são a experiência passada baseado no conhecido pressuposto da tentativa e erro.
Entretanto, é no inusitado da primeira tentativa que muitas das vezes se encontra a solução.
Estabelecido o quadro sintético que contem as linhas de ação que solucionam o(s)
problema(s), procede-se a análise de cada uma delas, a fim de que se tenha uma visão das suas
vantagens e desvantagens. Esta análise requer a fixação de critérios que homogeneamente sejam
aplicados em todas as alternativas. Estes critérios se vinculam a cada problemática, embora,
geralmente, englobem utilização de recursos, prazos e efeitos. A análise dos efeitos é de extrema
importância para o processo de planejamento, pois toda linha de ação implica em resultados outros,
que não os vinculados a solução do(s) problema(s). Na fase da análise das alternativas, o ideal seria
submeter cada alternativa a uma verificação prática, algo, na maioria das vezes, impraticável; o que
leva a que se exercite testes ou verificações teóricas, na busca dos resultados de cada alternativa, no
caso dela vir a ser adotada. O teste ou a verificação objetiva estudar as conseqüências e sempre leva
a formulação de perguntas específicas, sobre os possíveis efeitos da ação. Aqui e só aqui pode vir a
caber técnicas prospectivas de cenários. Ainda resta, após o estabelecimento desses efeitos, a
necessidade de se apontar a relevância desses efeitos. A relevância é que estabelece a sua
capacidade de influenciar na etapa que se segue, que é a seleção da linha de ação. Em síntese, o que
importa no curso da análise das linhas de ação é avaliar, antecipadamente, os resultados prováveis
de cada uma delas, caso venham a ser implementadas, de modo a que se tenha consciência, antes,
das conseqüências e dos custos de cada alternativa.

xlii
Uma vez concluído a análise das alternativas deve-se proceder a escolha de uma delas. Esta
é a finalidade de todo o estudo de situação. A escolha resulta, essencialmente, da comparação
racional da linha de ação com os fins visados. Para isto muito influenciará as vantagens e as
desvantagens de cada linha de ação alinhadas na análise, o que ressalta a importância dos critérios e
dos elementos de julgamento estabelecidos, para se proceder esta análise. A tarefa de comparação
entre linhas de ação muitas das vezes foge a critérios objetivos, como os quantitativos, ficando em
plano subjetivo. Tem havido, recentemente, um grande esforço no sentido de se avançar
teoricamente neste campo utilizando-se teorias matemáticas conhecidas como teoria dos jogos,
cenários e simulações.
Apesar dos cuidados seguidos no processo, nunca haverá escolha, a “priori”, perfeita.
Sempre existirão fatores restritivos que tolherão a certeza dessa perfeição. Entre eles podemos citar:
Sociais - mudanças nos hábitos e costumes da sociedade;
Climáticos - manifestações da natureza ( chuvas, terremotos, etc);
Oposição racional - competição e conflito com outros interessados;
Decisão: É a escolha em definitivo da linha de ação a ser seguida para que se possa dar
prosseguimento ao processo de planejamento. A decisão envolve sempre a definição de uma
responsabilidade funcional intransferível por todo o processo de planejamento.
Elaboração de Planos: Após a decisão deve-se desdobrar a alternativa escolhida elaborando
esquemas completos de ação em todos os seus pormenores possíveis. É importante colocar que nem
sempre será possível prever de forma pormenorizada todo o processo de desenrolar da ação. Em
muitos casos só se poderá ir em pormenor apenas as fases iniciais da ação e as fases finais estarão
balizadas, exclusivamente, pelo fim desejado e meros pontos de referência. Neste caso, conhecido
como busca e perseguição, o plano resultante para as fases finais tomará as características de um
esboço de plano, um plano apresentado em suas linhas mais gerais e que será progressivamente
completado.
Ao longo da elaboração do plano novos problemas podem surgir. Cada detalhamento pode
vir a exigir uma nova atividade de planejamento. Muitas das vezes se requererá a opinião de outros
especialistas que não estavam envolvidos originalmente naquele planejamento. Caso isto ocorra ter-
se-á necessidade de se tomar decisões complementares.
Um plano deve ser entendido como um conjunto sistematicamente ordenado de disposições
e empreendimentos a que chegaram os planejadores como resultado de sua tentativa de alcançar os
objetivos de um planejamento.
Um plano deve conter:
Caracterização de seu objetivo;
Caracterização da situação;

xliii
Enunciação dos elementos decisórios que orientaram a elaboração do plano;
Indicação das disposições, dos empreendimentos e das operações componentes;
Determinação dos responsáveis pelas diversas disposições e pela execução dos
diferentes empreendimentos e operações componentes;
Indicação dos recursos disponíveis;
Listagem das medidas de acompanhamento das operações e das ações corretivas;
Prescrição quanto a segurança, prazos, medidas de coordenação, etc.
Desencadeamento da Ação Planejada : A implementação do plano será provocada em um
primeiro momento pela expedição de documentos com força executiva para os órgãos destinados a
executar as ações previstas no planejamento. Muitas das vezes a decisão pode levar a que o texto do
próprio plano tenha a força de documento de execução.
Supervisão da Ação Planejada : Toda a ação planejada após ser desencadeada requer
supervisão e controle. Como já foi dito nenhum planejamento é capaz de prever com certeza
absoluta todos os eventos possíveis de ocorrer durante a execução. Além da existência em nosso
atual nível de civilização de fatores fora de nosso controle, soma-se como elemento perturbador da
ordem buscada no plano original, erros decorrentes de má avaliação de fatos ou circunstâncias,
falhas, de apreciação ou julgamento, inerentes a nossa situação humana. A supervisão e o controle
da ação planejada é o acompanhamento de todo o plano, a determinação de desvios de rumos e a
sua correção. Portanto, esta fase do planejamento também deve ser prevista devendo constar do
plano com os dados necessários para a verificação dos resultados previstos.
Estes elementos já freqüentam o conhecimento sistematizado do meio universitário e serão
os limites primeiros para a elaboração da tese proposta.
A utilização destes instrumentos para a discussão de quais são as melhores alternativas para
a inserção do Brasil no mundo do século XXI é algo que abre um campo novo na discussão do que
será o Brasil e funda no meio acadêmico brasileiro um espaço para a criação de conhecimento
vinculado aos conceitos genéricos de poder nacional, de estratégia nacional, de política nacional e
de planejamento nacional.
Repetimos, a exemplo do exposto no modelo teórico acima, que existe um triângulo
indissolúvel que liga o poder nacional à estratégia nacional e à política nacional. O planejamento
nacional segue os mesmos caminhos do planejamento e não deve ser confundido com o
planejamento governamental, na medida que este necessariamente tem de estar subordinado aquele.
Assim, também, o planejamento meganacional, o planejamento de um Megaestado, não deve ser
confundido com um planejamento nacional.

xliv
A tese, além do seu caráter inovador de trazer para o meio acadêmico uma discussão que se
processa a nível de Estado e de governo, inova, também, ao agregar os conceitos do triângulo
indissolúvel à execução de uma intervenção mediada através de um planejamento meganacional.
Pretendeu-se estruturar a tese seguindo a metodologia acima descrita sendo que o exame da
situação envolveu:
1) no segundo capítulo, uma avaliação dos fenômenos designados como globalização,
mundialização e regionalização, o que conduziu a que a conclusão efetiva desta tese, que o destino
manifesto do Brasil é o de construir a mundialização, se fizesse clara e contundente neste capítulo e
não no final do texto como é usual;
2) no terceiro capítulo, primeiro a uma avaliação do mundo atual, onde deu-se ênfase a
estratégia da potência hegemônica, depois a uma avaliação do Brasil de hoje e das questões que
podem interferir no processo desejado. mais adiante numa descrição do continente sul-americano,
de seu potencial e de seus espaços imediatos de interesse, terminando pela outra conclusão desta
tese que é a apresentação de uma concepção estratégica para o Brasil; e
3) no quarto capítulo, a avaliação do MERCOSUL como concepção e como resultado até
hoje;
4) no quinto capítulo, após a avaliação do contexto, na elaboração das linhas de ação de
estruturação física do subcontinente, resultado de uma decisão, que foi a da cooperação sul-
americana, já que esta, em estudos preliminares, demonstrou-se a mais adequada, mas, que poderia
ir, desde uma total apatia aos processos de integração, até a pretendida, pela potência hegemônica,
os EUA, Área de Livre Comércio das Américas- ALCA. No quinto capítulo avança-se na
elaboração de planos, pelo estabelecimento de projetos para a integração física e econômica do
subcontinente sul-americano.

1.8- CONTRIBUIÇÕES NA ÁREA DO CONHECIMENTO


A proposta de tese operou, ao mesmo tempo, sobre a atual conjuntura mundial e a estrutura
dos países sul-americanos, ainda que a separação, entre estes dois temas, foi, simplesmente, uma
forma de estruturar um processo de análise.
Mas, ambos, a conjuntura e a estrutura foram necessários, pois forneceram muito à
compreensão dos problemas que se apresentaram para a pretendida inserção internacional do Brasil
e à projetada cooperação sul-americana.
Para o desenvolvimento do projeto foi necessário o desenvolvimento de uma metodologia,
que organizou o conhecimento, segundo a seguinte classificação: conjuntura a curto prazo;
conjuntura a longo prazo; e estrutura.

xlv
Conjuntura a curto prazo: Pretendeu-se conhecer e apresentar os últimos desenvolvimentos
da conjuntura sul-americana, para poder formular, precisar ou adaptar, as políticas de cooperação.
Para tanto, foi necessário a utilização de critérios comparativos no tempo. Isto pode ser feito no
interior ou no exterior do subcontinente sul-americano. Os decálogos entre conjunturas foram
interessantes de serem observados e aplicados para uso das políticas de harmonização pretendidas
para a região. A análise da conjuntura de curto prazo teve, necessariamente, outro interesse. Ela
caracterizou a estrutura. Foi conhecendo-a que se pode classificar a estrutura correspondente. O
conhecimento das estruturas foi indispensável para a solução dos problemas decorrentes da proposta
de cooperação. Ao analisar a conjuntura nos deparamos, obrigatoriamente, com questões
decorrentes das diferenças existentes, entre o nível de desenvolvimento econômico, a origem
antropológica, o quadro geográfico e outros fatores, dos países da América do Sul. Contudo,
interpretar a dinâmica histórica em muito nos ajudou para a divisão analítica, abaixo colocada.
Conjuntura de longo prazo: Teve-se que observar, também, o que os historiadores
econômicos chamam de “trend”, a tendência maior, dos movimentos quase seculares, dos
movimentos de longa duração colocados por KONTRADIEFF(1925), sobre o longo prazo e o curto
período. É evidente, que teve-se que, implicitamente, operar com as curvas dos meios móveis, de
quadros menores, ou de outros ajustamentos. O sistema de flutuações a longo prazo- o
comportamento conjuntural- de cada país sul-americano teve de ser construído, mesmo não se
explicitando na tese, de modo a permitir dois tipos de comparações:
a) Comparações entre países sul-americanos: As comparações a longo prazo, mais
profundamente ainda do que entre as comparações de curto prazo, permitem avaliar a capacitação,
de cada pais sul-americano, para a pretendida cooperação. O estudo do longo período permitirá
apresentar a dinâmica das estruturas na sua transformação pela cooperação pretendida e encontrar
as etapas do crescimento e do desenvolvimento que nós detivemos em examinar; e
b) Comparações entre a América do Sul e o restante do mundo: Estas já seriam interessantes
e reveladoras em uma conjuntura de curto prazo. Contudo, tornam-se primordiais para o longo
prazo. De um lado, elas melhor permitem precisar a natureza do nível de vida e das economias sul-
americanas, em oposição ao modo de vida e as economias européias, ou norte-americanas, mais
desenvolvidas, ou, mesmo, de regiões menos desenvolvidas, como parcelas da Ásia e a África.
Estrutura: Só para explicitar a exposição é bom lembrar que a ação humana pode,
teoricamente, ser decomposta em mecanismos simples, que são passíveis de serem encontrados em
qualquer lugar, em todos os tempos. Estes elementos, ditos elementares, podem se combinar entre
si, em montante e de acordo com combinações dispares, formando elementos tão complexos, que
apresentam certa permanência e que chamamos de estruturas. Um conjunto de estruturas, em um
quadro geográfico e social delimitado, forma um sistema. Em um certo contexto, este sistema pode

xlvi
se transfigurar em um regime. Regimes, sistemas e estruturas evoluem de forma imperceptível,
movem-se vagarosamente sob o efeito de flutuações de curto período, de modo a conduzir a novas
estruturas, e a novos sistemas, levando a que se processe ao final do movimento uma grande
ruptura, que leve a um novo regime. Na tese estudou-se as estruturas sul-americanas segundo um
critério dinâmico, traçando no interior do quadros geográficos, antropológicos e sociais nacionais
um modelo dinâmico que não foi no corpo da tese explicitado, pois se deu mais ênfase ao
movimento maior da estratégia nacional brasileira em detrimento do movimento menor de seu
primeiro passo a cooperação sul-americana. Procurou-se usar o modelo dinâmico geral proposto por
ROSTOW(1960), sabendo de todas as suas limitações, adaptando-o, no que for possível, à realidade
sul-americana. É evidente ser muito mais fácil a cooperação entre países com o mesmo nível de
desenvolvimento, do que operar com países com diferenciais muito grande em termos de realização
econômica. A menos, como é a proposição central da discussão proposta, que o Brasil esteja
disposto a tomar ao seu encargo o desenvolvimento de outros países menos desenvolvidos a
cooperação pretendida não poderia avançar.
Contudo, todas estas contribuições de conjuntura ou de estrutura atribuem o método a algo
conhecido. A grande contribuição da proposta de tese, ao nosso ver, está na elaboração de uma
estratégia que começa pela criação de uma visão nova na montagem de um mercado comum,
montada em economia física, algo que foge, totalmente, a visão ortodoxa de comparações com
outras áreas já construídas, como a União Européia. Isso torna-se necessário, na medida que a
situação da América do Sul difere claramente da situação européia, a curto e longo prazo, tendo a
Europa atravessado fenômenos de natureza muitas das vezes simétricas aos da América do Sul,
desde o início da revolução industrial, ou mesmo do capitalismo comercial.

CAPÍTULO II
NOSSO DESTINO MANIFESTO:
SER A MUNDIALIZAÇÃO

2.1 O MUNDO ATUAL: GLOBALIZADO OU POLARIZADO?


A onda de destruição que varreu o mundo, no período 1939-1945, levou a um segundo plano potências que,
até então, como coloca TOURAINE(1995), desempenhavam papel hegemônico, na política internacional- Grã-
Bretanha, França, Alemanha, Itália e Japão, abrindo espaço para o advento de um sistema dual de poder mundial, no
qual, os Estados Unidos e a antiga União Soviética passaram a ser únicas potências de primeira magnitude, em

xlvii
decorrência das suas posições estratégicas, extensões geográficas e de seus enormes poderes militares.

Consolidou-se, então, um período marcado pela divisão do mundo, em dois blocos


antagônicos. Surgiram o Muro de Berlim, a "Cortina de Ferro", um longo período de rearmamento,
o choque ideológico, a emancipação de antigas colônias e a busca da supremacia nuclear. Tal
situação, conhecida como "Guerra Fria", várias vezes, colocou o mundo à beira do holocausto
nuclear e revelou à humanidade, pela primeira vez, em sua história, que era possível a destruição da
civilização e a extinção da vida na Terra.
Há dez anos, isto acabou e a derrota do marxismo trouxe consigo o fim deste sistema dual.
Tal derrota decorreu da corrosão, pela prática, da ideologia coletivista, implantada no Leste
Europeu. O fim da experiência soviética e o conseqüente término do sistema dual deveu-se,
também, a aspectos de natureza cultural, política, antropológica e social, mas, ressaltaremos, nesta
abordagem, a questão econômica, em razão da ênfase que o próprio marxismo atribui às relações
econômicas. As soluções simples, propostas pelo que veio a se conceituar como socialismo real,
para questões complexas mostraram-se inadequadas aos anseios humanos. A falta de caracterização
do valor, a inexistência de uma teoria que explicitasse de forma insofismável a valorização dos bens
econômicos, e, portanto, do preço, como instrumento de controle do processo econômico, conduziu
a URSS a uma crise econômica sem precedentes, facilitando o avanço das forças econômicas
exógenas e políticas endógenas que derrubaram o regime soviético. Ao atribuir-se à ruptura, no
campo econômico, à irresolução de questões postas no campo da teoria do valor, não se está
minimizando a ineficiência na alocação de recursos do sistema soviético de planificação
centralizada, nem a conhecida ausência de um modelo que privilegiasse a produção e o consumo de
massas, ou, ainda, a incapacidade observada, nas economias dos países socialistas coletivistas de
introduzir o progresso técnico e organizacional no sistema econômico, mas, simplesmente,
reconhecendo que todas essas questões são caudatárias de tal anomalia.
A queda do Muro de Berlim destruiu a dualidade entre o Leste e o Oeste, sendo este
episódio um dos propulsores da onda de um novo liberalismo no mundo, em particular, nas
economias de desenvolvimento tardio. Contudo, a queda do muro também abriu, no início dos anos
noventa, um extraordinário leque de possibilidades estratégicas nas formas de manifestações e
aplicações do poder. É neste amplo leque que se fundamentará a proposta final deste estudo. A
mudança não deve ser sentida só como um hora de risco, é, também, uma época de oportunidade,
pois nos traz, sempre, como afirma HEGEL(1837g), um mundo novo.
A competição dos dois blocos de poder, o ocidental e o oriental, acabou levando ao total
desmantelamento do bloco oriental. Entretanto, a competição, que se deu entre os blocos, alterou,
também, profundamente, as condições que preexistiam, como afirmam MUIR( 1975) e WHYNES
e BOWLES(1981), no bloco ocidental. Os EUA tiveram, ao longo do tempo, em decorrência do

xlviii
processo competitivo, que estavam envolvidos, de ceder espaço na participação do produto
mundial, para outros países do bloco ocidental. De uma participação de mais de 50% no produto
mundial, ao término da II Grande Guerra, restava, aos EUA, pouco mais de 20%, ao fim da “Guerra
Fria”. Os maiores beneficiados deste processo de competição foram as potências perdedoras da II
Guerra Mundial: a Alemanha e o Japão. Em síntese, os EUA perderam poder, sob o ponto de vista
econômico, em relação ao Japão e a Alemanha, seus antigos inimigos, ao longo dos anos da Guerra
Fria.
Ademais, a reunificação da Alemanha, a sua transformação em centro de gravidade da
União Européia, a busca que desde então encetou de aprofundamento de laços comerciais e
econômicos com os países do leste europeu, está possibilitando um novo ordenamento estratégico,
de grande magnitude, daquele centro desenvolvido. Esta reunificação foi resultante direta da ruptura
do paradigma marxista e caracteriza a formação de um grande pólo de progresso que, tendo seu
centro de gravitação na Alemanha, aspirará posições hegemônicas no contexto mundial.
A esse pólo somam-se outros dois, liderados pelo Japão e EUA, respectivamente. O
primeiro pólo resulta da expansão econômica, sem precedentes na história, observada no Extremo
Oriente, nos últimos trinta anos. O segundo, resultante, ainda, da ampla vitória militar e estratégica
dos EUA, na última guerra mundial. A vitória, naquele conflito, legou aos EUA o papel de principal
ator na cena econômica mundial. Este papel foi recentemente reforçado pela derrocada do
paradigma marxista, fato que conduziu, também, a profundas modificações nas diretrizes da ação
tática norte-americana no contexto mundial
A posição econômica e estratégica extraordinariamente favorável em que se encontravam os
Estados Unidos, ao término da conflagração mundial, conferindo-lhe a liderança indiscutível do
mundo capitalista, proporcionou-lhe os meios e as condições para empreender a implantação de
uma ordem econômica no Ocidente condizente com a visão, então, predominante na sua elite. Esta
visão procurava abjurar, naquele momento histórico, circunstâncias que configuraram a crise global
dos anos 30: as desigualdades econômicas, a especulação financeira desacompanhada de
investimentos produtivos, a inexistência de uma ação governamental voltada para o progresso, etc.
O resultado imediato dessa crise, na opinião majoritária da elite norte-americana pós-guerra, havia
sido a fome, a miséria e o desemprego generalizado. De acordo com essa opinião, era
imprescindível arregimentar esforços no sentido de melhor organizar os recursos mundiais, através
de uma atuação voltada para o desenvolvimento, capaz de reequilibrar a economia das diferentes
nações, de criar condições para aumentar o poder aquisitivo de forma sustentada e de elevar o
padrão de bem-estar da população mundial.
Surgiram, como instrumentos de consolidação dessa visão, acordos instituindo organismos
de compensação e de controle das relações econômicas internacionais. Na listagem dos mais

xlix
importantes figuram, a Organização das Nações Unidas e seus órgãos setoriais: Fundo Monetário
Internacional (FMI), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Acordo
Geral Sobre Tarifas e Comércio (GATT) e outros. Foi sob a égide dessas instituições que surgiram
iniciativas de envergadura, como o "Plano Marshall". Conquanto, tais organismos contribuíssem
para modificar as relações internacionais e impulsionar aquele mundo destruído pelas armas da II
Grande Guerra em direção ao progresso, usando a via da cooperação multinacional e do comércio
mundial, diversas etapas no campo teórico e ideológico tiveram que ser ultrapassadas, para que se
chegasse ao mosaico mundial que caracterizou o decorrer da Guerra Fria.
Entretanto, com o término da Guerra Fria houve uma clara regressão desta cooperação. A
retirada do termo desenvolvimento, tão caro aos países do Terceiro Mundo, da agenda
internacional, não é algo recente. Já na década de 70, como resultado da posição, que classificamos
"neo-malthusiana", colocada nos Segundo e Terceiros Informe do Clube de Roma, como detalhado
por MESAROVIC e PESTEL(1975b) e por TINBERGEN(1976b), e consagrada anos depois pela
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO(1991b),
cristalizou-se, nos países mais avançados ou industrializados, a idéia de que não era possível dar às
populações com desenvolvimento retardado o padrão de vida registrado nos países ricos, já que o
planeta Terra possuía recursos naturais limitados. Assim sendo, os organismos internacionais não
deveriam fomentar o crescimento periférico. Posicionamentos dessa espécie contaminaram boa
parte dos ideólogos do crescimento e tornaram-se quase dominantes com a volta do "laissez-faire",
no trato das questões econômicas, em especial, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Percebeu-se
então que agências, anteriormente, voltadas, exclusivamente, para o desenvolvimento, como alguns
organismos das Nações Unidas, a exemplo o Banco Mundial e o BID, arrefeceram o entusiasmo
dedicado ao crescimento e passaram a dirigir recursos vultosos para cuidados com o meio ambiente
e, de certa forma, a erradicação da miséria entre países intermediários
O retorno do liberalismo enfatizou estes posicionamentos. A ascensão de governos no
Reino Unido e nos EUA, no início da década de oitenta desse século, vinculados ao discurso de
HAYEK(1948c), podem ser colocados como marcos iniciais desse movimento. A volta da velha
doutrina liberal seria explicada, como colocado por GONÇALVES(1994a), em primeiro lugar, pela
difusão da crença de que o Estado, com sua "excessiva" preocupação com o social, não detinha
elementos necessários para resolver a estagflação - mistura de estagnação e inflação - que atingiu,
na década de 70, os países mais desenvolvidos. Em segundo lugar, pelo fato de que o ideário liberal
sempre foi de interesse direto das elites dos países anglo-saxãos. O novo liberalismo defende a tese
de que ser liberal é o mesmo que diminuir m
i postos, principalmente, os diretos, algo que é de alto
interesse dos grupos de mais alta renda. Ser liberal é buscar a privatização e a não regulamentação,

l
instrumentos que propiciam maior acumulação em mãos privadas, o que os torna de alto interesse
para os detentores de alta renda.
Nos países de desenvolvimento tardio e, em especial, nas economias da América Latina,
contando com forte apoio dos meios de comunicação, o novo liberalismo vem sendo apresentado
capeando um conjunto de propostas, conhecida como “Consenso de Washington”, imaginadas
como a única saída para a crise econômica, política e social, que esses países atravessam, desde a
primeira crise do petróleo. Esse novo liberalismo privilegia o livre comércio, as livres forças de
mercado, a liberdade de escolha, o capital estrangeiro e a privatização, forças que romperiam o
quadro de estagnação observado. Nos EUA e na Europa, a partir de 1995, o novo liberalismo tem
sido progressivamente derrotado como pode ser visto acompanhando o resultado das eleições nos
Estados Unidos e em diversos países europeus.
Contudo, este novo discurso se contrapunha, portanto, de certa forma, à história das décadas
de sessenta e setenta, que foram décadas, razoavelmente, bem sucedidas, particularmente, no Brasil.
Esta foi uma época caracterizada no Brasil pelo protecionismo, pelo planejamento governamental,
pela regulamentação, pela nacionalização e pela ação estatal na economia. Neste período, seguiu-se
um modelo de inspiração dito “estruturalista”, que, infelizmente, foi colocado como esgotado e sem
possibilidades de reedição, algo que não resistiria à modernidade, à vista de fenômenos, como uma
dita globalização, que impunha a não regulamentação de algumas atividades desempenhadas pelo
setor público e conseqüente maior abertura para o exterior.
Contudo, passados mais de dez anos de amplo predomínio das teses liberais, na América
Latina, observa-se que existem muitos pontos discutíveis no que tange a resultados. Em muitos
casos, agravaram-se problemas como a miséria, a pobreza, o desemprego, a desigualdade social e a
deterioração do meio ambiente. Essa observação, mais visível no mundo subdesenvolvido, apesar
de seu caráter mitigado quando expresso nas economias centrais, demonstram a imperiosa
necessidade de países periféricos e atrasados no processo de desenvolvimento de empregarem toda
sua energia e criatividade disponível na engenharia de modelos peculiares à singularidade de suas
estruturas de recursos. Um novo comportamento, atento às conquistas e aos condicionamentos das
tradicionais linhas do pensamento econômico, poderá dar surgimento a esses novos modelos, aptos
a atender às necessidades próprias dos países em desenvolvimento, consideradas as suas crônicas
deficiências estruturais de recursos, minimizando os ônus, das assimetrias criadas por idéias liberais
radicalizadas. A idéia de pólos concentradores da atividade econômica mundial torna-se evidente
quando se analisa, com um pouco mais de profundidade, o comércio internacional.
Dois movimentos se fizeram claros, nos anos recentes. Como coloca GONÇALVES(1994b),
em primeiro lugar, está havendo crescente concentração dos fluxos comerciais. Em segundo,
percebe-se acentuada tendência de mudança na antiga divisão internacional do trabalho, onde

li
pontificavam os países centrais como exportadores de manufaturados e as nações periféricas
encarregando-se da exportação de insumos básicos.
Contudo, observando-se outros aspectos, que não o econômico, é indubitável que os Estados
Unidos detêm um poder imperial, após a ruptura do marxismo. Em termos militares os Estados
Unidos são muito superiores aos outros competidores. Alem disso os Estados Unidos detêm a
moeda de curso forçado universal: o dólar. Controlam um amplo sistema de alianças que engloba os
outros pólos. São de maneira incontrastável, o único pólo detentor de poder efetivo no mundo de
hoje. Entretanto, tudo evolui e esta situação também evoluirá.
Com o fim do sistema dual, há dois processos em andamento:
Primeiro, é que voltou-se a estabelecer como parte central e determinante da equação
política as questões econômicas internacionais. A segregação destas questões ou a subordinação
delas ao campo ideológico deixou de existir, assim como desapareceu a estranha urdidura que as
colocavam como praticamente inexistentes. Os homens lutaram por questões econômicas no
passado e tudo indica que voltarão a lutar por essas questões no futuro. Como dizem os
WONNACOTT(1994):
“A economia é o estudo de como os homens ganham a vida, adquirem alimentos, casa,
roupa e outros bens, sejam eles necessários ou de luxo.”
Estas podem ser questões de vida ou morte, tanto quando podem ser questões políticas. Isto
explica porque a importância que mais adiante será concedida às questões econômicas no mundo
atual.
Segundo, junto com esse movimento de valorização da economia, está se processando a
formação de blocos regionais ou o que conceituamos como subpólos. Algo que decorre da formação
de blocos, é o crescimento significativo observado no comércio dentro do pólos. A título de
exemplo, o somatório do comércio exclusivamente dentro da América do Norte, dentro da União
Européia e dentro de países emergentes da Ásia entre si e com o Japão, subiu na década de oitenta
de 37,6% para 56,4% do total do comércio mundial,.no limiar do século XXI. A situação atual da
Argentina na pauta comercial brasileira e o intercâmbio no âmbito do MERCOSUL reforçam esta
tese.
Na Ásia, ainda, não se configura explicitamente o pólo, que aqui nomeamos de Complexo
Asiático. Porém, a presença econômica do Japão, o ressurgimento econômico da China, os
chamados Tigres, além do impulso de crescimento da Índia, dão à área asiática, implicitamente,
condições de vir a polarizar, fortemente, ampla parcela do comércio internacional. A polarização,
até aqui observada, está sendo acompanhada de crescente competição comercial.
Existe hoje um consenso, passados quase dez anos do fim da Guerra Fria, como já colocado,
que os Estados Unidos são, no momento, a única superpotência. E isto decorre fundamentalmente

lii
da posição econômica e militar dos EUA. Contudo, é bom observar que esta posição privilegiada
econômica resulta, em muito, das vantagens que lhe proporciona o sistema mundial de livre
comércio, que por sua vez, se apóia, fortemente, no sistema de alianças norte-americano. Não é
difícil se imaginar que a lógica deste sistema de alianças tende a enfraquecer e, com ela, a lógica do
livre comércio. As nações perdedoras das guerras comerciais não tardarão em ver os inúmeros
benefícios políticos que poderão auferir ao sair de relações comerciais desvantajosas. Isto sem falar
em outro movimento que conspira contra os ideal do livre comércio, que é a emergência de blocos
de comércio regionais , como a União Européia, e que traz consigo a regionalização da vida
econômica. Algo que decorre desta regionalização da vida econômica é a emergência de potências
políticas regionais, ou blocos de países que se estruturam como o que havíamos conceituados como
Megaestados, ou pólos ascendentes, que como forças independentes, crescentemente, se
posicionarão contra a posição de poder dos Estados Unidos.

2.3 MUNDIALIZAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: O FATO E O DISCURSO


Há um fato e há um discurso. O primeiro, o fato é aquilo que se constata, o segundo, o
discurso é aquilo que se manipula. Todo fato tem uma versão, que resulta de um pensamento, que
elabora um discurso. Dizem que nada pode mais atrapalhar uma boa idéia que um mau pensamento,
mas, também, se diz que nada mais pode atrapalhar um fato que a versão do fato, ou o seu discurso.
A distinção entre mundialização e globalização é de fundamental importância para o entendimento
do texto. Mundialização é o fato, como bem coloca BRAUDEL(1986b) e globalização é um
discurso, como feito por OMHAE(1991b).
A mundialização, o fato, é a interação permanente de idéias e de mercados, algo que começa
efetivamente a acontecer, há exatos 500 anos, com a descoberta, por Vasco da Gama, de um
caminho marítimo para as Índias. Este fato dá início a mundialização e permite o que falsa e
ideologicamente, hoje, se nomeia como globalização. A mundialização resulta de um projeto
concebido e implementado no Portugal, que transita do medievo para o Renascimento e é a
culminância de um processo que envolveu o reconhecimento da África, a descoberta da América e o
permanente acesso à Ásia pelos europeus. Desde então, a mundialização é um processo que
crescentemente ganha passagem.
Contudo, o discurso, o discurso da globalização, não retrata, simplesmente, o fato da
mundialização e sim busca impor uma possível dominação dos mercados e das idéias.
Para apoiar esta colocação analisaremos as duas vertentes centrais do estágio atual da
mundialização que são: no campo das idéias, a razoavelmente bem sucedida interação filosófica e a
crescentemente frustrada tentativa de interação cultural; e no espaço dos mercados a dita
globalização que se desdobra na razoavelmente, até atual crise financeira mundial, bem sucedida

liii
chamada globalização financeira e na crescentemente conturbada tentativa da chamada globalização
econômica.
Cabe-nos, ao abordar a interação filosófica, de novo filosofar e apresentar algumas breves
considerações sobre a questão que cercam as idéias. Desde que homem existe, para ele se colocou a
necessidade de realizar a cooptação da natureza, para a sua sobrevivência. A forma original com
que o homem realizou, primitivamente, esta cooptação, foi o trabalho, ou seja, o resultado da
interação física do corpo humano com a natureza e que é a primeira mediação.
Desde que o homem se libertou, por alguns momentos, da sua luta implacável pela
própria sobrevivência, do trabalho necessário para continuar vivendo, ou seja, desde que pode fugir
a primeira mediação, questões centrais de sua existência, digamos primeiras, a ele se colocaram:
Qual a origem de tudo e de sua existência? Quem conduz o processo, o homem ou a natureza?
Questões que ainda permanecem, e que permanecendo, mantêm aberto aos homens o caminho da
filosofia. Desde o início deste questionamento, a primeira destas questões teve no Absoluto uma
explicação dogmática, o que fortalecia a segunda destas questões, pois transferia para o homem ou
para a natureza, para um ou para o outro, a representação desse Absoluto. A partir de então, duas
correntes se formaram: a dos que viam nos homens, ou no homem, o representante do Absoluto na
condução do processo e a outra, daqueles que viam a natureza com esta função.
Ainda é pelo Absoluto que se dá a primeira tentativa de interação filosófica que é a idéia
trazida pela visão cristã de mundo, da igualdade de todos os homens perante a Deus. Antes da vinda
de Cristo, os homens eram, irremediavelmente, divididos. Exemplos claros deste posicionamento
eram as atitudes tanto dos hebreus, que se colocavam como povo eleito, como dos gregos, que não
viam nos estrangeiros senão bárbaros, melhor dizendo, não homens, e que na “pólis” grega só
poderiam ter lugar subjugados, como escravos. A visão cristã de mundo criava a unidade horizontal
dos homens, ao colocar a igualdade de todos os homens vivos, perante ao Absoluto.
O Renascimento, a época dos descobrimentos, do início da mundialização, trouxe consigo
várias modificações na estruturação das questões primitivas e também alterou o modo de mediar,
admitindo a ciência como uma nova forma de mediação e, portanto, de cooptação pelo homem da
natureza. Sofisticava-se, também, no Renascimento a dualidade posta entre o homem e a natureza,
colocando-a, naquela época, como uma questão transfigurada: a dos que creditavam à ordem
racional a condução do processo, como vimos anteriormente, e a daqueles que a creditavam à el i
natural.
A ordem racional resultava da elaboração construtiva do que aqui nomeamos de
matemáticos filósofos, indivíduos que lidando com a ordem na sua forma mais lógica, a ordem
numérica, verificaram que o Universo, a natureza, era uma desordem, onde o homem, conduzindo a
marcha do processo civilizatório, impunha, progressivamente, a sua ordem. Destes, alguns merecem

liv
destaque. O primeiro que destacamos é DESCARTES(1637c), que foi o primeiro pensador a
organizar explicitamente a razão e a demonstrar que a linguagem numérica era uma forma de dar a
natureza uma descrição naturalmente satisfatória. Outro muito importante foi LEIBNITZ(1685).
Mas menção especial concedemos a PASCAL(1649), que além de explicitar claramente um novo
antropocentrismo- ele colocava o homem, de novo, no centro dos processos-, apresentou a unidade
vertical do gênero humano, ao colocar que todos os homens, ao longo de todos os séculos, são o
mesmo homem que subsiste e aprende sempre. Se fazia, portanto, a integração vertical de todos os
homens, os mortos, os vivos e os a viver. A base da interação filosófica que inexoravelmente
avança na mundialização se apóia nas idéias simples das unidades horizontal e vertical dos homens.
A ciência utilizada como instrumento que demonstrava a supremacia do homem na
condução do processo, sofreu várias contestações no campo das idéias, que fugiam a simples visão
da já referida lei natural, mas que de certa forma a apoiavam, dentre as quais destacamos as de
KANT(1788). Este filósofo buscava suplantar numa única posição tanto o materialismo de
DESCARTES(1637c) e como o idealismo integral de BERKELEY(1733) na explicação do
conhecimento humano e concluía que as ciências só atingiam a superfície das coisas: os fenômenos,
já a realidade, ou seja a própria essência das coisas, escapava-lhes. Para ele, o pensamento humano
era impotente para conhecer a coisa em si. Entretanto, o maior filósofo dos tempos modernos,.
recusou-se a ficar por aí. HEGEL(1837i) estabeleceu que para ultrapassar a visão kantiana da
impotência é necessário entender e aceitar que o pensamento humano é capaz de ultrapassar as
contradições que lhe são apresentadas pelas ciências exatas e pelo simples bom senso. Para tanto,
fazia-se mister não considerar o principio da contradição como princípio supremo da lógica.
Precisava-se ir além e para ultrapassá-lo devia-se ter a certeza da idéia de que o mundo é na
realidade e em essência uma unidade entre contrários. Acompanhando a idéia desta unidade entre
contrários, traz HEGEL(1817a) outra, que é a da permanente existência, em todos os processos,
inclusive naqueles em que está o homem, de um contraditório, que se expressa através de uma tese
e de uma antítese, posições estas que se digladiam em um equilíbrio instável, até que se processa
uma ruptura, dando origem a uma síntese, que será uma nova tese e que buscará sua antítese...
A colocação que HEGEL(1817b) faz, traz presente uma permanente dinâmica em todos os
processos, coloca a existência de uma permanente evolução em todos os processos, e conduz a
certeza, que se apresenta, que cada dia traz em si um período novo. Estas visões ganham curso
universal e seu sistema de pensar estrutura as bases da interação filosófica. A filosofia ocidental
com HEGEL(1817c) se articula em um sistema e se impõem dominante e definitivamente a outras
formas de ver o mundo..
É verdade que o desdobrar da industrialização trouxe, ao final do século XX, a inserção de uma
nova mediação. Esta é a razão central da justificativa de ser a nossa época uma momento de

lv
mudanças. Não há mudanças nos paradigmas, como afirmamos antes. Mas há mudança pela
anexação de uma nova mediação. Na medida em que a produção material imediata se mecanizava, o
trabalho vivo se distanciou da produção direta; o conhecimento objetivado naquele trabalho
incorporou-se na produção direta como trabalho morto, congelado nas formas e movimentos dos
sistemas de maquinaria. Surgiu então, em decorrência, uma nova mediação entre o homem e a
natureza. E esta nova mediação, portanto, uma nova forma de cooptar a natureza, a informação,
tornou-se o objeto imediato de trabalho de grande parte dos indivíduos. Quando surgiu no início
deste século, a indústria da informação distinguiu-se em três grandes ramos, pouco relacionados
entre si: o de comunicações, o cultural propriamente dito (no qual predominam o cinema e o disco)
e o quase sempre pouco observado segmento das máquinas de escritório (este, em si, uma indústria
metal-mecânica) e que, ultimamente, com a digitalização tende a coordenar todo o processo. A
mudança na mediação transfigura-se na mal nomeada terceira revolução industrial, algo que
repousa na digitalização da informação, que começa a partir do transistor e de outros inventos
posteriores que exploram o princípio digital. Com a digitalização se tornou possível reduzir todo
tipo de informação a uma seqüência indiferenciada de zeros e uns. Textos, sons e imagens viraram
bits. As diferentes estruturas de rede de transmissão de dados, cada qual adaptada a um uso
específico (telefonia para voz, radiodifusão para sons e imagens, telégrafo para texto, etc), tendem a
dar lugar a redes que integram diversas formas de comunicação em uma mesma tecnologia digital
básica. Aqui cabe a lembrança de que toda a história tecnológica da informação está intimamente
ligada aos interesses políticos, militares e econômicos dos Estados Nacionais. a origem do
semicondutor, neste aspecto, é paradigmática. Em seu desenvolvimento recente, o capitalismo
transformou o processo da produção cultural. a produção cultural tornou-se, crescentemente, não
distinta da produção industrial, e as indústrias culturais tornaram-se local de grande expansão e alta
lucratividade. Hoje, está claro estamos diante de uma terceira mediação. A mediação, hoje, se dá
pelo trabalho pela ciência e pela informação. A informação e a ciência são, no momento em que
vivemos, os principais instrumentos, nesta ordem, com que conta o centro para exercer sua
dominação na periferia. E isto compõe na essência as bases atuais, da mundialização, no campo das
idéias.
A cultura posta sob sua visão antropológica, ou seja tudo que o homem faz, estabelece o espaço que
separa o centro da periferia. Isto resulta da própria essência do contraditório do avanço da
civilização que opõe a barbárie à cultura. Toda tentativa de imposição cultural é frustrada. Existe
uma reação de dimensões, se não idênticas, maiores do que a ação coercitiva. Assiste-se, a toda
tentativa de imposição cultural, um recrudescer do que classificam de fundamentalismo, ou seja, de
volta radical às raízes culturais primitivas. Daí se explica todo o fracasso da interação cultural.
Cabe-nos, abordar, também, aspectos da chamada globalização no campo dos mercados, a recém

lvi
mal sucedida globalização financeira e a tentativa de globalização econômica.
A chamada globalização financeira foi o resultado do rompimento unilateral, pelos Estados Unidos
da América, das amarras do câmbio fixo estabelecidas em Bretton Woods e a posterior inundação
pelo dólar do mercado mundial, rompendo toda a ligação possível entre riqueza física e riqueza
financeira. As conseqüências desta ruptura são várias, desde a imposição de um regime de flutuação
entre o dólar, o iene, e o marco, o que conduziu e uma grande volatilidade nas correlações reais e
nominais entre as moedas, até a perda de regulamentação das taxas de juros e a um novo
agrupamento dos mercados financeiros, rompendo com sua antiga segmentação, uma ruptura
radical em relação ao capitalismo imaginado em Bretton Woods.
Não há a pretendida globalização econômica, mas existe sim uma frustrada globalização financeira.
A frustração decorre do fato de que a globalização financeira foi acompanhada de uma maior
volatilidade e de uma maior fragilidade do mercado financeiro internacional, o que acabou
conduzindo a crise atual. Na opinião de todos os analistas, a emissão sem lastro do dólar e a criação
de mercados financeiros supranacionais aumentou em muito a incerteza e o risco sistêmico. Disto
resultaram grandes variações, nos últimos anos, tanto nos mercados de ativos reais e câmbio, como
nas taxas de juros, que, inexoravelmente, conduziu-nos à crise atual que ameaça romper, não só
com o padrão dólar, mas com a própria ordem econômica mundial, que havia se estabelecido com
Bretton Woods.
Cabe aqui relembrar que a doutrina do nacionalismo econômico prega que, uma vez atingido o
centro, deve-se ser liberal. Isto também explica o porque do liberalismo atual. Acontece que
encontramo-nos diante de um novo fenômeno. Encontramo-nos diante de um centro compartilhado,
mais que compartilhado, crescentemente disputado. Diferentemente do que nos está sendo vendido,
do que vem sendo permanentemente propagandeado nos órgãos de informação, ao invés de estar
ocorrendo uma globalização econômica, o que se verifica é uma crescente polarização econômica
em torno dos três pólos já citados: Estados Unidos da América, Alemanha e Japão. Polarização que
é comercial, que é produtiva, que é tecnológica. Como os três pólos continuam praticando a
doutrina do nacionalismo econômico, o seu liberalismo resulta, não de convicção, mas,
exclusivamente, do estágio de desenvolvimento que atingiram.
Isto é facilmente comprovado verificando-se qualquer lista que hoje apresente as 500
maiores empresas do mundo. Destas 220 são norte-americanas, 120 são japonesas e 80 são alemães.
São quase todas transnacionais, mas que não perderam suas características nacionais. O
desenvolvimento da tecnologia e a pesquisa das empresas transnacionais têm sido realizadas através
de uma estratégia comum e deliberada de privilegiar os países centrais, de preferência suas
localizações de origem. O domínio da tecnologia é visto como a garantia do comando do negócio e
encontra-se, portanto, sempre junto, fisicamente, das administrações centrais dessas empresas nos

lvii
seus países de origem. Acresce-se a essa tendência de polarização tecnológica a implementação da
nova estratégia militar dos Estados Unidos da América. Os EUA detêm, no momento, a
unipolaridade militar, o que tem acirrado a já natural polarização ou centralização no domínio das
tecnologias nos pólos já relacionados, pois os países desenvolvidos, capitaneados pelos EUA,
exercem rigoroso controle sobre a disseminação de informações sobre novas tecnologias, que
nomeiam como “sensíveis”. Os EUA argumentam que elas podem vir a subsidiar intenções
belicosas em países do terceiro mundo. Esse “apartheid tecnológico” tem inibido em muito o
crescimento econômico e produtivo dos países da periferia.
Visto o fato da mundialização, vamos ao discurso da globalização, que é, explicitamente,
como já foi dito, um discurso de dominação e objetiva, exclusivamente, apresentar o espaço como
algo único e passível de uniformização. Assim sendo, o discurso da globalização, busca
simplesmente dominar os mercados e as culturas, pela idéia do espaço único e não mais busca-se
ligar diferentes espaços, como era o objetivo da mundialização, em busca da integração de
mercados e de culturas. O que se vê hoje é, portanto, uma ideologia, a chamada globalização,
revestida num único discurso. A atenção é toda dada ao espaço, como se a outra variável
determinante no processo de avanço da civilização, o tempo, perdesse todo seu sentido. Este fato
ainda é uma resultante da concepção filosófica trazida ao pensamento dominante, pela ruptura da
quebra do conceito de simultaneidade, provocada pela teoria da relatividade. Como a velocidade
tem um limite o espaço é superior e delimitador do tempo. Para a dominação se exercer de forma
plena basta o domínio do espaço, até mesmo o espaço da civilização como pretende o discurso da
globalização. Parecem esquecer que o tempo é a variável última da desordem natural; esquecer a
luta eterna do homem pelo controle do tempo. E é aí que a globalização falha e falhará.
Entretanto, o discurso da globalização vale-se da mediação da informação e a informação a
serviço do centro tornou-se claramente um instrumento do discurso da globalização, portanto, de
dominação. É assaz ingênuo insistir em que as antigas relações de dominação desapareceram. Elas
apenas assumiram outras formas mais programadas e sofisticadas, mas se explicitam, claramente,
no discurso da globalização.
Atrás deste discurso da globalização caminha uma ação que coloca que a produção tem que
ser imediatamente consumo e o consumo tem que ser imediatamente produção. Uma ação que se
vale claramente dos meios de comunicação para organizar a sociedade, tanto para produzir quanto
para consumir bens materiais cada vez mais distanciados das necessidades humanas básicas (comer,
dormir, vestir-se) e cada vez mais carregados de valores simbólicos, transformados em necessidades
indispensáveis à vida social dita moderna. Este tem sido o espírito último da dita sociedade da
informação companheira permanente do discurso da globalização.

