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tivo-Comportamental
Resumo
Como citar esse artigo. de O presente artigo aborda os principais conceitos de resiliência e sua construção do ponto de vista psicológico, com o
Moraes, L.S.K. & da Rocha, F.N. objetivo de investigar o desenvolvimento da resiliência diante do trauma psicológico. Apresenta uma breve discussão
Resiliência no trauma - a possibilidade sobre o manejo psicoterápico a partir da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), tendo em vista a possibilidade de
de manejo na Terapia Cognitivo- o psicólogo auxiliar na racionalização e na organização das cognições do paciente para que este possa alcançar funções
Comportamental. Revista Mosaico. adaptativas, na busca do desenvolvimento de um processo resiliente. Além disso, a articulação entre métodos e/ou
2017 Jan./Jun.; 07 (2): 03-10. técnicas da TCC e os fatores preponderantes da resiliência, envolve também as principais estratégias de enfrentamento das
situações adversas e/ou traumáticas, como, por exemplo, o coping. Assim, o trabalho tem como foco central a resiliência
psicológica individual enquanto fenômeno processual, que pode ser construída no trabalho psicoterápico, levando em
conta fatores biológicos, sociais, psicológicos e comportamentais.
Abstract
This article addresses the main concepts of resilience and its construction from a psychological point of view aiming to study
the development of resilience in face of psychological trauma. It presents a brief discussion about the psychotherapeutic
management from the Cognitive-Behavioral Therapy (CBT), considering the possibility of a psychologist assist in the
rationalization and organization of the patient’s cognitions so the patient, can achieve adaptive functions in order to get
development of a resilient process. In addition, the articulation between CBT methods, techniques and the prevailing
factors of resilience, also involve the main confrontation strategies of adverse and traumatic situations, such as coping.
Thus, this article has as its central focus the psychological resilience of an individual as a procedural phenomenon, which
can be constructed in the psychotherapeutic work, taking into account biological, social, psychological and behavioral
factors.
Keywords: Resilience; Trauma; Cognitive Behavioral Therapy.
* moraes.laisa@yahoo.com.br
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estratégias de enfrentamento, aquém do resultado o meio no qual convive, conseguindo aprender algo
alcançado, enquanto a resiliência foca, justamente, frente ao problema e desenvolvendo comportamentos
nos resultados a partir das estratégias utilizadas, o de adaptação ao que é esperado pela sociedade.
que, na verdade, estaria se referindo a uma adaptação Por outro lado, na resiliência considerada “através
eficaz diante de adversidades. da adversidade” o indivíduo se caracteriza por um
É necessário, ainda, considerar a resiliência a rol de habilidades e competências tanto resultan-
partir de três polos temáticos principais, propostos por tes do processo resiliente, quanto por propiciadores
Deslandes e Junqueira (2003citados por Taboada do próprio processo. Os fatores de risco são vistos
et al., 2006, p. 105): como oportunidades de superação dos próprios limi-
1) Resiliência enquanto processo de adaptação tes. Neste sentido, a resiliência “traz consigo a pos-
x superação - Ralha-Simões (2001 citado por sibilidade de a experiência traumática ser elaborada
Pinheiro, 2004, p.70) destaca que a resiliência simbolicamente, para que, futuramente, sirva como
se refere a possibilidade de flexibilidade interna da subsídio para novas situações estressantes”. (Des-
pessoa, que lhe torna possível interagir com êxito, landes e Junqueira, 2003 citado por Tabo-
modificando-se de forma adaptativa em face dos ada et al., 2006, p. 107) Na ideia de superação há
confrontos adversos com o meio exterior. Luthar a possibilidade de construção, aprendizagem ou de-
(2000 citado por INFANTE, 2005, p. 33), trata senvolvimento de características ditas resilientes.
resiliência como “um processo dinâmico que tem 2) Resiliência enquanto um fator inato x fator adqui-
como resultado a adaptação positiva em contextos rido - A resiliência é abordada ora com ênfase no in-
de grande adversidade”. E Walsh (2005 citado por divíduo ora no meio. De acordo com Taboada et al.