lviii
Dentro do discurso da globalização aumenta a divisão entre os ricos, informados e os
pobres, não informados- nacional e internacionalmente. Subinformação: este pode ser o novo nome
para o subdesenvolvimento, nesta nova etapa histórica da evolução da humanidade. Informação é
poder. Informação econômica é poder econômico. Informação tem valor econômico, e a habilidade
para estocar e processar certos tipos de dados pode dar a um país vantagens econômicas e políticas
sobre outros países. A circulação da informação no mundo faz-se em sentido único, como uma
corrente de notícias, dados, mensagens, programas e produtos culturais que vai quase que
exclusivamente dos países grandes para os pequenos, dos que detêm o poder e os meios
tecnológicos para os que estão privados deles, dos países desenvolvidos para os países em
desenvolvimento e no plano nacional, do centro do poder para baixo.
O discurso de globalização acompanha o fluxo de dados e de informação em sentido único,
o que vem potencializando em dimensões extraordinárias os processos de desqualificação dos povos
periféricos, com a tentativa de supressão de suas expressões culturais.
Cabe explicar como se dá a dominação no discurso da globalização A ação se dá no sentido
de caracterizar a prevalência do consumidor sobre o cidadão. Um sistema político democrático não
é o mesmo que um sistema econômico orientado pelo mercado. Um consumidor não é o mesmo que
um cidadão. O objetivo do discurso da globalização é a criação do consumidor ideal
Busca-se, em paralelo, o conjunto ideal de símbolos, de temas, de mitos, e de estilos que
formarão os arquétipos e os estereótipos que ditarão a moda. Há uma clara tentativa de transferir
costumes dos dominantes para os dominados Novos valores , novos símbolos, novos mitos, novos
heróis. Dinossauros, tartarugas-ninjas e cavaleiros do apocalipse tem de ter curso universal. É
fundamental substituir o sonho da periferia pelas imagens do fantástico. O discurso ao criar imagens
alavanca, contudo, uma falsa mundialização.
As transnacionais apóiam o discurso e financiam a propaganda e publicidade, alimentando
os recursos para a dominação da mídia. Desejam a destruição do contraditório. Impõem pelo capital
a ditadura de opinião e o que é mais grave, coonestam a falta de espaço para a criação cultural
alternativa no espaço dominado. Formulam a pesquisa de opinião como um instrumento de ética e
justiça. Transformam a opinião média como padrão de cultura. Desejam o mundo diferente desde
que seja igual e passível de dar escala máxima a sua produção uniformizada.
O discurso da globalização realiza, a exemplo do centro, o maior dos esforços no espaço
universitário. No fundo de tudo, dentro do discurso da globalização se busca criar uma relação entre
o papel de uma cultura., a norte-americana e a posição particular de poder que a nação a que
pertence essa cultura ocupa no cenário mundial. Há um perigo enorme nesse discurso da
globalização. É o perigo do que nomeamos de monotonia cultural. A total predominância de um
tipo de viver a vida, que é o norte-americano, ou de uniformização do mundo, segundo um padrão,

lix
também, norte-americano, parece repetir, em escala muito maior, o nefasto excesso de império
praticado, há um século, pelos ingleses e de tão tristes conseqüências. É, portanto, extremamente
relevante não só impor o contraditório no meio universitário mas o controle do processo de
informação para se fugir ao discurso da globalização.
Ainda hoje a identidade nacional conta com um passado comum como forma de criar
solidariedade, a identidade global não tem quaisquer lembranças para convocar a consciência
formadora de um grupo. Não existe identidade global. Para se romper com esta questão e com
outras que lhe cercam, para realizar a verdadeira mundialização se faz necessário qualificações
especiais, que só o Brasil possui, como veremos adiante, talvez, pela posição impar de herdeiro
direto daqueles que a iniciaram.
Desta análise, resulta que:
i)- O discurso de globalização é um discurso de dominação;
ii)- No campo filosófico e cultural se faz sentir recentemente a importância de uma nova
mediação na cooptação da natureza pelo homem: a informação. Esta nova forma de mediar assim
como outra forma mais antiga, a ciência, têm sido cada vez mais utilizadas como instrumentos de
dominação;
iii)- A mundialização não afetou relações primitivas. As relações centro e periferia
continuam existindo e não houve mudanças nos paradigmas. Como vimos antes, no capítulo
anterior, a solução das questões sociais passa pela sociedade industrial e para isto necessita-se da
solidariedade nacional e do conceito de nação, algo que se representa sob a forma de um Estado
Nacional moderno; e mais ainda, que cabe a esse Estado prover essa sociedade de uma concepção
estratégica e de vontade nacional; e
iv)- Existe uma polarização econômica transfigurada de regionalização. O centro, hoje,
exige escala e países pequenos, ou se unem em mercados maiores, em Megaestados, como é o caso
da União Européia, ou estão fadados a se tornarem ou permanecerem periféricos;

2.3 BRASIL : O DEMIURGO DA MUNDIALIZAÇÃO


Se há um princípio que sintetiza toda a concepção desta tese é a idéia do Brasil ser o
único artesão possível da verdadeira mundialização. Este é o nosso destino manifesto, algo que
decorre naturalmente de nosso povo, o povo brasileiro, ser o único provido das mágicas necessárias
a fazer o movimento de construção de uma única pátria humana. Faremos um rápido apanhado
destas mágicas neste capítulo, pois nosso objetivo é traçar o pano de fundo por onde se desdobrará
nossa estratégia nacional. As mágicas mais relevantes que o povo brasileiro possui e que lhe
possibilitarão executar a mundialização são as seguintes:

lx
A mágica da antropofagia é a propriedade que possuímos no Brasil de apropriarmo-nos,
transformando, de qualquer manifestação cultural exógena. Poder-se-ia iniciar a
explicação desta capacidade que detemos, como o resultado da arte que desenvolvemos
de adaptar valores e técnicas européias aos trópicos, em geral. Contudo, esta seria uma
explicação muito pobre. A nossa antropofagia, que é uma característica ímpar, já que
nenhum outro povo a detém, pelo menos em tal grau tem sua origem na gênese da nossa
cultura dominante: a cultura portuguesa. Essa se constituiu na paciente e progressiva
assimilação dos iberos, dos ligúrios, dos celtas, dos fenícios, dos gregos, dos
cartagineses, dos romanos, dos suevos, dos godos, dos judeus, dos mouros e dos
cruzados franceses e ingleses. Este progressivo amalgama dotou os portugueses dos
elementos necessários a processar o diferente e torná-lo o igual, quando não o comum.
Foi assim na constituição da cultura brasileira. A assimilação de outras culturas mais
puras, como as diversas culturas africanas e ameríndias, foi algo fácil para a experiente
cultura portuguesa que se transfigurava em brasileira. A capacidade de deglutir, de
adaptar, de transformar de forma criativa e criadora o que lhe é apresentado, ou lhe é
imposto, constitui-se no maior patrimônio do povo brasileiro. Tudo se faz sem perder, o
espírito empreendedor e mercantilista do fenício, do cartaginês e do judeu, da cultura dos
gregos, das instituições e da linguagem dos romanos, da cultura material dos mouros, da
aptidão manual do africano, do contato com a natureza do ameríndio. No Brasil, nada se
perde, tudo se transforma em algo que se utiliza. No futuro ser mundializado é ser
antropofágico.

A mágica do passado comum é a característica que detemos, no Brasil, de ver o


estrangeiro presente como se fosse eu entre nós e não um tu entre nós. O estrangeiro
que reside no Brasil não sofre o distanciamento nem a discriminação do estrangeiro. Este
é um fenômeno do século XX. Nem sempre foi assim. Logo após a independência o
estrangeiro era discriminado. Se português, o antigo dominador, era espezinhado. Aos
demais o choque cultural era total. Contudo, os fluxos migratórios do final do século XIX e
deste século retiraram do português seu ranço de dominador e dos demais suas
características exóticas. Ao estrangeiro hoje é dado o passado comum. Ao natural de
outro país que se estabelece no Brasil lhe é incentivado, mais que permitido, participar na
cultura e nos eventos nacionais. Aliás sua cultura se incorpora como nossa. Ao
compararmos o tratamento obtido no Brasil, pelas imigrações européias do início do
século XX, com o tratamento encontrado, exemplificando, nos EUA, marcaremos bem
esta diferença. Não existe no Brasil a figura do teuto-brasileiro, mas existe nos EUA a
figura do teuto-americano. Não existe no Brasil a figura do ítalo-brasileiro, mas existe nos
EUA a figura do ítalo-americano e assim por diante. A mágica do passado comum dilui as
nacionalidades pretéritas e as colocam submetidas a nacionalidade brasileira. Só existe
aqui no espaço Brasil uma nacionalidade única: a brasileira. O mágica do passado
comum transforma a sociedade brasileira em uma sociedade absorvente capaz de, no
futuro, ser a própria sociedade mundial..
A mágica da mestiçagem é a propriedade que nós temos de deter diferentes graus de
morenidade. Esta é um valiosa qualidade do Brasil. Sobre este tema, sobrepujando o pessimismo
das gerações anteriores, que se julgavam condenadas ao malogro, pela sua condição de participes de
um país sem futuro, em decorrência do caráter mestiço de sua população, vem, ao longo de todo
este século XX, se sucedendo, desde a descoberta antropológica de nosso país feita, principalmente,
com FREYRE(1933a), um orgulho, uma confiança e um arrebatamento expresso pela certeza das
vantagens que a completa mestiçagem proporciona, na arena mundial, ao povo brasileiro. Fez-se
com FREYRE(1933b) a descoberta, nesta parte do mundo, que não há raças capazes ou incapazes

lxi
de civilização. Mais do que isto, fez-se a constatação que toda a trama da história resulta de um
processo de fusão e que o Brasil é em si o próprio espírito divino da fusão criadora. O Brasil se
constituiu em seus primórdios de europeus principalmente portugueses e holandeses, ameríndios e
negros. Mais recentemente, de portugueses, italianos, espanhóis, alemães e outros europeus e de
japoneses, formando em seu território, de início, vários grupos étnicos. Dos europeus, os de maior
influência e número foram os portugueses, que não traziam a mística da pureza da raça. Todos estes
grupos, desde seu estabelecimento, vem se interpenetrando, como resultado de um fenômeno novo,
em escala mundial, que é o elevado grau de mobilidade social da sociedade brasileira, quer
mobilidade vertical quer mobilidade horizontal. Tudo isto favorece um aparecimento, nesta parte da
América, de uma democracia plena, no sentido real da palavra, onde não se estabelecem
preconceitos, onde o mérito pessoal supera não só possíveis colocações de natureza étnica, como as
de classe, e, onde, se maximiza a afirmação dos talentos e se potencializa a utilização das diversas
possibilidades. Esta forma de ver o mundo é o simétrico do que se coloca no centro, já que para nós
a miscigenação é regra e a discriminação é exceção. Para o centro, sejam norte-americanos ou
europeus, nestes excluídos os ibéricos, em especial, os portugueses, se dá o contrário, a
discriminação é regra e a miscigenação é exceção. A sociedade brasileira é cada vez mais
miscigenada caminhando para ser homogênea. Isto por que seus vários grupos raciais tendem a
pertencer a mesma civilização e a ter o mesmo imaginário e a mesmas idéias fundadoras e
fundamentais, independente de sua pigmentação ou da forma de seu rosto ou de seu nariz. Esta
mágica da mestiçagem é como foi afirmado um valioso atributo pois nos permite inserir a todos em
nosso contexto e todos podem se sentir partícipes na elaboração do novo contexto da
mundialização. A mágica da mestiçagem transforma hoje o Brasil e amanhã transformará o mundo
no espaço de todas as raças.
A mágica do sincretismo é a completa permissividade religiosa, algo que no mundo não tem
a dimensão que adquire no Brasil. Este é ainda o maior país católico do mundo, mas não é um país
dominado pela mística católica, nem pela santidade. Não tem santo. O catolicismo se expressa no
Brasil muito mais pelas sua manifestações externas, do correr de um calendário de permanente
procissões e de festas populares, do atuar da Igreja na vida política, apoiando os governos, ou,
conspirando contra eles, quando não os faz de forma concomitante. A este catolicismo caminham
juntos o espiritismo, o candomblé, a quimbanda e mais recentemente os ritos evangélicos
protestantes. Tudo isto se mistura num caudal de fé e de credos por onde trafega a mais plena
tolerância religiosa e o mais claro sincretismo religioso. A maioria dos brasileiros esposa no
decorrer de sua vida mais de uma fé. Este sincretismo aceita, se não incentiva, outras formas de
haver místicos, ou de entender a origem e o destino dos homens, que se conceituam como
esoterismos, formas pretensamente premonitórias de futuro, tais como a astrologia, o tarô e os

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búzios. Tudo isto convive. Tudo isto se aceita e se incentiva. Como prova recente deste sincretismo
podemos colocar a forte e não combatida penetração de um neo-evangelismo, que nada mais é do
que um aspecto sempre presente da religião no Brasil e decorrente de uma influência ameríndia, a
religiosidade terapêutica, capaz de curar bicho e gente, transfigurada por um rigor moral radical.
Ainda, aqui, existem outras formas de religiosidade, porem, mais enclausuradas nos seus círculos
etnológicos e incapazes de trafegar tão desenvoltas, como o judaísmo, o islamismo e o budismo.
Contudo, estas outras formas muitas das vezes compõem fontes, que alimentam o já extenso caudal
da religiosidade. Nós detemos no Brasil a fé universal, esta é a mágica. A mágica de ter aquilo que
todos em todas as partes sempre acreditaram e sempre acreditarão.
A mágica dos trópicos reside na construção de uma civilização pela cooptação daquilo que a
natureza tem de mais pujante e agressivo: os trópicos. Nisto, papel importante tem as três raças
constitutivas do povo brasileiro. Em primeiro lugar, os portugueses que, diferentemente dos demais
europeus, ao se defrontarem com os trópicos, não o fizeram com espírito de superioridade. Sempre
buscaram adaptar seus valores e técnicas ao novo espaço de cooptação. Nunca buscaram impor sua
cultura. Ela se impôs pelo seu valor não por coação. Os portugueses, diferentemente dos demais
europeus nos trópicos, bem como seus descendentes no Brasil, muitas vezes repudiaram as soluções
européias, adotando outras tropicais. Em segundo lugar, o ameríndio que nos trópicos americanos é
um ser agreste, que formulou uma cultura primitiva, porém, própria e apropriada a sua terra de
origem, seu “habitat”, seja ela cultura de floresta ou cultura de agreste. Em terceiro lugar, mas,
talvez, até mais importante do que as precederam, o negro africano e seus descendentes, muito mais
habilitados, por séculos de adaptação aos rigores climáticos dos trópicos e pela permanente
contestação que exerceram à natureza nas selvas, nas savanas e nos desertos africanos. Quem
dominar o trópico dominará o mundo, mundializará.
A mágica da tolerância pode ser colocada como cordialidade, como subserviência, como
humildade, e até mesmo como impotência, mas é exclusivamente tolerância com o diferente, com o
estranho, com o incomum, com o inusitado. Acima da visão de homem cordial que
HOLANDA(1936) coloca existe é a tolerância. Tolerância que se coloca no dia a dia de nossa
existência e de que tanto se beneficiam os que disso sabem. Tolerância compatível com a existente
na Arca de Noé. Sim, pois sendo o leito de diferentes berços, o Brasil é uma grande Arca de Noé e
tem como sua maior mágica a tolerância.
A mágica da transcendência que é a de pairar sobre todas as outras mágicas, unificando-as
em uma só, criando delas um idealismo para além do subjetivo, que transpõe a alteridade posta na
dialética de FICHTE(1807b) e sendo um aceite a tudo e a todos. A civilização que está se
constituindo no Brasil se caracteriza pela sua transcendência. Há uma transcendência na unidade
que se organiza dentro da dualidade posta pelos europeus de ver a civilização brasileira ora como

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inferno, ora como paraíso. Há uma transcendência por ser uma civilização mais direta e mais
participativa. Há uma transcendência. por incorporar novos valores, por ser alem do que européia ,
por ser ameríndia e por ser africana. Há uma transcendência por sabermos sermos periféricos, mas
não vermos isto como problema,. mas, sim, sempre como sonho, como aventura.
Devemos nos orgulhar e glorificar nossos valores, nossa tolerância, a brandura de nossos
costumes, nosso eclético venerar, o acolhimento afável que concedemos ao que é estrangeiro, a
nossa tropicalidade, a alegria simples que nosso povo tem mesmo na miséria, e um certo “savoir
vivre” que jamais perdemos nas piores circunstâncias e cuja visão e conhecimento deixam
perplexos e atônitos a qualquer estrangeiro. Do Brasil se tem uma mensagem única de esperança: o
sinal que a inteligência humana é capaz de saltar por cima das adversidades e se integrar na
compreensão do universo total. Somos diferentes e somos especiais. Nós fomos, somos e seremos a
mundialização. Este é o nosso destino manifesto.

CAPÍTULO III
CONSTRUINDO A ESTRATÉGIA NACIONAL

Fixado nosso destino, o nosso objetivo maior transforma-se.na materialização deste destino
A política nacional, ou seja, o que fazer, portanto, é buscar o nosso destino. A nossa política
nacional será construir a mundialização. Contudo, estratégia nacional é buscar o melhor caminho
para se chegar a este objetivo mas, também, é buscar fazer o parto da história. Entender isto,
todavia, ainda não é suficiente para elaborarmos a estratégia nacional, isto é, como fazer?. É
necessário analisar a conjuntura em que vivemos, conhecer as visões estratégicas prevalecentes no
centro e nas periferias, para podermos impor, no futuro, nosso destino: a mundialização. Ë
necessário, também, conhecer a nossa estrutura, nossas restrições, bem como a nossa situação sob
os pontos de vista econômico, antropológico e geográfico. E, ainda, é necessário, avançar nos meios
que dispomos, avançar no estudo e na aplicação de nosso potencial, para transformá-lo, em poder.
E, finalmente, de posse destes elementos, traçar a nossa estratégia nacional.

3.1-CONSIDERAÇÕES QUANTO À CONJUNTURA


3.1.1 CONSIDERAÇÕES QUANTO AO CENTRO HEGEMÔNICO
Alguns analistas afirmam que não existe, hoje, um Estado claramente hegemônico. Para nós,
contudo, a posição americana no mundo é de centro hegemônico. Não só, os Estados Unidos detêm
um poder militar incontrastável como, exercem a liderança econômica do mundo, decorrente de

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deterem a moeda internacional, o dólar e uma posição competitiva favorável. Como os estrategistas
dos Estados Unidos olham o futuro?
Existe quase um consenso, ao final do século XX, no pensamento estratégico dos EUA, de
que a sua situação hegemônica indiscutível é uma situação passageira e que em quinze, trinta, ou,
no máximo, em cinqüenta anos, a estrutura de poder mundial voltará a um clássico modelo
multipolar. É quase consenso, entre os maiores pensadores em estratégia norte-americanos, de que
haverá, no futuro, uma perda progressiva de poder dos Estados Unidos, na arena mundial. Estes
maiores pensadores, diferem, contudo, profundamente, no modo pelo qual os americanos se
defrontarão com o novo contexto. Três são as correntes que tratam deste reposicionamento, melhor
dizendo, do trato dessa futura decadência:
A primeira, que nomearemos como a dos fatalistas, que colocam que nada poderá ou deverá
ser feito e encontra a sua formulação mais forte na obra de KENNEDY(1987). Partindo de uma
visão, que se apóia em uma análise pretérita histórica, os fatalistas colocam que a própria posição
hegemônica norte-americana conduz a imensos gastos para a manutenção desta situação, em
especial, gastos militares, e isto, progressivamente, comprometerá as finanças públicas americanas e
conduzirá a perda crescente de poder dos Estados Unidos no panorama mundial.
A segunda, que nomearemos como a dos ativistas, que colocam que algo poderá ser feito e
encontra sua melhor versão em KISSINGER(1994a), que afirma ser possível uma postura ativa, que
aceitando a inexorabilidade da queda a postula como passível de ser controlada, com ações de curto
prazo, algo que melhor seria traduzido como participar quando puder e do melhor jeito que puder.
A terceira, que nomearemos dos articulistas, que defendem que muito poderá ser feito e que
tem seu melhor texto na obra de BRZEZINSKI(1993a), antigo membro do Governo Carter, e que
afirma que dado a não possibilidade de evitar a queda, os Estados Unidos precisam fazer uma
retirada estratégica, procurando organizar o mundo, para uma era pós “pax americana”, que teria
como seu grande legado um sistema global de equilíbrio geopolítico auto-sustentável.
É verdade que a primeira destas visões está muito mais próxima, que as demais, da idéia da
guerra como o ato final da ruptura. Sua própria característica pressupõe um progressivo
esvaziamento de poder decorrente do esforço econômico; todavia, o próprio final, a ruptura, resulta
como a análise histórica pretérita procedida demonstra, de um esforço de guerra.
As outras visões repõem de forma nova a clássica dicotomia presente na visão americana de
mundo, em que se opõem, há cem anos, os intervencionistas aos isolacionistas. Seria muito
primitivo atribuir-se a KISSINGER(1994b) uma visão intervencionista no modelo do “walk softly
and carry a big stick“ ( caminhe suavemente e carregue um grande porrete), mas, é indubitável, a
sua inteira subordinação ideológica ao que os alemães chamam de real politik, ou seja, a idéia que
os Estados Unidos tem de ser fortes e atuantes e que sua política deverá ser global e pautada pelo

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interesse nacional. Assim, também, poderia parecer despropositado vincular-se
BRZEZINSKI(1993b) àqueles que defendem a tese que a política externa norte-americana deve ser
exclusivamente baseada em princípios morais. Entretanto, é óbvio, no texto deste autor, que é do
exemplo, que a democracia americana tira sua principal força.
Contudo, essas visões são análises próprias, de nossa época, das duas correntes que dividem
o modo de ver o mundo dos estadunidenses e que apesar de se apoiarem em premissas diferentes,
não afastam a hipótese de guerra e justificam a necessidade de generosas despesas militares no
orçamento dos Estados Unidos. Aliás, é bom lembrar que os Estados Unidos mergulhados, no
passado, nos ditames de uma ou de outra corrente, caminharam, diversas vezes, inexoravelmente,
para situações de guerra.
Contudo uma das análises publicadas, a posta no texto de HUNTINGTON(1996a), que teve
ampla divulgação nos círculos intelectuais norte-americanos e que rompe com o quase consenso da
inexorabilidade da decadência, ao apresentar a possibilidade da manutenção da hegemonia norte-
americana como o centro de um esquema de poder dominante, composto basicamente pelos Estados
Unidos e União Européia. Nesta visão prospectiva, o conceito da guerra encontra-se, também,
claramente presente e opõe o que o autor conceitua como efetivamente civilizado, os europeus e os
norte-americanos, a uma ou a várias barbáries, que se estruturam como outras formas de civilização.
Apesar de destoar da visão da maioria dos pensadores, a proposta de HUNTINGTON(1996b), pela
sua posição otimista para os norte-americanos, é a que merece o maior apreço e destaque da mídia e
da opinião pública norte-americana.
Encontramo-nos, portanto, e aí existe um total consenso de todas as correntes formadoras da
estratégia dos Estados Unidos, muito longe das visões irreais de inação do Estado Nacional postas,
por KANT(1801) em Paz Perpétua ou por MARX(1862) em Withering Away of State. O conceito
da guerra entre Estados Nacionais é uma constante na visão da geopolítica, do trato do poder e da
estratégia norte-americana.
Posto a inevitabilidade do conflito armado, cabe-nos questionar quais seriam os interesses
vitais dos Estados Unidos que o mobilizariam a ponto de se defrontarem, militarmente, com
competidores, cujo tempo, inexoravelmente, fará aumentar em número e em poder. Serão vitais o
controle das principais passagens marítimas do mundo? Será fundamental o suprimento de
petróleo? O controle do mercado asiático é uma questão de prioridade estratégica?
Para responder estas perguntas cabe observar quais os desdobramentos passados da bem
sucedida estratégia nacional dos Estados Unidos, pois eles configuram o círculo de interesses que
arquitetou a sua hegemonia atual. Qualquer estudioso verifica que a estratégia perseguida pelos
norte-americanos foi a tão brilhantemente sintetizada na obra The Coming War with Japan,

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FRIEDMAN e LEBARD(1991), que estabeleceu como os seguintes os patamares estratégicos
perseguidos pelos norte-americanos desde a sua independência:
“1. Que o poder e o exército dos EUA domine de forma completa a América do Norte;
2. Que não exista nenhuma potência ou grupo de potências no hemisfério ocidental capaz de
contestar a hegemonia dos EUA;
3. Que a marinha dos EUA seja capaz de manter as potências do hemisfério oriental fora do
hemisfério ocidental, através do controle do Atlântico Norte e do Pacífico Leste;
4 Que nenhum poder do hemisfério oriental possa desafiar o domínio norte-americano dos
oceanos, desviando suas energias para ameaças terrestres”
Esta macroestratégia tão bem resumida e explicitada é totalmente respaldada na leitura da
obras centrais da formulação da ação norte-americana, ao longo da II Grande Guerra,
SPYKMAN(1942) e LIPPMANN(1943). Conforme se depreende da leitura desta obra, o desafio
estratégico norte-americano esteve e está posto a nível global.
Assim sendo aonde estarão os possíveis contestadores? Qual serão suas ações? Qual é a ação
preventiva dos EUA e quais suas possíveis reações?
Comecemos respondendo a última destas questões. Os EUA, hoje, prioritariamente colocam
como objetivo central de sua ação política internacional manter seu atual sistema de alianças e o
regime de livre comércio como sistema permanente de controle internacional. Isto poderá vir a ser
feito, até mesmo, através da transformação de seu sistema de alianças em um sistema imperialista,
usando seu poderio atual, inclusive o militar, para manter sua hegemonia tanto no seu sistema de
alianças, como no antigo bloco soviético e, também, no antigo terceiro mundo.
Entretanto, os EUA poderiam ter, amanhã, outro posicionamento e vir a dar prioridade a um
isolamento de seu hemisfério, criando um bloco político e econômico no hemisfério ocidental,
utilizando a sua marinha para manter o domínio dos oceanos, evitando intervenções francas no
hemisfério oriental, a menos que uma única potência ameace esta hegemonia, e usando o seu
controle dos oceanos para manipular o comércio marítimo mundial, de forma a evitar que tal
potência venha a surgir. Ambas possibilidades devem ser merecedoras de total atenção para os
formuladores da estratégia nacional.
Contudo, um ponto nos parece óbvio e tem figurado, explicitamente, nas análises dos
interessados em prever o comportamento futuro dos Estados Unidos é o fato dos EUA não se
imaginar contestado no próprio continente americano. Aqui está um ponto central para a estratégia
nacional que adiante formulamos. Todos os seus possíveis contestadores sempre são vistos no
hemisfério oriental. Para os norte-americanos, a sua hegemonia incontestável no continente
americano é algo fundamental, acima de todos os demais interesses, como já o foi no passado (que
os digam as suas diversas intervenções militares no continente americano, neste século) e é e será,

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certamente, o mais forte motivo para um novo engajamento militar em uma nova guerra, por parte
dos Estados Unidos. Repetimos, esta é uma questão presente ao se tratar de forma estratégica o
destino do Brasil.
Dado o peso dos Estados Unidos no comércio mundial, é interessante, também fazermos
algumas considerações quanto à sua política comercial, cujas diretrizes estão claramente expressas
na sua Lei de Comércio e Tarifas de outubro de 1984. Essa lei procura ser abrangente, já que tenta
integrar objetivos diversos, relacionados ao comércio de bens, serviços, investimentos externos e
transferências de tecnologia. Envolve processos de negociação, bilateral e multilateral, consultas e
retaliações. Cabe ressaltar que um dos objetivos da lei é dar, ao presidente dos EUA, poderes para
impor restrições de acesso ao mercado norte-americano de bens, mesmo que a questão que tenha
gerado contencioso, diga respeito a investimento, tecnologia e serviços. Neste campo, também, a
estratégia do governo norte-americano tem sido de buscar a liberalização completa nas transações
onde sua economia aparentemente tenha vantagens comparativas. Seu posicionamento, em diversos
foros e em particular na Rodada Uruguai do GATT, e agora na Organização Mundial do Comércio,
consubstancia essa formulação, decorrente da filosofia econômica que adota. Está claro, que mesmo
antes daquela rodada de negociações, os EUA passaram a exigir mais esforços dos países em
desenvolvimento, que tiveram perda significativa do tratamento especial de que se beneficiavam.
Tal ação se faz sentir com maior reflexo sobre a América Latina, que tem procurado tibiamente, em
conseqüência, adequar suas políticas econômicas à nova realidade do comércio internacional.
No campo político, estratégico e militar, os EUA buscam consolidar sua área de poder, para
influírem em soluções condizentes com seus interesses nos conflitos que se deflagram no mundo.
Buscam, ademais, ações diretas para evitar o acesso a terceiros das chamadas armas de extermínio
de massa. Este é em resumo a estratégia do país dominante no centro atual .
3.1.2. CONSIDERAÇÕES QUANTO AOS DEMAIS CENTROS
Vários analistas admitem a ausência, no momento atual, de predomínio dos Estados Unidos
no campo econômico e preferem ver a existência de uma multipolaridade econômica competitiva,
que envolveria os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão. Como afirmamos antes, o que é claro é a
existência de um processo de polarização econômica, tecnológica e financeira, que envolveria estes
três países, essa “tríade”, ou como chegam a colocar a trilateral.
Todavia, tanto a Alemanha como o Japão não possuem a estatura política condizente com
seu atual estágio econômico. Militarmente, tanto a Alemanha como o Japão encontram-se ainda
ocupados por tropas norte-americanas, passados mais de 50 anos do término da II Grande Guerra e
10 anos do término da Guerra Fria. Politicamente, ambos os países continuam fora do condomínio
político exercido pelos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas

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Os objetivos centrais da ação estratégica nacional destes dois países é o de recolocarem as
suas estaturas políticas na verdadeira grandeza de suas estaturas econômicas. Seguem, estratégias
diversas, mantendo, todavia, ambos os países, um sistema de poder nacional, em que enfatizam o
relacionamento entre o grande capital privado, o Estado Nacional, o desenvolvimento de tecnologia,
as forças armadas e a sociedade civil. Tanto um como outro não alteraram sua concepção
estratégica básica, que se formatou no século passado.
A concepção estratégica da Alemanha era e é clara: o domínio da Europa Continental, daí o
domínio da Europa e Ásia e do Mundo. O que mudou em sua estratégia foram os meios a serem
utilizados, que de militares tornaram-se econômicos. Foi economicamente que a Alemanha
conseguiu a reunificação e foi economicamente que a Alemanha tem buscado, com sucesso, o
domínio da Europa. A União Européia é, antes de tudo, um projeto alemão. Ë , ainda,
economicamente, que a Alemanha buscará dar seu maior passo estratégico, o euro, a contestação do
dólar.
As prioridades alemãs em termos de política externa encontram-se na Eurásia, em especial,
na Europa Oriental. Os estrategistas europeus, especialmente os alemães, advogam uma maior
proximidade operativa com a Rússia, algo que só poderá avançar com a consolidação da União
Européia. Existe no imaginário alemão, no espaço europeu, uma outra figura, e esta figura tem
assento permanente no condomínio político: a Rússia.
Já o Japão, possui uma concepção estratégica limitada, que se resume ao domínio das
margens da Bacia do Pacífico. A derrota militar da II Grande Guerra marcou profundamente a
sociedade japonesa que agora busca exercer este domínio, também, por meios econômicos. Os dois
movimentos externos dominantes na política externa japonesa, a chamada política dos gansos
voadores, ou seja, a conquista dos mercados do Leste Asiático, tanto pela implantação de indústrias
tradicionais neste espaço como a reserva destes mercados para os produtos japoneses e a chamada
política do tubarão amarelo, para a costa do Pacífico do Hemisfério Ocidental, que busca aumentar
a presença econômica japonesa na costa oeste dos Estados Unidos, no México, no Peru e no Chile,
reforçam esta colocação. Aqui, também, existe uma outra figura. Os estrategistas japoneses,
entendem que o Japão só efetivamente avançará na busca de seu objetivo se o fizer uma maior
aproximação com a China, outro membro do condomínio político do Conselho de Segurança das
Nações Unidas.
Daí por que é importante, para as duas diplomacias, tanto a japonesa como a alemã, a
reforma do Conselho de Segurança, que antes de permitir o seu ingresso no ambicionado
condomínio político é a demonstração cabal das composições da Alemanha com a Rússia e do
Japão com a China, composições estas.necessárias, na visão de seus estrategistas, para repor
estatura política aos dois países.

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Há, em ambas as visões, a clara percepção que, enquanto, não solucionada a questão da
estatura política, a melhor conduta no campo econômico, político e militar é de procurar não
contestar, objetivamente, os desígnios dos norte-americanos. Daí, o porque do apoio às iniciativas
norte-americanas, no âmbito das organizações internacionais. O apoio a estas iniciativas tem se
materializado nos foros como a OCDE e a OMC, na elaboração de normas, no aprovo ao
mecanismo de “condicionalidades” imposto pelo FMI e Banco Mundial aos países endividados e
em crise e até nas sanções impostas pela ONU ao Iraque.
Pode parecer, contudo, que subjacente a tudo isto, existe uma certa concordância ao antigo
esquema do geopolítico alemão Haushofer de divisão do mundo, em que uma tríade assumiria
oligopolisticamente o controle do poder mundial, dividindo claramente seus mercados, algo que não
tem mais tanto respaldo e perdeu conteúdo, nesta virada do século XX, para o século XXI. Esta
concordância não existe, nem por parte dos americanos, nem por parte dos alemães, nem por parte
dos japoneses. Todos têm uma visão própria de mercado mundial.
3.1.3. CONSIDERAÇÕES QUANTO À PERIFERIA
A periferia é tudo que não pertence ao centro e se constitui de Estados que, para simplificar,
podem seguir duas possíveis classificações: quanto ao potencial e quanto ao comportamento.
Na classificação quanto ao potencial os Estados se dividem em polarizadores e polarizados.
Os Estados polarizadores são aqueles que, por terem grande população, são capazes de constituir
mercados dinâmicos, permitindo processos que levam à economia de escala, em especial, nas
chamadas áreas de tecnologia de ponta. Os Estados polarizados são aqueles desprovidos daquele
atributo e destinados a comporem, em decorrência de sua posição geográfica, com outros Estados,
e/ou com algum Estado polarizador dentro de um processo mundial de crescente regionalização um
Megaestado. Os Estados polarizadores mais evidentes são a China, a Rússia, a Índia, a Indonésia e o
Brasil.
Na classificação quanto ao comportamento os Estados se dividem em Estados perturbadores
e Estados subordinados Os Estados perturbadores são aqueles que insubordinam-se contra os
ditames do centro e os Estados subordinados são aqueles que seguem os ditames políticos do
centro. Há diferentes graus de perturbação, mas, como perturbadores radicais podemos citar a
Coréia do Norte, o Iraque e o Afeganistão. Toda periferia tem em si algum grau de contestação que
se explicita em perturbação, mas, é inegável que, atualmente, a Áustria ou o México são Estados
subordinados.
A história universal nos mostra que para um Estado periférico chegar ao centro ele tem de
ser perturbador. Hoje, para se chegar ao centro, também, tem-se de ser polarizador. Estas duas
condições criam a possibilidade de um Estado periférico vir a ser centro.

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Na periferia, os Estados polarizadores com maior grau de liberdade econômica são nessa
ordem : a China, a Índia e a Rússia.
Na periferia, os Estados polarizadores que geograficamente possuem maiores graus de
liberdade são o Brasil, a Indonésia e a Índia, pois são os que estão mais espacialmente afastados dos
atuais pólos do centro. Destes, a Índia é que possui atualmente o maior grau de contestação.
Contudo, a Índia como a Indonésia tem restrições geográficas ao papel de polarizador . A Índia, por
se situar num pedaço restrito de um continente, a península indiana e a Indonésia, por se situar num
arquipélago, têm sérias dificuldades na sua função de polarizador, ou seja, a constituição de um
espaço geográfico único com demais Estados para a constituição de um Megaestado. Este não é
caso do Brasil, que detém condições geográficas excepcionais de polarizar, por ser um Estado
dotado de fronteiras com diversos outros Estados, num subcontinente periférico, a América do Sul.
Cabe-nos apresentar aqui e de forma rápida a concepção estratégica dos Estados mais
relevantes da periferia. A China tem como objetivo central de sua concepção estratégica restaurar
seu território nacional pela unificação com a China insular: Taiwan. A concepção estratégica
chinesa é muito limitada, mas vem sendo transformada, nos últimos anos. Já a Rússia tem uma
elaborada e complexa concepção estratégica que pressupõe como estabelecido pelo seu formulador
Pedro, o Grande, o domínio da Eurásia. Contudo, a Rússia de Yeltsin não é contestadora. É
subordinada e apaziguadora como se pode ver pelo seu comportamento nas questões relativas aos
Bálcãs. Sua estratégia tem sido a de procurar uma aliança com a China, pois se sente ameaçada pela
conjunção de interesses entre os EUA e a União Européia. Contudo, caso se conclua pacificamente
a questão balcânica, dado a posição geográfica da Rússia e a concepção estratégica da Alemanha, é
uma questão de tempo a prevalência de um pensamento pró-europeu na Rússia.
Deve sempre estar presente, na formulação da estratégia nacional, na periferia, o fato de que
a montagem de alianças estratégicas de Estados polarizadores entre si, ou com os centros não
hegemônicos, é o melhor caminho a ser seguido para o exercício da função perturbadora à ordem
internacional no caminhar de um Estado para o centro.
3.1.4. CONSIDERAÇÕES DA NOSSA ALTERIDADE
O centro hegemônico, os EUA, tem consciência de que nos inserimos na sua mais
importante área estratégica: a América. Tem consciência que é fundamental para sua hegemonia a
sua dominação sobre o espaço americano. Pode-se resumir, que no momento, a ação do centro
hegemônico é, no campo político, de garantir que os Governos Brasileiros mantenham uma posição
não contestatória aos seus desígnios para o Hemisfério. Já no campo econômico sua ação é de
buscar nos inserir, mediante a criação da Área de Livre Comércio para as Américas.(ALCA), de
forma plena e definitiva em seu espaço de dominação. Com isto o centro hegemônico pretende:

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a) A permanência, no Brasil e nos demais países das Américas, de regimes políticos que
melhor assegurem a defesa dos seus interesses;
b) Garantir a imposição de sua cultura sobre a cultura dos demais povos do Hemisfério
Ocidental;
c) Promover sua visão de mercado através de um sistema que articule suas universidades
como centros fornecedores de treinamento profissional para prováveis integrantes das futuras elites
dos demais países das Américas, em especial, o Brasil.
d) Implantar um sistema econômico nas Américas, cujas normas garantam uma mais livre
circulação dos seus fatores de prevalência: o capital, bens e serviços, mas que excluam o fator
trabalho;
e) Dar maior capacidade de proteção a setores da economia norte-americana ameaçados de
competição dentro e fora do continente, pela adição de mercados dos outros países das Américas ou
mediante a criação de barreiras de defesa de seu mercado;
f) Induzir os demais Estados nas Américas a adotarem procedimentos jurídicos, normas de
atividade, instituições e políticas econômicas condizentes e semelhantes às norte-americanas;
g) Garantir o acesso americano direto às fontes de matéria prima existentes no continente
imprescindíveis ao desenvolvimento da economia norte-americana, em especial de bens
energéticos.
h) Inibir o aparecimento no continente de pólos de tecnologia, fora do seu controle, de modo
a impedir o surgimento de competidores efetivos nos mercados de ponta mais lucrativos.
O objetivo central do centro hegemônico para o Brasil, como para os demais países da
América, é conhecido como “Consenso de Washington” e tem como principal objetivo manter os
mercados destes países abertos para as suas exportações através da defesa infatigável das teorias
econômicas liberais, em especial das vantagens comparativas, de especialização primária agrícola e
mineral, e do livre comércio.
Os centros não hegemônicos, Alemanha e seus parceiros da União Européia e o Japão tem
uma estratégia diferente do centro hegemônico para o Brasil e os demais países da América. Apesar
de nos foros internacionais fazerem coro ao discurso para a região dos EUA, buscam, em paralelo,
construir na região uma base industrial, com filiais de suas empresas transnacionais, ou com seus
capitais, capazes de garantir mercado para seus produtos ou sua tecnologia. O MERCOSUL, e
dentro deste o Brasil, é, neste esforço, o objetivo central da União Européia. Entendem que, nessa
região, podem vir a desestabilizar o predomínio econômico norte-americano, pois aí estariam
interferindo no espaço de maior polarização dos EUA. Para ambos centros não hegemônicos, o
Brasil tem extrema importância nas relações que eles podem vir a ter com os EUA e tem um
enorme potencial.

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A periferia nos vê como um polarizador submisso. Contudo, como a China e a Rússia
colocam nos seus centros de pensamento estratégico, uma possível contestação nos daria as
condições para rapidamente vir a ser centro. Daí, porque tanto interesse, em especial dos chineses,
na montagem com o Brasil de parcerias ou alianças estratégicas.

3.2. CONSIDERAÇÕES QUANTO À ESTRUTURA


3.2.1. COMPONENTES HISTÓRICOS E ANTROPOLÓGICOS
Para nós, brasileiros, é de fundamental importância entender que o Novo Mundo esconde
um choque que separa duas Américas. Há uma contradição, uma dialética, que se expressa em um
dualismo, que se manifesta, desde a emancipação do continente, até o momento presente. Esta
contradição se reflete, de forma clara, na história do continente americano. Ela opõe o pensamento
anglo-saxão ao pensamento hispânico. O Brasil, ou seja, a América Portuguesa neste contraditório
foi, é e será um terceiro interessado.
A origem deste contraditório é remota. No período em que a expansão européia começou é
precisamente aquele em que a Europa perdeu sua unidade. A cristandade medieval dividiu-se então
em Estados Nacionais e foram estes que buscaram novas terras lançando seus marinheiros no
oceano. É da disputa por essas terras, como testemunham as reações do norte da Europa ao Tratado
de Tordesilhas, que se origina todo o contencioso que opõe os anglo-saxões e seus descendentes aos
hispânicos e seus descendentes. Entretanto, esta oposição foi magnificada em decorrência da
maneira ibérica de ver o mundo, que é quase a antítese da maneira anglo-saxã, algo fácil de se
verificar contrapondo as obras de CERVANTES(1547a) e CAMÕES(1572a) às de
SHAKESPEARE(1592). Em CERVANTES(1547b), estão os sonhos, a visão espanhola de mundo
projetada, a alma ocidental idealizada; em CAMÕES(1572b), as aventuras, as realizações lusas,
transfiguradas em epopéia, a alma ocidental realizada; em SHAKESPEARE(1596), tem-se o
pragmatismo, a visão realista e calculada anglo-saxã, gestora do empirismo, a alma humana
colocada na sua essência construtiva e destrutiva.
Tordesilhas não separou os espanhóis dos portugueses, pelo contrário, os uniu na divisão do
mundo. Mas, criou-se com Tordesilhas um novo Pirineus, que, mais uma vez, separou os ibéricos
do norte da Europa.
Nos séculos XVII e XVIII, esta separação adquiriu novos foros de tensão e opôs espanhóis e
ingleses, por novas facetas. Era uma sociedade continental oposta a outra insular e marítima, uma
sociedade mais aristocrática a outra que buscava ser democrática, uma sociedade rural a outra que
queria ser burguesa, uma sociedade antes teocrática contrastando com uma sociedade que se fazia
leiga, uma sociedade fundada nas honras e na hierarquia a outra que se fundamentava no lucro e no

lxxiii
contrato. Neste processo, Portugal pendulou, mesmo contra a sua vontade, primeiro unindo-se a
Espanha, e depois, submetendo-se aos ingleses.
Não se necessitava ter ido tão longe. Poder-se-ia começar a análise, desta dialética, na
América liberta, justapondo-se o discurso doutrinário, imposto pelo federalismo dos EUA, à
diversidade administrativa , decorrente da desagregação política da Hispano-América. Contudo,
esta prática na América Espanhola poderia ter sido obstada, caso, a exemplo do predomínio da
visão de Monroe, para os estadunidenses, como citado por MONIZ BANDEIRA(1973), houvesse
prevalecido o sonho unitário de Bolívar, como referenciado por ZÉA(1995).
Colocá-los, juntos, Bolívar e Monroe é, de certa forma, trazer para hoje as doutrinas
políticas que prevaleceram ao início do século XIX. Ambas de um paralelismo indiscutível. Uma, a
tese do Presidente norte-americano, expressa em 1823, vitoriosa de forma definitiva, quase cem
anos após, em Versalhes. Outra recolhida ao sonho de um imaginário criativo esperando o curso da
história para renascer.
Ambas, imaginando a América para os americanos. A anglo-saxã, unilateral,
intervencionista, estabelecendo um possível poder de tutela sobre os demais estados. A hispânica,
participativa, não-intervencionista, calcada na cooperação, como disposta nas palavras do
libertador: “ Ningún Estado será más débil que otro, ninguno más fuerte. Un equilibrio perfecto si
establecerá por este pacto social”.(Conforme citado por MALAGRIDA(1919), a respeito de
correspondência remetida por Bolívar a Canning, solicitando o apoio dos ingleses, publicada por C.
Villanueva em La Monarquia en América, tomo IV, página 144).
No final do século passado, ante ao seu isolamento perante o mundo hispano-americano e,
principalmente, ao avanço do processo de colonização européia na Äsia e na África, a diplomacia
brasileira fez uma opção por afinar-se com a doutrina Monroe. No final deste século é chegado o
momento de rever esta posição. A atual situação prevalecente, em todos os contextos, dos EUA,
infelizmente, retirou da doutrina Monroe todo o seu vigor, transformando-a, agora, para nós, em
uma exclusiva ação de dominação. Em paralelo, recolocam-se as posições de Bolívar, como o
espaço de sustentação de uma articulação defensiva. Para quem pode se deslocar pelos dois lados de
uma moeda, pendular é obrigatório, a cara tem de se fazer coroa e a coroa tem de se fazer cara, por
mais forte que seja a coroa e por mais fraca que seja a cara.
Este movimento, para se fazer completo, tem de dar ao Brasil a liderança do processo e fazê-
lo se deslocar da posição de terceiro interessado, que sempre teve como América Portuguesa, na
disputa entre o Pan-americanismo, criatura dos saxões e o Hispanamericanismo, criatura espanhola,
para a condução de um movimento novo, o Sulamericanismo, que deve ter seu início na cooperação
sul-americana. Antropologicamente, este reposicionamento tem características facilitadoras, já que

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é inegável a maior proximidade cultural da América Portuguesa à América Espanhola em relação à
América Anglo-Saxã.
Na verdade, o Brasil foi, é e será um terceiro interessado posto na América. Esta posição
tem de ser entendida e aproveitada, devendo ser a base de suporte da nossa estratégia nacional.
3.2.2. COMPONENTES GEOGRÁFICOS
O Brasil é um reflexo menor do subcontinente que lhe abriga a América do Sul, projetado em
seu oeste e voltado para um dos dois oceanos que cercam o subcontinente: o Oceano Atlântico.
Daremos atenção ao subcontinente nesta análise. Esta atenção decorre da apontada
capacidade de polarização no subcontinente que o Brasil detém. A América do Sul tem mais de
10.000 anos de história, contudo, a mudança que os ibéricos trouxeram, reduziram seu período de
análise histórica para só 500 anos. Nestes cinco séculos, a América do Sul foi um espaço geográfico
que se constitui na periferia da construção do capitalismo. Bem mais caracterizada como ibérica do
que latina, como coloca CASTRO(1992), contrastando com o setor anglo-saxônico da parte norte
do continente, cortada pelo equador e trópico de capricórnio, a posição geográfica da América do
Sul lhe confere, a grosso modo, a categoria de continente do hemisfério sul.
Tendo a forma triangular, o setor mais largo do continente se concentra na zona equatorial
terrestre; estreitando-se ao atingir a faixa temperada para afunilar-se no vértice meridional
defrontando-se com o continente que abriga o pólo sul: a Antártica. Advindo desta posição
geográfica encontrarem-se nos dois extremos do continente áreas menos favoráveis ao
estabelecimento humano: o norte quente e chuvoso e o sul frio e estéril. Contraste que se equilibra
no setor das baixas latitudes, onde a população para evitar as temperaturas mais quentes,
notadamente dos países banhados pelo Oceano Pacífico deu preferência às zonas de maior altitude
da Cordilheira dos Andes. Em contrapartida, os países banhados pelo Oceano Atlântico que
contacta o subcontinente com as massas terrestres da América do Norte, da Europa e da África têm
seus principais centros demográficos no litoral, fazendo do Brasil, o mais populoso centro do
conjunto. Tal fato resultou da oposição entre as duas vertentes oceânicas do subcontinente, que só
uma intervenção ampla de infra-estruturação do continente poderá vencer. Estas vertentes são:
• a do Pacífico, “mar solitário”, de navegação extensiva, com feixes de circulação bem mais
regional;
• a do Atlântico de navegação intensiva com feixe de circulação intercontinental.
Pela oposição das duas vertentes oceânicas implantaram-se áreas geopolíticas neutras que por
sua posição no interior do subcontinente predispuseram os países sul-americanos a uma dissociação
econômica e psicossocial, vivendo de costas uns para os outros. Romper com essa dissociação é o
nosso primeiro objetivo estratégico.

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Sabe-se que as massas continentais se distribuem no Hemisfério Norte formando um
grupamento em semi-círculo centrado no Pólo Norte, a América do Sul se posiciona no Hemisfério
Meridional no qual a Antártica se constitui no território mais considerável da metade inferior do
Planeta. O Brasil e a América do Sul encontram-se perifericamente posicionados na geografia
mundial.
A América do Norte se orienta mais para o quadrante oeste, enquanto a América do Sul
oferece exemplo típico de desvio continental para o leste; assim, o meridiano de Lima, cidade na
esfera do Pacífico-Sul passa por Washington na dependência do Atlântico-Norte. Esse entorse
continental caracteriza a América do Sul também como América do Leste criando a zona de
estrangulamento do Atlântico, levando Recife a distar somente 18 graus de longitude de Dakar e 10
graus de Cabo Verde, a terra mais ocidental da África.
Considerando-se o meridiano de zero graus de Greenwich toda a massa continental americana
se concentra no Hemisfério Ocidental entre os 36 graus do Cabo Branco no nordeste brasileiro aos
160 graus do Cabo Príncipe de Gales na Alaska. Nesse posicionamento observa-se que a América
do Sul está bem mais isolada pelo Oceano Pacífico encontrando-se a grande distância da Austrália,
que com ela se defronta numa linha leste-oeste, no setor do chamado Crescente Externo Insular.
Toda esta análise geográfica convalida a observação de que o subcontinente da América do Sul
encontra-se geograficamente afastado dos grandes fluxos de comércio internacionais que se
processam nas massas continentais do semicírculo que se articula ao redor do Pólo Norte.
Envolvendo-se em duas vertentes oceânicas, o continente sul-americano caracteriza-se por
duas zonas longitudinais:
• a primeira é formada pelos Andes cadeia de montanha prolongando-se de norte para sul por
mais de 7.000 km, formando verdadeira barreira ao longo do Oceano Pacífico levando a América
do Sul a voltar-se bem mais para o Atlântico em seu espaço civilizatório.
• a segunda é constituída por três planaltos, Guianas, Central ou Brasileiro e Patagônia e por
três planícies, Orenoco, Amazônica e Platina e que se intercalam e são estruturalmente articulados
ao Atlântico.
Nos Andes, o sistema de ligação entre as duas vertentes oceânicas é precário e se encontra nos
passos e nós. Os passos, passagens naturais, nos colos das montanhas, possibilitam o contacto entre
as duas vertentes. Esses acidentes geográficos andinos mais importantes estão no sul: o de Upasllata
entre a Argentina/Chile é aproveitado pela única transcontinental do continente entre Buenos
Aires/Valparaíso; o de Santa Rosa leva o sistema ferroviário boliviano até Árica no Chile. Enquanto
Upasllata une as duas vertentes oceânicas, o de Santa Rosa só o fará quando se complementar como
veremos adiante, o trecho Santa Cruz de la Sierra já conectada com Santos no Atlântico e
Cochabamba. Os nós ou “nudos” apresentam-se sob a forma de planaltos circundando um alto pico;

lxxvi
enfeixando várias ramificações andinas são centro de dispersão de águas em linhas de menor
resistência do terreno, acima dos 3.000 metros de altitude entre 5º e 15º de latitude sul. A
importância funcional desses acidentes geográficos relacionados ao Atlântico se concentra na
posição que ocupam no anfiteatro amazônico. O nó de Pasto na Colômbia e o de Loja no Equador
se direcionam para os vales do Putumáio e Marañon respectivamente aguardando vias hidrográficas
de acesso ao Atlântico ainda por se desenvolverem. Já o nó de Cerro Pasco no Peru se divide entre
os vales amazônicos do Marañon e Purus; enquanto que o de Vilcanota ou de Cuzco prolonga o de
Pasco na direção do Madeira.
As planícies Amazônica, do Orenoco e Platina são servidas por redes hidrográficas que levam
a América do Sul a se voltarem para o Atlântico do qual são tributárias. Buscam também o
Atlântico, declinando para ele, os planaltos das Guianas e da Patagônia. A Bacia Amazônica se
constitui numa sub-região de conexão entre duas áreas de importância geoestratégica - a do Caribe e
a do altiplano boliviano, considerando este último uma espécie de “heartland” do continente. Em
conseqüência, quando melhor aproveitada a Bacia Amazônica, com a integração destes dois
espaços, melhor a possibilidade de incorporação daquele amplo espaço ao processo civilizatório.
Já o Planalto Brasileiro pende para o interior, buscando ainda o norte e o sul. Por sua
disposição esse planalto demonstra vocação continental de enlace entre as bacias Amazônica e
Platina. Por sua posição e configuração, envolvendo o centro geográfico do continente, o Planalto
Brasileiro favoreceu a penetração para o oeste, permitindo que os portugueses, detentores de núcleo
geohistórico a beira do Atlântico, conquistassem vasto “hinterland” da América do Sul.
Conclui-se, desta análise que a unidade andina contribuiu, de início, para a implantação de
um único estabelecimento colonial - o espanhol, estendendo-se de norte para o sul, na vertente
isolada do Pacífico. Ainda, no Pacífico, sem nenhuma grande bacia hidrográfica, com litoral pobre
em opções, em grande parte desvinculado do interior, é pelos nós e passos que projeta-se o processo
de ocupação na sua caminhada para uma associação com o Atlântico. Esta vocação geopolítica de
atração do Atlântico se atesta pela presença de importantes bacias hidrográficas, associadas às
articulações litorâneas onde o relevo mais baixo favorece intensa vinculação com o “hinterland”. A
variedade na vertente mais disputada do Atlântico favoreceu a implantação de vários
estabelecimentos coloniais - o espanhol, o português, o inglês, o holandês e o francês e dentre estes,
prevaleceu pelo seu tamanho o português: o Brasil;
Esta análise indica, também, a existência primitiva de um dualismo sul-americano e não uma
dualidade de opostos. Há uma atração natural. Este dualismo se dá entre espanhóis e portugueses.
Contribuiu também para o dualismo geopolítico sul-americano o Tratado de Tordesilhas (1494)
seccionando, como fronteira esboçada as duas grandes vias de penetração continental:

lxxvii
• entregando a foz do Prata aos espanhóis, proporcionou-lhes maiores oportunidades para a
expansão pelos Pampas e Chaco.
• concedendo a embocadura do Amazonas aos portugueses, coincidentemente o seu setor sul,
o melhor braço para a navegação, permitiu que os lusos se apossassem daquela planície setentrional.
Facilitada a penetração espanhola ao sul e a portuguesa ao norte, o continente sul-americano
foi induzido, embora indiretamente, a uma bipartição aproximada: 8.500.000 km2 para os
portugueses ( o Brasil) e 9.300.000 km2 para os espanhóis. Caberia aos Andes e federalismo
castelhano impor o cantonalismo geopolítico a América Espanhola gerando-lhe vários núcleos
geohistóricos dividindo-a, posteriormente em várias repúblicas. Por outro lado o relevo mais baixo
e centralização do Reino Português confirmariam o unilateralismo do Brasil com um único núcleo
geohistórico. O fator fisiopolítico justifica, a superioridade territorial do Brasil no conjunto sul-
americano, já que a Argentina que o segue em área, atinge apenas a terça parte da superfície
brasileira.
O espaço português posicionado em longa faixa atlântica, mais próxima da África e Europa
contou com a vantagem dentro do contexto econômico, colocando o Brasil em maior contacto com
Portugal; dentro do enfoque geoestratégico iria se caracterizar como centro de assaltos e tentativas
de fixação por parte de elementos estrangeiros. Do outro lado, no setor do Pacífico, embora
contando com a desvantagem geoeconômica da distância para com a metrópole, face ao isolamento,
ficavam os espanhóis menos expostos aos invasores.
A conquista desordenada e tendência a continentalidade exporia mais a metrópole espanhola
com vasta área de disputa na América com outros vizinhos colonizadores, em especial os anglo-
saxões. Assim a zona de disputa entre os dois iria se estender desde a América do Norte até a
América do Sul.
O Brasil é como foi dito a América Portuguesa. Ocupando quase a metade do espaço
territorial sul-americano - 47.3%, posiciona-se o Brasil na larga porção oriental do Atlântico Sul. O
nosso total de fronteiras (23.086 km) se reparte entre os 15.719 km de limites terrestres e 7.367 km
de litoral. O Brasil detém, portanto, uma continentalidade e uma maritimidade. No conjunto
brasileiro 18% da extensão territorial são formados pela faixa de 250 km que acompanha o litoral,
42% se encontram entre os 250 km e 1.000 km da orla litorânea, enquanto os restantes 40% estão
além dos 1.000 km. Tais porcentagens comprovam ser o Brasil país do tipo marítimo, associando-o
ainda ao tipo continental pela presença no continente sul americano, caracterizando-o como
múltiplo vetor. Articula-se o Brasil, grosso modo, com os Andes, de onde recebe o empuxo das
forças continentais, bem como com as duas grandes bacias fluviais - a Amazônia e a Platina-
tributárias do Atlântico e eixos viários de penetração no hinterland.
3.2.3 COMPONENTES ECONÔMICOS

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Em termos econômicos, antes de tudo, há uma constatação, a visão liberal sempre nos
vulnerabilizou, tanto o Brasil, como a América do Sul, dado as relações assimétricas de poder, que
esta visão maximiza, com a América anglo-saxã. O aceite da antiga idéia das vantagens
comparativas, ou de sua forma moderna: a integração competitiva no mercado mundial, nos
colocará, sempre, caudatariamente, na dinâmica da economia mundial.
É bem verdade que houve, a partir da segunda década do século XX, a formatação, no
subcontinente sul-americano, de um discurso para o seu desenvolvimento. A base deste discurso se
fundava, na década de 20, na contestação da dominação européia e anglo-saxã e teve diferentes
matizes, desde o tenentismo, no Brasil, até o pensamento de Haya de la Torre, no Peru. Com o
passar do tempo, esta contestação transformou-se num desejo de mudanças, articulado pelas idéias
de SOMBART(1928) , MANOILESCU(1931) e PERROUX(1933) e transfigurou-se no discurso
estruturalista da CEPAL, de PREBISCH(1948) e de FURTADO(1950). Contudo, de 30 anos para
cá, articulou-se submissamente na teoria da dependência e submeteu-se ao neoliberalismo e ao
domínio de uma postura que abjura os movimentos sociais.
Tudo isto conduziu a que diferentemente, do que se tem dito, a economia brasileira, assim
como toda a sul-americana se tornasse vastamente internacionalizada, ou seja, o Brasil e os demais
países da América do Sul são economias abertas ao mundo.
O Brasil, por exemplo, é um país relativamente importante como receptor de capital
estrangeiro. O Estado brasileiro sempre apresentou atitude favorável ao capital estrangeiro, o que,
aliado ao tamanho do mercado doméstico, tem contribuído para a grande penetração do capital
estrangeiro. Isto se magnificou com a política de abertura da década de 90. Estima-se que, 45% da
indústria no Brasil seja, hoje, de propriedade do capital estrangeiro, notadamente de empresas
transnacionais.
Ao longo da década de 80, o Brasil diminuiu a capacidade atrativa sobre investimentos
externos diretos, quando comparada à de outros países, em especial, os países desenvolvidos. A
principal razão desta queda estava na deterioração da situação econômica do país e não nas
restrições, como afirmaram, que o capital estrangeiro teria sofrido, notadamente na última
Constituição Brasileira. Mas, a diferenciação que existia entre empresas de capital brasileiro e
empresa de capital estrangeiro, desagradou psicologicamente aos investidores externos e foi
removida o que provocou com a estabilização inicial do real um fluxo representativo de
investimentos externos no Brasil, majoritariamente, na compra de ativos, entre 1994 e 1998. Com a
deterioração das condições macroeconômicas estrangulou-se este fluxo externo, o que vem a
corroborar a tese que o ingresso de capital estrangeiro no Brasil decorre muito mais do acerto de
políticas econômicas do que as condições que são impostas a esses capitais. É fácil ver a
determinante alocativa do processo quando lembramos que, enquanto na década de 70 o PIB “per

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capita” do Brasil crescia à taxa média anual de 5,7% a.a. (2,5 vezes superior à taxa média do
conjunto dos países desenvolvidos), na década de 80, o PIB “per capita” do Brasil estagnou,
enquanto países desenvolvidos apresentavam taxas crescentes. O capital externo, como é sabido, só
se desloca no sentido de economias que caminham bem. Por isso, de novo, ao final da década de 90,
surge os sinais de nova debandada de capitais externos, não só os chamados voláteis, como o
Governo Brasileiro quis e quer fazer crer, mas, também, o de investimentos de longo prazo, em
decorrência de mau desempenho dos indicadores econômicos.
O ingresso havido de capital estrangeiro em investimentos, entre 1994 e 1998, é, hoje, uma
séria ameaça, dado o seu montante, ao bom desempenho futuro da economia brasileira, na medida
que esta está submetida a mais um constrangimento: terá de repatriar os ganhos crescentes auferidos
pelos capitais estrangeiros.
É interessante observar que as empresas dos países componentes da União Européia
realizaram, no Brasil, e nos países do MERCOSUL, investimentos externos diretos em montantes
superiores aos das empresas norte-americanas. Nos demais países da América do Sul os países da
União Européia não detêm o mesmo predomínio.
Outro fato marcador de reflexão é o discurso corrente e dominante de que a economia
brasileira precisa abrir-se à competição internacional. Este discurso se apóia no que afirmam ser um
baixo grau de abertura da economia brasileira. É evidente que, não será com Singapura (país de
diminuta extensão territorial) ou com a Birmânia (país com razoável território, contudo, periférico)
que se pode comparar o Brasil quanto ao grau de abertura ao exterior. Comparação, só, faz sentido,
entre coisas comparáveis. A comparação, entre países, requer a aplicação de conceitos geopolíticos,
avaliação das relações reais e fictícias de dominação e exige também conhecimentos sobre
configuração produtiva, recursos naturais, proximidade geográfica dos fluxos de comércio, nível
cultural da população, preferências, e etc
Cabe registrar que o Brasil, desde 1985, tem sido incapaz de fazer uma reorientação que
favoreça seu comércio exterior fora do espaço da América do Sul. A causa reside nos sucessivos e
fracassados planos de estabilização macroeconômica e , em muito, de sua posição vulnerabilizada
nas relações de troca, decorrente de um esforço para honrar débitos impagáveis, nas condições que
se põem para o Brasil. O mesmo se aplica para todos os demais países da América do Sul
Após o real a sobrevalorização desta moeda tem impedido maiores avanços no campo
externo. Esses fracassos e a recente sobrevalorização impossibilitaram a realização dos
investimentos que conduziriam à maior produtividade e à aceleração do progresso tecnológico.
Mas, reside, também, numa relação cambial, sucessivas vezes, distorcida. Está evidente que, como
conseqüência de tudo isto, aumentou o diferencial de produtividade e o "gap" tecnológico que o
Brasil já ostentava, em 1980. em relação aos competidores, no mercado internacional.. Tudo isto

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coonesta a afirmativa de que o Brasil deve fugir aos ditames de uma política econômica liberal.
Tudo isto defende uma presença clara do Estado na economia.

3.3 A PROPOSTA DE ESTRATÉGIA NACIONAL


O Brasil é o principal Estado Nacional do Hemisfério Sul. A busca a mundialização, que é o
objetivo maior da estratégia nacional do Brasil, tem de ter sua gênese no Hemisfério Sul. O Brasil,
geograficamente, detém duas propriedades: a continentalidade e a maritimidade. Destas colocações
resulta o primeiro principio da estratégia nacional do Brasil: a estruturação de um espaço de
prevalência da mundialização no Hemisfério Sul, que observe as características de continentalidade
e de maritimidade do Brasil.. O segundo princípio é a extensão deste espaço estruturado a todo
Hemisfério Norte.
O detalhamento sugerido do primeiro princípio é:
i) O aproveitamento da continentalidade mediante a formatação de um processo de
cooperação sul-americana, em torno de um Megaestado, aproveitando as componentes estruturais já
apontadas, como instrumento de organização do processo de mundialização;
ii) O aproveitamento da maritimidade como instrumento de dominação do espaço marítimo
do Atlântico Sul e condução do processo de mundialização ao Golfo da Guiné e costa ocidental da
África.
iii)A criação de uma nova maritimidade a vinculada ao Oceano Pacífico que conduza a
mundialização à Nova Zelândia a Austrália e a costa oriental da África.
O detalhamento do segundo princípio pressupõe a montagem de parcerias estratégicas e
alianças com potências do Hemisfério Norte para a penetração da mundialização neste espaço e será
fruto das circunstâncias conjunturais do balanço de poder neste Hemisfério. Contudo, está claro que
a hegemonia completa de uma potência no Hemisfério Norte não é de interesse de nossa estratégia
nacional, devendo todo o movimento pretendido considerar o apoio à contestação a essa possível
hegemonia.
Neste trabalho, dada a complexidade da tarefa a ser empreendida na montagem de uma
completa estratégia nacional, nos ateremos ao seu primeiro passo: o aproveitamento da
continentalidade do Brasil, mediante a formatação de um processo de cooperação sul-americana.
Contudo, qualquer estratégia nacional só será possível se houver dentro de si um
voluntarismo racional que seja capaz de contestar a ordem internacional.

CAPÍTULO IV
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O PRIMEIRO PASSO DA ESTRATÉGIA NACIONAL:
O MERCOSUL
O MERCOSUL é o início do aproveitamento da continentalidade, mediante a formatação de
um processo de cooperação, na parte sul do América do Sul. Foi, portanto, o primeiro passo da
estratégia nacional. Neste capítulo busca-se apresentar o MERCOSUL, sua repercussão no quadro
econômico mundial, seus desdobramentos, sua importância na concepção estratégica dos países
sócios, seus resultados e seus efeitos.
O texto, que se segue, apresenta as linhas gerais do processo de integração no MERCOSUL.
Inicialmente, são apresentados os antecedentes do Tratado de Assunção e, em seguida, os objetivos,
mecanismos e instituições voltadas para o projeto integracionista. Posteriormente, faz-se um breve
contraponto entre o MERCOSUL, o Nafta e a União Européia.
Mais adiante, discutem-se os principais balizadores do funcionamento do bloco - tarifa
externa comum, regras de origem, institucionalidade, etc. e as questões existentes para a formação
do mercado comum.
Analisa-se, em seguida, a evolução de intercâmbio entre os países do MERCOSUL, em
especial, as conseqüências recentes das medidas restritivas ao comércio tomadas pelo Brasil e
Argentina.
Está claro que o MERCOSUL, no médio prazo, transformar-se-á em instrumento de
alavancagem crescente dos mercados existentes no Cone Sul do continente sul-americano, servindo,
inclusive, para dar mais transparência e rigidez às transações econômicas que ali se processam.

4.1. UM BREVE HISTÓRICO DO MERCOSUL


A idéia de promover um maior intercâmbio intra-regional no âmbito dos países do Cone Sul
é muito antiga. A idéia já era apresentada no contexto dos trabalhos da CEPAL sobre as razões do
atraso econômico dos países latino-americanos. Na década de 50, a integração regional e uma
política industrial norteada pelo processo de substituição de importações constituíam os elementos
propostos por técnicos dessa importante organização para assegurar uma inserção mais favorável da
América Latina no comércio internacional.
A proposta cepalina era de que se procedesse a uma diversificação da pauta de exportações,
tentando-se incluir produtos mais elaborados. Dado que esses produtos não conseguiriam, num
primeiro momento, concorrer com os similares fabricados pelos países industrializados, a saída
seria o desenvolvimento não só do mercado doméstico, mas do comércio intra-regional.
A operacionalização dessas idéias ocorreu com a criação da Associação Latino-Americana
de Livre Comércio (ALALC), em 1960, mais tarde denominada Associação Latino-Americana de

lxxxii
Integração (ALADI). Este foro criou a base institucional para a ampliação do comércio entre os
países membros, apesar de enfrentar inúmeros problemas, fruto não só da inexperiência dos
processos de integração, mas, principalmente, de divergências comerciais.
A ALALC apresentou um grande dinamismo até a década de setenta. O desagravamento
tarifário dos produtos tradicionalmente comercializados pelos países da região permitiu uma rápida
expansão do comércio regional. Entre 1961 e 1978, o comércio entre os países latino-americanos
passou de US$ 250 milhões para US$ 3,3 bilhões, o que demonstra o relativo sucesso das teses que
levaram à criação da ALALC.
Entretanto, à medida que iam se abrindo novas concessões para outros produtos com menor grau de
complementaridade econômica, as negociações foram se tornando mais difíceis, restringindo o
processo pretendido de integração.
Com o sucesso da experiência do processo de integração do Mercado Comum Europeu,
criavam-se novas vias de desenvolvimento intra-regional e, dentro deste novo contexto, surgiu a
idéia de reestruturação do foro regional. No âmbito dessa idéia, passou-se a dar um enfoque mais
pragmático à integração, observando-se, particularmente, as disparidades existentes entre os países
membros. Em 1980, foi, então, criada a ALADI, formada pelos seguintes países: Argentina, Brasil,
Colômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Esta relação de países é
importante, pois este é o espaço natural para a evolução do processo de integração.
A partir da criação da ALADI, o processo de integração econômica tornou-se mais flexível.
A meta passou a ser estabelecer, de forma gradual e progressiva, um mercado comum para a região,
não mais a partir da criação de uma zona de livre comércio com base na cláusula de nação mais
favorecida, mas por meio de acordos bilaterais, que não eram extensivos automaticamente aos
demais países-membros. A partir desses acordos bilaterais montar-se-iam acordos regionais mais
complexos, que, finalmente, levariam à formação de um mercado comum latino-americano.
Os passos iniciais para a integração do Cone Sul seguiram essa idéia e foram dados pelos
Presidentes Sarney e Alfonsin que, com a Declaração de Iguaçu, de 1985, criaram uma Comissão
Mista para estudar modalidades de integração econômica entre Brasil e Argentina. Os trabalhos
dessa Comissão conduziram à primeira fase de instrumentalização, com a assinatura, em 1986, da
Ata para a Integração Argentino-Brasileira, que instituiu o Programa de Integração e Cooperação
Econômica (PICE). O objetivo do PICE foi propiciar um espaço econômico comum, mediante a
abertura seletiva e o estímulo à complementação de setores da economia dos dois países. Nessa
fase, foram assinados 24 protocolos em áreas diversas (bens de capital, trigo, biotecnologia,
cooperação nuclear, siderurgia, indústria automotiva, etc.).
Os resultados iniciais superaram as expectativas e serviram para quebrar os argumentos, do
lado argentino, que o acordo viria a atender somente interesses brasileiros. Enquanto o intercâmbio

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total entre o Brasil e a Argentina estava em uma média anual de 9% da pauta, entre 1980 e 1985, no
qüinqüênio seguinte, entre 1986 e 1990, essa média havia subido para 15%.
Se, na prática, os protocolos firmados em 1986, entre Argentina e Brasil, não foram
suficientes para harmonizar suas políticas econômicas, serviram, ao menos, para gerar uma nova
realidade política, que passou a marcar a relação entre os dois países a partir de então. A antiga
rivalidade foi substituída por um ambiente de harmonia e cooperação.
A segunda fase do processo ocorreu em 1988, quando ambos os países, Brasil e Argentina,
manifestaram desejo de remover, num prazo máximo de dez anos, todos os obstáculos tarifários,
através do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento que firmaram. Este tratado
objetivava retirar os obstáculos existentes, de caráter tarifário e não-tarifário, que existiam no
comércio de ambos os países, no prazo de até dez anos, mediante a negociação de protocolos
adicionais ao Acordo de Alcance Parcial de Renegociação das Preferências, outorgado no período
1962 a 1980 (AAP-1). Paralelamente, se procederia a uma gradual harmonização de políticas
internas (aduaneira, comercial, de transportes, de energia, de comunicações, científica e
tecnológica, etc.) necessárias para a formação de um mercado comum. O processo de integração
viria a sofrer novo impulso em 1989 e 1990. A integração foi ampliada e acelerada, tendo sofrido
uma alteração significativa em sua forma de governo, nos dois países, que mais receptivos ao
chamado ideário neo-liberal, tomaram a decisão, mais ou menos simultânea, de promover uma
maior abertura das duas economias. Em 1990, foi assinada a Ata de Buenos Aires, que estabelecia a
formação de um mercado comum (e não mais uma simples zona de livre comércio) até 31.12.94 e
substituía a integração seletiva e setorial, baseada em negociações produto a produto, por um
processo de redução linear, generalizada e automática das tarifas alfandegárias, a cada seis meses.
Instituía também um sistema de eliminação progressiva das listas de produtos que ficariam de fora
da liberalização e dava prioridade à harmonização de políticas macroeconômicas. No mesmo ano,
foi criado o Grupo Mercado Comum e assinado o Tratado para o Estabelecimento de um Estatuto
das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas.
Em 1991, o Uruguai e o Paraguai incorporaram-se às negociações, sendo assinado o Tratado
de Assunção, através do qual os quatro países firmaram o compromisso de constituir o Mercado
Comum do Sul, o MERCOSUL, no mesmo prazo fixado pelo programa bilateral Brasil-Argentina.
Naquela época, o Chile, que também discutia a sua participação no acordo, resolveu retirar-se das
negociações por considerar que, antes da integração, os outros países deveriam reduzir as suas
tarifas aos níveis que ele praticava e por achar necessária uma harmonização prévia das políticas
econômicas.
Em 1º de janeiro de 1995, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai deram um passo decisivo
em seu processo de integração econômica, no âmbito do MERCOSUL, com a formação de uma

lxxxiv
zona de livre comércio e de uma união aduaneira parcial. ( Chama-se de zona de livre comércio o
espaço econômico formado por dois ou mais países, em que são eliminados direitos alfandegários e
outras restrições comerciais em relação às importações originárias de parceiros do acordo. Em uma
união aduaneira, os países membros adotam adicionalmente políticas comerciais comuns para os
produtos provenientes de terceiros países. O mercado comum, por sua vez, pressupõe as duas
formas de integração anteriores mais a livre movimentação de serviços e fatores produtivos- capital
e trabalho -. No caso do MERCOSUL, inicialmente, a união aduaneira será parcial, já que alguns
produtos ficarão provisoriamente fora da Tarifa Externa Comum- TEC-.)

4.2. CARACTERIZAÇÃO DO MERCOSUL E SEUS OBJETIVOS


De acordo com o Tratado de Assunção, o MERCOSUL será, quando plenamente
constituído, um mercado comum entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, com a livre circulação
de bens, serviços e fatores produtivos, formado, através:
a) de um programa de liberalização comercial, baseado em reduções tarifárias
progressivas, lineares e automáticas, e na eliminação de restrições comerciais de qualquer natureza,
com a zeragem das tarifas para o comércio intra-regional;
b) da coordenação gradual das políticas macroeconômicas e setoriais;
c) do estabelecimento de um sistema tarifário e políticas comerciais comuns, que
conduzam ao aumento da produtividade dos quatro países;
d) da adoção de acordos setoriais;
e) da fixação, durante a constituição do mercado comum, de um regime geral de
origem, de cláusulas comuns de salvaguarda e de um sistema provisório de solução de
controvérsias;
f) da harmonização legislativa em áreas pertinentes.
A implementação do acordo ficou a cargo de dois órgãos de caráter provisório: o Conselho
do Mercado Comum (CMC) e o Grupo Mercado Comum (GMC). Estes órgãos foram mantidos ao
se definir a estrutura institucional permanente do MERCOSUL, no final de 1994. O Conselho foi
definido como o órgão superior de encaminhamento político do processo de integração, sendo
formado pelos Ministros de Economia e de Relações Exteriores dos quatro países. Ao GMC foram
atribuídas funções de órgão executivo do Tratado de Assunção, sendo composto por quatro
representantes de cada país, vinculados aos Bancos Centrais e Ministérios da Economia e de
Relações Exteriores. O GMC ficou responsável pela adoção das medidas necessárias à
implementação das decisões do Conselho, pela cooperação macroeconômica e pelo estabelecimento
do cronograma preliminar de atividades, válido até a assinatura de Tratado definitivo.

lxxxv
Foram constituídos 11 subgrupos técnicos (SGT), subordinados ao GMC. Esses subgrupos,
a seguir listados, tiveram sua agenda de trabalho fixada pelo cronograma de Las Leñas, de junho de
1992:
SGT- 1= Assuntos Comerciais
SGT- 2= Assuntos Aduaneiros
SGT- 3= Normas Técnicas
SGT- 4= Política Fiscal e Monetária
SGT- 5= Transporte Terrestre
SGT- 6= Transporte Marítimo
SGT- 7= Política Industrial e Tecnológica
SGT- 8= Política Agrícola
SGT- 9= Política Energética
SGT-10= Coordenação de Políticas Macroeconômicas
SGT-11= Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social
Além dessas atividades, estabeleceu-se que questões vinculadas a aspectos culturais e sociais
do processo de integração mereceriam reuniões ministeriais específicas e reuniões especializadas.
Estabeleceu-se, também, a participação conjunta e combinada, no âmbito do MERCOSUL, em
reuniões que visassem a cooperação técnica com organismos intragovernamentais extra-zona e
multilaterais.

4.3- POLARIZAÇÃO E SUBPOLARIZAÇÃO:


O MERCOSUL, O NAFTA E A UNIÃO EUROPÉIA
A modificação recente do equilíbrio de poder a nível mundial pela queda do Muro de
Berlim, a ruptura física da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, está provocando um
reordenamento econômico a nível mundial que deve ser conceituado como uma polarização. Das
alternativas previsíveis (unipolaridade ou multipolaridade), cada vez mais, do ponto de vista
econômico, o mundo se organiza, como foi visto anteriormente, como um mundo multipolar. Os
pólos de aglutinação deste mundo são, os EUA, o Japão e a Alemanha. O NAFTA é a
materialização física da aglutinação em torno dos EUA. A União Européia, em torno da Alemanha.
E o conjunto de países recém industrializados da Ásia, o chamado Complexo Asiático, em torno do
Japão.
A posição geográfica dos países do MERCOSUL os posiciona numa situação singular pois,
em decorrência de sua periferia em relação às rotas de comércio mundial, como já foi colocado,
conseguem formatar o MERCOSUL como uma subpolarização.

lxxxvi
Estruturalmente, o MERCOSUL está muito mais próximo da formulação do projeto da
União Européia - que segue linhas com tendências integracionistas, bem próximas do conceito de
"Zollverein" - do que da visão livre-cambista expressamente exposta no programa do NAFTA.
Existe, contudo, um distanciamento histórico entre a criação da Comunidade Econômica
Européia (CEE), origem da União Européia, que se explicitou na segunda metade dos anos 50, e a
criação do MERCOSUL. Este distanciamento histórico conduziu a conjunturas diversas no
nascedouro da União Européia e do MERCOSUL. Esta última comunidade de nações está surgindo
em uma ambiência onde predomina a ótica neo-liberal no trato das questões econômicas,
conduzindo a uma crescente abertura comercial das economias envolvidas e a alterações
significativas nas regras multilaterais de comércio.
Há uma diferença central entre o NAFTA e a União Européia. O NAFTA é simplesmente
um espaço de "comércio administrado", que será construído no âmbito dos Estados Unidos, do
Canadá e do México, em 15 anos. O NAFTA não estabelece a unificação alfandegária, a
coordenação de políticas macroeconômicas ou a constituição de entidades comunitárias. O NAFTA
se restringe a estabelecer regras para liberação comercial, normatiza gestões como investimento,
serviços, propriedade intelectual e funcionamento do mercado de trabalho. Já a União Européia
constitui o mais profundo projeto de integração do mundo e estabelece que, além da livre
movimentação de bens, serviços, capital e trabalho, deverá haver, entre os Estados-membros, uma
harmonização em suas políticas macroeconômicas e setoriais e a adoção de uma moeda comum, até
o final do século XX. Na União Européia, restringe-se a soberania dos países-membros em prol de
instituições comunitárias, sendo a principal delas a Comissão Européia - órgão executivo
supranacional.
O MERCOSUL encontra-se bem próximo ao estabelecido nos primórdios da União
Européia, antes da assinatura do Tratado de Roma, em 1957. O Tratado de Assunção não prevê
nenhum procedimento de caráter comunitário, nem a constituição de nenhuma organização
supranacional dotada de personalidade jurídica própria. Algo que também não está explicado é a
unificação monetária, embora as reformas econômicas, que instituíram o austral na Argentina e o
real no Brasil, pareciam indicar a busca de uma paridade entre as moedas dos dois países líderes do
MERCOSUL e uma possível unificação monetária.
Fica, portanto, claro que os atos que geraram e gerenciam o MERCOSUL constituem atos
das partes-contratantes e não instrumentos de uma comunidade. Como conseqüência, as decisões
tomadas no âmbito do MERCOSUL não são auto-aplicáveis, como hoje ocorre com a União
Européia, necessitando de legislação interna para serem cumpridas por parte dos signatários. Ainda
assim, há exceções a este conceito, como o programa de liberalização comercial, estabelecido em
1991, que levou os quatro países do MERCOSUL a perderem parcela de sua soberania ao se

lxxxvii
integrarem, sendo reduzida a discricionariedade e, conseqüentemente, a capacidade destes de
proteger a produção doméstica.
Outro aspecto que merece destaque na comparação entre os três blocos considerados diz
respeito à maior ou menor heterogeneidade social, econômica e demográfica entre os países
associados. Nesse aspecto, o MERCOSUL está mais próximo do NAFTA, primeiro projeto de
integração a envolver, desde o seu início, países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os Estados
Unidos e o Canadá possuem uma renda per capita média de US$ 22 mil e um custo salarial médio
entre de US$ 20 e US$ 22 a hora; o México possui um produto por habitante inferior a US$ 4 mil e
um custo de mão-de-obra que não alcança US$ 2,5 a hora. Além disso, os Estados Unidos sozinhos
respondem por 87% do produto global do bloco, estimado em US$ 8,3 trilhões em 1998, e por 68%
da população, de aproximadamente 377 milhões de pessoas.
A União Européia, por sua vez, alcançou um produto global de US$ 7,7 trilhões e uma
população de 364 milhões de pessoas em 1998, ano em que o PNB da Alemanha, o maior Estado -
parte do bloco, respondeu por 27% do produto total do bloco. Ainda que atualmente a UE possa ser
dividida em dois grupos de países - de um lado, países ricos e relativamente homogêneos e, de
outro, países pobres, como Espanha, Irlanda, Grécia e Portugal - na época da criação da
Comunidade Econômica Européia, o grau de desenvolvimento dos países-membros era similar.
Já o MERCOSUL é um mercado formado por mais de 200 milhões de pessoas, com um
produto global de aproximadamente US$ 1,1 trilhão a preços correntes (estimativas para 1998).
Enquanto o Brasil responde por mais de 75% do PIB do bloco, a participação do Paraguai é inferior
a 1,5%. O primeiro possui uma estrutura produtiva complexa e diversificada, ao passo que o
segundo é um país eminentemente rural, onde a agricultura contribui com mais de 30% do produto.

4.4 TRAFEGANDO PARA O MERCADO COMUM


Este item destina-se a explicar o processo de concepção e formatação do MERCOSUL.
Serão apresentadas a seguir um conjunto de informações que explicitam os pontos mais relevantes
da cooperação pretendida e de seus óbices. O ponto de partida para a montagem deste conjunto foi
LIMA REGO(1995a):
4.4.1 ZONA DE LIVRE COMÉRCIO.
Conforme estabelecido pelo programa de desgravação tarifária automática e linear, fixado
pelo Tratado de Assunção, desde primeiro de janeiro de 1995, quase 100% dos produtos
comercializados entre os países do MERCOSUL estão isentos de tarifas alfandegárias, marcando a
instituição de uma zona de livre-comércio. Aquele programa teve início em meados de 1991,
quando as tarifas de importação para o intercâmbio intrazonal passaram a contar com uma

lxxxviii
preferência (desconto) de 47%. A preferência foi aumentando semestralmente até atingir os 100%
em janeiro de 1995.
Os Estados-partes poderão dispensar um tratamento alfandegário especial para um número
reduzido de produtos, denominado de regime de adequação final à união aduaneira. Somente
poderão gozar desta proteção produtos integrantes das listas de exceções ou submetidos a
salvaguarda. No primeiro caso, o benefício terminará ao final de 1998 para Brasil e Argentina, e em
1999 para Paraguai e Uruguai. Quanto aos produtos submetidos a salvaguardas, a desgravação
linear automática terá como duração quatro anos (Atualmente, apenas a Argentina possui produtos
em regime de salvaguarda. Esse país poderá manter as cotas de importação, agora em vigor, mas
com isenção de tarifas alfandegárias. Os seus produtos da lista de exceções continuam passíveis da
cobrança das taxa de estatística). Da lista brasileira, fazem parte produtos como vinhos, artigos de
lã, derivados de borracha e pêssego em calda.
4.4.2 UNIÃO ADUANEIRA.
As decisões fundamentais quanto à formação de uma união aduaneira foram tomadas em
reuniões realizadas pelo CMC e pelo GMC, no segundo semestre de 1994, quando foram definidas
questões como: a tarifa externa comum (TEC), as regras de origem, o tratamento a ser dado às
zonas francas e a institucionalidade do MERCOSUL.
Na fase decisiva das negociações sobre a união aduaneira (reunião em Buenos Aires, em agosto de
1994), o Uruguai ameaçou se retirar das mesmas. Os uruguaios reivindicavam a manutenção dos
acordos preferenciais que já mantinham com o Brasil (Programa de Expansão Econômica - PEC) e
com a Argentina (Convênio Argentino-Uruguaio de Complementação Econômica - Cauce), que
lhes permitia exportar inúmeros produtos com isenção das tarifas alfandegárias e com um índice de
nacionalização de 50%, além de uma proteção especial para os seus produtos agrícolas. Algumas
concessões decrescentes no tempo foram concedidas, em prol da manutenção do cronograma de
integração. Os principais pontos da união aduaneira são apresentados a seguir.
- TARIFA EXTERNA COMUM - A TEC situa-se entre zero e 20% para aproximadamente
90% do universo tarifário. Para os 10% restantes, produtos integrantes de listas de exceções, os
signatários do Tratado de Assunção aplicarão, inicialmente, tarifas diferentes, mas estas deverão
convergir para uma tarifa externa comum, até os anos de 2001 ou 2006. Dentre estes produtos,
grandes foram as divergências quanto às tarifas a serem adotadas futuramente para bens de capital e
produtos de informática, em razão de as alíquotas brasileiras serem bastante superiores às de seus
parceiros. Para os bens de capital, as tarifas nacionais convergirão linear e automaticamente para
14% até o 2001, podendo ser acordadas posições com níveis inferiores. Para os produtos desse setor
que o Brasil tiver pouco interesse em produzir, as tarifas serão zeradas até aquela data. No caso do
Uruguai e do Paraguai, a convergência se dará até o ano 2006. A maior parte dos bens de

lxxxix
informática e de telecomunicações terá tarifas entre 0 e 12%. Vinte e quatro produtos considerados
mais sensíveis, como microcomputadores, centrais telefônicas e impressoras, estarão sujeitos à
tarifa máxima de 16%, a partir de 2006.
LISTAS DE EXCEÇÕES - As listas de exceções não devem ultrapassar 300 posições
tarifárias da Nomenclatura Comum do MERCOSUL para Brasil, Uruguai e Argentina, incluindo-se
os bens de capital, de informática e de telecomunicações. A lista do Paraguai contará com 399 itens
tarifários, exclusive os bens citados e os produtos com regime de origem de 50%, até 2001 (vide
item a seguir). A data final para a entrega das listas de exceção foi prorrogada até 30 de abril de
1995. Em novembro de 1994, os quatro países divulgaram apenas listas parciais, sendo que a lista
brasileira contava com 233 itens, em sua maior parte produtos alimentícios, químicos,
petroquímicos, petróleo e derivados, madeira e borracha. Com exceção do leite, dos combustíveis e
da borracha, os produtos da lista nacional possuem tarifas inferiores (em torno de 2%) à TEC (cerca
de 10%). Isto se deu porque, em agosto de 1994, o governo brasileiro decidiu antecipar a cobrança
da TEC para vários produtos, em duas etapas. Inicialmente, foram atingidos quase todos os
produtos com alíquotas superiores a 20%, ou seja, aqueles integrantes da lista de exceções nacional,
para os quais a convergência à TEC ocorreria apenas em 2001. Foram excluídos da antecipação
alguns bens de informática e laticínios, esses últimos submetidos a uma tarifa temporária de 35%
para compensar os subsídios concedidos pela União Européia até a avaliação da questão pelo
GATT.
Nessa primeira fase, foram reduzidas as tarifas de 4.455 itens, de setores como brinquedos,
bens de capital, produtos eletrônicos e automóveis. Numa segunda etapa, foram reduzidas as tarifas
de bens cuja convergência à TEC ocorreria já em janeiro de 1995, caso dos produtos fora da lista de
exceções. Com antecipação da TEC, procurou-se garantir o abastecimento doméstico, aumentar a
demanda por dólares, estimular a concorrência e forçar a redução dos preços das mercadorias
produzidas internamente.
Bens com tarifas superiores à TEC que entrariam na lista de exceções brasileira, como brinquedos,
produtos de informática e eletrônicos, e que tiveram as suas alíquotas rebaixadas ao nível da TEC
no segundo semestre de 94, podem vir a ser incluídos na lista de exceções definitiva, se até lá for
constado que a indústria doméstica ainda não tem condições de conviver com as tarifas mais baixas.
Os produtos considerados mais sensíveis podem ter as suas tarifas elevadas para os mesmos níveis
prevalecentes antes de agosto-setembro de 1994. Este é o caso dos automóveis, cujas tarifas,
reduzidas para 20%, foram elevadas novamente para 35% em fevereiro de 1995.
REGRAS DE ORIGEM - Como a união aduaneira não será plena (pelo menos por
enquanto), foram negociadas regras de origem, estabelecendo que os produtos comercializados
entre os quatro países somente gozarão da isenção das tarifas alfandegárias se, pelo menos, 60% de

xc
seus insumos, forem produzidos no bloco. O Brasil defendeu, desde o início, a adoção de regras de
origem rígidas, de modo a defender o seu parque produtivo de maquilagens e triangulações,
propondo originalmente um índice de conteúdo regional de 70% do preço FOB de exportação do
produto final. A Argentina, por sua vez, pleiteava um índice de 50% e o Paraguai, de apenas 30%.
As regras de origem serão aplicadas para os produtos que ficarem de fora da TEC, para bens
sujeitos a regimes especiais de importação e para mercadorias submetidas a salvaguardas ou direitos
“antidumping”. Para os bens de capital, o índice será de 80% até o ano 2001 e, para alguns produtos
paraguaios e uruguaios, de apenas 50% até a mesma data. Foram mantidos os acordos bilaterais do
Uruguai com a Argentina e com o Brasil, que estabelecem condições privilegiadas para as
exportações uruguaias de 288 produtos para o primeiro país e de 1500 para o segundo. Ademais, o
Uruguai poderá isentar das tarifas aduaneiras as importações de insumos utilizados na fabricação
desses produtos. Os dois programas serão extintos gradualmente até o ano 2001. Alguns itens da
lista de exceções paraguaia também estarão submetidos a um índice de nacionalização de apenas
50%, até o mesmo ano. Ressalta-se que os certificados de origem poderão sofrer auditoria externa
em caso de dúvidas quanto à sua veracidade. Alguns setores e produtos gozam de tratamento
especial por serem considerados mais sensíveis. Dentre eles, destacam-se o automobilístico, o
açucareiro e o trigo:
Em relação ao setor automobilístico, os argentinos reivindicavam a manutenção do comércio
administrado, com a preservação do sistema de quotas e do comércio equilibrado com o Brasil, até
1999. Além disso, como as autoridades argentinas vêem o setor automobilístico como uma das
forças motrizes de sua recuperação industrial, pleiteava-se que 60% dos componentes fossem
produzidos internamente. Foi acertado que as autopeças originárias do Brasil serão consideradas
pelos argentinos como de fabricação nacional. As importações, no entanto, continuarão controladas
até 1999, dado que a isenção tarifária será mantida apenas para as importações que tiverem como
contrapartida exportações em valor equivalente. Ou seja, para cada US$ 1 exportado, pode-se
importar US$ 1, com o pagamento de uma tarifa aduaneira de 2%. No caso do Brasil, houve uma
alteração neste sistema de compensação. Quando as exportações tiverem como destino o mercado
brasileiro, as montadoras poderão importar US$ 1,2 para cada dólar exportado. Sendo ultrapassada
qualquer uma dessas proporções, as importações excedentes serão sobretaxadas em 20%. Em
contrapartida às concessões argentinas, o Brasil dispensou, para os veículos populares (até 1.000
cilindradas) argentinos, o mesmo tratamento fiscal que dispensa aos nacionais. Essa concessão, no
entanto, não foi utilizada pela Argentina, dado que lá não são produzidos veículos até 1.000
cilindradas e também o benefício fiscal conferido a tais veículos, no Brasil, terminou em dezembro
de 1996.

xci
Em relação ao setor açucareiro uma comissão definiu que, até janeiro de 2001, os quatro
países adotarão tarifas aduaneiras diferenciadas. A Argentina continuou adotando o sistema de
cotas. O Brasil parece concordar com a manutenção de uma proteção argentina para o seu açúcar
depois de 2001. A solução técnica se daria pela inclusão do açúcar argentino em um regime de
adequação as regras de livre comércio do MERCOSUL, o que levará a se ter um cronograma de
redução gradual da tarifa de importação aplicada pela Argentina sobre o açúcar proveniente de
outros sócios do MERCOSUL.
Em relação ao trigo a Argentina reivindicava a imposição de uma sobretaxa variável para o
trigo proveniente de terceiros países, sempre que o preço desses fosse inferior ao dos países do
MERCOSUL (leia-se ao do trigo argentino), sob a alegação que os outros exportadores do produto
(Canadá, Estados Unidos, etc.) concedem amplos subsídios aos mesmos. Após intensas
negociações, foi estabelecida a cobrança de uma sobretaxa de 10% para o produto de terceiros
países, apenas até abril de 1995 (além da tarifa vigente de 10%), quando já deve estar definido o
tratamento comum a ser dado para práticas desleais de comércio.
ZONAS FRANCAS - Os produtos provenientes das zonas francas comerciais, zonas francas
industriais, zonas de processamento de exportações e áreas aduaneiras especiais estão sujeitas à
TEC ou, no caso de integrarem as listas de exceções, à tarifa nacional vigente. Poderão ser adotadas
salvaguardas, de acordo com as normas do GATT, se o aumento das importações dos referidos
produtos causar dano ou ameaça de dano ao país importador. As zonas francas de Manaus, no
Brasil, e da Tierra del Fuego, na Argentina, constituirão uma exceção, podendo intercambiar
produtos sem a cobrança de tarifas até o ano 2013, graças a um acordo bilateral previamente
firmado entre os dois países. Contudo, os acordos acertados encontram-se tumultuados pela
possibilidade do governo paraguaio implementar a chamada Lei da Maquilagem. Esta lei
transformaria o Paraguai numa grande zona franca.
INCENTIVOS ÀS EXPORTAÇÕES - Com a instituição da união aduaneira em 1º de
janeiro de 1995, os quatro países não podem mais promover alterações unilaterais em suas políticas
comerciais. Assim, a criação de novos incentivos às exportações ou qualquer modificação nas
tarifas de importação com relação a terceiros países, que impliquem em alterações nas TEC
acertadas, têm que contar com a anuência dos quatro sócios. Os países poderão, no máximo,
antecipar a convergência à TEC dos produtos de sua lista de exceções. Os incentivos às exportações
deverão respeitar as regras do GATT e, salvo exceções, não serão aplicáveis ao comércio
intrazonal. Em caso de concessão de incentivos fiscais não-autorizados pelo GATT, o sócio que se
sentir prejudicado poderá lançar mão de medidas de salvaguarda. Além disso, o CMC estabeleceu
que:
1) os incentivos à exportação intrazonal devem limitar-se:

xcii
a) ao financiamento de longo prazo para as exportações de bens de capital, de acordo
com as regras citadas no item 3;
b) à devolução ou à isenção de tributos até que os sistemas tributários sejam
harmonizados no âmbito do MERCOSUL; e
c) aos regimes aduaneiros especiais, que poderão ser concedidos, desde que sejam
cumpridas as normas estabelecidas para a concessão de “draw-back” e restituição de impostos
indiretos;
2) a reintegração de impostos indiretos aos exportadores não poderá ser superior aos
impostos efetivamente pagos ao longo da cadeia produtiva. Assim, os “reíntegros” argentinos -
benefício fiscal que consiste na devolução em dinheiro, aos exportadores nacionais, de valor
equivalente à tarifa alfandegária incidente sobre as importações de produtos agropecuários e
manufaturados - terão que se enquadrar nessa regra. Os “reintegros” não poderão beneficiar
exportações intra-regionais e serão extintos até o ano 2001;
3) os Estados-partes não poderão lançar mão de incentivos cambiais, como sistemas de taxas
de câmbio múltiplas ou similares, com tratamento privilegiado para operações de exportação ou
importação, assim como para determinados produtos de exportação ou importação;
4) a concessão de créditos de fomento e financiamento às exportações deve obedecer às
condições vigentes no mercado internacional, em termos de prazo e de taxa de juros;
5) os Estados-membros poderão manter, caso possuam, esquemas de "draw-back" ou de
admissão temporária, incluindo suspensão, isenção e redução de impostos incidentes sobre produtos
destinados ao aperfeiçoamento, fabricação, complementação ou acondicionamento de outro produto
a ser exportado. O prazo máximo para o "draw-back" de caráter suspensivo é de dois anos, com
exceção para as importações que visam a produção de bens de capital de ciclo longo, cujo prazo é
de até cinco anos. O sistema de “draw-back” também poderá ser adotado para matérias-primas e
produtos que, mesmo não integrando o produto exportado, sejam emprestados, na sua fabricação,
em condições que justifiquem a sua concessão;
6) as devoluções, suspensões ou isenções de impostos de importação, que forem superiores
aos impostos efetivamente devidos, serão consideradas subsídios.
SERVIÇOS - com relação ao comércio de serviços, as negociações deslancharam apenas em
1994, sendo, em muitas áreas, ainda bastante incipientes. O Brasil propõe a assinatura de um acordo
com princípios gerais por setores, a ser implementado gradualmente. Na área financeira, já foram
assinados vários acordos entre instituições financeiras públicas e privadas dos quatro países. Além
disso, em janeiro de 1994, os países do MERCOSUL se comprometeram a seguir as normas básicas
de prudência bancária definidas pelo Comitê de Basiléia, que estabelece níveis mínimos de capital
para as instituições financeiras a partir dos ativos ponderados pelo risco. Quando ocorreu a adesão

xciii
do MERCOSUL ao chamado Acordo de Basiléia, apenas o Uruguai (1989) e a Argentina (1991) já
eram signatários do mesmo(O referido acordo foi assinado em 15 de julho de 1998, pelos bancos
centrais dos países do Grupo dos Dez (G-10), para entrar em vigor ao final do ano fiscal de 1992.
Através dele, procurou-se garantir a solvência e a liquidez do sistema financeiro internacional,
uniformizar as regras aplicáveis às instituições financeiras e, com isto, eliminar vantagens
competitivas decorrentes da diversidade da legislação vigente em cada país, além de garantir o
fluxo de recursos necessários ao financiamento do desenvolvimento econômico. Não é demasiado
lembrar que as regras estabelecidas não representaram um antídoto contra insolvências e crises
bancárias, do mesmo modo que não garantiram, evidentemente, equidade competitiva, posto que as
autoridades bancárias de cada país podem julgar prudente a adoção de exigências superiores e
adicionais às estabelecidas pelo Comitê de Basiléia. O acordo de Basiléia, inicialmente restrito às
economias centrais, veio contando, progressivamente, com a adesão de blocos regionais-como
União Européia, Nafta e MERCOSUL- e de países submetidos ao que se resolveu denominar de
liberalização de suas economias. Mais do que uma opção, a uniformização sobre prudência bancária
tornou-se um instrumento de apoio ao discurso da globalização e imperativo ao pseudo controle de
sua conseqüente instabilidade financeira). O Brasil teve a sua adesão referendada, pelo Conselho
Monetário Nacional, em agosto de 1994( A adesão do Brasil se deu pela resolução de número 2099,
do Conselho Monetário Nacional, de 17/08/1994 e provocou alteração nos critérios que fixavam
limites operacionais às entidades financeiras).
Ao aderirem ao Acordo, os signatários do MERCOSUL procuraram garantir a estabilidade e
a credibilidade de suas instituições e facilitar a almejada integração financeira em um futuro, o que
não significa a nivelação das instituições financeiras dos quatro países, dado que existem diferenças
estruturais entre os diversos sistemas financeiros e que as autoridades financeiras locais gozam de
liberdade no que se refere à definição de exigências e garantias adicionais.
A Argentina, o Uruguai e o Paraguai, a partir de 1998, estão pressionando no sentido da
agilização da liberação dos mercados de serviços financeiros, de telecomunicações e transportes
brasileiros. Contudo, já está acordado, que serão feitos acordos para cada segmento do setor de
serviços, com prazo de conclusão até 2007.
INSTITUCIONALIDADE - a estrutura institucional do MERCOSUL foi aprovada no
encontro de Ouro Preto, realizado em dezembro de 1994, sendo constituída por cinco órgãos de
caráter intergovernamental:
- o Conselho do Mercado Comum (CMC) - como durante o período de transição, cabe ao
CMC o encaminhamento político do bloco;
- o Grupo Mercado Comum (GMC) - órgão executivo;

xciv
- a Comissão de Comércio - órgão que cuidará do funcionamento da união aduaneira,
estando sob sua alçada as decisões relacionadas com a administração da TEC e dos instrumentos de
política comercial, através de diretrizes de caráter geral ou específico. Cabe à Comissão a avaliação
de eventuais controvérsias comerciais em nível do MERCOSUL. Apenas se a Comissão não
conseguir equacionar a questão é que a mesma será decidida pelo sistema de solução de
controvérsias previsto pelo Protocolo de Brasília, espécie de tribunal arbitral;
- a Comissão Parlamentar Conjunta - órgão de caráter consultivo, deliberativo e propositivo,
cujas recomendações serão encaminhadas ao CMC pelo GMC. Os seus integrantes serão escolhidos
pelos Congressos dos respectivos países;
- o Fórum Consultivo Econômico e Social - é através deste órgão que o setor privado
(empresariado e trabalhadores) encaminhará os seus pleitos ao GMC.
Além desses órgãos, foi mantida a secretaria administrativa, sediada em Montevidéu,
encarregada do arquivo e da divulgação dos documentos do MERCOSUL, além do registro das
listas nacionais de árbitros e especialistas.
Como ocorreu durante o período de transição, a estrutura institucional permanente do
MERCOSUL não tem nenhum caráter supranacional. Além disso, também não há nenhum
procedimento de natureza comunitária, em função da resistência dos Estados envolvidos em ceder
parte de sua soberania. À medida que o processo de integração for avançando, no entanto, talvez se
imponha, como necessária ao funcionamento satisfatório da união aduaneira e do mercado comum,
a instituição de uma instância supranacional, que terá de ser de caráter limitado, dada a importância
do Brasil no MERCOSUL.
Quanto ao sistema decisório, manteve-se o procedimento vigente durante o período de
transição, baseado no consenso, apesar de vários diplomatas (sobretudo brasileiros) defenderem que
algumas questões fossem decididas por um sistema de votação ponderada (maioria qualificada), que
levasse em conta o peso econômico e demográfico das nações envolvidas, pelo menos no que diz
respeito às decisões econômicas ( Na União Européia, por exemplo, utiliza-se um sistema de
pontuação, onde o menor associado- Luxemburgo - tem peso 2 e os quatro sócios maiores-
Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália- têm peso 10. Para que uma decisão venha a ser tomada,
deve obter um mínimo de 54 pontos em um total de 76)
Como regra geral, o consenso foi mantido, mas em âmbitos como a Comissão de Comércio
o mesmo pode ser flexibilizado.
4.4.3 MERCADO COMUM.
A formação do mercado comum continua na agenda político-econômica, como já colocado,
ou seja para o ano de 2006. A plena liberdade de circulação de bens, serviços, capital e trabalho,
todavia, requer a adoção de uma série de medidas comuns, além de uma administração permanente.

xcv
Quanto aos trabalhadores, a liberdade de circulação passa pela eliminação dos obstáculos
relacionados com a nacionalidade, no que se refere ao exercício de atividade econômica, e pela
extensão aos cidadãos dos países-sócios de vantagens, garantias e direitos auferidos pelo
trabalhador nacional, decorrentes do exercício de atividades assalariadas. Passa também pela
harmonização legislativa em questões trabalhistas e previdenciárias, além da necessidade de adoção
de políticas sociais regionalizadas, de modo a reduzir as diferenças entre as remunerações e
garantias trabalhistas presentes na região, assim como de adoção de uma política de imigração que
não implique em maiores tensões sociais.
De modo geral, os mercados de trabalho dos quatro países caracterizam-se por baixos
salários, taxas elevadas de desemprego, grande peso do setor informal, baixo nível de
sindicalização, baixa qualificação da mão-de-obra e precariedade dos sistemas de seguridade social.
Segundo o Dieese(Boletim desta entidade, 1993), o Brasil era, entre os quatro países, aquele com
menor piso salarial, menor participação dos salários no produto industrial e com maior jornada de
trabalho, enquanto que o Uruguai apresentava os melhores indicadores sociais. A Central Única dos
Trabalhadores (CUT) do Brasil, por sua vez, considera que um dos pontos mais problemáticos da
integração, no que se refere aos trabalhadores, é a inexistência de políticas regionais que minimizem
as disparidades sócio-econômicas entre os países.
O Subgrupo 11 já levantou as legislações trabalhistas vigentes nos quatro países, o que
subsidiará a harmonização futura das legislações trabalhistas. Além disso, o Subgrupo analisou 180
convenções da Organização Internacional do Trabalho, aprovando 35 delas. Continua em discussão
a Carta dos Direitos Sociais do MERCOSUL e um acordo multilateral de seguridade social que faz
com que cada país-membro considere, para efeito de aposentadoria e de assistência médica, o tempo
de serviço trabalhado em outro país-membro. A vigência das mesmas, no entanto, ainda depende da
ratificação pelos respectivos congressos. Várias divergências ainda permanecem. No que diz
respeito ao reconhecimento de diplomas e certificados de qualificação profissional, já foi assinado o
Protocolo de Integração Educativa e Reconhecimento de Certificados, Títulos e Estudos de Níveis
Primário, Médio e Técnico.
No tocante ao capital, coloca-se a necessidade de abolição de reservas de mercado e
restrições semelhantes às empresas dos países-membros. Nesse sentido, as negociações estão muito
mais avançadas entre Brasil e Argentina, que, em 1990, assinaram o Tratado para o
Estabelecimento de um Estatuto das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas (aprovado pelo
Congresso Brasileiro em 1992). O objetivo do Acordo é a extensão dos mesmos direitos concedidos
às empresas nacionais às empresas binacionais criadas no Brasil ou na Argentina. Entende-se como
empresa binacional aquela que, simultaneamente, atende às seguintes condições:

xcvi
a) tem, no mínimo, 80% do capital social e dos votos em mão de investidores
nacionais do Brasil e da Argentina;
b) a participação dos investidores nacionais de cada um dos países é de, pelo menos,
30% do capital social da empresa.
As empresas que preencherem os requisitos especificados devem receber "o mesmo
tratamento estabelecido ou que se venha a estabelecer para as empresas de capital nacional desse
país" em matéria de tributação e acesso ao crédito interno e a incentivos ou vantagens de promoção
industrial, compras e contratos do setor público(Conforme o tratado citado).
Para que estes dispositivos sejam cumpridos, são necessárias alterações nas legislações vigentes em
cada país, dado que as deliberações tomadas no âmbito do MERCOSUL somente têm valor legal
quando transformadas em lei pelos seus integrantes.
Com relação ao Brasil, vale destacar que a dispensa de tratamento não-discriminatório a
empresas binacionais ou nacionais de outros integrantes do MERCOSUL requereu alterações na
Constituição, uma vez que esta garantia tratamento privilegiado às empresas nacionais, vedando ou
limitando a participação de capitais estrangeiros em alguns setores ou atividades.
Quanto aos investimentos, foram assinados dois acordos a respeito: o Protocolo de Colônia
para a Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos no MERCOSUL, que regulamenta os
investimentos intrazonais, e o Protocolo sobre Promoção de Investimentos de Estados Não-
Membros. Através destes documentos, procurou-se manter uma margem de preferência para
investimentos intrabloco e impedir que regras diferentes em relação ao capital estrangeiro
distorcessem artificialmente os fluxos de investimentos originários de terceiros países. Os dois
documentos não prevalecerão sobre alguns documentos já firmados.
Outro elemento importante (pode-se dizer que imprescindível) para o avanço da integração
em direção à formação de um mercado comum é a coordenação das políticas macroeconômicas,
sobretudo da política cambial. O assunto já vem sendo tratado desde 1991, mas os progressos estão
aquém do desejado, em razão da instabilidade macroeconômica que caracteriza, ou caracterizava até
recentemente, os Estados-membros do MERCOSUL. É da capacidade destes, sobretudo do Brasil e
da Argentina, em realizar a requerida coordenação e de avançar no que se refere à
complementaridade produtiva, que dependerá o aprofundamento da integração no futuro próximo,
visto que, desde a instituição da zona de livre-comércio, há pouco o que o progredir em termos de
redução de tarifas.
MOEDA COMUM: Em decorrência principalmente de sua rígida Lei de Conversibilidade, o
Governo Argentino vem envidando sérios esforços no sentido de uma rápida unificação monetária
entre os países do MERCOSUL. No seu discurso de defesa da medida os argentinos alegam que a
adoção de uma moeda única daria três recados aos investidores estrangeiros: a preservação da

xcvii
estabilidade econômica na região, a consolidação das reformas empreendidas na região e a
harmonização completa das políticas monetárias e cambiais no espaço do MERCOSUL.
4.5- RESULTADOS DO MERCOSUL
O comércio exterior brasileiro é expressivamente multilateralizado. O MERCOSUL se
insere no contexto comercial externo do Brasil, com crescente presença. A exemplo do restante da
América Latina, o comércio brasileiro com o MERCOSUL tem a vantagem de ser constituído em
mais de 70% de produtos manufaturados, o que o coloca em posição mais relevante do que o
intercâmbio que o Brasil tem com as demais regiões do mundo.
Em 1996, a corrente de comércio (exportações mais importações) entre o Brasil e os seus
parceiros do MERCOSUL atingiu mais de US$ 18,0 bilhões - um crescimento de cerca de mais de
350% em relação a 1991, ano em que foi assinado o Tratado de Assunção. No mesmo período, o
intercâmbio geral do país aumentou muito menos. Isto demonstra a elevação na participação
relativa dos países do MERCOSUL, desde a sua formação, em nosso comércio exterior.
Entre 1991 e 1996, as exportações brasileiras para os seus sócios no MERCOSUL cresceram
mais de 340%, alcançando US$ 8,9 bilhões, enquanto que as exportações totais do país cresceram
muitíssimo menos. As importações para o Brasil provenientes do bloco, por sua vez, apresentaram
um crescimento de mais de 220% atingindo, em 1996, US$ 9,2 bilhões. As participações das vendas
e das aquisições brasileiras no MERCOSUL no total das exportações e das importações do país
atingiram, neste ano, 18,8 % e 17,3%, respectivamente, em 1996, contra aproximadamente 7,0% em
1991.
No primeiro semestre de 1997, o intercâmbio comercial entre o Brasil e o MERCOSUL
atingiu US$ 10,0 bilhões sendo US$ 4,8 bilhões de exportações e US$ 5,2 bilhões de importações.
Os dados colhidos demonstram a importância no fluxo de comércio das relações cambiais.
Após o Plano Real, inverteu-se o sinal das transações comerciais com a Argentina, após de 3 anos
de elevados superávits brasileiros, acumulando-se, desde então, um déficit do Brasil com o seu
vizinho superior a US$ 7,0 bilhões. Estávamos vivendo um novo desequilíbrio. Até o Plano Real,
havia uma tendência a deformações significativas em favor do Brasil. Todavia, até a desvalorização
do real de janeiro de 1999, esses desequilíbrios se processavam a favor da Argentina. A razão
central é o câmbio. Assistiu-se ao crescente fortalecimento da moeda brasileira frente ao peso,
desde 1992 (utilizando-se o Índice de Preços por Atacado - IPA). Entretanto, após julho de 1994,
este crescimento ficou acentuado pela sobrevalorização imposta ao real. A crise mexicana de
dezembro de 1994, como comentar-se-á adiante, levou, tanto o Brasil como a Argentina, a adotarem
medidas restritivas às suas relações comerciais. Aí, mais uma vez, teve o Brasil que enfrentar
maiores restrições que o seu principal parceiro no MERCOSUL no comércio entre ambos.Os efeitos
da desvalorização do real de janeiro de 1999 ainda são desconhecidos. Contudo, de novo, verifica-

xcviii
se o recrudescer das queixas argentinas. O remédio as questões cambiais são claros e residem no
progressivo e seletivo fechamento do bloco ao mundo acompanhada da total liberalização comercial
intra-bloco. Contudo para tanto se necessita uma mudança na ideologia predominante nos dois
governos que se estrutura numa postura subserviente e desastrosa ao chamado “Consenso de
Washington”- que senão busca a construção de uma Área de Livre Comércio nas Américas pelo
menos objetiva a destruição do MERCOSUL.
Os dados sobre os resultados do MERCOSUL, obtidos nos quadros abaixo mostram que
apesar dos erros apontados o MERCOSUL tem sido um grande sucesso:
QUADRO 01
EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO- Corrente de Comércio-. Participação
BRASIL E MERCOSUL **
US$ MILHÕES FOB

ANO EXPORTAÇÃ VAR.(% IMPORTAÇÃ VAR(%)


O ) O
BRASILEIRA BRASILEIRA
1990 1.986 -13,16 2.840 3,8
1991 3.242 63,24 2.785 -1,93
1992 5.354 65,14 2.744 -1,47
1993 6.938 29,59 3.789 38,08
1994 7.390 6,51 5.198 37,19
1995 7.894 6,82 7.943 52,81
1996 8.892 12,64 9.237 16,29
1997* 4.821 20,98 5.243 25,04

*JAN/JUN
Variação Jan/Jun 97 sobre Jan/Jun 96
**Incluindo Chile e Bolívia

Fonte: SECEX/ DECEX

xcix
QUADRO 02
CORRENTE DE COMÉRCIO
INTRA-MERCOSUL

ANO US$ MILHÕES


1990 4.244,33
1991 5.204,26
1992 7.335,02
1993 10.341,50
1994 11.940,00
1995 14.748,50
1996 16.333,00
2000(E) 32.000,00

Fonte: SECEX/INDEC/CÂMARA DE COM. BRASIL-


PARAGUAI
(E) Estimativas - incluindo Chile e Bolívia

QUADRO 03
PARTICIPAÇÃO E CRESCIMENTO(%) DO
MERCOSUL
NAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS
US$ MILHÕES FOB

ANO EXPORTAÇÃO PART.(**) VAR


1990 1.986 6,32 -13,16
1991 3.242 10,25 63,24
1992 5.354 14,96 65,14
1993 6.938 18,00 29,59
1994 7.390 16,97 6,51
1995 7.894 16,97 6,82
1996 8.892 18,62 12,64
1997(*) 4.821 19,45 20,98
(*) Variação jan/jun 97 sobre jan/jun 96
(**) Participação percentual sobre o total geral do Brasil
Incluindo Chile e Bolívia
Fonte: MICT/SECEX

c
QUADRO 04
PARTICIPAÇÃO E CRESCIMENTO(%) DO
MERCOSUL
NAS IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS
US$ MILHÕES FOB

ANO IMPORTAÇÃO PART.(**) VAR.


1990 2.840 13,75 3,80
1991 2.785 13,24 -1,94
1992 2.744 13,35 -1,47
1993 3.789 15,00 38,08
1994 5.198 15,71 37,19
1995 7.961 15,97 53,16
1996 9.237 17,33 16,03
1997(*) 5.243 17,77 25,04
(*) Variação jan/jun 97 sobre jan/jun 96
(**) Participação percentual sobre o total geral do Brasil
Incluindo Chile e Bolívia
Fonte: MICT/SECEX

QUADRO 05
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA A
ARGENTINA
PRINCIPAIS PRODUTOS
JAN/JUN 97

PRODUTOS US$ 1.000 FOB


PARTES E PEÇAS P/ AUTOMÓVEIS E TRATORES 237.812
VEÍCULOS AUTOMÓVEIS DE PASSAGEIROS 236.739
VEÍCULOS DE CARGA 187.523
MOTORES DE PISTÃO E SUAS PARTES 121.580
PLÁSTICOS 71.100
MINÉRIOS DE FERRO E SEUS CONCENTRADOS 65.374
PRODS. LAMINADOS PLANOS DE FERRO OU AÇO 60.135
PNEUMÁTICOS 56.733
CIGARROS 53.221
CAFÉ CRU, EM GRÃO 51.439
DEMAIS PRODUTOS 1.836.929
TOTAL GERAL 2.978.585
JAN/DEZ/96 5.170.032

FONTE: SECEX/ DPPC

ci
QUADRO 06
IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DA ARGENTINA
PRINCIPAIS PRODUTOS
JAN/JUN 97

PRODUTOS US$ 1.000 FOB


PETRÓLEO EM BRUTO 513.422
VEÍCULOS AUTOMÓVEIS DE PASSAGEIROS 491.572
TRIGO EM GRÃOS 438.990
VEÍCULOS DE CARGA 215.890
PARTES/PEÇAS P/ VEÍCULOS E TRATORES 142.112
MOTORES DE PISTÃO, SUAS PARTES 140.065
NAFTAS 79.433
LEITE E CREME DE LEITE 67.472
ALGODÃO EM BRUTO 64.520
CEBOLAS E "ECHALOTES 61.755
DEMAIS PRODUTOS 1.725.338
TOTAL GERAL 3.940.569
JAN/DEZ/96 6.774.685

FONTE: SECEX/ DPPC

QUADRO 07
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA O URUGUAI
PRINCIPAIS PRODUTOS
JAN/DEZ 96

PRODUTOS US$ 1.000 FOB


VEÍCULOS DE CARGA 45.914
VEÍCULOS DE PASSAGEIROS 43.079
CIGARROS 36.651
ERVA-MATE 32.655
PLÁSTICOS E SUAS OBRAS 30.439
AÇÚCAR CRISTAL 23.080
TRATORES 20.939
PARTES E PEÇAS P/ AUTOMÓVEIS E TRATORES 19.711
MÁQUINAS E APARELHOS DE USO AGRÍCOLA 17.566
SOJA 16.954
DEMAIS PRODUTOS 523.680
TOTAL GERAL 810.668

FONTE: SECEX/ DECEX

cii
QUADRO 08
IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DO URUGUAI
PRINCIPAIS PRODUTOS
JAN/JUN 97

PRODUTOS US$ 1.000 FOB


CEREAIS 75.095
LEITE E LATICÍNIOS 53.938
CARNES E MIUDEZAS COMESTÍVEIS 49.799
VESTUÁRIO E SEUS ACESSÓRIOS 36.906
BORRACHA E SUAS OBRAS 19.846
MALTE E AMIDOS 19.774
PLÁSTICOS E SUAS OBRAS 18.613
LÃ, PELOS FINOS OU GROSSOS 17.605
MÁQUINAS E APARS. ELÉTRICOS 15.807
MÁQUINAS E APARELHOS ELÉTRICOS 15.453
DEMAIS PRODUTOS 159.550
TOTAL GERAL 482.386
JAN/DEZ/96 931.770

FONTE: SECEX/ DPPC

QUADRO 09
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA O PARAGUAI
PRINCIPAIS PRODUTOS
JAN/JUN 97

PRODUTOS US$ 1.000 FOB


CIGARROS 63.456
PNEUMÁTICOS 42.304
CHASSIS COM MOTOR E CARROÇARIA 23.572
MÁQUINAS P/ USO AGRÍCOLA 17.085
VEÍCULOS DE CARGA 16.941
VEÍCULOS DE PASSAGEIROS 13.870
TECIDOS DE ALGODÃO 12.617
CERVEJAS DE MALTE 12.236
CALÇADOS E SUAS PARTES 12.084
PARTES E PEÇAS P/ AUTOMÓVEIS E TRATORES 10.448
DEMAIS PRODUTOS 431.011
TOTAL GERAL 655.624
JAN/DEZ/96 1.324.582

FONTE: SECEX/ DECEX

ciii
QUADRO 10
IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DO PARAGUAI
PRINCIPAIS PRODUTOS
JAN/JUN 97
PRODUTOS US$ 1.000 FOB
SEMENTES E FRUTOS OLEAGINOSOS 107.464
ALGODÃO 42.516
CEREAIS 26.646
RESÍDUOS ALIMENTARES P/ ANIMAIS 26.377
ÓLEO DE SOJA 22.193
BOVINOS VIVOS 14.068
MADEIRA E SUAS OBRAS 11.184
CARNES E MIUDEZAS, COMESTÍVEIS 8.590
BEBIDAS ALCOOLICAS E VINAGRES 2.683
PRODUTOS QUÍMICOS ORGÂNICOS 2.003
DEMAIS PRODUTOS 15.968
TOTAL GERAL 279.692
JAN/DEZ/96 551.230
FONTE: SECEX/ DPPC

QUADRO 11
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA O CHILE
PRINCIPAIS PRODUTOS
JAN/JUN 97
PRODUTOS US$ 1.000 FOB
VEÍCULOS AUTOMÓVEIS E TRATORES 100.119
MÁQUINAS E APARS. MECÂNICOS 74.063
FERRO FUNDIDO, FERRO E AÇO 42.064
PLÁSTICOS E SUAS OBRAS 29.404
MÁQUINAS E APARS. ELÉTRICOS 27.698
OBRAS DE FERRO FUNDIDO, FERRO OU AÇO 27.594
BORRACHA E SUAS OBRAS 21.571
PAPEL, CARTÃO E SUAS OBRAS 20.953
ALUMÍNIO E SUAS OBRAS 12.754
CAFÉ 6.472
DEMAIS PRODUTOS 129.725
TOTAL GERAL 492.417
JAN/DEZ/96 1.055.274

FONTE: SECEX/ DECEX

civ
QUADRO 12
IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DO CHILE
PRINCIPAIS PRODUTOS
JAN/JUN 97
PRODUTOS US$ 1.000 FOB
COBRE E SUAS OBRAS 118.353
MINÉRIOS 98.073
PRODUTOS QUÍMICOS ORGÂNICOS 68.344
FRUTAS FRESCAS 47.077
LIVROS, JORNAIS E GRAVURAS 34.152
PREPARAÇÕES DE PRODUTOS HORTÍCOLAS 27.330
ADUBOS E FERTILIZANTES 19.367
PEIXES E CRUSTÁCEOS 13.931
PRODUTOS HORTÍCULAS 11.147
CELULOSE 10.777
DEMAIS PRODUTOS 78.116
TOTAL GERAL 526.667
JAN/DEZ/96 917.938

FONTE: SECEX/ DPPC

QUADRO 13
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA A BOLÍVIA
PRINCIPAIS PRODUTOS
JAN/JUN 97

PRODUTOS US$ 1.000 FOB


MÁQUINAS E APARS. MECÂNICOS 37.188
AERONAVES E APARELHOS AÉREOS 31.932
MÁQUINAS E APARELHOS ELÉTRICOS 31.763
VEÍCULOS AUTOMÓVEIS E TRATORES 18.863
BORRACHA E SUAS OBRAS 17.898
ALGODÃO 16.006
PLÁSTICOS E SUAS OBRAS 14.131
CALÇADOS E POLAINAS 13.645
FERRO FUNDIDO,FERRO E AÇO 12.601
PAPEL E CARTÃO 11.655
DEMAIS PRODUTOS 101.220
TOTAL GERAL 306.902
JAN/DEZ/96 531.679

FONTE: SECEX/ DPPC

cv
QUADRO 14
IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DA BOLIVIA
PRINCIPAIS PRODUTOS
JAN/JUN 97

PRODUTOS US$ 1.000 FOB


GORDURAS E ÓLEOS VEGETAIS 3.309
PALMITOS 2.163
VESTUÁRIO, ACESSÓRIOS, EXC. 1.653
MALHA
MINÉRIOS 1.406
ALGODÃO 1.142
SAL E ENXOFRE 911
CELULOSE 644
MADEIRA E SUAS OBRAS 520
VESTUÁRIO E SEUS ACESSÓRIOS DE 441
MALHA
PELES E COUROS 270
DEMAIS PRODUTOS 979
TOTAL GERAL 13.438
JAN/DEZ/96 61.445

FONTE: SECEX/ DPPC

QUADRO 15
EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO ENTRE
BRASIL E MERCOSUL **
US$ MILHÕES FOB

ANO EXPORTAÇÃO VAR.(%) IMPORTAÇÃO VAR(%)


BRASILEIRA BRASILEIRA

1990 1.986 -13,16 2.840 3,8

1991 3.242 63,24 2.785 -1,93

1992 5.354 65,14 2.744 -1,47

1993 6.938 29,59 3.789 38,08

1994 7.390 6,51 5.198 37,19

1995 7.894 6,82 7.943 52,81

1996 8.892 12,64 9.237 16,29

1997* 4.821 20,98 5.243 25,04

cvi
*JAN/JUN
Variação Jan/Jun 97 sobre Jan/Jun 96
**Incluindo Chile e Bolívia
Fonte: SECEX/ DECEX
Elab: AEB

QUADRO 16
CORRENTE DE COMÉRCIO
INTRA-MERCOSUL
ANO US$ MILHÕES

1990 4.244,33

1991 5.204,26

1992 7.335,02

1993 10.341,50

1994 11.940,00

1995 14.748,50

1996 16.333,00

2000(E) 32.000,00

Fonte: SECEX/INDEC/CÂMARA DE COM. BRASIL-


PARAGUAI
(E) Estimativas - incluindo Chile e Bolívia

QUADRO17
PARTICIPAÇÃO E CRESCIMENTO(%) DO MERCOSUL
NAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS
US$ MILHÕES FOB
ANO EXPORTAÇÃ PART.(**) VAR
O

1990 1.986 6,32 -13,16

1991 3.242 10,25 63,24

1992 5.354 14,96 65,14

1993 6.938 18,00 29,59

1994 7.390 16,97 6,51

cvii
1995 7.894 16,97 6,82

1996 8.892 18,62 12,64

1997(*) 4.821 19,45 20,98

(*) Variação jan/jun 97 sobre jan/jun 96


(**) Participação percentual sobre o total geral do Brasil
Incluindo Chile e Bolívia
Fonte: MICT/SECEX

4.6 MERCOSUL COMO CONCEPÇÃO ESTRATÉGICA


Como foi mencionado anteriormente existe uma crescente competição comercial entre os
EUA, a União Européia e os países asiáticos liderados pelo Japão.
Os EUA, conscientes dessa competição, desde a queda do muro de Berlim, conceberam uma
estratégia onde objetivam gerar superávits crescentes nas suas relações comerciais com a América
Latina. Como primeira medida neste sentido, o ex-presidente George Bush anunciou, em 27 de
junho de 1990, um programa que nomeou de "Iniciativa para as Américas", onde propunha uma
ação em três vertentes para aproximar os EUA da América Latina: expansão do comércio,
ampliação dos investimentos e redução da dívida externa latino-americana.
As razões que conduziam a essa proposta repousavam na significância que os EUA
concedem agora às questões econômicas, diferentemente da época da Guerra Fria, onde o aspecto
dominante nas relações internacionais eram questões políticas. Entendeu o governo Bush que, para
manter os EUA na liderança mundial no limiar do século XXI, com a derrocada do comunismo e
com a emergência de novos centros de poder, teria que priorizar o crescimento das exportações
norte-americanas. Líder absoluto do comércio no pós-guerra, os EUA detinham, em 1955, 16,5% de
todas as exportações mundiais. Em 1988,.este montante havia caído para 10,8%. Ao mesmo tempo,
as importações, no mesmo período, subiram de 12,2% para 14,9%, acarretando um crescente déficit
na balança comercial americana. Verifica-se ao compilar os dados do comércio exterior dos EUA
ser aquele país um "global trader". O Brasil também é um "global trader", e esta é uma observação
relevante para as conclusões deste item. Entretanto, os dados de comércio exterior dos EUA
trazem uma significativa explicação para a ênfase concedida por aquele país na busca de superávit
em suas contas com a América Latina. Essa explicação está no fato de que as exportações dos EUA
para a América Latina, que representavam 22,7% do total exportado pelos americanos, em 1955,
caíram para 13,7% do total, em 1988. Cumpre, entretanto, também ressaltar que muito mais
representativas foram as quedas das importações dos EUA da América Latina que, em 1955,
representaram cerca de 33,3% do total importado por aquele país e, em 1988, só representavam
9,4%.

cviii
Apesar do impacto causado em seu lançamento, o programa da "Iniciativa para as Américas"
não foi além de um corolário de intenções com poucas ações práticas e foi substituído, ainda na
gestão Bush, pelos debates em torno do tratado que criou a Área Norte-Americana de Livre
Comércio (NAFTA), que envolveu o Canadá, o México e os EUA. O NAFTA veio a ser aprovado
em 17 de novembro de 1993, após discussões que envolveram a opinião pública norte-americana. A
aprovação do NAFTA gerou a expectativa de diversos países da América Latina de poderem
exportar sem tarifas para o mercado norte-americano, que mais adiante, como veremos, foi
completamente baldada.
Está claro que os EUA têm a economia asiática como sua primeira prioridade, o que retira
importância na sua busca da integração hemisférica. Não retira, contudo, as pressões no sentido de
aumentar a participação americana no comércio entre a América Latina e o mundo. É o que se
constata ao se acompanhar a palestra proferida, em outubro de 1993, pela subsecretária para
Assuntos Econômicos e Agrícolas, Joan Spero, no Conselho de Relações Exteriores dos EUA.
Nesta palestra, em que apresentou as novas diretrizes políticas daquele país, a subsecretária afirmou
que elas repousavam na recuperação da economia doméstica e no fortalecimento das posições
internacionais, salientando a importância do comércio com a América Latina. Neste sentido, Spero
afirmou que a renovação econômica dos EUA e a criação dos empregos só seriam possível com o
fortalecimento dos mercados para os produtos norte-americanos. Segundo ela, cada US$ 1,0 bilhão
exportado representa a criação de 20 mil "bons" postos de trabalho, que pagam 17% acima da
média do mercado. "Entre 1988 e 1992, quase 60% do crescimento real da economia dos EUA
vieram do aumento das exportações", revelou. E de lá para cá?
Quanto ao NAFTA, Spero el mbrou a importância das vendas para o México, que haviam
aumentado em 200% desde 1986 até aquela data e tinham sido responsáveis pela criação de 400 mil
novos empregos.
A crise com que se debateu o México, em 1995, demonstrou a inviabilidade dos países da
América Latina, em especial o Brasil, de aderirem a essa proposta. O governo brasileiro,todavia,
erroneamente, insistiu no modelo econômico proposto pelo Estados Unidos, acreditando
ingenuamente que este modelo poderia vir a ter a vantagem de trazer grandes investimentos diretos
à América Latina, após um período em que a região esteve fora da rota dos fluxos financeiros
internacionais. Entretanto, muito mais do que investimentos externos diretos, o que se encaminhou,
a exemplo do México, foram capitais especulativos, o que conduziu a brutal crise de 1998/1999.
Através de diversos mecanismos, entretanto, o governo norte-americano tem procurado pressionar
os países da América Latina a mesmo assim abrirem suas economias e a aderirem ao livre-
cambismo. Com isso, os produtos dos EUA ganham competitividade e, as vezes, tornam-se mais
vantajosos que a produção doméstica, o que acarreta a atrofia da indústria nacional e a evasão de

cix
divisas. O caso mexicano ilustrou claramente esta tendência, com a balança comercial daquele país
amealhando déficits comerciais crescentes - US$ 22,7 bilhões em 1992, US$ 24 bilhões em 1993 e
US$ 28,0 bilhões em 1994 - até a explosão, em dezembro de 1994, o que levou a dívida externa
daquele país ao expressivo montante de US$ 200,0 bilhões, para um PIB estimado de menos de
US$ 300 bilhões.
É na estruturação futura de uma resistência a essas pressões que o MERCOSUL ganha
especial significado estratégico. Em primeiro lugar, a integração estratégica aumenta o poder de
barganha, não só pelo acúmulo de recursos, mas pela maior independência econômica que a
complementaridade de produtos e mercados proporciona. Em segundo lugar, gera um novo pólo de
atração nas Américas, proporcionando a ação de outros terceiros interessados no mercado do
Hemisfério Ocidental, aqui não situados.
A situação antes mencionada de "global trader", dos EUA, ao longo de todo o século XX, e
do Brasil, a partir dos anos 80, acentua a diferença dos pontos de vista dos dois países e decorre
também do fato de que a indústria brasileira vem se tornando cada vez mais competitiva nos
mercados sul-americanos em setores antes dominados pelos norte-americanos.
Para o MERCOSUL, a crise mexicana e o conseqüente problema do NAFTA, no passado e
agora a crise brasileira abrem uma enorme oportunidade estratégica. Tornaram possível a busca da
transformação do MERCOSUL na almejada integração latino-americana.
Para tanto, o objetivo de médio prazo a ser perseguido é a criação da Área de Livre
Comércio Sul-Americana (ALCSA),que pode vir adiante a se estruturar em um Megaestado. Para
alcançá-lo, é de fundamental importância estender o MERCOSUL à Bolívia e ao Chile e criar-se,
mediante acordos bilaterais entre os países do pacto andino e o MERCOSUL, uma ampla área de
livre comércio em toda a América do Sul.
Esta tarefa será abordada no próximo capítulo, contudo, não é fácil, exigindo considerável
engenharia diplomática, dado que terá de ser realizada de forma a compatibilizá-los com os demais
esquemas de acordos regionais já existentes.

4.7-. OBSTÁCULOS RECENTES


Após o final de 1994, o MERCOSUL tem atravessado diversos obstáculos, que decorrem
das dificuldades de integração de economias com tamanhos e características tão distintas quanto as
envolvidas, sendo que duas delas, justamente as maiores, estão desde então envolvidas com
programas colocados como de estabilização econômica.
Logo ao nascer do período de consolidação do MERCOSUL, tanto o Brasil como a
Argentina sofreram fortes restrições do lado das contas externas, em parte devido à crise mexicana
de dezembro de 1994. As crises fiscal e financeira da Argentina e a transformação dos superávits

cx
comerciais do Brasil em déficit, em um quadro de remessas de recursos para o exterior, através da
conta de capital, levaram os dois países (sobretudo o Brasil) à imposição de quotas sobre a
importação de automóveis e à adoção de listas de exceções adicionais (ainda que de caráter
provisório e flexível).
A Argentina, em março de 1995, anunciou um drástico programa de ajustamento fiscal,
buscando restaurar a confiança em sua economia. As medidas relacionadas com o setor externo
mais relevantes desse plano diziam respeito à eliminação de subsídios às exportações, à
reintrodução da "taxa de estatística" (agora de 3%) para produtos de terceiros países e pelo aumento
de zero para 10% das tarifas de importação de bens de capital e de 2% para 10% das alíquotas sobre
equipamentos de telecomunicação.
O Brasil teve, também, de adotar várias medidas no sentido de minimizar os elevados
déficits comerciais apurados desde novembro de 1994 e que decorriam, em grande parte, do Plano
Real. Os déficits crescentes tinham sua origem na valorização excessiva do real, na abertura
antecipada e aprofundada da economia e na exacerbação do consumo que o plano trazia.
Essas medidas foram:
a) Aumento de 20% para 32% na tarifa de importação de automóveis;
b) Novo aumento na alíquota de automóveis e de cerca de outros 100 itens, cobrindo
basicamente eletrodomésticos;
c)Diminuição de alíquota de uma lista de bens não duráveis, itens de baixo valor
unitário, mas com relativo peso nos índices de preços.
Estas medidas acarretaram uma alteração na estrutura tarifária, o que levou o Brasil a
pleitear, junto aos demais países do MERCOSUL, uma lista de exceções, com 150 produtos, de
caráter flexível e provisório (duração de um ano), adicional à lista de exceções definitiva, que já
contava com 299 posições tarifárias. O pleito veio a ser atendido; entretanto, sua negociação
conduziu ao seguinte acerto: os países do MERCOSUL podem alterar, unilateralmente, os impostos
de importação de no máximo 50 produtos (matérias-primas e insumos) que tiverem problemas de
abastecimento, sem a necessidade de consultas aos outros sócios.
Foi, entretanto, a decisão brasileira de impor quotas para a importações de automóveis, que
gerou a maior controvérsia no âmbito do MERCOSUL em 1995. A Argentina não aceitou que as
suas exportações de automóveis para o Brasil fossem limitadas. Entretanto, cabe lembrar que as
exportações brasileiras para a Argentina de veículos estão sujeitas a quotas. As alegações argentinas
baseavam-se em que, através do protocolo "Adequação ao Regime Automotriz Comum", os sócios
se comprometeram a somente modificar os acordos bilaterais de modo a aumentar o intercâmbio
comercial intrabloco. A Argentina alcançou seu objetivo, ficando fora dos limites de quotas, o que
ensejou a acusação feita pelos EUA de comportamento discriminatório do Brasil na OMC. Essa

cxi
facilidade não foi a única concedida à Argentina. Foram as importações deste país e do Uruguai
também dispensadas do pagamento à vista, quando se tratar de têxteis, arroz e milho. E tudo isto, é
bom lembrar, quando o Brasil só possui 30 produtos em regime de adequação, enquanto a
Argentina tem 300, o Uruguai 1.000 e o Paraguai 800.
Recentemente, também, o Paraguai consolidou, junto à OMC, a quase totalidade de suas
tarifas de importação a níveis próximos a zero, enquanto a TEC varia entre 0 e 20%. Consolidando
suas tarifas, o país está impossibilitado de aumentá-las. Se isto ocorrer, os países que se
considerarem prejudicados poderão pleitear compensação através de uma concessão tarifária ou de
outro benefício. A questão que se coloca é: Quem arcará com o ônus da compensação - apenas o
Paraguai, ou todos os países do MERCOSUL?
As observações acima mostram que, neste instante, não seria retórico afirmar-se que o
MERCOSUL, do ponto de vista econômico, transformou-se num excelente negócio para a
Argentina, num bom negócio para o Uruguai, num razoável negócio para o Paraguai e num péssimo
negócio para o Brasil. Os dados econômicos do final do item anterior também convalidam essa
afirmação. Entretanto, a situação atual certamente não perdurará, já que, dada a cada vez maior
dependência da Argentina ao MERCOSUL, ela será obrigada a rever algumas de suas posições, em
especial as abusivas restrições que ainda existem para as aquisições de produtos brasileiros, aquelas
que foram estabelecidas no período em que os saldos das relações comerciais entre os dois países
eram favoráveis ao Brasil. Esta situação, que é claramente desvantajosa aos exportadores nacionais,
certamente terá de ser revista, permitindo reequilibrar as relações comerciais entre os dois principais
sócios do MERCOSUL, com significativos reflexos para consolidação do bloco econômico
regional.
Realizou-se, em Assunção, de 23 de abril de l997, a XXV Reunião Ordinária do Grupo
Mercado Comum (GMC). Na ocasião, foram feitos levantamentos das Atividades desenvolvidas no
Mercosul, como as que se seguem:
A Comissão de Comércio está desenvolvendo trabalhos no que se refere à protocolização,
na Aladi, das Decisões nº 5/96, Regime de Origem, e nº 17/96, Regulamento relativo à aplicação
de medidas de salvaguarda às importações de países não membros não membros do Mercosul.
Os Subgrupos de Trabalho (SGTs) e Grupos Ad Hoc continuaram suas tarefas. O Ad Hoc
de Couros teve ampliado o prazo para a conclusão de suas tarefas; o Ad Hoc de açúcar volta a se
reunir maio de l997; o Ad Hoc de Serviços foi instruído para que acelere seus trabalhos para
finalizar a parte normativa do Acordo até 30.09.97; o Ad Hoc de políticas Públicas que Distorcem a
Competitividade teve sua primeira reunião marcada para o fim de maio; e o Subgrupo de Trabalho
sobre Saúde (SGT-11) apresentou seu projeto de pautas negociadoras, tarefas prioritárias e prazos,
que devem ser analisados na próxima reunião do9 GMC.

cxii
Durante a VII Reunião de Ministros de Economia e Presidentes de Bancos Centrais, a
primeira depois da entrada em vigor da União Aduaneira, no dia 23.04, o Brasil explicou a Medida
Provisória nº1.569, sobre operações de financiamento de importações e os Ministros fizeram um
relato sobre a situação macroeconômica de seus países.
Por sua vez, durante a Reunião do GMC, o Paraguai expôs e explicou alcance da medida
constante do Decreto do Poder Executivo nº 16.416/97, que trata de regimes especiais de
importação. De acordo com o representante daquele país, a medida, que sofreu críticas de Brasil e
Argentina, já existia a figura no inventário das medidas do ano de l994.
A Comissão do Comércio do Mercosul (CCM) havia sido instruída na XXIV Reunião
Ordinária do Mercosul para completar o levantamento dos regimes especiais de importação vigentes
nos Estados Partes. A exceção do Uruguai, os demais membros querem que o GMC amplie este
mandato instruindo o estudo do efeito potencial de ditos regimes e uma análise preliminar sobre a
conveniência de harmonizar ou eliminar alguns deles.
A reclamação que havia sido feita pelo Uruguai com respeito ao setor de papel contra a
Argentina foi resolvida por meio de um acordo entre as partes.
Ademais, o Mercosul continua seus entendimentos com diversos países e blocos
econômicos com vistas a maior aproximação comercial. Assim, os entendimentos continuam com
Bolívia, Chile, demais países andinos, México, no âmbito da Alca, com a União Européia, com a
Coréia, Panamá, Suíça, Japão, CER, CEI, China, Asean, Canadá e Grupo de Cairns.
A Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM) avança em suas atividades a apresentou
algumas propostas de trabalho como a criação de um Boletim Oficial do Mercosul, o formato de
Ata para reuniões dos órgãos e uma página WEB (Internet).
No segundo semestre de 1997 a Presidência Pró-Tempore do Mercosul passou a ser
exercida pelo Uruguai.
No dia 27.04.97, os Presidentes do Brasil e da Argentina se encontraram no Rio de Janeiro.
Na ocasião, foram tratados temas como o aprofundamento da integração regional (Mercosul) e
comércio, notadamente nas áreas automotiva, de couros, de têxteis, café solúvel, de vinhos e de
medicamentos. Além disso, reafirmou-se o compromisso de definir normas que permitam
transações de energia elétrica e de gás natural livremente contratadas entre empresas dois países
Está programada para julho de 1998 uma nova reunião de cúpula.
Outro fator que contribuirá para o ajuste fino do MERCOSUL, é a relação cambial, que tem
sofrido sensíveis variações desde 1992,. Esse ajuste deverá ser feito observando a produtividade das
duas economias, em especial de suas atividades industriais, e não considerando relações externas
decorrentes de pressões de outras economias.
4.8- CONSIDERAÇÕES FINAIS

cxiii
Mesmo considerando os resultados positivos para o país, a opção do Brasil de passar de um
acordo bilateral para um acordo quadripartite de integração não seguiu considerações
exclusivamente econômicas, em especial se considerarmos a pouca relevância que se expressam nas
relações comerciais brasileiras com os dois novos sócios. O acordo deve ser visto, portanto, pela sua
importância estratégica.
Esta importância estratégica se materializa ao permitir ao Brasil, por meios econômicos,
exercitar ações geoestratégicas. Ou seja, o MERCOSUL seria o ponto de partida para a formação
pretendida de um projeto de integração maior, englobando toda a América do Sul, ou até mesmo
toda a América Latina, buscando sempre melhorar a inserção internacional da região.
Como, em paralelo ao MERCOSUL, estão em andamento outros acordos entre blocos de
países da região (Pacto Andino) as negociações futuras devem observar o princípio de serem
negociações entre blocos de países, e não mais entre países isolados, caso objetive-se materializar a
integração sul-americana.
Buscando essa integração, o governo brasileiro já propôs a formação da Associação de Livre
Comércio Sul-Americana (ALCSA), em um prazo de 10 anos. Essa proposta foi levada à 7ª
Reunião de Cúpula do Grupo do Rio, realizada em Santiago do Chile, em outubro de 1993.
Quanto à negociação com a União Européia, que é o principal parceiro comercial para o
conjunto dos 4 países, a mesma conduziu as conversações para a formação de uma zona de livre
comércio entre ambos.
Enquanto isso, progridem as negociações visando a integração plena do Chile e da Bolívia
ao MERCOSUL. Tanto o Chile como a Bolívia assumiram em 1997 o compromisso de participar de
uma zona de livre comércio com o bloco no esquema 4+1, dado que os dois países não pretendem,
por enquanto, a participação na união aduaneira, nem no mercado comum. Está progressivamente se
avançando na busca da assinatura de um acordo de inserção completa do Chile e da Bolívia com os
países do MERCOSUL..
Para finalizar, é importante ressaltar que o maior mérito do MERCOSUL para o Brasil é o
de possibilitar o conhecimento quanto à natureza de um processo de integração, aumentar nosso
poder de barganha e propiciar uma posição mais vantajosa na economia internacional, compatível
com a nossa situação de potência ascendente. Para tanto, faz-se mister que o bloco seja visto como
um interlocutor de peso e confiável, imagem que vem sendo trabalhada e divulgada pela diplomacia
brasileira.

cxiv
CAPÍTULO V
FORMATANDO O MEGAESTADO: A COOPERAÇÃO SUL-
AMERICANA

A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL(1988), como já foi


colocado, estabelece no seu artigo quarto, parágrafo único, que:
“A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e
cultural dos povos da América Latina visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações.”
Não é algo que está ali como o desejo de alguns, nem é uma letra morta. É o resultado
evidente de uma novo discurso nacional. A idéia da integração da América Latina não é uma idéia
nova. De certa forma, esta idéia está presente no imaginário sul-americano, desde a sua concepção.
Os mitos fundadores da América espanhola são os mesmos mitos fundadores da América
portuguesa: O Mito de uma Cristandade Reunida, o Mito do Eldorado, O Mito da Eterna Juventude
e o Mito do Paraíso Redescoberto. O imaginário coletivo dos latino-americanos os referencia como
a base para a montagem de um futuro comum e grandioso. Esta busca é o nossa quimera. Nossa,
também, como brasileiros.
O sonho, a quimera nos traz a dinâmica. E temos de fazer uso dela. Mas para isso temos de
interpretá-lo corretamente. E só o faremos se decifrarmos as suas raízes, as origens do nosso
enigma. Temos para isto, antes de tudo, de nos situar, temos de nos posicionar no tempo e no
espaço que nos cerca. O que somos? Onde estamos? Estas são as respostas de COSTA(1996m):

cxv
a)Somos um país continental, reflexo menor da base territorial do continente que nos
abriga: a América do Sul;
b)Temos o predomínio da meridionalidade, ou seja, somos o principal Estado-Nação
ao sul do Equador;
c)Somos uma sociedade absorvente, onde os laços de nacionalidade são
estabelecidos pela naturalidade, e, onde, a miscigenação é regra e onde, a discriminação é exceção;
d)Constituímos a maior sociedade católica do mundo e ao mesmo tempo, somos
tolerantes com as demais religiões, alem de adotarmos o sincretismo religioso;
e)Temos dentro de nós o instinto mercantilista, fruto de sermos uma criatura do
mercantilismo e do comércio e não o resultado de piratas;
f)Mantemos o nosso vínculo com a latinidade, somos latinos, vinculados, portanto,
ao ramo originalmente culto da civilização ocidental:
g)Somos de origem ibérica, o que nos faz todos apólogos do pensamento ocidental,
Dons Quixotes, de onde podemos explicar o porquê de que no imaginário do brasileiro, todos nós,
brasileiros, somos todos heróis; ou seja somos aqueles que buscamos o que queremos ser e o somos;
e
h)Somos inicialmente o resultado das grandes navegações e, em razão de nossas
origens, opomo-nos frontalmente à intransigência, já que resultamos, da sua negação, ou seja da
razão e do seu primeiro movimento moderno: o Renascimento.
Em função destes posicionamentos, quais seriam os pensamentos em si pré-estabelecidos
que suportarão os nossos objetivos de mundialização na América do Sul?
Nada mais presente, de início, do que a cooperação sul-americana, como primeiro passo,
pois ela reforça todos esses posicionamentos a respeito do Brasil, pois todos os posicionamentos
descritos estão postos, também, na América do Sul. A integração dos países sul-americanos, fruto
maior de uma efetiva cooperação dará tanto a eles próprios como para o Megaestado(O conceito de
Megaestado, aqui posto, é o já mencionado, o da estrutura ordenadora de sociedades que estão se
integrando buscando se constituírem em um pólo ascendente de poder) resultante desse conjunto de
países, primeiramente, as seguintes condicionantes estratégicas que coincidem com a proposta
colocada de estratégia nacional
• Domínio da massa territorial sul do Hemisfério Ocidental;
• Domínio do Atlântico Sul e de suas ligações com o Índico e com o Pacífico Sul; e
• Projeção sobre a África Ocidental, América Central, Caribe e Oceania
Cabe, agora, questionar se o futuro nos apresenta novos desafios. Pragmaticamente, dentro
do contexto descrito, cabe perguntar que parâmetros balizarão um Megaestado que esteja no centro,
nas primeiras décadas do terceiro milênio, de forma a considerá-los orientadores da formulação, da

cxvi
especialização e do aperfeiçoamento sucessivos a que deverá estar submetido a nossa estratégia
nacional. Em resposta a esta pergunta, COSTA(1996n) coloca que será um Megaestado que:
•saberá reagir à velocidade das inovações;
•terá sua infra-estrutura básica altamente desenvolvida;
•terá disponibilidade energética;
•dominará a telemática;
•terá capacidade de desenvolver um sistema democrático mais participativo;
•terá Forças Armadas desenvolvidas e capacitadas a defenderem seus interesses,
patrimônio e soberania;
•terá desenvolvido um alto grau de cultura da sua população, com ênfase na
educação para a cidadania, que permita uma convivência mais harmônica entre seus
membros;
•terá conseguido um grau de equilíbrio entre as atividades voltadas para a
produção do conhecimento e as voltadas para o serviço e o lazer;
•terá um alto grau de higidez na sua população;
•terá um nível de desemprego desprezível; e
• terá capacidade de usar seus recursos naturais de forma soberana, privilegiando o
desenvolvimento auto-sustentável e considerando as vantagens relativas do seu uso.
Estes são os balizadores dos futuros reclamos. Como se vê, os futuros reclamos só
acrescentam aos do passado, além de um maior espaço, uma nova ênfase nas teses de segurança, de
desenvolvimento e de justiça social. Mas como montá-los?
Contudo, a questão não se cinge mais, exclusivamente, ao Brasil. É uma questão do
MERCOSUL. e também dos demais países da região. A primeira de todas as medidas é a
valorização de nossas raízes ibéricas e de nossas manifestações culturais. Além deste aspecto
cultural, já identificado, e que constitui a base de todo o restante, outras ações devem incluir:
1. A conformação de um mercado comum na América do Sul provido de um único e mesmo
sistema aduaneiro protecionista, que garanta o desenvolvimento da indústria regional, para suprir ,
ao máximo possível, as necessidades regionais;
2. A integração física da região, mediante a construção de grandes obras de infra-estrutura,
que induzam, naturalmente, o aumento da produtividade global da economia;
3. A introdução de uma única moeda e um só sistema creditício voltado para o
desenvolvimento da região;
4. O amplo acesso à tecnologia disponível de forma a utilizar ao máximo a força de trabalho
existente no subcontinente, com a maior produtividade possível; e,principalmente,

cxvii
5. O credo perene em nossas teses e soluções, aliás mais do que isto, acreditarmos sempre
que somos capazes de transformar nossos sonhos em realidade.

5.1 - A ECONOMIA COMO MEIO


Diferentemente da Europa ou da América do Norte, o continente sul-americano é um
continente onde a doutrina econômica prevalecente tem de ser a doutrina do desenvolvimento. A
América do Sul tem de se voltar para transformar seu potencial em poder. Portanto, o que adiante
proporemos tem seu fundamento nos conceitos de economia física, como o proposto pela Sociedade
Brasileira de Economia Física, SBEF(1988a). Os padrões de desenvolvimento econômico e social
do Brasil e dos demais países da América do Sul são profundamente desiguais, tanto entre si, como
dentro de seus próprios territórios, conforme o disposto nos relatórios da ONU (1992) e da
CEPAL(1997a) . No Brasil e nas demais nações, uma menor parte da população, vive e trabalha em
condições comparáveis aos dos países centrais. Entretanto, tanto no Brasil, como nas demais
nações, a maior parte da população pobre e das zonas rurais vive em condições de produtividade e
de rendimento do século XIX.
Os principais problemas com que se defronta no continente sul-americano, na busca do
desenvolvimento, são:
a) o não entendimento generalizado nas elites intelectuais do subcontinente que a América
do Sul é uma economia periférica, ou seja se constituiu na periferia da economia mundial, o que lhe
traz sérias questões decorrentes das : i) falhas de mercado( em especial no mercado do fator
trabalho), ii) assimetrias do sistema econômico e do comércio internacional , e iii) inação ou má
atuação dos governos no fomento ou no equilíbrio do desenvolvimento
b) a inexistência de uma ligação econômica permanente entre os diversos setores da
economia, o que conduz a que não se produza uma adequada alocação do excedente econômico
entre os centros urbanos e a área rural; e
c) a falta de emprego produtivo para o grande número de desempregados já existentes e a
inoperância em atender, anualmente, a grande massa de jovens que ingressa no mercado de
trabalho;
Em tais condições, a base para montar uma economia dinâmica é, em primeiro lugar, se
construir, como propugna a SBEF(1988b), uma ampla infra-estrutura econômica integradora de
grande escala, garantindo preços justos, protegidos, para os produtores, de tal forma, que se
constitua, em paralelo, um mercado para a tecnologia e os produtos desenvolvidos internamente,
algo que, numa espiral virtuosa, alavancará a produtividade geral da economia.
Nesta visão, que coonesta o discurso de LANDES(1998), deve-se dar ênfase a incentivar e a
proteger o segmento industrial, com base num contexto de ampliação generalizado de bens

cxviii
industriais empregados na construção de infra-estrutura e no desenvolvimento da produtividade
agrícola buscando o desenvolvimento de uma sociedade de massa.
Especial atenção, portanto, deverá ser concedida, portanto, ao parque instalado produtor de
bens de capitais, em especial, os formadores de novas plantas industriais e abastecedores da
construção de nova infra-estrutura.
O que se deve destacar é que o mercado comum proposto representa, atualmente, uma
população de mais de trezentos milhões de pessoas e que nenhuma nação a não ser o Brasil tem
força de trabalho suficiente adestrada, no momento, para manter uma gama ampla de indústria de
bens de capital.
Considerando-se que a receita média da maior parte da população, em toda América do Sul,
é bastante baixa, existe uma clara limitação de renda ao projeto pretendido. Apesar disto, o mercado
regional, em sua totalidade, já tem uma massa crítica que justifica e garante a expansão crescente do
parque implantado de bens de capital na região, desde que se invista, no desenvolvimento
econômico, parcelas crescentes do somatório das poupanças nacionais. A elevação da taxa de
formação bruta de capital é uma necessidade premente para toda a região.
Conjuntamente, ao já mencionados desenvolvimentos do setor de infra-estrutura e do setor
agrícola, existe a falta de um desenvolvimento adequado da força de trabalho, como um todo, tanto
no Brasil, como nos demais países da América do Sul. As principais deficiências a corrigir estão
centradas na área social, ou seja na educação, na nutrição, na assistência médica, na saúde e na
higiene.
Para a educação, o modelo a ser seguido no Brasil e nos demais países da América do Sul,
tanto na educação de base, como na educação superior, não pode fugir dos parâmetros alemães,
aqueles traçados por Schiller, por Wilhelm von Humboldt,e por Bismack, ou tal como propôs,
recentemente, o governo japonês no seu programa para a educação no Japão, no século XXI. A
educação primária e secundária deverão priorizar a cultura clássica e a capacitação pré-científica,
para que não faltem, na América do Sul, às próximas gerações, a capacitação requeridas pelas novas
tecnologias. Importância especial deverá ser concedida no ensino superior às ciências e ao
conhecimento e ensino científico.

5.2 - INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA E AUTO-SUFICIÊNCIA


Dando preferência absoluta ao comércio intra-regional na América do Sul, e criando os
mecanismos comerciais e financeiros apropriados a esta preferência, os países sul-americanos
poderão aumentar, rapidamente, seu intercâmbio comercial em todas as linhas de produção. As
capacidades ociosas que prevalecem em muitas indústrias podem ser utilizadas, plenamente, para

cxix
cobrir as necessidades efetivas do subcontinente, reativando, assim, o parque industrial e
impulsionando, com isso, a produção e o emprego em todos os países da região.
Procedendo desta maneira, em pouco tempo, a América do Sul poderia duplicar seu comércio
intra-regional; o que implica em comercializar, internamente, mais de 50% do comércio exterior
total dos países da região. Isto poderia ser feito tão somente reorientando para o subcontinente as
exportações atuais de alimentos e energia para cobrir as necessidades dos países que os necessitam.
O caso exemplar da integração entre o Brasil e a Argentina, como vimos no capítulo anterior,
reafirmam os pressupostos desta proposta.
Em questão de semanas, meses, ou talvez poucos anos, à base de um maior conhecimento
das possibilidades de exportação e das necessidades de m
i portação de produtos manufaturados de
todos os países da região, estima-se, como coloca a SBEF(1988c), que o comércio intra-regional
poderia chegar a absorver mais de 75% do total do comércio exterior, superando inclusive o nível
de integração atual do comércio da União Européia. Isto, se deve ao grande grau de
complementaridade das economias sul-americanas. Os 25% restantes seriam formados pelos
produtos que a América do Sul não produz, nos dias de hoje, e, por aqueles, cuja capacidade de
produção é insuficiente no tocante às necessidades atuais, como é o caso de certas matérias primas
para a indústria química, diversos produtos básicos como fertilizantes, pesticidas e medicamentos, e
uma grande parte dos bens de capital, sobretudo maquinaria e equipamentos de alta tecnologia Uma
análise mais detalhada está colocada no Quadro 18 adiante.
O fato é que se considerarmos o subcontinente em seu conjunto, isto é, como uma só
economia, a América do Sul dispõe de capacidade produtiva, recursos naturais e força de trabalho
suficientes para cobrir quase que totalmente as suas necessidades atuais.
QUADRO 18
NÍVEL DE AUTO-SUFICIÊNCIA DA AMÉRICA DO SUL
(porcentagens)
Superior a 80% Inferior a 80%
Alimentos: Minerais:
Cereais..................... 123 Carvão e 40
.... coque.................
Carnes..................... 123 Cromo.......................... 73
..... .....
Peixe e 188 Titânio......................... *
mariscos.......... ......
Leite e 105 Tungstênio................... *
derivados......... .....

cxx
Frutas e 115
verduras.........

Energéticos: Matérias primas:


Petróleo 142 Rocha 45
cru................. fosfórica.................
Petróleo 100 Potássio....................... *
refinado......... ......
Soda 73
cáustica....................

Minerais: Produtos básicos:


Minério de 257 Fertilizantes................. 70
ferro.......... .....
Minério de 128 Pesticidas..................... 45
cobre......... .....
Bauxita.................... 183 Medicamentos............. 30
.... ......
Manganês................ 161
....
Enxofre.................... 97 Manufaturas:
...
Máquinas e
Metais básicos: equipamento................ 50
.....
Automóveis e
Ferro e 100 caminhões.................... 70
aço................... .....
Cobre....................... 282
....
Alumínio................. 120 Produtos básicos:
....
Chumbo................... 123 Cimento....................... 100
.... .....

cxxi
Zinco....................... 104 Fibras 85
.... sintéticas................
Estanho.................... 114 Manufaturas:
....
Níquel...................... 100 Têxteis......................... 105
... .....
* Auto-suficiência inferior a 10%
Fontes: ONU, BIRD e estimativas da SBEF.
Se fossem completadas as capacidades de cada país com as dos demais reduzir-se-ia,
enormemente, a dependência e vulnerabilidade econômica do subcontinente. Dessa maneira, a
América do Sul até estaria em condições de atuar como potência econômica no concerto mundial.
Hoje, sem dúvida, a América do Sul, excetuado, e mesmo assim com ressalvas, o
MERCOSUL, padece de uma escassa integração econômica, e, em conseqüência, apresenta uma
orientação errônea, em nossa opinião, para o comércio exterior de cada país. Embora alguns países
produzam o que os demais necessitem, em sua grande maioria, os produtos são exportados para fora
da região, e as necessidades são cobertas, principalmente, por importações também extra-regionais.
Isto se dá, porque, individualmente, cada país sul americano subordinou suas exportações ao
objetivo central de conseguir divisas para pagar suas dívidas externas e equilibrar o balanço de
pagamentos. Por conseguinte, criou-se uma excessiva dependência da divisa, em especial, do dólar,
para o comércio, de modo que a simples idéia de deixar de receber dólares assusta a cada um e a
todos os governos sul-americanos. Os governos tendem a associar sua segurança econômica ao
único fato de possuírem, em reserva, determinada quantidade de dólares, independentemente, do
estado real em que se encontra sua economia. Em tais circunstâncias, a “estratégia comercial” se
reduz a vender o que seja, a quem quer que seja, desde que o pagamento seja feito em dólares. Mais
recentemente, a estratégia alterou-se na forma, mais mantendo suas características perversas. Agora,
procura-se importar capitais e não mais com tanta ênfase exportar produtos. Em toda a América do
Sul, no momento, toda a importação de capitais é bem vinda, mesmo tendo fins especulativos ou
voltada para a desnacionalização de ativos. No fundo o que se continua querendo é o dólar.
Na realidade, a vulnerabilidade econômica dos países sul americanos é devida à sua falta de
integração. Como o Quadro 18 demonstra, em seu conjunto, o subcontinente produz praticamente a
totalidade dos alimentos, recursos energéticos e minerais estratégicos de que precisa. Produz,
também, ou está capacitado a satisfazer a maior parte de suas necessidades de produtos
manufaturados, com exceção de alguns produtos específicos e diversos bens de capital de alta
tecnologia.

cxxii
Para determinar a auto-suficiência real do subcontinente em seu conjunto, consideraram-se
os volumes de produção e consumo de cada um dos produtos referidos, nos últimos dez anos,
durante os anos em que se registraram as maiores produções, de maneira a refletir a real capacidade
de que dispõem os países sul-americanos, até a data atual, para satisfazer os níveis máximos de
consumo alcançados na região. Estabelecendo uma auto-suficiência de 80%, como o mínimo
exigido para enfrentar uma situação de bloqueio ou de guerra econômica, ou mesmo de autarquia
econômica, foram detectados os casos abaixo desse nível, com o fim de precisar as debilidades do
subcontinente. As debilidades são poucas: na maioria das necessidades é registrada uma auto-
suficiência superior a 100%.
Quanto aos insumos energéticos, a situação da América do Sul é ainda mais favorável,
devido aos grandes volumes de produção e reservas de petróleo e gás da Venezuela, do Peru e do
Equador, principalmente, graças aos quais, não só se pode atender as necessidades da demanda
regional, mas se dispor, além disso, de grandes excedentes, para aumentar o comércio com outros
países fora da região.
Em questão de alimentos - fundamental em toda economia - a maioria dos países sul-
americanos apresenta uma estrutura produtiva antiga e deformada, devido a práticas coloniais que
persistem em seu comércio exterior, já que dependem das importações de grãos, uma vez que
exportam grandes volumes de outros produtos agrícolas, em geral culturas como a do açúcar de
cana, café e frutas. Mas no conjunto, atualmente, a América do Sul produz grãos suficientes para
abastecer com sobras suas necessidades, devido aos grandes excedentes gerados pela Argentina e
pelo Brasil, o que possibilitaria, na meta da integração econômica regional, uma imediata auto-
suficiência alimentícia e eliminaria a vulnerabilidade do subcontinente a este respeito
Nos itens de minerais e matérias primas, o balanço global é, também, muito favorável, dada
a grande abundância de recursos naturais e a grandes reservas de minérios já detectadas na região,
particularmente, na Bolívia, no Brasil, no Chile e no Peru. Em vários minerais básicos - ferro,
cobre, alumínio, manganês - dispõe-se, atualmente, de reservas e de produção suficiente, para cobrir
as necessidades do subcontinente e ainda exportar excedentes consideráveis. Nestes itens, as atuais
deficiências são poucas e se limitam principalmente ao carbono coqueificável, na produção de
alguns metais siderúrgicos, como o cromo, o titânio e o tungstênio, em alguns minerais para
fertilizantes, tais como rocha fosfórica e potássio, e em diversas matérias-primas para a indústria
química. As limitações podem ser reduzidas notavelmente nos casos do carvão, titânio e rocha
fosfórica; dadas as abundantes reservas virgens destes minerais, o mesmo se pode dizer da maioria
das matérias-primas para a indústria química. Todavia, a região é deficitária sobretudo em
fertilizantes potássicos e diversos produtos químicos, que poderia se constituir numa limitação para
manter as capacidades de outros setores produtivos, no caso de boicote estrangeiro às importações

cxxiii
destes produtos. Esforço especial deverá ser feito no campo químico para a superação desta possível
fraqueza.
No aspecto dos produtos manufaturados, é importante diferenciar primeiro, os bens
intermediários dos bens de consumo e dos bens de capital. Em bens intermediários, a América do
Sul é praticamente auto-suficiente. Nos casos do aço e cimento, dois dos insumos mais importantes
para o desenvolvimento de qualquer espaço, a América do Sul é suficiente. É bem verdade que o
ambicioso programa de infra-estrutura proposto nos levará a necessitar de mais que duplicar a
produção atual destes insumos. Contudo, uma base produtiva inicial já encontra-se disponível.
Na questão de bens de consumo, o subcontinente tem uma base industrial relativamente
ampla e integrada no tocante a bens de consumo imediato, tais como alimentos processados,
vestuário e calçados, nos quais existe a capacidade para abastecer praticamente a totalidade das
necessidades de países da região, enquanto que nos produtos de consumo duráveis os níveis de
auto-suficiência e integração são menores. Em geral, pode-se afirmar que a América do Sul é capaz
de produzir mais de 90% dos bens duráveis que consome atualmente, sendo maior a proporção no
caso de móveis e aparelhos domésticos, e menor em automóveis e aparelhos eletrônicos. A política
decorrente do chamado “Consenso de Washington” que vem sendo adotada por todos os países da
região tem minimizado a capacidade produtiva de bens duráveis da região, em decorrência da
expressiva abertura comercial que esses países estão praticando. Isto é danoso ao processo
integracionista, condutor da formação de um Megaestado, e precisa ser revertido.
Mas, sem dúvida, o lado mais fraco das economias da América do Sul está em sua baixa
capacidade de produção de bens de capital, sobretudo no que se refere a maquinaria e equipamentos
de tecnologia muito moderna. Em questão de bens de capital, a América do Sul produz, em
conjunto, apenas 50% de suas necessidades, e concentra a maior parte de suas capacidades
produtivas no MERCOSUL. Mas, na realidade, só um deles, o Brasil, tem uma indústria
relativamente ampla e integrada, que gera cerca de 70% da produção total da região e abastece em
torno de 80% de suas necessidades internas. Perante um bloqueio comercial, esta fraqueza
representaria um enorme obstáculo à expansão das capacidades produtivas da região e, o que é mais
grave, poria em perigo a própria operação da base produtiva existente, devido à falta de
sobressalentes e peças de reposição. Eliminar esta fraqueza produtiva é uma das tarefas de maior
importância e urgência para a integração econômica do subcontinente, que exige, além de grandes
esforços em matéria tecnológica, encontrar verdadeiros “sócios” entre as nações industrializadas e
em seus meios gerenciais, que estejam dispostos a cooperar no pretendido esquema de integração
regional.
Em suma, as principais vulnerabilidades do subcontinente estão nos itens seguintes, em que
o nível de auto-suficiência é inferior a 80%:

cxxiv
• Carvão e coque: 40%
• Rocha fosfórica: 45%
• Potássio: 2%
• Fertilizantes: 70%
• Pesticidas: 45%
• Medicamentos: 30%
• Maquinaria e equipamentos: 50%
Outra fraqueza da América do Sul está na insuficiência de sua frota mercante. Na maioria
dos países a frota existente não cobre as necessidades de transporte interno por navio (cabotagem e
transporte fluvial), enquanto que no aspecto do comércio exterior cobre, como coloca a
SBEF(1988c), apenas em torno de 20% das importações que se realizam mediante transporte
marítimo de alto mar e menos de 10% das exportações se realizam por este meio. Todos os países
da América do Sul dependem, em alto grau, de companhias armadoras estrangeiras que operam nas
mãos dos grandes cartéis que controlam o mercado mundial. Em caso de bloqueio comercial, tal
situação se converteria em uma grave limitação, pois os países do subcontinente não teriam a
capacidade de transporte marítimo necessária para incrementar o comércio intra-regional, embora
dispusessem em abundância dos produtos exigidos com tal objetivo.
É bom ressaltar que uma vez identificadas suas fraquezas, a América do Sul deve identificar
também seus pontos fortes, a fim de empregá-los, totalmente, para contrabalançar os efeitos de um
imaginário mas possível bloqueio, voltando, como arma de dois gumes, contra os países que os
aplicam. O fato é que o subcontinente abastece os países industrializados de uma série de produtos
básicos para a operação de suas indústrias, como é o caso de diversos minerais estratégicos que se
empregam na produção de aços especiais e ligas metálicas, cuja escassez poderia chegar a paralisar
certos setores da indústria desses países.

5.3 - A POLÊMICA QUESTÃO DEMOGRÁFICA


Demografia foi pela primeira vez definida por GUILLARD(1855). Contudo
MALTHUS(1816a) havia, anteriormente, analisado as pressões populacionais e predito um futuro
terrível para a humanidade, na corrida entre a produção de alimentos e o crescimento populacional.
MALTHUS(1816b) foi contestado por GEORGE(1879), pensador que, além de defender uma
visão tributária conhecida como teoria de “imposto único”, também defendia que a riqueza depende
do crescimento da população. Esta defesa ele fazia não porque o trabalho barato poderia ser melhor
explorado, já que a pobreza é sempre uma enorme fonte geradora de impostos, mas, sim porque o
crescimento populacional impulsiona na sua concepção a criatividade.

cxxv
Um problema que se coloca quando se discute a América do Sul é a afirmativa que existe
neste subcontinente uma séria questão demográfica. Em nossa opinião, não há uma questão
demográfica. Há, sim, grandes vazios demográficos na região.
Em nossa opinião, devemos ter uma ótica próxima a GEORGE(1879) para tratar esta
questão, pois:acreditamos, a exemplo da SBEF(1988d), que:
1) não existem exemplos históricos válidos de desenvolvimento econômico ou industrialização bem
sucedida, em grande escala, que não fosse acompanhada por um veloz aumento da população
2) não há uma relação causal ou uma correlação histórica demonstrável entre a pobreza e o
crescimento rápido da população; e
3) no caso da maioria dos países da América do Sul, é a quantidade e densidade inadequadas da
população, ao invés da superpopulação, que constituem graves obstáculos ao crescimento bem
sucedido.;
Portanto, em nossa opinião, para sustentar qualquer ritmo razoável de progresso econômico, a
porção da força de trabalho dedicada às manufaturas deve ao mesmo tempo aumentar em magnitude
total e em relação aos setores agrícolas e de serviços. Tal reestruturação é necessária para reduzir o
peso que representa para o setor gerador de crescimento a agricultura de subsistência e os cada vez
menos improdutivos empregos em serviços. Contudo, como veremos adiante, maior população
exige muito maior educação.
A América do Sul está, em nossa opinião, ainda, é bastante despovoada, e a menos que a taxa
de crescimento demográfico deixe de baixar, e a menos que a população total se duplique em 30
anos e se quadruplique em 60, o desenvolvimento econômico apoiado em tecnologia moderna será
uma simples quimera.
Isto se contrapõe a todo um discurso “neo-malthusiano” prevalecente e de certa forma
imposto exogenamente ao subcontinente. Se contrapõe e contesta, em nossa opinião, até certo
ponto, a posição, de BATISTA(1996a), que adjetiva o desenvolvimento com o termo sustentado.
Todavia, é plenamente compatível com o pensamento religioso prevalecente na região: o
pensamento católico.
A título de exemplo, todos os países que se industrializaram com sucesso desde a revolução
industrial, confirmam, empiricamente, o que mencionamos, anteriormente: Sempre o fizeram
acompanhados de um alto ritmo de crescimento demográfico. O Quadro 19, abaixo, apresenta as
taxas de crescimento demográfico de alguns países do subcontinente.
QUADRO 19
DENSIDADE DEMOGRÁFICA NA AMÉRICA DO SUL
SÉCULO XX

cxxvi
Países 1900* 1940 1980
Argentina 1,4 5,7 10,2
Brasil 2,0 4,8 14,2
Colômbia 3,6 7,6 22,7
Chile 4,3 6.6 14,7
Peru n.d. 5,5 13,5
Venezuela 2,6 4,3 17,4

* Dados do ano de censo mais próximo a 1900,que não foi o mesmo em cada país
Fonte: anuários estatísticos de cada país.
A taxa de 2,0 % anual e atual, certamente, expressa um rápido aumento da população, e
certamente não impede o crescimento econômico acelerado. A referida taxa é, ademais, bastante
semelhantes às que teve o Brasil nos anos 70.
Somos de opinião que não pode haver nenhuma correlação válida entre as taxas de
crescimento de toda a população, ou da que está em idade de trabalhar, e as taxas de crescimento do
PIB total ou do PIB em manufaturados. Vejamos, para justificar esta nossa assertiva, o caso do
Brasil. Se argumentarmos que a redução da taxa de crescimento demográfico neste país, de 1960-
1965 a 1980-1985, corresponde às altas taxas de crescimento total e do setor manufatureiro em
1965-1975, esta mesma redução corresponde, também, ao contrário: à interrupção do crescimento,
depois de 1980, justamente no período de maior aumento da população em idade de trabalhar. A
Argentina, país de menor população e menor crescimento da população em idade de trabalhar,
mostra também, por uma grande diferença, a menor taxa de crescimento econômico. O Chile,
penúltimo em crescimento demográfico, ocupa também o penúltimo lugar em crescimento
econômico. A Colômbia, cujo crescimento demográfico se destacou nos anos 70, não mostra
variação apreciável em suas taxas de crescimento nesses 30 anos.
Em outras palavras, a taxa de crescimento demográfico não incide, por si mesma, na
velocidade em que pode se desenvolver economicamente um país, com as restrições óbvias. As
determinantes do desenvolvimento independem do crescimento demográfico, e o esforço de
vinculá-los tem confundido deliberadamente as verdadeiras causas do crescimento industrial e
econômico - ou sua ausência - nos países subdesenvolvidos.
QUADRO 20
DEMOGRÁFIA COMPARATIVA COM A CORÉIA DO SUL,
SÉCULO XX
(habitantes por Km²)
1900* 1920* 1940* 1960 1980

cxxvii
Argentina 1,4 2,8 5,7 7,4 10,2
Brasil 2,0 3,6 4,8 8,5 14,2
Colômbia 3,6 5,1 7,6 13,6 22,7
Chile 4,3 4,9 6,6 10,0 14,7
Peru 5,5 7,7 13,5
Venezuela 2,6 2,7 4,3 8,4 17,4
Coréia do 168,5 253,9 387,8
Sul
*Dados do ano de censo mais próximo da década, que não é o mesmo em cada década nem é
o mesmo em cada país.
Fonte:SBEF
Na verdade, o discurso da contenção demográfica conspira contra o desenvolvimento da
região e contra as teses predominantes, na América do Sul, como já foi colocado, da Igreja Católica.
A questão da densidade demográfica e do desenvolvimento resistem a qualquer correlacionamento
regressivo quando se explicitam os dados, como, por exemplo, os do Quadro 20, exposto
anteriormente, onde se adotou um claro referencial, que é o caso paradigmático da Coréia do Sul .
Por seus recursos, a América do Sul é uma das regiões mais ricas do mundo. Não carece nem
de alimentos, nem de potencial para produzir energia, nem de recursos abundantes para o
desenvolvimento industrial. Foi a carência de uma mobilização adequada destes recursos, em nossa
opinião, em especial de energia, mais que qualquer pressão demográfica, que condenou a maioria
da população sul-americana a seu estado atual de penúria. O Quadro 21, abaixo, compara cifras de
densidade energética, densidade demográfica e PIB por quilômetro quadrado na América do Sul
com as da Coréia do Sul e várias nações do setor industrializado.
QUADRO 21
ENERGIA, PIB E DEMOGRAFIA
DIVERSOS PAÍSES(1988)

Países Energia per Energia por km2 Densid. Demogr. PIB por km2
capita (TCE*) (TCE*) (hab por km2) (em dólares}

Argentina 2,1 26,7 11,0 50,4


Brasil 1,1 20,4 18,3 80,8
Colômbia 1,1 34,4 35,0 51,0
Chile 1,1 20,0 16,4 59,0
México 1,9 88,3 48,5 79,0
Peru 0,8 14,1 18,0 27,0

cxxviii
Venezuela 3,3 81,3 25,0 95,0
Coréia do Sul 1,7 743,0 480,0 1130,0
Espanha 2,7 204,3 75,7 552,0
Itália 3,6 674,2 188,8 1.432,9
França 5,0 499,4 99,8 1245,0
Alemanha 6,0 1466,4 243,3 2.822,8
Japão 4,3 1421,7 338,0 4.112,4
EUA 10,2 285,9 28,0 542,7

Dados que correlacionam energia, população e PIB


Fonte:SBEF
O quadro mostra em particular uma estreita correlação entre o consumo de energia comercial
por quilômetro quadrado e o PIB por quilômetro quadrado. Isso certamente não deve se constituir
numa grande surpresa, pois a energia por quilômetro quadrado reflete a densidade da indústria e a
intensidade da atividade agrícola. Incrementando-se estas, certamente estar-se-á criando as
condições necessárias par erradicar-se a pobreza. Aumentando para um fator de 10 e 50,
começaremos a aproximarmo-nos dos níveis de desenvolvimento da Europa Ocidental. Para isto,
teremos que obter a inversão de capital necessária.
O problema que nos parece mais grave - se analisarmos a densidade demográfica das nações
da Europa Ocidental - é encontrar o número de pessoas exigido na América do Sul e como capacitá-
las adequadamente para levar a cabo o programa de industrialização que se deseja.
Os parâmetros demográficos e da força de trabalho exigidos para o desenvolvimento
econômico sadios são dois:
1) Observando-se as regiões desenvolvidas industrialmente do planeta conclui-se, empiricamente,
que para apoiar as inversões em infra-estrutura e fornecer força de trabalho e mercados para a
produção industrial, requer-se uma densidade demográfica mínima de aproximadamente 50
habitantes por quilômetro quadrado; e
2) O desenvolvimento industrial causa a alteração da composição interna da força de trabalho,
resultando da liberação gradual do excedente de força de trabalho agrícola que se cria, ao dotar o
campo de maquinário e tecnologia, para criar emprego primordialmente na indústria..
Ao leitor, muito provavelmente condicionado de antemão pela onipresente propaganda anti-
demográfica e neo-malthusiana, será muito mais fácil aceitar esta dupla premissa, se acostumar a
conceber, rigorosamente, a população humana não como uma coletividade de consumidores, mas
sim como de um conjunto de produtores.

cxxix
Olhar os homens como produtores e não como consumidores é a base de qualquer doutrina
econômica que busque colocar a natureza a serviço do homem, algo que se opõe, claramente, a
visão liberal que prega implicitamente o vice-versa.
Os produtores se valem de formas específicas de tecnologia para produção, e o
aproveitamento eficiente da referida tecnologia resulta em determinado nível de educação, em
determinada escala de produção e numa dada divisão de trabalho, que atribua a cada categoria de
emprego, que sempre também é definida por esta tecnologia, a quantidade mínima de operários que
se exige. Atendendo as referidas considerações, pode-se definir uma “massa crítica”, quer dizer, que
tamanho absoluto de população e de força de trabalho são necessários para proporcionar o nível de
desenvolvimento econômico geral exigido para as empresas agrícolas e industriais.
Só a densidade demográfica não garantirá o crescimento econômico viável, como se
demonstra nos casos de muitos países asiáticos. Mas o inverso, uma densidade demográfica
adequada, é condição absolutamente indispensável para sustentar a industrialização, seja em toda a
extensão de um país pequeno, ou em grandes centros ou regiões de países grandes. Países grandes
como o Canadá e a Austrália conseguiram industrializar-se concentrando suas limitadas populações
em poucas áreas, relativamente densas, ao mesmo tempo em que aplicaram métodos agrícolas de
alta mecanização e a inversão de capital em larga escala em suas extensas terras agrícolas. A
Suécia, pode consegui-lo, em primeiro lugar, porque sua pequena população se concentra junto à
sua fronteira sul, onde funciona como extensão das densas concentrações demográficas do norte da
Europa. Os Estados Unidos se industrializaram ao longo de dois eixos densamente povoados, e
construíram uma extensa rede ferroviária para tornar possível a agricultura com inversão de capital
em grande escala nas regiões de menor densidade demográfica.
Somos de opinião que nenhum país carente de assentamentos de grande densidade jamais
conseguiu o verdadeiro desenvolvimento industrial. A razão disto é óbvia. A revolução industrial
criou a capacidade de produzir em grande escala um número cada vez maior de produtos
manufaturados dos mais variados projetos e especializações. Para fabricá-los, eficientemente, se
requer um mercado regional sempre maior, que permita lotes de fabricação suficientemente grandes
para realizar economias de escala. Esta tem sido a principal justificativa econômica para o avanço
da regionalização e das criaturas que daí resultam: os Megaestados. Quanto mais densa a população
circundante, maior é o mercado potencial, supondo-se que a população tenha capacidade de compra
suficiente. Ao lado da densidade de população, indubitavelmente, um assunto crucial é a construção
de infra-estrutura de transporte, para fazer chegar os bens ao mercado, mas, quanto mais densa for a
população, relativamente mais barato é o custo de construção desta infra-estrutura, por unidade de
bens transportados.

cxxx
Claro está que o comércio exterior, também, pode vir a ser essencial para um crescimento
industrial sadio, independentemente do tamanho e da densidade demográfica de um país; mas,
sempre, como auxiliar do desenvolvimento do mercado interno, como fonte de produtos chaves,
cuja produção nacional não é rentável, e como mercado para o excedente produzido no país.
Excetuando-se cidades como Singapura e Hong-Kong, empórios industriais de um espaço muito
maior, nenhuma economia se industrializou atendendo primariamente às exportações, mas sim às
custas do desenvolvimento profundo do mercado interno para seus produtos industriais.
A experiência dos casos que verdadeiramente deram bons resultados no século XIX na
Europa e Ásia, comparada com o da América do Sul neste século, demonstra como é importante
que a América do Sul mantenha altas taxas de crescimento demográfico no próximo século, a fim
de assegurar densidades de população cada vez maiores e a viabilidade do crescimento econômico.
Até antes de 1950, mais ou menos, a população da América do Sul era tão dispersa que não
havia nenhuma base para o desenvolvimento manufatureiro em nenhum país. Hoje, apesar de
densidades demográficas muito mais baixas em seu conjunto, existem grupamentos com suficiente
concentração de população (50 habitantes por quilômetro quadrado) para que seja possível
empreender a industrialização, se estas concentrações principais se vincularem por meio de
instalações de transporte eficientes e operarem como mercado comum regional. O Brasil tem,
atualmente, tamanhos e densidades de população suficientes para manter em seus territórios o
desenvolvimento industrial moderno. Qualquer coisa que supere este nível deverá sustentar-se
necessariamente na integração de todo o subcontinente.
O Mapa 1, com a densidade de população de 1985, mostra que a população do continente não
está, certamente, distribuída de maneira uniforme, mas concentrada junto à costa e em algumas
cidades do interior. Nestas zonas, a densidade populacional é notadamente superior que a média o
que, por sua vez, tem aspectos positivos e negativos. Positivos porque permite que haja, ao menos,
certo desenvolvimento industrial. Mas negativos porque significa que a vasta maioria do interior do
continente tem densidades demográficas muito menores ainda que as baixas cifras que figuram
como médias nacionais. Isto configura como desafio fundamental e necessário, por custoso que
seja, povoar e tornar produtivas grandes partes destas solidões, o que exigirá construir grandes obras
de infra-estrutura, como mostraremos adiante. Não exageramos ao dizermos que povoar o interior
do continente é a medida fundamental da eficácia de qualquer programa de desenvolvimento, e é
essencial para a integração e produtividade da indústria sul-americana.
A América do Sul é, objetivamente, um continente vastamente subpovoado. O problema real
deste século, como bem coloca a SBEF(1998f), não foi uma taxa excessiva de crescimento
demográfico, mas o fato de que as taxas, entre moderadas e altas, recentemente alcançadas por
vários países - em torno de 3%, desde o final dos anos 50, até o início dos anos 70 - não ocorreram

cxxxi
um século antes. Pior ainda, nem mesmo hoje este crescimento é mantido. Isto prolongará o déficit
populacional em amplas áreas da América do Sul, e poderá dilatar tediosamente por várias gerações
qualquer esforço de desenvolvimento. O Quadro 22 demonstra esta tese:
QUADRO 22
DEMOGRAFIA NA EUROPA, EUA E JAPÃO, SÉCULO XIX
(habitantes por Km²)

1860* 1880* 1900* 1980


Bélgica 158,2 180,9 219,4 323,2
França 68,4 68,4 70,3 98,6
Alemanha 110,4 126,8 158,0 247,6
Itália 83,0 94,5 107,8 186,4
Grã 94,7 121,7 151,6 229,2
Bretanha
EUA 4,3 7,8 11,8 30,9
Fonte:SBEF
Devido à sua base de recursos e características gerais, não há razão para que a América do
Sul não chegue a converter-se em uma superpotência de 1,5 bilhões de habitantes em meados do
próximo século. Deixando de lado os altos Andes, virtualmente todo o território continental é
habitável já atualmente ou em potencial, e a maior parte conta com solos adequados para atividades
econômicas.
Assim, em dois terços do solo, pelo menos, a América do Sul tem capacidade de manter uma
densidade demográfica comparável à média na Europa. Se tomarmos como meta uma modesta cifra
de 100 pessoas por quilômetro quadrado (bem menos que a densidade da Europa em 1990, e menos
da metade da densidade atual da maioria dos países europeus), e aplicarmos esta densidade a dois
terços da área de terra firme da América do Sul - deixando um generoso terço para o Amazonas, os
Andes e os desertos - vemos que o continente poderia manter facilmente 1,37 bilhões de habitantes,
4 vezes mais que os 300 milhões atuais. E esta cifra é uma cifra conservadora. Em última instância,
não há razão para não se ter densidades de 150 ou mais pessoas por quilômetro quadrado, sobre três
quartos ou mais do território do continente, quer dizer, 2,3 bilhões de pessoas!
O Mapa 2 indica qual deverá ser a densidade e distribuição da população da América do Sul,
no ano 2020, quando chegará a cerca de 700 milhões de almas.
População é um dos mais importantes elementos de poder, como coloca
MORGENTHAU(1951). A maioria dos líderes políticos sul-americanos se assustaria com a
perspectiva de quadruplicar ou sextuplicar suas populações nacionais. Contudo, muito mais

cxxxii
preocupado ficariam os lideres políticos de outros continentes e ninguém propôs uma meta
demográfica tão audaciosa. Ainda assim, é a tarefa relevante para ser buscada para o século XXI.
Na próxima era, os grandes projetos que estimularão a humanidade serão correlacionados com a
tarefa de reconduzir o verde para todos os desertos do mundo e com a conquista do Sistema Solar.
Tanto a escala de produção como a produtividade necessária para tais tarefas trazem a si a
necessidade de se contar com 10 a 20 bilhões de habitantes sobre a Terra, a fim de criar a mão-de-
obra adequada para todas as especialidades de emprego de que se necessitarão. Assim, o destino da
América do Sul, por se constituir a mais importante região subpovoada do mundo, deve ser o de
prover uma porcentagem mais que proporcional deste aumento de população e de força de trabalho.
Esta é uma postura que contradiz o discurso dominante, portanto polêmica, mas plenamente
defensável.

5.4 A QUESTÃO DA MÃO-DE-OBRA


O desenvolvimento econômico, adequadamente definido, é o desenvolvimento da
produtividade da força de trabalho. As metas de desenvolvimento, portanto, devem ser planejadas
com vistas a obter resultados que sejam expressos em uma modificação da composição de emprego
da força de trabalho total. A força de trabalho, sugere-se, deve tender a distanciar-se de
composições de tipo “pré-industrial” e “pós-industrial”, face a uma composição congruente com a
tecnologia moderna e o aumento correspondente da densidade relativa potencial de população.
Isto significa que, no transcurso de uma geração, a América do Sul deve orientar suas
estratégias de desenvolvimento para conseguir:
• que cresça a população total;
• que aumente a população economicamente ativa (PEA) até estabilizar-se em cerca de 40% da
população total; e
• o pleno emprego da PEA.
As proporções recomendadas para levar em conta no emprego da PEA são as seguintes:
1) o número de operários produtivos (empregos não administrativos em fábricas, construção,
mineração, energia, agricultura e transporte), deve crescer até chegar a mais de 50% da PEA;
2) o emprego destes operários produtivos deve concentrar-se na produção de bens de capital e
dentro dessa área, em máquinas e ferramentas, em particular; e
3) mais de 4% da PEA deve estar empregada como cientistas, técnicos e engenheiros.
Isto não basta. É necessário crescer a taxas próximas de 10% a.a. Como crescer a 10% ao
ano? Como se observa no Quadro 23, historicamente, a América do Sul alcançou taxas anuais de
crescimento do produto interno bruto (PIB) da ordem de 6%a.a., em média, como as registradas,

cxxxiii
durante o decênio, de 1970 a 1980. Neste período, alguns países da América do Sul alcançaram
taxas de crescimento superiores, como é o caso do nosso país, cujo PIB cresceu acima de 8% a.a.
QUADRO 23
PRODUTO, EMPREGO E PRODUTIVIDADE
1970-1980
(taxas médias de crescimento anual)
Dados América México Brasil Coréia do Japão*
do Sul Sul
Produto interno bruto 6,0 6,6 8,6 8,6 10,4
(PIB)
Emprego total 3,1 3,2 3,9 2,8 1,4
Produtividade média 2,8 2,6 4,5 5,6 8,9
Inversão bruta 7,4 8,3 9,0 10,1 14,6
Inversão/PIB 23,8 25,7 22,0 29,4 36,0
* 1960 - 1970
Fontes: CEPAL e Banco Mundial
As referidas proporções refletem o ritmo máximo de geração e absorção de avanços
tecnológicos na economia; quer dizer, o aumento ótimo da produtividade da força de trabalho. Se a
maior riqueza não utilizada da América do Sul é sua força de trabalho, atualmente em larga escala
desempregada, então pode-se dizer que a tarefa central do desenvolvimento é, em resumo, empregar
plenamente essa força daqui para o ano 2020, procurando obter proporções anteriormente
mencionadas de composição no seu emprego. Em concreto, isto significa que, para quase eliminar o
desemprego atual e absorver o crescimento de sua força de trabalho até o ano 2020, a América do
Sul terá que triplicar sua força trabalhadora empregada.
Não foi só isso. No melhor dos casos - o do Brasil - só se conseguiu desenvolver certas áreas
da agricultura e indústria. O grosso dos setores produtivos e sua população permaneceram em
condições de atraso tecnológico e baixa produtividade, exercendo um enorme lastro sobre o resto da
economia e prejudicando o nível de capitalização e produtividade. O crescimento global de seus
setores industriais foi insuficiente para absorver a imigração do meio rural para o meio urbano,
gerando-se assim uma grande massa de desocupados, que se viram obrigados a viver em condições
miseráveis de subemprego, marginalização e pobreza, tanto na periferia das cidades, como na área
rural. Esta é a história por detrás dos 107 milhões de desempregados - contando não só o
desemprego “oficial” como o dissimulado - que existem hoje no subcontinente sul-americano.
Muito embora, a América do Sul não ofereça nenhum exemplo de crescimento de 10%
anuais, há países que conseguiram isso. O caso paradigma é, sem dúvida, o Japão, que conseguiu

cxxxiv
manter taxas de crescimento superiores a 10% ao ano, ao longo de períodos prolongados. A causa
fundamental, deste crescimento japonês, foi um grande aumento da produtividade industrial, a taxas
próximas de 9% ao ano, que lhe permitiu ampliar substancialmente, suas margens de reinversão,
que chegaram a representar até 36% do PIB, segundo se vê também no Quadro 23. Em
conseqüência, em poucas décadas, o Japão deixou de ser um país medianamente industrializado e se
transformou em uma verdadeira potência industrial, superando os demais países desenvolvidos, em
níveis de produção e produtividade, em um grande número de atividades industriais. Grandes
avanços registraram, também, outros países que seguiram a estratégia japonesa, de altas taxas de
reinversão; esse é o caso da Coréia do Sul, que fez a transição de nação agrícola a semi-
industrializada, em menos de uma geração. Atualmente, o mesmo fenômeno pode ser observado na
China.
O chamado “milagre japonês” poderia ser, agora, reproduzido pela América do Sul, inclusive
em maior escala, sempre e quando se seguir a mesma estratégia e reinvestir grandes porcentagens
do produto em áreas cientificamente escolhidas, por sua alta tecnologia que conduzirá a maior
produtividade.
Dessa forma, em duas décadas, a América do Sul poderá se converter em uma superpotência
industrial de magnitude comparável à do setor desenvolvido dos dias de hoje, incluindo os Estados
Unidos, Europa Ocidental e o Japão. No Quadro 24 são indicados os parâmetros de crescimento
econômico que devem servir de base para o desenvolvimento sul-americano nos próximos 20 anos,
para poder se alcançar os níveis de emprego e produtividade que possibilitarão o surgimento desta
imaginada e pretendida superpotência industrial.

QUADRO 24
PARÂMETROS DE CRESCIMENTO DA AMÉRICA DO SUL
1970-2020
1970-1980 1980-1985 1985-2000 2000-2020
População total 2,5 2,3 1,8 2,3
Produto interno bruto (PIB) 6,0 -,5 1,2 10,0
PIB per capita 3,4 -1,8 -,4 7,5
Emprego efetivo 2,5 0,5 -,7 3,6
Produtividade média 3,4 - 2,6 6,2
Inversão bruta 7,4 -6,7 1,0 10,0
Inversão/PIB 23,8 19,7 20,1 34,0
Fontes: CEPAL e estimativas próprias.

cxxxv
Este é um trabalho propositivo e se apóia em perspectivas historicamente observadas.
Contudo, no futuro, o próprio desenvolvimento tecnológico pode contribuir para acelerar as
perspectivas aqui colocadas.

5.5 - A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO


Embora seja certo que a América do Sul tenha abundantes recursos naturais, tanto biológicos
como minerais, é uma ilusão ver nesses recursos, por si mesmos, uma fonte de riqueza. De fato, esta
concepção errônea dos recursos naturais é causa parcial do grande subdesenvolvimento que
experimenta o continente, atualmente, com o petróleo e a mineração relativamente desenvolvidos,
rodeados de um mar de subdesenvolvimento industrial.
Em contraste, o Japão, virtualmente sem recursos naturais de nenhuma espécie, converteu-se
na segunda potência econômica do mundo. Conseguiu isto ao concentrar-se no desenvolvimento da
força de trabalho, mediante o rápido aumento de sua educação geral e níveis de capacitação
especializada.
Tanto para a América do Sul como para qualquer economia moderna, esta tarefa compreende
dois aspectos: o nível de alfabetização elementar e educação geral da massa da força de trabalho; e
o número e qualificação de cientistas, engenheiros e técnicos.
Há vários exemplos, nos últimos cinqüenta anos, que ajudam a esclarecer este ponto. Depois
de 1939, os Estados Unidos se recuperaram da pior depressão de sua história, chegando em quatro
anos a níveis anteriormente inimagináveis de produção da indústria pesada para a guerra, devido
exclusivamente à existência de uma reserva de força de trabalho qualificada desempregada e
subempregada, criada nos 40 anos anteriores de desenvolvimento. Depois da Segunda Guerra
Mundial, o Japão se recuperou apenas pelo nível de trabalhadores qualificados e educados, já
alcançados antes da guerra. Tanto a Coréia do Sul quanto em Taiwan instituíram programas muito
rigorosos de educação universal desde o princípio dos anos 50, sem os quais seus respectivos
milagres econômicos nunca poderiam ter acontecido.
Em contraste, a educação na América do Sul, em que pesem autênticos avanços nos últimos
30 anos, especialmente nos níveis primário e secundário, está muito longe do que deverá ser entre
os anos 2010 e 2020, caso se busque a cooperação e o programa de investimentos e crescimento
aqui proposto. As cifras oficiais recompiladas pela CEPAL(1997b), com dados fornecidos por cada
país, mostram um quadro no qual a assistência aos seis primeiros anos escolares é praticamente
universal na maioria dos países da América do Sul e é quase universal, ao que se supõe, nos três
primeiros últimos anos do primeiro grau. Sem dúvida, devido à maior proporção de reprovações na
maioria dos países, o número real de estudantes que terminam o primeiro grau é indubitavelmente

cxxxvi
muito menor do que os 100% que o começam. Os maiores problemas destes graus, como coloca a
SBEF(1988g) são:
• o número excessivo de estudantes por sala de aula;
• capacitação deficientes dos mestres;
• material de trabalho antiquado, especialmente no importantíssimo campo da educação científica;
e, principalmente,
• as condições gerais de pobreza em que vivem os estudantes, o que dificulta grandemente a
concentração na aula e em casa.
Entretanto, é nos graus superiores aonde aparecem os maiores problemas. A preparação
básica do segundo grau constitui a mínima necessária para se conseguir um emprego qualificado em
uma economia industrial moderna. As cifras da CEPAL(1997c) indicam que, em 1996, no máximo
50% dos adolescentes entre 15 e 17 anos, do segundo grau, foram realmente à escola; 62% dos
jovens de 15 anos freqüentaram a escola, mas apenas 39% dos de 17 anos, o que significa que,
quando muito, 39% se graduaram no secundário. Esta é uma péssima porcentagem, e quer dizer que
a vasta maioria da população adulta jovem carece de uma educação preparatória adequada, e entre
adultos de maior idade, obviamente, há muito menos alunos que se graduaram no segundo grau.
As deficiências a nível universitário são ainda mais agudas. Apenas 17,6% do grupo entre 18
e 21 anos de idade freqüenta universidades na América do Sul, e a maioria destes só comparece por
1 ou 2 anos; a educação de pós-graduação cobre apenas 2,5% do grupo entre 22 e 24 anos.
QUADRO 25
ESTUDANTES NO SEGUNDO GRAU E UNIVERSIDADE
AMÉRICA DO SUL
1995-1996
População Número de
Nível de educação Grupo de Idade nesse grupo matriculados % de seu grupo
(milhões) (milhões)
Segundo grau:
4° a 3° ano 15-17 32,7 16,4 50,0
Universidade:
1° e 2° ano 18-19 21,7 3,9 17,5
3° e 4° 20-21 18,8 1,7 9,4
os 4 anos 18-21 40,5 5,6 13,6
Pós-graduação 22-24 22,3 0,6 2,5
Fontes: UNESCO, CEPAL,SBEF e estimativas próprias.

cxxxvii
` O Quadro 25 é uma estimativa da população em idade escolar na América do Sul no
período 1982-1983, bem como o número de matriculados e sua proporção em cada grupo de idade
entre os 15 e os 24 anos.
Mais grave, contudo, é a distribuição de disciplinas universitárias e a porcentagem relativa de
estudantes que completam seus estudos e se formam nas universidades do continente.
O Quadro 26, abaixo, mostra relativamente poucos estudantes de ciências naturais e de
engenharia na América do Sul, em comparação à Coréia do Sul e Alemanha, sobretudo no que se
refere ao número de estudantes formados nestes campos por cada milhão de habitantes do país, e o
número por milhão de graduados.
QUADRO 26
CIÊNCIAS NATURAIS E ENGENHARIA
(1988)
(por milhão de habitantes)

Ciências naturais Engenharia


Estudantes Formados Estudantes Formados
Argentina 758 n.d. 2.340 n.d.
Brasil 528 63 1.228 179
Colômbia 208 25 3.159 256
Chile 741 73 3.016 279
Peru 557 10 3.085 51
Venezuela 391 16 3.787 245
Alemanha 1.693 121 3.549 321
Coréia do Sul 1.170 153 6.943 1.426
Estados Unidos n.d. 381 n.d. 433
Japão n.d. n.d. 3.367 782
n.d. = dados não disponíveis.
Fontes: SBEF
De todos os países sul-americanos, como se pode ver, a Argentina e o Brasil possuem um
contingente maior na área de ciências naturais, mas continuam tendo mais ou menos a metade da
Coréia do Sul e da Alemanha, e o número de formados nesta área é muito pequeno. Embora a
maioria dos países tenham muitos estudantes de engenharia, os que se formam são poucos. O caso
do Peru se destaca por ter a taxa mais baixa de estudantes que se formam, tanto genericamente
como nas duas disciplinas mencionadas. O mais revelador de tudo são as deficiências na área de
pesquisa e desenvolvimento.

cxxxviii
O alcance destas metas de desenvolvimento requer um programa urgente de educação nos
níveis. Primeiro, supõe melhorar a qualidade da educação nos níveis primário e secundário, e voltar
ao plano de estudos clássicos, cujo modelo é a famosa e já mencionada reforma de Humboldt, na
Alemanha do século XIX. E significa:
Primeiro, assegurar que, para o ano 2020, quase todos os jovens de 18
anos tenham recebido ao menos 12 anos de educação básica;
Segundo, supõe elevar substancialmente a porcentagem de jovens com
2-4 anos de educação superior;
Terceiro, requer assegurar que a maioria dos que recebem educação
superior se especializem em Educação, Medicina, Ciências Naturais, Matemática, Engenharia e
Agronomia, minimizando algumas categorias como Sociologia, Economia, Ciências Humanas,
Administração, Direito, etc, que prevalecem atualmente em nossas universidades.
Contudo, capacitar grande quantidade de estudantes exigirá uma enorme inversão em escolas
e novas universidades, em capacitação de professores, e em equipamentos, especialmente
laboratórios e demais equipamentos necessários para a educação científica e técnica.
É óbvio, que a preparação deste número de estudantes com instalações e programas
escolares de boa qualidade será muito dispendiosa, mas é tão importante no investimento para o
desenvolvimento, como a inversão em energia, infra-estrutura ou bens de capital. Sem ela, o
investimento em capital físico não se poderá utilizar com eficiência; a produtividade não melhorará
e todo o programa pretendido de cooperação será prejudicado.

5.6 A AÇÃO AGRÍCOLA


A agricultura na América do Sul tem de se transformar cada vez mais numa agricultura de
padrões capitalistas. Como coloca a SBEF(1988h), tem de ser intensiva em energia, capital e
tecnologia, para se promover a sua retirada do padrão de estagnação e de subsistência que se
encontra, na maior parte do meio rural, para um estágio de acumulação de vanguarda. As razões
desta colocação não se assentam, exclusivamente, num viés econômico, mas, tem suas bases na
questão social. É necessário prover de um mínimo de proteínas a grandes contingentes da população
sul-americana.
A título de exemplo, vale a pena nos determos no caso da Bolívia. Em 1979, a maior parte
dos bolivianos consumia menos de 1.500 calorias diariamente e menos de 50 gramas de proteína.
As melhoras, desde então, havidas neste consumo, mostraram-se insuficientes para se chegar ao
mínimo recomendado, ou seja, mais que o dobro que o consumo de 1979.

cxxxix
Embora não hajam dados suficientes, nos últimos cinco anos, para documentar a situação
atual, a grave desnutrição que afeta a região tem sido a responsável direta pela proliferação de
epidemias, que, ali, tem ocorrido e que, comumente, a ela se relacionam.
Portanto, o primeiro requisito, para assegurar o aumento de densidade demográfica na
América do Sul, é a garantia do aumento na produção de alimentos, em qualidade e quantidade
adequadas, para as próximas gerações. A plena realização intelectual do indivíduo- o ser humano é
a base para a geração da acumulação e do desenvolvimento econômico- reside numa dieta rica em
calorias e proteínas. Um indivíduo normal necessita consumir, diariamente, para produzir e viver
em uma sociedade progressista, em média, cerca de 3.200 calorias e 100 gramas de proteínas, sendo
65 delas de origem animal.
A população da América do Sul consumiu, em 1990, apenas três quartos da quantidade de
proteínas per capita para um indivíduo saudável. A exceção deu-se basicamente no sul do Brasil, na
Argentina e no Uruguai.
Calcula-a CEPAL(1997d) que hoje de cada 1000 crianças que nascem na região 160 morrem
de fome e de várias enfermidades antes de completar um ano de vida. Dos que sobrevivem quase
que 50 por cento estão desnutridos.
Uma programa de nutrição terá, portanto, que representar um dos pilares centrais para a
cooperação sul-americana. Este programa deve estar assentado na auto suficiência produtiva de
alimentos já estudada da região.
Para avaliar a disponibilidade produtiva de alimentos da região torna-se necessário proceder-
se uma breve análise de dois dos mais importantes fatores de produção agrícola.: o fator trabalho e o
fator terra.
Para análise do fator trabalho recorreremos a avaliação comparativa. De acordo com a
SBEF(1988i) a China necessita atualmente ocupar sessenta por cento de sua força de trabalho com a
produção de alimentos. Já os Estados Unidos, por outro lado, necessitam ocupar 3,5% de sua
população economicamente ativa (PEA) para produzir toda a alimentação de sua população e ainda
exportar.
Claro está que o fator que mais interfere na produtividade agrícola é a tecnologia
empregada. Os elevados valores de produtividade detectados na agricultura norte-americana, por
homem-hora e por unidade de superfície plantada, resultam de uma maciça mecanização agrícola,
de ampla eletrificação rural, do uso intensivo de insumos e da vasta realização de obras de infra-
estrutura modernas.
QUADRO 27
DISPONIBILIDADE DE SUPERFÍCIE E ÁGUA,
REGIÕES DO MUNDO(1998)

cxl
América Europa Estados Total %
do Sul ocidental Unidos mundial América
do Sul
População 300 375 252 5.491 6,1
(milhões)
Densidade demográfica 18,2 100,5 25,3 35,1
(habitantes por km²)
Superfície total 1720 373 936 13.077 14,0
(milhões de hectares)
Superfície agrícola potencial 920 166 428 4.640 20,0
(culturas e pastagens, (milhões
de hectares)
Superfície irrigada:
Milhões de hectares 14,4 10,2 20,6 212,9 6,8
% da superfície agrícola 1,6 6,2 4,8 4,6
potencial
Precipitação média anual 1.660 830 625 830
(mm)
Vazão média nos rios (m3) 11.000 1.710 1.630 38.830 28,3
Vazão anual per capita (m3) 28.826 4.562 7.026 8.458
Fontes: FAO e ONERA.
Desta análise resulta a constatação que, para aquele desempenho, enquanto, um agricultor
norte-americano tinha que ser um técnico altamente qualificado, com amplos conhecimentos
agronômicos, pecuários e veterinários, capaz de reparar máquinas ou de interpretar imagens
meteorológicas de satélites, um chinês sabia manejar uma enxada, mergulhado que estava numa
cultura milenar.
A atividade agrícola sintetizará as duas grandes questões estratégicas do século XXI: a
questão da água potável e a questão dos alimentos.
O Quadro 27, colocado anteriormente, apresenta informações quanto a estas questões e
sintetiza os parâmetros-chaves para a atividade agrícola na América do Sul, construindo os
balizamentos para a nossa análise.
QUADRO 28
PERFIL DA AGRICULTURA
AMÉRICA DO SUL (1996)

cxli
Países Número Consumo de
de fertilizantes*
Superfície Produção Rendime tratores (Kg / ha)
(milhões (milhares de nto por cada
de ha) tonelada) (tonelada/ 1000
há) empregad
os
Argentina .15.862 48.609 3,21 79 5
Brasil 31.000 74.041 2.45 17 59
Colômbia 1.398 3.611 2,59 10 73
Chile 649 2.507 3,82 64 26
Peru 782 1.536 2,00 71 35
Venezuela 739 1.509 2,04 61 73
Outros 5.580 8.749 1,60 n.d. n.d.
países
América do 55.110 140.562 2,61 27 48
Sul
Estados 76.966 339.850 4,41 801 110
Unidos
União 45.337 179.231 3,95 485 261
Européia
*Consumo de nutrientes na superfície de cultivo. Cifras correspondentes a 1990.
Fonte: CEPAL e ONU
Ao examinarmos a agricultura sul-americana com estes conceitos e números em mente,
apesar do grande progresso feito, recentemente, que de 48,3% da PEA da América do Sul utilizada
como força de trabalho no setor agrícola, em 1960, passamos para 18,7 % da PEA na atividade
agrícola, em 1996, de acordo com a CEPAL(1997e) muito, ainda, precisa ser feito, pois, esta
redução não implicou num aumento substancial da produção de alimentos.
Urge, portanto, tecnificar a atividade agrícola na América do Sul. A massa crítica para tanto
já encontra-se disponível, como pode atestar o exitoso programa de assistência rural posto em
prática pelo Sistema EMBRATER no Brasil. É preciso estendê-lo e expandi-lo para os demais
países da América do Sul.
Isto, porque, na América do Sul, emprega-se menos do que um quinto de fertilizantes por
unidade de área que na União Européia e a mecanização agrícola sul-americana é vinte vezes menor
que a estadunidense, como se pode ver no Quadro 28, já apresentado.

cxlii
QUADRO 29
DISPONIBILIDADE MUNDIAL DE SUPERFÍCIE AGRÍCOLA(1997)
Superfície Cultivo**
Superfície com % da (milhões de % da
total Potencial superfíci há) superfície
(milhões de agrícola* e total total
ha) (milhões de
ha)
América 1720 920 53,5 174 10,1
do Sul
EUA e 1.835 498 27,2 237 12,9
Canadá
União 373 166 44,4 95 25,5
Européia
Europa 2.327 667 28,7 278 11,9
Oriental e
URSS
Ásia 2.679 1.107 41,3 458 17,1
África 2.966 967 32,6 183 6,2
Outras 1.177 517 58,8 45 5,1
regiões
Total 13,077 4.641 35,5 1.469 11,2
mundial
% 14 20,0 11,8
América
do Sul
* Inclui a superfície de cultivo e as áreas de pastagens permanentes.
Superfície dedicada tanto a cultivos temporários como permanentes. Fonte: CEPAL e FAO.
Com respeito a disponibilidade de terras a situação na América do Sul, talvez, seja das mais
favoráveis do planeta. A América do Sul tem hoje cerca de 6% da população mundial. Entretanto,
concentra 14% da superfície terrestre do planeta e igual parcela passível de utilização agrícola.
Todavia, este potencial encontra-se altamente sub-explorado, a ponto de hoje na América do
Sul só se cultivar 8% de sua superfície total ou seja menos da quarta parte de sua superfície
potencialmente cultivável e menos que a média mundial. Isto resulta de uma postura atrasada, que

cxliii
vê a terra como uma reserva de valor e que inibe um programa redristibuivista do fator terra, o que
premiaria, realmente, o trabalhador rural.
Acresce-se a estas condicionantes negativas o fato de que a maior parte da receita externa do
subcontinente sul-americano provem do setor agrícola, o que resulta em brutais exportações de bens
alimentícios para outros continentes, retirando da parcela mais desassistida da região o acesso a
muitas das fontes de suprimento que a área detém. Aqui, também, um programa de cooperação
demonstrar-se-á um excelente elemento de alavancagem das condições de vida na região.
Uma das maiores melhorias resultantes do MERCOSUL foi, sem dúvida, o acesso, sem a
sempre onerosa utilização de divisas, que a economia brasileira está tendo de bens agrícolas de
clima temperado e que está proporcionando, como contrapartida, o acesso, também, sem divisas, à
economia argentina de bens agrícolas de clima tropical.
Toda a ação pretendida na área agrícola objetiva valorizar o maior capital estratégico que
detém o subcontinente, que é a sua disponibilidade de água doce e o seu espaço destinado à
produção alimentar, como tão bem exemplifica o quadro 29, acima:
Como meta pode-se afirmar que é possível triplicar a produção de grãos na América do Sul
nos próximos 20 anos. Podemos sair dos atuais 140 milhões de toneladas para 400 milhões de
toneladas. Para tanto, o maior esforço deverá estar centrado no aumento da produtividade das terras
já cultivadas. Entretanto, dever-se-á, também, realizar um ponderável esforço na abertura de novas
terras para o cultivo. Estima-se a necessidade de se aumentar em 50% a mais o espaço atual
envolvido na produção
Sugere-se que este esforço seja preferencialmente induzido por ação estatal nas seguintes
áreas, pois, já existe uma progressão privada, algo que mostraremos adiante, e que também deve ser
incentivada, em outras áreas mais interessantes e que por isto, só, depois, serão mencionadas:
1) As planícies da Colômbia e da Venezuela: área, de cerca de 20 milhões de hectares, ao sul
destes países, que em decorrência de enormes precipitações pluviométricas durante parcela do ano e
secas em outros períodos tem sido muitíssimo pouco utilizada para a agricultura. Um programa de
regulação hídrica poderia representar a solução para esta questão.
2) O nordeste do Brasil: Amplo espaço, onde, hoje, excetuado pequenas áreas irrigadas está
entregue a inatividade agrícola. Com um programa de transposição de cursos de água e de irrigação,
poderia acrescentar mais de 40 milhões de hectares a atividade produtiva.
3) A área da franja sul da Bacia Amazônica: Espaço também resultante do derramamento
basáltico decorrente dos Andes, que engloba o Estado do Acre, o sul do Estado do Amazonas, no
Brasil; o norte da Bolívia e o sul do Peru e que só necessita de infra-estrutura de acesso para a sua
incorporação a produção agrícola do subcontinente.
As áreas onde a iniciativa privada deve ser orientada para a rápida progressão:

cxliv
a) as mesetas do Planalto Brasileiro;
b) os lhanos (planícies) da Colômbia e do Chile;
c) as calhas dos rios amazônicos, do Rio São Francisco e do Rio Orinoco; e
d) a Bacia do Prata, a mais promissora de todas:
O Mapa 3, em anexo, detalha a evolução pretendida das áreas agrícolas.

5.7 A AÇÃO EM INFRA-ESTRUTURA


Por décadas, tem-se falado da integração da América Latina, mas, praticamente, nada foi
feito para construir a infra-estrutura básica sem a qual não poderá haver integração. É neste mesmo
erro que insiste BATISTA(1996b) Desde do tempos dos gregos, e, mesmo antes, o transporte, a
infra-estrutura urbana, as grandes obras hidráulicas, a energia, têm sido fatores decisivos para o
desenvolvimento econômico. E, hoje, o são mais do que nunca.
No ambiente econômico prevalecente, a contabilidade dos custos, algo decorrente das teses
dos economistas liberais, é muito comum encobrir-se de mistério o verdadeiro papel da infra-
estrutura. Do ponto de vista da contabilização dos custos, o investimento em infra-estrutura não se
paga sozinho, nem poderá pagar-se com as quotas dos usuários. Os investimentos em infra-estrutura
não criam produtos; criam a própria produtividade.
De forma não-linear e geralmente incomensurável - mas, isto sim, muito real - a infra-
estrutura adiciona eficiência e produtividade aos setores da economia que produzem bens. O
transporte cria mercados para os produtores aonde antes não existiam; permite a produção em
grande escala, com maior eficiência, para atender a estes mercados ampliados, reduz os custos,
aumentando assim a margem de lucro e de reinvestimentos, criando inúmeras oportunidades para
que floresçam empresas que, sem ela, não existiriam. Da mesma forma, a energia elétrica, em que
pese não manifestar-se, tangivelmente, no produto acabado, aumenta a produtividade industrial de
várias maneiras, provendo energia mais concentrada e multifacetada, que possibilita uma grande
variedade de novos processos industriais.
.O investimento em infra-estrutura requer para ter efeito multiplicador requer uma base de
apoio, e dado a importância territorial do Brasil nesta base elegemos o Brasil como esta base.
Contudo, ela precisa ser atualizada.
Nos próximos 20 anos, a América do Sul necessitará investir vários bilhões de dólares na
construção de ferrovias e rodovias, de centrais hidrelétricas, de obras hidráulicas e de infra-
estrutura urbana, se quiser escapar do círculo viciosos do subdesenvolvimento de que, ainda, é
vítima. O melhor exemplo do tipo de grandes obras que devem inspirar aos povos de toda a
América do Sul é a rede de canais e ferrovias transcontinentais que se construíram nos Estados
Unidos, no século XIX. Obras como estas cumprem a função de criar as bases econômicas e físicas

cxlv
do crescimento sustentado mediante a integração. A experiência que possui, mesmo que limitada, o
Brasil, neste campo, como, por exemplo, a hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo, tem
experiência e esta deve generalizar-se.
Estes “grandes projetos” deverão concentrar-se em três setores da infra-estrutura econômica:
1. No transporte, incluindo transporte fluvial e marítimo, portos, redes ferroviárias, redes
rodoviárias, transporte aéreo, e a interconexão eficiente dessas redes com armazéns e instalações de
carga e descarga em geral.
2. Em obras hidráulicas, incluindo canais de irrigação, as centrais hidrelétricas, os canais
navegáveis e a distribuição de água para o consumo industrial e urbano.
3. Em sistemas de geração e distribuição de energia elétrica.
Colocar em marcha grandes projetos de desenvolvimento também é de suma importância
política para as nações do Mercado Comum Sul-americano(ALCSA). Entre, hoje e o ano 2020,
estes grandes projetos empregarão, literalmente, milhões de pessoas que, hoje, estão desempregadas
ou subempregadas, e neste processo se especializarão para os empregos vindouros, altamente,
qualificados, que dominarão o mercado de trabalho sul-americano, no século XXI.
Para alcançar estes formidáveis objetivos na construção da integração sul-americana,
teremos que inspirar e dar motivação política a milhões de novos e jovens trabalhadores da
construção, organizando-os em grupos que abrirão novos horizontes no desenvolvimento de todo o
subcontinente.
5.7.1 GRANDES PROJETOS DE TRANSPORTES
A rede de transportes da América Latina ainda não superou suas origens coloniais de mera
corrente transmissora de matérias primas - riqueza mineral e agrícola - do interior, até os centros
metropolitanos da Europa e dos Estados Unidos. Nem as rodovias, nem o transporte fluvial, muito
menos as ferrovias, unem as nações da América do Sul entre si. Somente na Argentina e Brasil
existem redes ferroviárias internas de alguma importância. A maioria dos ramais existentes somente
vão das minas aos portos costeiros de exportação, geralmente, com um traçado que não se pode
acoplar com os demais.
O único esforço manifestado para unir o continente através de rodovias, a Rodovia Pan-
Americana, nunca terminou, e em sua maior parte está em mau estado de conservação. Somente
utiliza-se uma pequena fração das possibilidades do transporte fluvial, em grande parte pela
carência de obras de desvio, para ultrapassar as quedas de água e unir as bacias dos rios adjacentes.
O vasto território interior da América do Sul está, virtualmente, despovoado, e quase toda a
população vive a poucos quilômetros da costa. Até o comércio marítimo, o meio de transporte com
facilidades imediatas entre os países da região, está subdesenvolvido; existe, somente, para

cxlvi
transportar produtos primários e abastecer-se de bens manufaturados, que não são produzidos
internamente.
A falta de uma rede continental de transporte manifestou-se clara e penosamente em 1982,
durante a Guerra das Malvinas, quando o Peru, a Venezuela e outros países, ao tentarem dar apoio
logístico e militar decisivo à Argentina, descobriram que não havia navios cargueiros que viajassem
diretamente entra Caracas e Buenos Aires.
Por razões, tanto de desenvolvimento, como de sua própria independência e soberania, a
América do Sul deve:
a) construir amplas redes ferroviárias retificadas, de via dupla, que logo se irão
eletrificando;
b) construir uma moderna rede de super-rodovias;
c)tornar navegáveis e integradas as redes fluviais mais importantes;
d)melhorar o transporte aéreo;
e)construir um segundo canal inter-oceânico,
f) construir grandes portos para navios de grande calado; e
g)ter um amplo programa de reaparelhamento de sua marinha mercante.
Todas estas obras deverão integrar-se em torno de eixos de transportes que concentrarão e
tornarão eficiente o movimento de bens e passageiros.
QUADRO 30
COMPARAÇÃO DOS CUSTOS DE DIFERENTES TIPOS DE TRANSPORTES
Modo Centavos / ton-milha
Aviação 22,0
Rodoviário 6,8 - 8,0
Ferroviário 0,5 - 1,5
Dutos 0,2 - 0,5
Balsa e rebocador 0,2 - 0,3
Cargueiro 0,1 - 0,4
Navio graneleiro 0,03 - 0,06
Fontes: David Bess, Marine Transportation, como citado por SBEF
Para alcançar estas metas de desenvolvimento a América do Sul deve aumentar,
enormemente, sua capacidade de movimentação de cargas. As estatísticas da região, sobre cargas
transportadas através de rodovias, ferrovias e rede fluvial, são pouco confiáveis, mas agrupando
dados de várias fontes podemos estimar que, em 1985, o movimento total foi de 925 bilhões de
toneladas-quilômetro. Aplicando critérios derivados do estudo das experiências de países
desenvolvidos de diversas densidades industriais e demográficas, calculamos que para o ano 2020

cxlvii
será necessário sextuplicar (6X), mais ou menos, a capacidade de transporte não marítimo, medida
em tonelada-quilômetro. Isso determina uma taxa média de 6,8% de crescimento anual da
capacidade total de movimentação de carga neste período, frente à média projetada de 9% no
crescimento anual do produto interno bruto (PIB) total. O mais provável é que nos primeiros anos
as necessidades de transporte crescerão mais rapidamente que a média de 6,8%, já que os setores
que receberão mais ênfase serão a indústria pesada, a agricultura, e os materiais de construção, em
regiões em que se transporta grandes volumes de mercadorias a grandes distâncias. Logo após,
haverá a diminuição na taxa de crescimento, à medida que os bens manufaturados tendam mais para
bens de capital e de alta tecnologia, com maior concentração no valor econômico e menores
requisitos de transporte.
Ainda que o transporte rodoviário continue crescendo, a porcentagem total transportada por
este meio diminuirá dos atuais 70% para cerca de 44% no ano 2020, enquanto as ferrovias
aumentarão dos atuais 22% para 40%, e a navegação interior de 8% para 16% no mesmo período.
As razões destas mudanças são as seguintes: por um lado, a América do Sul gerará grandes volumes
de mercadorias - minerais, bens manufaturados semi-acabados e produtos agrícolas - que
percorrerão grandes distâncias, nas quais o transporte fluvial é o mais barato, ficando as ferrovias
sem segundo lugar. É interessante situar o leitor, para que ele conheça a razão de nossa proposta,
quais são os custos de transporte das diferentes modalidades. Isto consta no disposto no Quadro 30,
abaixo:
A melhor forma de organizar a rede de cargas é vincular os portos, as cidades e os focos
geradores de carga no interior (complexos de mineração, regiões agrícolas, grandes complexos
industriais) de tal forma que se reduzam ao mínimo as operações de carga e descarga. A idéia do
super-porto, detalhada mais adiante, converte os portos em eficientes terminais de confluência de
tráfego ferroviário, fluvial (ou de canais) e marítimo. As ferrovias de carga não devem passar pelos
centros urbanos, mas sim ligadas a centros nodais conectados fora do perímetro urbano; grandes
pátios de carga e descarga de containeres, onde as mercadorias são transladadas por caminhões até
seu destino final na cidade. As vias férreas irão diretamente às instalações da indústria pesada de
bens de capital, as quais geralmente serão construídas afastadas das novas cidades.
Na prática, o transporte será concebido como uma grande “correia transportadora” de cuja
eficiência depende o resto da economia. O transporte ineficiente é caro, e inflacionário, além de
resultar no desperdício de recursos, atrasar o embarque de bens, desorganizar os itinerários da
produção e gerar gargalos.
5.7.2 A AÇÃO NAS FERROVIAS
Deverá finalmente ser construída a ferrovia de ligação de Caracas a Buenos Aires, o que
significa levar a cabo na América do Sul, por fim, a centenária e sempre sabotada iniciativa da

cxlviii
Ferrovia Pan-Americana. Esta ferrovia é necessária não só para unir por terra o subcontinente e
tornar eficiente o transporte entre os centros populacionais existentes, mas, também, por ser a única
maneira de promover o crescimento de regiões cuja população é atualmente muito dispersa. No
século XX, a população estadunidense seguiu o curso dos canais e logo após os das ferrovias,
assentando-se perto destas artérias e fundando povoados e cidades junto aos entroncamentos,
sabendo que poderiam fazes chegar seus produtos aos mercados e comprar os bens manufaturados
de que necessitavam. A ferrovia precedeu a demanda de seus serviços no mercado; de fato, criou
tanto a demanda como o mercado.
QUADRO 31
REDE FERROVIÁRIA SUL-AMERICANA
POR BITOLA DA VIA (1988)
(em quilômetros)
Bitola em metros
1,676 1,600 1,435 1,067 1,000 0,914
Argentina 20.545 - 2.772 - 10.655 -
Bolívia - - - 3.538 - -
Brasil - 3.472 194 - 25.784 -
Colômbia - - 150 - - 2.688
Costa Rica - - - 950 - -
Chile 4.311 - - 341 3.958 -
Equador - - - 965 - -
Paraguai - - 441 - - -
Peru - - 1.782 - - 345
Uruguai - - 3.001 - - -
Venezuela - - 634 - - -
Total 24.856 3.472 8..974 2.306 43.935 3.033
Fontes: Jane’s World Railways, como citado por SBEF
O fato é que não há um só país sul-americano, hoje em dia, que possua uma rede ferroviária
tão densa como a dos Estados Unidos, em 1860, e, a rede ferroviária atual de toda a América do Sul
(84.768 km) nem sequer se compara com a que possuía os Estados Unidos em 1875 (119.220 km),
em que pese o território estadunidense contínuo ser menor que a metade da América do Sul.
Um dos mais assombrosos legados do colonialismo é o fato de ser fisicamente impossível
unir diretamente as ferrovias existentes da maioria dos países sul-americanos, já que cada rede foi
construída com uma bitola diferente. A tabela 31, fala por si mesmo.

cxlix
Depreende-se disso que um dos primeiros passos necessários é unir as redes ferroviárias da
América do Sul com várias linhas troncais, construir várias vicinais, e interconectar as redes
existentes.
A primeira dessas troncais seria a ligação ferroviária Santos/ Arica, que resultaria da
melhorias nos trechos já existentes entre Santos/ Santa Cruz e Cochabamba/ Arica e a construção da
ligação ferroviária entre Santa Cruz/ Cochabamba (cerca de 300 km), o que proporcionará a ligação
do Centro-Oeste do Brasil ao Pacífico, possibilitando o acesso da produção agrícola do “hinterland”
sul-americano à franja asiática.
A outra seria a linha tronco principal norte-sul já citado e que estabelecerá um eixo desde a
cidade de Caracas até Buenos Aires (vide Mapa 4). Os estudos existentes indicam que esta via
percorrerá o vale do rio Madalena até Bogotá, dali para o sul até Santa Cruz, ao longo da borda da
selva no lado oriental dos Andes; e dali conectando-se com a rede existente da Argentina, Chile,
Bolívia e Brasil. Seu terminal sul deve ser Punta Arenas, no Chile, para o qual será necessário
construir uma nova via ao sul de Córdoba..
Um segundo tronco norte-sul, a Ferrovia Continental Ocidental, também, partirá de Caracas
para oeste, entrará na Colômbia e cruzará a Ferrovia Continental Central, baixando pela costa
pacífica colombiana até o sul, passando por Guayaquil, Chiclayo e Lima, até unir-se com a atual
ferrovia costeira atual do Chile.
Outra ferrovia a ser construída é a que nomeamos Transcontinental Norte que deve ligar o
Porto de Suape, em Pernambuco, no Brasil, passando por Iquitos, no Equador, ao litoral do
Pacífico e que além de sua função integradora deverá transformar-se em importante elemento de
ligação do Atlântico com o Pacífico, além de ser um elemento incentivador primordial para o
sucesso das novas fronteiras agrícolas do “hinterland” sul-americano.
Outro trecho importante e que já está em construção é o que fará a ligação do terminal de
Itaqui, no Maranhão, no Brasil ao centro do continente.( a conhecida ferrovia Norte-Sul}
As linhas troncos devem ser projetadas com grande exatidão geométrica, a fim de alcançar
máxima retificação e nivelamento pelo menos em 85% de sua extensão. Os trens de passageiros
deverão alcançar velocidades de até 200 quilômetros por hora, e os de carga velocidades um pouco
menores, mantendo assim os fretes por tonelada-quilômetro com custos mínimos.
As linhas ferroviárias devem, também, ser vistas como elementos integradores do sistema
rodoviário que adiante detalharemos.
Em um dado momento, toda a rede, desde a Venezuela até a Patagônia, deverá uniformizar a
bitola em 1,435 metros de al rgura, que é a largura ótima, tanto para altas velocidades, como para
transporte de carga pesada.

cl
A melhor solução para o problema do sistema de bitola dupla é a construção de linhas
férreas de três trilhos em todo o Cone Sul, por onde possa passar equipamento rodante com
qualquer das medidas (esta prática já está difundida no Brasil). Desde o México até Santa Cruz, na
Bolívia, não é necessário instalar via dupla, mas desta última cidade atualmente partem vias férreas
com bitolas de 1,00 m de largura, até São Paulo, Buenos Aires e o Chile, portanto, sendo necessário
agregar um terceiro trilho nestas rotas.
Os especialistas estimam que necessitam, em média, cerca de 180 toneladas de aço, 200
dormentes de cimento ou madeira, e ao redor de 100 dias-homem para construir um quilômetro de
via férrea, sendo o custo médio ao redor de 600.000 dólares por quilômetro sobre terreno plano,
incluindo os custos normais na construção de pontes. Construindo-se vias férreas com grande
exatidão geométrica, aonde existir a necessidade de grandes pontes e túneis, os custos de construção
serão um pouco maiores, ao redor de um milhão de dólares por quilômetro.
Importantíssimo nesta concepção será o corredor ferroviário do Cone Sul, que deverá ligar as
cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires e Valparaíso.
Em uma segunda etapa do desenvolvimento, terão que se unir à rede ferroviária:
• vários ramais leste-oeste através dos Andes;
• uma via desde Ciudad Guayana na Venezuela, até Villavicencio, na Colômbia, que percorrerá o
sudeste dos Andes e abrirá toda a região dos campos de ambos os países;
• uma rota norte-sul desde Santa Fé, na Argentina, até Assunção, no Paraguai, até Mutum, na
Bolívia; e
• um terceiro tronco norte-sul, bordeando a costa atlântica da América do Sul.
A eletrificação das ferrovias existentes será alcançada em conjunto com o desenvolvimento
das centrais geradoras de energia elétrica para todas as necessidades industriais da América do Sul;
e onde as rotas dos dois primeiros troncos não coincidam com a rota da Rodovia Pan-Americana, se
construirão rodovias paralelas à ferrovia, aproveitando o caminho aberto, por onde deverão também
existir oleodutos, gasodutos, linhas de transmissão elétrica e de comunicações.
Na terceira etapa, se ampliarão as capacidades das ferrovias e das rodovias, ampliando-se as
vias duplas das ferrovias existentes. Neste momento, rede ferroviária e rodovias se integrarão com
uma ampla rede fluvial transportando em balsas os produtos a granel, como se explicará mais
adiante.
QUADRO 32
PROJEÇÃO DE PARÂMETROS FERROVIÁRIOS
1998 - 2020
Densidade da

cli
Quilômetros de rede Intensidade de
ferrovias ferroviária* Carga total Å uso ×
França 36.944 67,5 57,0 1.543
África do Sul 35.730 29,3 35,7 2.800
Estados Unidos 300.000 30,1 1.363,0 4.543
União Soviética 141.525 6,3 3.440,0 24.300
Argentina 34.172 12,3 14,0 400
Brasil 29.946 3,5 80,0 2.671
América do Sul 84.627 5,3 200,0 1.876
1998
América do Sul
2020
Vias novas: 70.000
transcontinentais 30.000
nacionais 40.000
Vias totais 154.627 10,4 3.000,0 15.000
de mão dupla 70.000
eletrificadas 70.000
* km de vias por mil km² de território
Å bilhões de toneladas-quilômetros
× (milhares de toneladas-quilômetros por Km de via)
Fontes: Janes World Railways, International Road Transport e Banco Mundial, como o citado por
SBEF.
Em suma, as novas vias continentais provavelmente se estenderão num total de 30.000
quilômetros. Além da construção destas, deverá ser agregado um total de pelo menos 40.000
quilômetros às redes internas dos diversos países. Toda cidade e centro industrial importante deve
conectar-se por rodovias diretas à rede nacional de ferrovias, e na maioria dos casos, isto significa
uma grande soma às redes nacionais atuais.
O Quadro 32 compara a densidade ferroviária da América do Sul com os países fora da
região. Com exceção do caso da antiga União Soviética, as densidades por cada mil quilômetros
quadrados de área total oscilam entre 30 a 60, enquanto que nos países mais densos da América do
Sul a média são 10 quilômetros por quilômetro quadrado, quando muito, e a média do continente é
de somente 5. Se somamos 100.000 quilômetros de vias, a densidade total se elevará para 10,4.
Quanto ao acréscimo de novas vias, podemos estimar que pelo menos a metade do total
ampliado (vias existentes mais novas) serão ferrovias de via dupla, somando outros 70.000
quilômetros ao total de vias a construir.

clii
Entretanto, para aumentar a eficiência e economizar combustíveis fósseis, se preverá
eletrificação da maioria das vias duplas, e alguns dos ramais de via única. Mesmo sendo impossível
determinar com precisão o custo total deste programa, ao se aplicar um custo médio de 600.000
dólares por quilômetro plano a 70.000 quilômetros de novas vias por construir, obtém-se a quantia
de 42 bilhões de dólares.
Ainda que tampouco possa prever-se, em detalhes, o custo de outros componentes maiores da
rede ferroviária, tais como eletrificação, equipamento rodante, manutenção pesada e o maior custo
dos ramais para cruzar a região do Amazonas e os Andes, tais investimentos somarão várias vezes o
custo da própria via férrea, ou seja, 80 bilhões de dólares.
Em 30 anos, poderia ser feita uma projeção aproximada dos custos totais, alcançando-se a
cifra de 280 bilhões de dólares. Neste mesmo período, entretanto, o retorno econômico de tais obras
excederá em muito os custos investidos, graças à redução dos custos e ao aumento da eficiência e da
capacidade de transportar grandes cargas que, de outra forma, sequer poderiam mover-se.
5.7.3 A AÇÃO NAS RODOVIAS
Alem das rodovias a serem construídas conjuntamente com as ferrovias apresentadas um
conjunto novo de auto-estradas deverá ser construído como o disposto no Mapa 5. Dentre estas
merece especial destaque pela sua urgência uma via rodoviária que ligue o Brasil ao Pacífico.
É importante colocar que houve e haverá uma séria oposição à concretização deste projeto
já que uma saída brasileira para o Pacífico, acompanhada pelo desenvolvimento pretendido da infra-
estrutura no interior do subcontinente, debilitaria o predomínio completo que os estadunidenses tem
nos fluxos de comércio que ligam o Hemisfério Ocidental à Ásia.(vide o porque no Mapa 6).
As alternativas estudadas tem seu centro de articulação na fronteira entre o Brasil e a
Bolívia. Cinco seriam as alternativas mais estudadas, duas mistas rodo-hidroviária:
a) A ligação rodoviária Porto Velho/ Guajará Mirim, dai por hidrovia ( Rios Mamoré
e Ichilo) até Puerto Villarroel, na Bolívia, um trecho de 1.300 km. Daí , por ligação rodoviária para
Arica passando por Cochabamba;
b) Ligação hidroviária aproveitando conexões a serem construídas entre as Bacias do
Madeira e Mamoré(vide outras observações sobre esta obra na parte referente a grandes obras
hidráulicas ou transporte hidroviário), o que permitiria o entroncamento de cargas na cidade de
Cáceres, em Mato Grosso, com a hidrovia Paraná-Paraguai, o eixo do desenvolvimento da Bacia do
Prata; e
três ,exclusivamente, rodoviárias:
c)de Rio Branco até Cruzeiro do Sul, no extremo noroeste do Acre, caminhando, em
seguida, a cidade peruana de Pucalpa e cruzando os Andes em direção à costa do Pacífico até o
porto de Callao;

cliii
d)de Rio Branco até Inapari, no Peru, de onde passaria por Arequipa, daí bifurcando-
se para os portos de Matarani e Ilo; e
e) a proposta apresentada recentemente no Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos
(CEBRES) que foi a contemplada no Mapa 5.
Todavia, qualquer que venha a ser a alternativa a ser adotada permitiria tanto a saída
brasileira para o Pacífico como o acesso peruano a diversas cidades brasileiras e ao Oceano
Atlântico.
As rodovias devem ser vistas como a base que articulará o novo sistema de transporte na
América do Sul. Pretende-se que a carga a ser transportada por rodovias não tenha a sua distância
média superior a 300 km. Será necessário, portanto, estruturar-se um grande conjunto de estações
de baldeação, munidos de amplos depósitos de armazenagem.
Outro ponto relevante é containerização maciça das cargas. Os armazéns devem ser de dois
tipos: os especializados ao tipo de carga e destinados a regular estoques e prover ligações entre
diferentes modalidades de carga e os vocacionados ao abastecimento urbano, que deverão ser
dotados de instalações que facilitem a distribuição de bens nas cidades. Para tanto, deve-se buscar
prover as cidades de faixas preferenciais para o trânsito de cargas de centros comerciais providos
com espaços subterrâneos para a carga e descarga de mercadorias.
A ação rodoviária a ser empreendida envolverá grandes recursos. A construção dos troncos
viários propostos nos Mapas 4 (conexas as ferrovias) e 5 exigirá a construção de vias expressas com
4 ou seis pistas de alta velocidades. Além disto, dever-se-á prover de rodovias toda a zona de
fronteira agrícola que engloba todo o centro do continente. Grandes desafios de engenharia terão de
ser vencidos, como os referentes, por exemplo, a construção de estradas em clima tropical com alta
precipitação pluviométrica, as diversas travessias pretendidas dos Andes, etc. Ou seja, será
necessário desenvolver novas técnicas e métodos especiais.
É de fundamental relevância entender que muito será necessário investir-se ainda na infra-
estrutura rodoviária. As rodovias são de mais fácil implantação que as ferrovias, o que conduz a
que, de início, todo o esforço de articulação do subcontinente deva ser suportado, primordialmente,
por este modo de transporte.
5.7.4 A AÇÃO NA MARINHA MERCANTE E NO SISTEMA PORTUÁRIO
O principal obstáculo físico para este nível de integração comercial na América do Sul está na
insuficiente capacidade portuária e de transporte marítimo dos países sul-americanos, o que poderia
se converter em um grave obstáculo. Os países da região não dispõem atualmente, nem de infra-
estrutura portuária nem da capacidade marítima exigida para ampliar o comércio intra-regional, ao
nível que tornaria possível um mercado comum. Em um espaço de tempo muito curto, os países sul-
americanos teriam a possibilidade de multiplicar duas vezes o volume do comércio intra-regional,

cliv
mas a frota marítima existente não poderia mover o volume ampliado, o que coloca num plano
preferencial e estratégico a ampliação das capacidades de transporte marítimo do subcontinente.
A frota mercante com que conta atualmente a Ibero-América, em torno de 900 barcos que
somam 19 milhões de toneladas de carga efetiva, tem capacidade para transportar em torno de 200
milhões de toneladas por ano, das quais 65% correspondem aos movimentos relacionados com o
comércio exterior.
O fortalecimento do comércio intra-regional geraria quase de imediato um incremento de 25 a
100 milhões de toneladas no volume de produtos a serem intercambiados pelos países sul-
americanos, mas a frota mercante atual não poderia mover mais de 50 milhões de toneladas, sem
desviar os recursos marítimos destinados a cabotagem interna e alguns aspectos estratégicos do
comércio intra-regional. Para cobrir a totalidades das necessidades de transporte do comércio
intercontinental ampliado, teria que se aumentar em 50% a capacidade da frota marítima do
subcontinente.
Por conseguinte, uma das primeiras prioridades do Mercado Comum da América do Sul tem
que ser a aquisição ou o frete imediato de cerca de 100 navios com capacidade conjunta de 5
milhões de toneladas de carga efetiva, com o fim de consolidar uma marinha mercante à altura das
novas necessidades do comércio intra-regional. Para alcançar este propósito imediato, a América do
Sul teria que adquirir a maioria dos referidos navios no mercado exterior. O frete traz a vantagem de
possibilitar a aquisição e construção nos estaleiros da região dos navios adequados ao plano
elaborado. Os recursos que terão que ser destinados à aquisição de navios são mínimos em relação
aos benefícios econômicos e estratégicos que geraria o estabelecimento da frota mercante
continental.
Ao mesmo tempo, ter-se-ia que colocar em marcha no maior ritmo possível a capacidade de
construção naval da Argentina e, principalmente do Brasil, o que permitiria incorporar à frota
continental uns 60 navios novos por ano, com uma capacidade conjunta de cerca de 3 milhões de
toneladas de carga efetiva, assegurando desta maneira o crescimento das capacidades de transporte
marítimo de todos os países da região a uma taxa próxima de 10% anuais, com base na qual se
cobriria a maior parte das necessidades derivadas do desenvolvimento e da integração econômica
do subcontinente.
Uma vez superadas as limitações atuais do transporte marítimo, o crescimento do comércio
intra-regional dar-se-ia com relativa facilidade até alcançar o nível planejado. Mas ainda assim, este
grau de integração econômica não é suficiente. O problema é que, não obstante, a proporção
relativamente baixa que viria representar o comércio extra-regional, o fato de estar este constituído
por produtos de importância estratégica para o desenvolvimento da região, representa ainda uma
grande vulnerabilidade, que tem de ser eliminada, progressivamente, em um prazo razoável. Neste

clv
sentido, é necessário que o subcontinente estabeleça uma firme e crescente capacidade própria de
desenvolvimento auto-sustentado que lhe permita ao mesmo tempo defender sua integridade
econômica e fortalecer sua estrutura produtiva, de tal modo que possa empreender com relativa
autonomia os grandes projetos de desenvolvimento de que necessita a região, para tornar realidade
o objetivo fundamental de converter a América do Sul em uma superpotência econômica.
Quanta a questão portuária a situação atual é das mais graves. São evidentes as debilidades
dos portos atuais: atrasos intermináveis nas alfândegas, disposição ineficiente das instalações, pouca
utilização de containeres, etc. Para saná-las devemos prever uma progressiva especialização do
sistema portuário e imaginá-lo como sendo dotado de duas categorias de porto: a que conceituamos
como superporto, como o de Sepetiba, no Atlântico, em construção no Brasil e destinado ao
entroncamento e a distribuição das cargas extra-subcontinentais e o de Arica, no Pacífico; e os
portos que se destinariam ao transporte e distribuição das cargas no âmbito do continente(vide
Mapa 7). Os portos deverão ser projetados como espaços de ligação entre caminhões, navios, trens e
as vias hidrográficas internas projetadas.
Outro ponto importante, e que se vincula a questão relativa da Marinha Mercante e que está
além da questões já abordadas da necessidade de renovação da frota, dos sistemas de carga e de
descarga resultantes do reequacionamento portuário, diz respeito a necessidade urgente de se
construir um novo canal inter-oceânico entre o Pacífico e o Atlântico capaz de permitir o fluxo de
navios mais modernos e econômicos entre as duas costas do subcontinente.
5.7.5A AÇÃO NA INFRA-ESTRUTURA HIDROVIÁRIA E NA IRRIGAÇÃO
A América do Sul utiliza-se muito pouco de seu sistema hidrográfico, como via de transporte.
Excetuado o pouco trânsito de cargas existentes na Bacia do Paraná e na Bacia Amazônica, pouco
se desloca, pelo modo hidroviário, no interior do subcontinente. Com a base hidrográfica que
possui, esta pouca utilização de suas águas internas é um enorme desperdício.
É bom lembrar que água é um bem cada vez mais estratégico. Talvez, no futuro, o recurso de
maior relevância para a América do Sul. Este subcontinente, habitado por 6% da população mundial
conta com 14% do território total do planeta, entretanto, detém 28% do volume de água doce
corrente de todo o mundo. A quantidade de água aqui existente por hectare é o dobro da média
mundial, e mais de 4 vezes a média mundial per capita. Esta água escoa sem grande utilização, pois
a América do Sul, dos espaços mundiais, é um dos que menos utiliza as facilidades da irrigação
para a agricultura. Portanto, é importante pensar-se em realizar aqui grandes obras de irrigação.
Torna-se fundamental, para o barateamento do deslocamento de cargas na região e para a
integração física do continente sul-americano, a união das Bacias do Orinoco, do Amazonas e do
Paraná. Montar-se ia desta forma um amplo sistema hidroviário em todo o interior do continente
que ligaria Ciudad Guayana, na Venezuela, com a cidade de Buenos Aires, na Argentina, e que a

clvi
maior parte do sistema pretendido (cerca de 6.800 km, de um total de 10.100 km) já é plenamente
navegável por barcaças de até 6 m de calado. As obras previstas são obras hidráulicas relativamente
menores, como a dragagem superficial, a ampliação e o aprofundamento de canais para torná-los
navegáveis em um total estimado de 2.400 km.. A esta rota de cerca de 10.000 km que surgirá da
união das três bacias existe um potencial de cerca de 100.000 km de vias navegáveis articulado a
este possível complexo hidroviário. Uma maior explicitação dessas obras será colocada adiante(vide
Mapa 8).
É de extrema importância também a construção de um novo canal de ligação entre o Pacífico
e o Atlântico. As grandes obras propostas e que resumem a ação na infra-estrutura hidroviária e na
irrigação encontram-se apresentadas no Mapa 9.
5.7.6 - AÇÃO NO SEMI-ÁRIDO DO NORDESTE DO BRASIL
O Semi-Árido do Nordeste brasileiro, ao contrário das áreas semi-áridas de outros países, não
se caracteriza pela ausência quase que completa de chuvas. Entretanto, para ele tanto a seca como as
chuvas representam um flagelo; se não chove, os cursos de água desaparecem, tornando a terra
improdutiva; quando chove, estes mesmos cursos de água tudo destroem na sua avassaladora
passagem. Objetiva-se com esta ação a regularização das vazões dos cursos de água da região
buscando o desaparecimento dos efeitos desastrosos atuais tanto das secas como das enchentes que
assolam a região. As áreas de interesse da ação são as situadas nas bacias hidrográficas dos rios:
a) Tocantins e, em particular, pela sua margem direita, as sub-bacias do Rio Sono/Balsas e
Manuel Alves;
b) São Francisco, em especial a área abrangida pela seu trecho médio;
c) Parnaíba, com destaque para as sub-bacias de seus afluentes do Balsas, Gurgéia, Itaveiras,
Piauí/Canindé e Poti;
d) Jaguaribe/Salgado;
e) Apodi/Carmo;
f) Piranhas/Açu;
g) Acaraú(Ceará); e
h) Vaza-Barris e Itapicuru na Bahia;
A precipitação média na região é de 700 mm/ano, extremamente irregular, como já
mencionado, sendo efemeramente armazenada em decorrência de sua irregularidade, da intensa
evaporação na região, e das características do solo, quase todo de substrato cristalino.
Segue a vazão média dos principais rios na região:
1) O São Francisco, praticamente regularizado, apresenta uma vazão média de 2.700m3/s,
em Petrolina;

clvii
2) O Tocantins, ainda não regularizado a montante de Tucuruí, tem, à altura da cidade de
Carolina, uma vazão média de 3.900m3/s;
3) O Parnaíba tem uma vazão média de 420 m3/s.
A regulação proposta envolve a construção de uma série de barragens e outras obras de arte
em engenharia e em linhas gerais segue o disposto no Mapa 10;
O plano em tela envolve também um amplo programa de irrigação e a utilização paralela dos
grandes depósitos de água subterrânea existentes na região.
5.7.7 - UM NOVO CANAL LIGANDO O ATLÂNTICO AO PACÍFICO
Este canal teria 166 km de extensão e aproveitaria os leitos naturais dos rios Atranto e
Truandó como o apresentado no Mapa 11. O objetivo pretendido seria o de dar condições de
aumentar o calado e as dimensões dos barcos que se utilizam hoje da ligação artificial entre os dois
oceanos, minimizando os custos envolvidos pela construção de um novo canal, já que grande
parcela do trajeto se daria pelo Rio Atrato, que só necessita, para o objetivo pretendido, de obras de
dragagem e de alguma canalização.
Estima-se o custo de construção deste canal em cerca de 15 bilhões de dólares. Nestes custos
incluem-se também os necessários a exploração dos recursos madereiros e do carvão existentes na
região, na montagem de uma ampla infra-estrutura portuária nos dois lados do canal e no
desenvolvimento da região do Pacífico que lhe é adjacente.
5.7.8 - CANAL ORINOCO-RIO NEGRO
Para a interligação da Bacia do Orinoco a Bacia Amazônica é necessário a construção do
canal de ligação do rio Orinoco com o Rio Negro como o esquematizado no Mapa 12 . Para tanto
tem de se vencer os seguintes obstáculos:
a) temos de ultrapassar uma série de quedas de água ao longo de 60 quilômetros no rio
Orinoco, na região de Puerto Ayacucho, na fronteira da Venezuela com a Colômbia. Já existem
várias propostas para a solução desta questão e que envolvem também o aproveitamento do
potencial hidroelétrico ali existente, como por exemplo, o da construção de uma usina hidroelétrica
com capacidade de 2.950 MW em Puerto Carreno, que serviria também para regular o fluxo de água
no rio Orinoco. As barragens seriam providas de eclusas para permitir a passagem de embarcações;
b) teremos que construir um canal que ligue o rio Orinoco ao rio Amazonas na altura do rio
Cassiquiare. Isto envolve o estudo mais aprofundado do melhor local, para a união das duas bacias,
em termos de custo. Mas, de antemão, podemos afirmar que a melhor solução seria a de construir
uma série de barragens no rio de menor cota ou menor elevação, criando-se assim uma série de
lagos nos quais se instalarão eclusas que providenciarão a passagem dos barcos de um lado para
outro. Requerer-se-á, também, a abertura de uma passagem até outro rio e isto só requer a utilização

clviii
de técnicas convencionais de canais. Esta passagem envolve duas alternativas como colocado no
Mapa 12:
i) Utilização dos baixios a oeste do rio Cassiquiare com a construção de um canal que vá
desde o alto Orinoco, perto da foz do rio Ventuari até o rio Cassiquiare, com um comprimento de
120 km. Isto exigiria, contudo, algumas outras obras de engenharia para vencer os desníveis
existentes; ou
ii) Podemos construir um canal mais curto que faça a conexão entre o rio São Fernando de
Atalapo ao rio Guainia, que é afluente do Rio Negro. Dado que o canal percorreria um trecho mais
plano e na sua maior parte pantanoso é uma obra mais factível.
5.7.9 LIGAÇÃO DA BACIA DO AMAZONAS COM A BACIA DO PRATA
Uma questão a ser resolvida é a que resulta das 22 séries de quedas de água no rio Madeira
entre Porto Velho e Guajará Mirim, algo que se dá em um trecho de 483 quilômetros. É viável
tornar este trecho navegável mediante a construção de canais, de eclusas e da remoção de rochas.
Alem desta obra que obrigatoriamente tem de ser realizadas e que tem claras vantagens
energéticas, existem duas opções para se proceder a ligação da Bacia do Prata com a Bacia
Amazônica ( vide Mapa 13 ).
A primeira e mais conhecida seria a conexão mediante um canal, em território brasileiro, da
ligação entre os rios Guaporé e Paraguai, mediante seus respectivos afluentes, os rios Alegre e
Aguapé. Esta conexão tem certa preferência pelo seu tamanho, cerca de 30 km, pela presença do
Lago Rebeca e dos pântanos que o rodeiam o que poderia vir a facilitar a construção do canal.
Outra possibilidade seria a construção de um canal através dos pântanos que ligam as
nascentes dos rios Arinos e Cuiabá, que correm respectivamente para a Bacia Amazônica e do
Prata. Esta obra se processaria nas fraldas do extremo da Serra dos Parecis no Brasil.
Ambas soluções requereriam a solução do problema das corredeiras dos rios Madeira e
Mamoré.
5.7.10 LAGO MAMORÉ-GUAPORÉ E CANAL GUAPORÉ-PARAGUAI
Esta é uma proposta de formação de um lago pelo represamento conjunto das águas dos rios
Mamoré e Guaporé (Baseia-se no pressuposto de que duas são as intervenções capazes de tornarem
habitáveis áreas extremamente pantanosas: a drenagem e a inundação). e promover a ligação deste
lago por um canal com o rio Paraguai de maneira a promover o saneamento de uma região
pantanosa e insalubre entre os dois rios citados e promover a irrigação e ou a drenagem dos
territórios do sul da Bolívia.
A idéia seria represar os rios perto de Guajará-Mirim, elevando as águas de forma a cobrir o
divisor de águas entre a as bacias. A partir desta barragem poder-se-ia fazer uma pequena elevação
das águas da barragem até o rio Grande passando por Santa Cruz, de onde a água escorregaria por

clix
gravidade mediante um canal até o Rio Bermejo, afluente do rio Paraguai, para posterior
distribuição para irrigação.
Em razão de perda de território daí decorrente esta é uma proposta merecedora de estudos
mais aprofundados.
5.7.11 OBRAS NA BACIA DO PRATA
A primeira das obras a serem concluídas é a da completa navegação em grande parte da
bacia. Para tanto, de início ênfase deverá ser concedida no sentido de retificar e balizar o trecho
entre a cidade brasileira de Cáceres, no estado de Mato Grosso, e a foz do rio da Prata, com uma
extensão de 3.422 km, o que incluirá também, cerca de 1600 km de vias navegáveis tributárias. No
âmbito do MERCOSUL realizaram-se trabalhos que estimaram a necessidade de US$ 500 milhões
para a instalação neste trecho de uma lucrativa navegação de comboio de chatas.
Requerendo maiores estudos e detalhamento é possível o total aproveitamento da bacia, o
que abrirá dezenas de milhões de hectares para a atividade agrícola. Para tanto, sugere-se o estudo e
a construção:
i) de uma séria de grandes barragens para conter a água, gerar energia elétrica, drenar
pântanos e impedir inundações;
ii) de eclusas em especial nos rios Paraná e Paraguai que possibilitarão o acréscimo de 4.500
Km de vias navegáveis ao complexo anteriormente mencionado; e
iii) de um sistema de bombas no rio Paraná e de um sistema de canais para levar-se água
para a irrigação de terras semi-áridas e férteis junto a cordilheira dos Andes e no Grande Chaco (
vide Mapa 14 ).
Existem planos para a construção de uma séria de barragens ao longo do rio Paraná em sua
parte baixa, como Chapeton( 3.000 Mw), Corpus( 4.000 Mw) e Pati( 3.300 Mw). Alem destas
barragens existe uma grande depressão no estado de Corrientes, na Argentina, conhecida como
Laguna Iberá, que facilmente pode-se converter em um grande lago. A questão que se coloca é que
a Bacia do Paraná recebe, na época das cheias uma enorme quantidade de água impossível de ser
capturada por meio de barragens. Com o uso da depressão poder-se-ia aproveitar muito mais este
excedente de água. Mediante pequenos canais o excesso de água ainda poderia vir a ser desviado
até o rio Uruguai. Na parte deste rio da bacia poderão ser construída ainda outras barragens: San
Pedro( 745 Mw), Roncador( 2.800 Mw) e Garabi ( 2.200 Mw).
A área da bacia ocidental da bacia platina é semi-árida e compreende o Grande Chaco no
sudeste da Bolívia e nordeste do Paraguai, indo até a região central da Argentina não recebe a
quantidade adequada de chuvas para a agricultura intensiva. De todos os projetos concebidos o que
mais foi detalhado é o canal de Bermejo. Se construiria desde o sul da Bolívia um canal paralelo ao
rio Bermejo até sua foz no rio Paraná de modo a se criar um sistema hidroviário de transporte

clx
eficiente entre a Bolívia e o Atlântico além de criar as condições para a irrigação em ambas as
margens do canal. Ainda também concebeu-se a proposta de criar uma série de canais que saindo do
rio Bermejo se dirigem para o sul , de forma a levar água às regiões secas, desde Salta até Neuquem
na Argentina.
5.7.12-CANAIS DO BRASIL
Dentro de um amplo estudo de vias navegáveis internas feito pelo BNDES no Brasil
especial atenção concedemos a ligação da Bacia do rio Tietê- Paraná e o rio Paraíba do Sul e a
ligação do canal Ibicuí-Jacuí no estado brasileiro do Rio Grande do Sul.
A ligação do Tietê com o Paraíba do Sul, as obras de regularização e aproveitamento do
último geram a possibilidade de se criar uma via com cerca de mais de 1.000 km na região mais
desenvolvida industrialmente da América do Sul.
O canal Ibicuí/Jacuí ligará o rio Uruguai a Lagoa dos Patos. Na verdade trata-se da ligação
do rio Ibicuí, afluente do rio Uruguai ao rio Jacuí, que desemboca na Lagoa dos Patos, em Porto
Alegre, por uma canal de 213 km de extensão e com um desnível de 100m de altura. Quando
terminado será possível percorrer-se longitudinalmente todo o território do estado do Rio Grande do
Sul, no Brasil, cerca de 800 km por barcaças de até 2,50m de calado.
5.7.13 -TRANSPOSIÇÃO HIDRÁULICA DOS ANDES
A costa do Pacífico, no trecho compreendido entre Guayaquil e Arica se caracteriza por sua
constituição física. É uma estreita faixa de terra de não mais de 60 km de extensão separando o mar
das escarpas dos Andes. Esta é uma região com pluviometria extremamente irregular em toda a sua
extensão e densamente povoada. A irregularidade das chuvas cria uma extrema vulnerabilidade
para as populações ali estabelecidas, enquanto que, a menos de 200 km, no outro lado dos Andes,
existe farta disponibilidade de água.
A solução para o problema colocado já existe desde 1801, quando o naturalista alemão
Alexander von Humboldt propôs transportar água da escarpa oriental dos Andes para a escarpa
ocidental mediante um sistema de túneis e empregando técnicas de bombeamento.
O primeiro destes sistemas e que se encontra bem adiantado é o destinado a garantir o
suprimento de Lima. O projeto resultou da barragem do rio Mantaro, do bombeamento de água por
cima do divisor e a canalização da água por túneis até a nascente do rio Rimac, que vai até Lima.
Outros grandes projetos de transposição hidráulica são os rio Pilpichaca para o rio Ica, o do
rio Maranón par o rio Vinu, e o do rio Apurinac para o rio Colcoa.

5.8 - A AÇÃO MINERAL


Devido ao legado das relações comerciais com os países industrializados, a mineração é a
indústria relativamente melhor desenvolvida na América do Sul. O ouro e a prata foram, por

clxi
exemplo, as primeiras exportações da região, dos séculos XVI a XVIII, e nos séculos posteriores a
exploração mineral tornou-se o principal objeto dos investimentos estrangeiros na região.
QUADRO 33
PRODUÇÃO E RESERVAS DE MINERAIS METÁLICOS
AMÉRICA DO SUL*
% do % do
Produção total Reservas total Principais
1983 mundial 1990 mundial produtores
Minerais Milhares Milhões de
básicos: de Toneladas
Toneladas
Minério de ferro 142.300 26,8 52.000+ 46,3 Bolívia,
Brasil
Venezuela
Níquel 9 3,7 2,3 3,8 Brasil
Cobre 1.822 22,5 111 32,6 Chile, Peru
Bauxita 23.378 n.d. 5.800 27,6 Brasil, Caribe
Titânio 14 1,5 34,5 20,0 Brasil
Zinco 987 15,7 20 11,8 Peru
Estanho 40 19,0 0,3 8,5 Bolívia,
Brasil
Chumbo 494 14,7 6 6,3 Peru
Manganês 1.046 13,1 30,6‡ 3,4 Bolívia,
Brasil

Minerais Toneladas Milhares


Estratégicos: de
toneladas
Nióbio 6.977 73,1 3.221 78,9 Brasil
Litio 1.279 15,2 1.270 66,7 Chile, Brasil
Rênio 4,8 31,5 1,4 45,5 Chile, Peru
Berílio 1.250 18,3 165 43,2 Brasil
Telúrio 125 23,6 7.280 33,1 Chile, Peru
Selênio 375 19,9 25 31,3 Chile,
Prata§ 144,2 36,7 2.290 29,2 Peru
Cobalto 1.650 7,1 1.048 28,9 Colômbia
Molibdênio 23,8 36,7 1.361 25,0 Peru
Cádmio 2,503 12,7 75 13,5 Peru
Antimônio 19.053 39,9 554 13,3 Bolívia
Tálio 1,9 14,3 0,05 12,0 Brasil
* Quantidades medidas em conteúdo metálico.
+ Inclui estimativas das jazidas de Mutúm na Bolívia e de Carajás no Brasil.
‡ As reservas de manganês podem ser consideravelmente maiores, dadas às quantidades indeterminadas nas jazidas de
Mutúm.

clxii
§ Milhões de onças-troy.
Fonte: Bureau of Mines, E.U.A. como citado por SBEF.
O Quadro 33 anterior indica as reservas sul-americanas estimadas dos minerais e a
porcentagem que representam do total mundial. A segunda coluna indica a porcentagem da
produção mundial total que é representada por esta produção.
Como se pode ver, a região produz uma porção considerável dos minerais básicos, como
minério de ferro, níquel, cobre, zinco e estanho. Também possui grandes porcentagens da produção
de vários minerais estratégicos, como afirma GIRAUD(1983).
.Contudo, podemos observar que a região possui uma porção maior das reservas do que da
produção: 46% das reservas mundiais de minério de ferro, 39% do níquel, 33% das de cobre e 28%
da bauxita. Quanto aos minerais estratégicos, o quadro indica que a América do Sul possui mais de
40% das reservas de quatro deles e mais de 25% das reservas de outros cinco.
O ouro e a prata são ainda produtos importantes. O cobre do Chile e Peru, o estanho da
Bolívia, o minério de ferro do Brasil e um sem número de outros minerais representam parte muito
importante do produto interno bruto e das exportações da região. Mas muito pouco desses minerais
se refina e adquire sua forma metálica definitiva na América do Sul, apesar da região possuir fontes
de energia baratas e abundantes (pois a energia é um dos elementos mais importantes no refino dos
metais). Tradicionalmente, este tem sido um dos aspectos mais débeis da mineração e da indústria
sul-americana. Extrai-se muitos minérios, mas é muito pouco o que é refinado e industrializado na
América do Sul; em conseqüência, o valor agregado é minúsculo.
Assim sendo, a América do Sul exporta minerais a preços baixos, ou as vezes metais
acabados ou semi-acabados, e importa produtos acabados caros que contêm o metal ou, no melhor
dos casos, peças para a montagem. O que se omite são as etapas intermediárias, a manufatura de
bens de capital e a indústria pesada, que são as indústrias menos desenvolvidas da região. Isto
explica o perigoso desequilíbrio existente entre o setor manufatureiro de bens de capital e o de bens
de consumo na região.
Já no Mapa 15 encontram-se apontadas as principais jazidas de minerais básicos. Como
pode-se ver o Brasil, a Bolívia , o Peru e o Chile são os principais países mineiros do subcontinente.
Todavia, os recursos apontados não representam a totalidade dos recursos disponíveis e sim os
recursos conhecidos. Um objetivo central para uma ação mineral na região passa obrigatoriamente
pelo emprego de técnicas mais modernas de pesquisa e prospeção mineral baseado em satélites, via
sensoreamento remoto, ou através de métodos mais usuais de aerofotogrametria, para a realização
de um inventário completo das disponibilidades minerais do subcontinente.
QUADRO 34
APLICAÇÕES DOS MINERAIS ESTRATÉGICOS

clxiii
EM ÁREAS DE ALTA TECNOLOGIA
Alumina Materiais abrasivos de precisão, cerâmica, refratários.
Alumínio Transmissão de energia elétrica de alta voltagem.
Antimônio Baterias, equipamentos de transmissão de energia elétrica.
Bauxita Materiais abrasivos, equipamento aeroespacial, eletrônica, reatores de
prova de materiais
Cádmio Recobrimentos anti-corrosivos em equipamentos aeroespaciais,
eletrônica, indústria elétrica, baterias, aparelho de TV.
Zinco Construção de plantas industriais, pontes, estradas, edifícios.
Cobalto Materiais resistentes a alta temperatura para turbinas de aviação,
reatores nucleares, turbinas a gás, equipamento aeroespacial,
ferramentas de alta resistência, (barrenas).
Cobre Circuitos especiais na indústria eletrônica, equipamento de geração de
energia elétrica, usos aeroespaciais.
Columbio Super-ligas para turbinas a gás, equipamentos nucleares, turbinas de
aviação, supercondutores, aço inoxidável, máquinas de ressonância
magnética para aplicações nucleares.
Estanho Mancais de motores, componentes eletrônicos, solda elétrica,
computadores e veículos militares.
Lítio Processos de fundição e refino de metais, baterias para proteção de
computadores, marca-passos cardíacos, reatores nucleares de metal
líquido.
Magnésio Fabricação de aço especial.
Molibideneo Ligas especiais para equipamentos de alta temperaturas, materiais
refratários para industriais elétrica-eletrônica, centrais nucleares,
lubrificantes, catalisadores.
Níquel Ligas para turbinas, trocadores de calor, centrais nucleares, aviões,
barcos.
Prata Equipamento fotográfico, catalisador na indústria petroquímica,
espelhos de alta qualidade.
Chumbo Baterias de automóveis e uso na indústria elétrica.
Rênio Ligas para instrumentos de medição, eletro-ímãs, semicondutores.
Selênio Cerâmica, supercondutores, fotocopiadoras.
Tálio Aplicações eletrônicas, semicondutores, radiação, detecção e
transmissão eletromagnética.
Telúrio Ligas de aço usináveis, numerosos usos químicos, aparelhos de raios
infravermelho
Titânio Indústria aeroespacial, aviões, turbinas de aviação, plantas elétricas
Fonte:SBEF
A ótica prevalecente no programa de pesquisas deve ser o de privilegiar as necessidades da
região, modificando-se, portanto, a prioridade atual de se dar ênfase às exportações. Ênfase especial
deve se dar aos projetos minerais no sentido de utilizá-los como instrumento de incorporação de
várias áreas do subcontinente aos seus ecúmenos( triângulos Rio-Buenos Aires-Brasília e Caracas-
Bogotá-Lima), a exemplo do que foi projetado para Carajás (vide Mapa 16 )
Outro ponto importante da ação mineral é a pesquisa e o desenvolvimento no sentido do
total domínio de todas as técnicas que envolvam o aproveitamento completo de todos os metais, em

clxiv
seu atual estado de arte. Isto se aplica primordialmente aos minerais estratégicos, que são
fundamentais para áreas de alta tecnologia. Para uma melhor visão da importância da questão
colocada sugere-se uma visão detalhada do Quadro 34 acima.

5.9 A AÇÃO INDUSTRIAL


A execução das grandes obras de infra-estrutura, que esboçamos, anteriormente, será
gerador do maior crescimento industrial que a região jamais presenciou. Para satisfazer a demanda
de matéria-prima na construção civil, na indústria pesada e de bens de capital, será necessário um
grande avanço na produção industrial. Este avanço terá que ser alcançado mediante estratégias de
investimentos coordenados em escala regional e acordos aduaneiros dirigidos à proteção das
indústrias recém criadas, até que se consolidem.
A estratégia industrial terá que aproveitar o efeito multiplicador que acompanha o sucesso
desenvolvimentista. Isto significa que cada real investido gerará dez reais de pedidos em uma
dezena de outras indústrias. Assim, por exemplo, a compra de uma locomotiva gerará, por sua vez,
a demanda de motores, chassis, carrocerias, peças, etc., o que, por sua vez, gerará a demanda de
máquinas operatrizes e de produtos de fundição, forjados, etc., o que, por sua vez, se traduz na
demanda de aço, alumínio e outros metais. Para obter todos os benefícios desse possível efeito
multiplicador, haverá a necessidade de que a América do Sul implante indústrias integradas
verticalmente, articulando toda a cadeia produtiva..
Entretanto, é bom lembrar que o objetivo central de qualquer política industrial é o de
prover à população de bens necessários e de bens de uso comum. Entretanto, a este objetivo
consensual, no caso em estudo, o da cooperação sul-americana, especial atenção deverá ser
concedida a segmentos estratégicos, em especial à indústria produtora de equipamentos para a
defesa e a indústria de bens de capital.
A indústria produtora para equipamentos de defesa necessita ser reposta em marcha, depois
do desmantelamento que sofreu aonde estava mais avançada, Brasil e Argentina. Entretanto, com o
apoio tecnológico externo disponível e com um forte estimulo dos governos da região o mercado
existente na região para estes produtos tende a ser crescente e auto-sustentável.
Antes que proteger a produção de bens de capital, a estratégia seguida até então pela
América do Sul, sob a nítida influência da CEPAL, foi proteger a produção de bens de consumo, se
é que se protegeu alguma coisa. Por isso, presenciamos o espetáculo que aconteceu no Peru, durante
o Governo de Belaunde Terry: receber empréstimos para investimentos, nos quais a totalidade dos
bens de investimentos foram importados, quando ainda a indústria peruana podia ter produzido uma
porção destes bens. Na Colômbia, a estrutura aduaneira protegeu vigorosamente a fabricação de
bens de consumo duráveis, como refrigeradores, mas deixou desprotegida a fabricação dos bens de

clxv
capital dos componentes destes refrigeradores. O Brasil exporta aço, mesmo quando o consumo de
aço é uma pequena fração do que necessita para o seu próprio desenvolvimento; e importa bens de
capital feitos de aço, os quais bem poderia produzir no próprio país.
O resultado tem sido um setor de bens de capital minúsculo, sem esperanças de
desenvolvimento auto-sustentado, como bem ilustra a Tabela 35 abaixo:
QUADRO 35
PRODUÇÃO DE MÁQUINAS OPERATRIZES
1983
Produção total Produção per capita
(milhões de dólares) (dólares por mil habitantes)
Argentina 31 1,1
Brasil 124 1,0
México 21 0,3
Coréia do 210 5,3
Sul
Itália 1.048 18,6
Japão 3.538 29,9
Alemanha 3.194 51,8
Fonte: National Machine Tool Builders Association, EUA como citado por SBEF.
A prática do Japão do pós-guerra sob a tutela do seu Ministério de Comércio Internacional e
Indústria ilustra a maneira oposta de fazer as coisas, a qual resulta num modelo mais desejável para
o Mercado Comum Sul-Americano. O ministério japonês valeu-se da política aduaneira, as formas
de juros e outros incentivos para fomentar indústria após indústria, nos setores de bens de capital e
indústria pesada.
Uma indústria de bens de capital e uma indústria de defesa só progridem se o fazem apoiado
em uma forte indústria pesada.
5.9.1-AÇÃO NA INDÚSTRIA PESADA.
Para fins de análise, classificou-se neste trabalho como indústria pesada ou de insumos
básicos, os ramos vinculados a produção de aço e ferro, de metais não-ferrosos, de celulose, de
cimento, de química inorgânica e petroquímica. É esta a indústria que transforma a matéria -prima e
a coloca já elaborada a disposição de todo os demais setores industriais. Em geral são setores da
indústria que requerem grandes investimentos em fábricas gigantescas. O seu desenvolvimento é
fundamental para a real industrialização do subcontinente sul-americano. No Mapa 17 está
posicionado os principais pontos imaginados de estabelecimento desta indústria.

clxvi
A expansão da produção de aço é um objetivo a ser perseguido continuamente. Calcula-se
que para se atingir em 2020 o estágio de desenvolvimento pretendido tornar-se-á necessário ter-se o
índice atual de consumo per capita da União Européia, ou seja, cerca de 400 kg de aço. Isto
significa ter de multiplicar por oito a produção de aço do subcontinente.
Isto significa duplicar a produção em cada oito anos. Algo que requererá maciços investimentos.
Sugere-se o aproveitamento preferencial do método da redução direta pelo gás natural . Outro ponto
relevante para a futura siderurgia sul-americana é o domínio das ligas de aço.
Quanto a produção de metais não-ferrosos todo o esforço deve ser feito no sentido do
desenvolvimento de tecnologias capazes de reduzir o consumo energético no processo de
transformação. ( especial atenção merece por ser altamente promissora neste sentido a chamadas
tecnologias de plasmas de baixa fusão).
O que se sucede com o setor de aço também se processa na indústria petroquímica, cimento
e celulose. São necessárias altas inversões devido ao grande aumento pretendido para o crescimento
dessas indústrias.
5.9.2-AÇÃO EM BENS DE CAPITAL
Entende-se como indústria de bens de capital a indústria produtora de fábricas. É o
segmento industrial destinado a produção de máquinas de todas as classes, de equipamentos de
transportes, de equipamentos elétricos, eletromecânicos e etc.
Este setor não requererá somente novos recursos, para a montagem de novas fábricas.
Exigirá, também, grandes investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento. Robótica, novos
materiais, optrônica e microeletrônica são campos de grande esforço para se alcançar o sucesso no
setor de bens de capital no próximo milênio. E estes são setores que requerem grandes
investimentos em P&D. Além disto, outro significativo esforço terá de ser feito na preparação,
adestramento e manutenção da mão-de-obra altamente qualificada, que o setor requererá. Na
América do Sul, o país mais apto a lidar com o desafio que é deter um atualizado setor produtor de
bens de capital é o Brasil. Isto explica a concentração observada no território brasileiro de indústrias
deste segmento, como observado no Mapa 17 . Entretanto, indústrias de menor grau de sofisticação
devem ser alocadas nos demais países do subcontinente.
QUADRO 36
PRODUÇÃO PER CAPITA DE PRODUTOS INDUSTRIAIS
(por mil habitantes)
1990
Papel Veículos Refrigerado
Aço Fertilizante Imprensa Comerciais res

clxvii
(tonelada) s (toneladas) * (unidades)
(Toneladas) (unidades)
Argentina 95,1 1,0 3,5 2,3 9,2
Brasil 126,5 16,6 0,9 4,5 13,9
Colômbia 16,3 3,4 n.d. 0,4 8,0
Chile 63,4 11,2 11,8 0,4 8,6
México 102,6 13,5 1,0 1,5 8,2
Peru 25,8 4,5 n.d. 0,4 4,4
Venezuela 126,5 10,8 n.d. 4,4 n.d.
Japão 951,3 18,8 21,9 33,4 37,1
Alemanha 722,2 81,0 10,0 5,2 48,9
Estados Unidos 447,9 99,4 18,1 7,2 30,1
n.d .= Não disponível *Inclui produção e montagem
Fontes: CEPAL e SBEF
Outro ponto relevante a ser mencionado diz respeito a importância de zonas de concentração
industrial dado a verticalização imaginada nestas regiões de forma a se aproveitar as economias
externas ali existentes, decorrentes da concentração industrial de diferentes segmentos e da
proximidade geográfica das fábricas.
Como pode ser observado no Mapa 17 priorizou-se os seguintes espaços:
Região de Buenos Aires;
Triângulo Rio-São Paulo- Belo Horizonte;
Nordeste do Brasil;
Litoral caribenho venezuelano e colombiano.
Para se ter uma idéia do esforço a ser empreendido na industrialização colocamos acima, o
Quadro 36, que permite a visualização da situação atual do setor, comparando a produção da região
com outros países:

5.10 - A AÇÃO ENERGÉTICA


A energia é elemento primordial para a elevação do nível de vida da população da região.
Portanto, para o plano de cooperação proposto, a energia nos parece merecedora das maiores
atenções.
A região é muito bem dotada de combustíveis energéticos como pode se concluir no Mapa
18 .
Foi no campo da energia que a América do Sul conseguiu os maiores avanços, nos últimos
20 anos, dos quais alguns realmente importantes, que incluem o domínio do ciclo nuclear completo

clxviii
por parte da Argentina e do Brasil; a construção da maior represa de Itaipu, construída pelo Brasil e
Paraguai; o desenvolvimento da indústria petrolífera, em especial, o domínio tecnológico da
prospeção e exploração em águas profundas obtido pela Petrobrás no Brasil. No entanto, nesta
mesma área, a América do Sul foi incapaz até agora, de atuar nas necessárias ações conjuntas para
fazer frente às necessidades energéticas que enfrentará a médio e longo prazo.
Para a sua atual necessidade econômica, a América do Sul é rica em recursos energéticos;
possui abundantes reservas de petróleo na Venezuela; possui recursos hidrelétricos praticamente em
toda a sua extensão; reservas de gás natural no Peru, na Argentina e em outros países; carvão na
Colômbia e no Brasil; reservas consideráveis de urânio e tório no Brasil, Colômbia e Argentina.
Contudo, quando a América do Sul começar a crescer, se encontrará no ano 2020, exigindo
demasiadamente das fontes energéticas disponíveis, e enfrentará uma crise capaz de por freio as
suas possibilidades de crescimento no século XXI. Simplesmente, teremos chegado ao ponto em
que nossas capacidades termelétricas e hidrelétricas já não poderão crescer de modo significativo.
Alguns “especialistas”, entre eles os do Clube de Roma, estão aproveitando este fato
evidente para argumentar que, sendo assim, deveríamos limitar nosso crescimento econômico para
não esgotar nossos limitados recursos energéticos. Mas a forma correta de abordar o problema é não
limitar nosso possível crescimento e garantir que, quando os recursos hidráulicos e fósseis se
esgotarem, contemos com a capacidade nucleoelétrica suficiente para manter o crescimento
energético e o crescimento econômico geral.
Ainda que seja difícil vislumbrar com precisão a magnitude do consumo de energia ou
eletricidade que será necessária no futuro, é possível fixar critérios gerais que permitam o
planejamento de modo competente. A proposta é gerar um total de 7,0 bilhões de MWh para o ano
2020, o que fixa um curso de ação muito bem definido.
A dificuldade no cálculo do consumo de energia elétrica da América do Sul nasce do fato de
que a relação entre energia e produção se modificará drasticamente nos próximos 30 anos devido à
introdução de técnicas avançadas. Ainda que historicamente a geração de energia elétrica tenha
crescido com maior rapidez que o PIB total (na América do Sul, nos últimos 15 anos, cresceu o
dobro no mesmo período), é um fato que a nova tecnologia implicará aumentos notáveis tanto na
eficiência como na intensidade energética( Um bom exemplo disto é o fato de que a moderna
indústria siderúrgica japonesa consome por tonelada de aço somente a metade de energia que a
indústria siderúrgica americana, relativamente mais atrasada).
Portanto, do ponto de vista da elevação da intensidade energética, consideramos os seguintes
fatores:
• Os processos industriais orientam-se no uso de eletricidade em vez de energia térmica direta de
combustíveis fósseis. Esta tendência se acentuará à medida que se desenvolva o uso de plasmas.

clxix
• A eletricidade será utilizada para produzir combustíveis como o hidrogênio, que começarão a
substituir a gasolina e outros hidrocarbonetos, no princípio do século vindouro.
• O transporte utilizará cada vez mais a energia elétrica (redes de metrô, trens elétricos
interurbanos e ferrovias de carga eletrificadas).
Mas, por sua vez, nos próximos 20 anos, presenciaremos o auge de novas técnicas que
diminuirão o consumo de energia elétrica por unidade de produto; ou seja, aumentarão a eficiência
energética. De fato, em anos recentes, foram obtidas poupanças muito significativas de eletricidade
na indústria. E, no futuro, contaremos com tecnologias como a transmissão sem atrito, as aplicações
de supercondutividade elétrica à baixa temperatura, e uma ampla gama de outras tecnologias.
Considerando todos estes fatores, nosso cálculo é que o setor elétrico terá que crescer, daqui
para o ano 2020, em média, à razão de 10% ao ano.
Este cálculo está de acordo com uma extrapolação baseada no consumo industrial de energia
elétrica por trabalhador industrial. A meta de geração elétrica que propomos para o ano 2015, de 7,0
bilhões de MWh, nos leva a alcançar o nível atual de consumo industrial europeu, de 20.000 KWh
por trabalhador industrial, o qual se correlaciona com a produtividade industrial que determinou-se
como objetivo para aquele ano.
Isto significa que a capacidade instalada terá que crescer 8,0% ao ano para chegar no ano
2020 com 1.100.000 MW, o que equivale a 8 vezes a capacidade atual (tomando em conta a
capacidade total de Itaipu e Guri). É interessante observar que este ritmo de crescimento permanece
sendo o dos últimos 15 anos.
Outro ponto fundamental é que não há nenhuma justificativa racional para o abandono do
potencial hidroelétrico da Amazônia, sendo que aí reside uma grande perspectiva energética para o
subcontinente.
Ao planejarmos os próximos 20 anos de investimentos na produção de eletricidade, existem
três elementos fundamentais a serem examinados: as fontes e suas disponibilidades, a fabricação e
instalação dos bens de capital necessários, e a disponibilidade da força de trabalho especializada e
qualificada para instalar e operar as centrais elétricas.
As melhores estimativas indicam que a região possui um potencial de pouco mais de
600.000 MW de energia hidrelétrica aproveitável, e considerando um fator de geração de 5.000
horas por ano, poderá chegar a gerar 3,0 bilhões de MWh por ano.
A geração termelétrica deve compensar o que falta para cobrir as necessidades totais,
quando muito até o ano 2010, momento no qual a energia nuclear terá que se incorporar em grande
escala para satisfazer à maior parte da nova demanda de energia. Para 2020, toda a geração
adicionada terá que ser de origem nuclear.

clxx
Este cálculo evidencia a absoluta necessidade da execução de um programa nuclear de
grande magnitude na América do Sul, que seja o eixo da política energética nos próximos 30 anos.
Devido ao fato de que a América do Sul está ainda subdesenvolvida nesta área, consideramos que
daqui até 2002 poder-se-á instalar, em média, não mais que 4.000 MW nucleares por ano, mas o
ritmo anual aumentaria para 6.000 MW até o ano 2007 e a 12.000 MW por ano no qüinqüênio
seguinte. Uma vez que o ritmo de instalações de centrais nucleares deverá prosseguir até alcançar
105.000 MW no ano 2020, isto somente poderá ser alcançado com métodos de produção em série,
como os que descreveremos mais adiante.
A quantidade de geração nucleoelétrica para o ano 2020 também coloca a questão da
suficiência do combustível nuclear. As reservas de urânio existentes na América do Sul -
principalmente no Brasil, Argentina e Colômbia - são importantes, porém ainda não muito grandes,
se comparadas com as da África do Sul, dos Estados Unidos ou da Austrália.
QUADRO 37
CUSTOS DE INVESTIMENTO EM ENERGIA ELÉTRICA
1998 - 2020
1998 - 2007 2007 - 2020
Custo Nova Custo Custo Nova Custo
Tipo por capacidade total× por capacidade total ×
1.000 Instalada Å 1.000 Instalada Å
MW * MW *
Hidrelétrica 1.000 115 115 1.500 400 600
Termelétrica 940 210 197 800 286 228
Nucleoelétrica 1.200 35 42 1.000 357 357

Subtotal 360 354 1.043 1.185


Rede de
transmissão 200 500

Total 554 1.685


* milhões de dólares, Å milhares de MW, × bilhões de dólares.
Fonte: Departamento de Energia dos Estados Unidos, conforme citado por SBEF
Quanto à energia nuclear, a via adequada para a América do Sul é o emprego de reatores
menores que as centrais de 1.000 ou 1.100 MW, normais nos países da Comunidade Econômica
Européia (CEE). Muitas empresas, como INVAP, argentina, e o programa em curso para o
desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro projetam atualmente reatores entre 15 e 300 MW,

clxxi
que possuem muitas vantagens em comparação com modelos de maiores dimensões. Tratados de
forma modular possibilitam o aumento gradual da geração, à medida que aumenta o parque gerador,
permitindo a manutenção e recarga, um a um, sem grande interrupção no fornecimento de energia.
Reduzem os serviços de engenharia civil para instalá-los; bem como o período de montagem,
especialmente se construídos em série; e, talvez, requeiram menores investimentos. Os mini-
reatores são, também, “inerentemente seguros”, por operarem a baixas pressões, e não sofrem as
falhas das centrais maiores, e seus períodos de manutenção são muito menores.
Outro aspecto importante, é que as centrais menores podem ser fabricadas em série,
montadas e enviadas a outros locais. Somente a produção em série torna possível a construção de
centrais nucleares na escala necessária que satisfaça as necessidades do próximo século. Quanto às
termelétricas, supõe-se que também podemos aplicar os métodos de produção em série, com a
correspondente redução nos investimentos.
A América do Sul deve iniciar a aproveitar a tecnologia e experiência técnica da Argentina e
do Brasil, combinada com a capacidade de produção de bens de capital que possui o Brasil. Como
coloca a SBEF(1988l), como parte de seu Projeto Cerem, a empresa INVAP, de Bariloche, projetou
um protótipo de reator nuclear miniaturizado. O plano é produzir reatores entre 15 e 30 MW. Este
tamanho será útil em lugares isolados e pouco povoados, mas terá que aumentá-lo para potências
entre 150-300 MW, como os projetados pela Marinha Brasileira, para atender as necessidades de
energia mais freqüentes na América do Sul. Contudo, é um passo importante e deve servir de base
para ampliar com rapidez o programa de treinamento e construção nuclear sul-americano.
No quadro 37 acima se apresentam os cálculos de investimento de capital que o programa
requer.
Supõe-se que o custo das obras hidrelétricas aumentará 50% para o ano 2007, devido ao fato
que os melhores sítios já foram aproveitados, ao passo que o custo das termelétricas e
nucleoelétricas diminuirão em mais de 15%, à medida que se difunda a fabricação em série. Serão
necessários investimentos consideráveis em redes de transmissão, que estimamos em 55%, mais ou
menos, do custo das usinas geradoras até o ano 2007, caindo a 42% nos anos subseqüentes, já que a
maior parte da infra-estrutura básica está construída até então. O aperfeiçoamento de novas técnicas
de geração, como magneto-hidro-dinâmica, reduzirá drasticamente os custos
Salta aos olhos que a demanda de bens de capital para todas as formas de geração elétrica
será enorme. De fato, podemos afirmar que o progresso da indústria fabricante de bens de capital se
definirá à medida que seja satisfeita a demanda do setor energético.
QUADRO 38
COMPARAÇÃO DE FONTES DE ELETRICIDADE
POR DENSIDADE DE FLUXO E EFICIÊNCIA

clxxii
Densidade de Investimento Período de Eficiência
fluxo de capital retorno líquida do
energético (dólares por energético ciclo (%)Å
(kw/m² kw) (anos)*
Coletores
solares 0,2 20.000 8,3 2,6
Biomassa 3.200
Combustíveis
fósseis 10.000 850 0,2 30,0
Reatores nucleares
de água pesada 70.000 1.300 0,4 42,0
Reatores nucleares
de gás de alta temperatura 70.000 1.300 0,4 42,0
Reatores nucleares
rápidos 70.000 1.600 0,4 35,0
Fusão nuclear × 70.000 n.d. 0,4 25,0
* Anos de geração necessários para produzir energia que se consome no construção das instalações.
Å Eficiência térmica (energia elétrica útil em porcentagem do total da energia consumida no
processo de conversão).
× Primeiros protótipos; os modelos posteriores terão maiores densidades fluxo energético.
Fonte: Mechanical Engineering, Junho de 1976, conforme citado por SBEF.
Em paralelo, ao esforço central projetado, especial atenção deverá ser concedida a formas
alternativas de geração de energia como a biomassa, dado as características especiais de insolação
do continente. O Quadro 38 apresentou uma comparação de fontes de eletricidade:
A busca de fontes renováveis de energia competitivas deve ser um dos principais objetivos
dos sul-americanos no início do próximo século, dado as vantagens locacionais do subcontinente.

5.11 A AÇÃO NAS COMUNICAÇÕES


A questão central que se coloca é a de montar uma ampla matriz integrada de informações
em todo o território sul-americano. Para tanto, todo o sistema de infra-estrutura a ser construído (
ferrovias, rodovias, gasodutos, etc) deverá ser concebida e construída e dotada de feixes de fibras
óticas. A ação integrada transportes, energia e comunicações é algo a ser permanentemente
acompanhado.
QUADRO 39
AMÉRICA DO SUL
PROJEÇÃO DOS MAIORES MERCADOS DE MICROCOMPUTADORES

clxxiii
(MIL UNIDADES)
Vendas Anuais Base Instalada(com erosão anual de 5%)
1996 1997 1998 1996 1997 1998
Brasil 1.100 1.350 1.600 3.000 4.200 5.600
Argentina 240 280 320 1.110 1.320 1.560
Venezuela 160 190 230 760 910 1.080
Chile 140 170 210 540 680 840
Total 2.610 3.110 3.450 8.120 10.750 13.760
Fonte: BNDES(1998)
A informatização crescente da sociedade, algo que naturalmente já vem ocorrendo como
demonstrado no Quadro 39 acima, seu acoplamento a um sistema de infovias proporcionará uma
mudança completa no sistema de comunicações e de informações na região.
A montagem de um sistema de comunicações na região obrigatoriamente passa pela
articulação em três níveis, o de uma rede de microondas, o de uma rede de cabos de fibras óticas e o
que exige um posicionamento prévio, de uma rede de satélites de baixa órbita dotado das
conveniências de um sistema de estações terrestres. Tanto o sistema de microondas como o de
fibras óticas deve ser como já foi dito articulado com o projeto de infra-estrutura imaginado. Assim
os superportos deverão ser dotados de teleportos.

5.12 CONCLUSÕES
A cooperação sul-americana deve ser vista como um instrumento de alavancagem coletivo
de todos os países da região. Deve ser imaginada como um amplo programa de combate ao
subdesenvolvimento crônico da região e como um elemento de potencializar os amplos recursos
naturais que a região dispõe. É indubitável que esta cooperação é de fundamental importância para
um bem sucedido programa de integração física, política, econômica, cultural e militar da região.
Esta cooperação é o elemento mais promissor para a reversão do quadro de progressivo
rebaixamento que a região recebeu, nos últimos 40 anos, nas relações com os países centrais, em
especial, com os EUA. Só para exemplificar, nesses últimos 40 anos, os países das Américas em
desenvolvimento perderam dois terços da participação relativa que detinham nas pautas do
comércio exterior dos EUA. Esta perda se materializou em decorrência do aumento relativo e
crescente da Alemanha e do Japão, nos trinta primeiros anos e mais recentemente, pela ofensiva dos
chamados tigres asiáticos e pela China. A adoção preferencial feita pelos estadunidenses, primeiro
pelos derrotados da II Grande Guerra, feita no início da década de 50, e depois pela franja asiática e
pela China, feita nos início da década de oitenta, magnificou os efeitos da escassez crônica de

clxxiv
divisas da América do Sul, algo que só poderá ser revertido com uma nova política que diminua a
dependência de divisas e que, talvez, obrigue aos norte-americanos a priorizar novamente a região.
A curto prazo, uma área de livre comércio para a América do Sul, a ALCSA, teria que utilizar
profundamente sua capacidade negociadora para atrair aqueles países ou facções de industriais e
empreendedores dos países centrais, que estejam dispostos a cooperar com o desenvolvimento do
subcontinente, seja pelas vantagens comerciais que representa participar neste ampliado mercado,
seja pela necessidade que tenham de abastecer-se de matérias-primas, recursos energéticos ou
qualquer outro produto Contudo, teria-se que se estabelecer que a ALCSA poderia vir a oferecer
recursos naturais abundantes e um grande mercado em potencial, mas, em contrapartida, sempre
exigiria, em troca, tecnologia e bens de capital para integrar e consolidar sua estrutura produtiva,
prioritariamente naquelas áreas onde a vulnerabilidade do subcontinente é maior.
Paralelamente, a esta estratégia de negociação, os países sul-americanos teriam que juntar
recursos tecnológicos e capacidades produtivas para ultrapassar as principais restrições que
poderiam lhes impor um hipotético bloqueio comercial. Estes esforços se concentrariam,
inicialmente, em diversas matérias-primas para a indústria e insumos para a agricultura, em
medicamentos e instrumental médico e na manutenção e em peças de reposição para operação das
indústrias, talvez esta sua carência mais crítica. Sem a ajuda de ninguém poder-se-ia também
alcançar êxito na cooperação sul-americana, embora com muito maiores dificuldades e em muito
maior tempo.
A América do Sul conta com suficientes exemplos históricos nacionais de sucessos
tecnológicos em situações semelhantes, como o caso dos esforços do Brasil para manter e
desenvolver a indústria petrolífera, em face ao bloqueio que se lhe impôs, como fruto de sua decisão
soberana de monopolizar essa indústria, no início dos anos cinqüenta. Deve-se recordar também,
que os notáveis avanços na produção industrial, que registraram alguns países sul-americanos
durante a Segunda Guerra Mundial, foram conseguidos em condições equivalentes a um bloqueio
comercial, pelo simples fato de que os países industrializados haviam concentrado, praticamente,
todas as suas capacidades produtivas na manutenção de suas ações militares.
A análise demonstra que não há, no mundo de hoje, espaço maior para uma ação
desenvolvimentista, do que aquele resultante da cooperação entre nações, e em nosso caso, do que
aquele decorrente de uma cooperação entre os países sul-americanos. Uma Confederação Sul-
Americana para a constituição de um Megaestado, um pólo ascendente de poder, não deve ser vista
mais como um sonho bolivariano, e sim como uma realidade em marcha e uma passo
importantíssimo na estratégia nacional do Brasil de fazer a mundialização.

clxxv
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