ZAPPE et al, 2015, p. 222) versa sobre o termo (2006, p. 108), algumas pesquisas focam as capaci-
“adaptação flexível”, o qual remete tanto a presença dades e habilidades da pessoa de modo descontextu-
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para um fenômeno atrelado à interdependência entre evidentes de perturbação na maioria dos indivíduos.
os múltiplos contextos com os quais o sujeito interage, Já no DSM-5 (2014), ao descrever o “Transtorno
cuja presença é observada quando este passa por uma de estresse pós-traumático” apresenta o evento
situação adversa, seja esta de caráter temporário ou traumático de forma mais abrangente, incluindo
constante em sua vida. qualquer evento que represente uma ameaça a própria
A maioria dos estudos expressa que a resiliência integridade física ou de outras pessoas. Os eventos
não é estável, como Rutter (2006 citado por traumáticos são definidos, não apenas em função das
Taboada et al., 2006), que concebe a resiliência características objetivas da experiência vivida, mas
diretamente ligada a processos dinâmicos, ao invés de também em função da reposta subjetiva de intenso
fatores estáticos. medo, impotência ou horror diante do evento.
Para Hoge et al. (2007 citado por Vilete,
A resiliência frente ao trauma 2009), diante de um evento traumático o indivíduo
resiliente seria aquele que experimenta um trauma
e não desenvolve TEPT. Bonanno (2006 citado por
Para identificar um indivíduo como resiliente
Vilete, 2009) também considera a resiliência como
é necessário que tenha estado frente a uma ameaça
ausência de sintomas de TEPT ou a presença de apenas
significativa, como uma exposição a um estado de
um sintoma desse transtorno.
alto-risco ou adversidade grave ou evento traumático;
A forma como as pessoas processam e/ou
segundo, que a qualidade da adaptação seja boa.
manejam o acontecimento estressante é um dos
Indivíduos não são considerados resilientes se nunca
fatores determinantes para que o trauma se configure.
tiverem sofrido uma ameaça significativa. (MASTEN
Segundo Peres et al. (2005, p. 133), a caracterização
e COATSWORTH, 1998; MASTEN, 2001 citados
de um evento como traumático não depende
por Vilete, 2009). Na perspectiva do trauma, a
somente do estimulo estressor, mas da tendência de
resiliência é uma adaptação eficaz, apesar da presença
processamento perceptual do indivíduo. A percepção
de ameaças significativas a integridade pessoal e física.
de si mesmo e os diálogos internos após a ocorrência
(AGAIBI e WILSON, 2005 citados por Vilete,
do evento traumático são preditores de resultados
2009) Para Bonanno (2004 citado Vilete, 2009) essa
psicológicos satisfatórios ou não. Os diálogos internos
seria a resposta mais comum a um trauma potencial,
de autopiedade, desamparo, auto vitimização e auto
conclusão que parece baseada na menor proporção de
depreciação podem realçar as emoções negativas
um Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT).
relacionadas a memória traumática e exacerbar o
De acordo com Peres et al. (2005, p. 131), os
sofrimento psicológico. As pessoas que cultivam
eventos traumáticos em si não são determinantes
diálogos internos de enfrentamento, procurando
isolados ou exclusivos do desenvolvimento de
modificar o presente positivamente, superam com
transtornos psicológicos, pois as experiências
maior facilidade traumas psicológicos.
potencialmente intensas e devastadoras possuem
Essa variabilidade de concepções viabiliza a
efeitos variáveis.
hipótese da construção de fatores para a resiliência
Um trauma ocorre quando as defesas
em psicoterapia.
psicológicas são transgredidas. (Peres et al., 2005,
p. 133) Segundo Costa (2007), o trauma psíquico pode
ser considerado como uma espécie de ferida, uma Resiliência e terapia cognitivo-
cisão na “pele” psíquica. Esta ferida ocorre quando comportamental - uma proposta de
os mecanismos de defesa não conseguem, devido ao
impacto provocado pela carga emocional excessiva manejo
do trauma, assegurar o equilíbrio, deixando uma cisão
aberta. Focalizando o processo de construção da
A expressão “pele psíquica” leva a pensar na resiliência individual, investigou-se uma estrutura de
resiliência como a sua flexibilidade para resistir ao trabalho psicoterápico, embasado na TCC, para o seu
impacto ou abalo pela acentuada carga emocional do fortalecimento ou estruturação a partir das técnicas
trauma, de forma que essa pele não se rompa. utilizadas pelo psicólogo no espaço clínico.
O CID-10 (2008) e o DSM-5 (2014) apresentam Consoante a Gomes (2010), a resiliência é
diferenças marcantes nos critérios para definição de vinculada a fatores de risco e de proteção. Os fatores
TEPT. A CID-10 (2008), na descrição do “Estado de risco envolvem os fatos traumáticos ou estressantes
de ‘stress’ pós-traumático” define evento traumático e que deixam marcas; e os fatores de proteção são os
como uma situação ou evento estressante (de curta apoios que protegem o indivíduo desses impactos
ou longa duração), de natureza excepcionalmente traumáticos, como autoestima positiva, humor,
ameaçadora ou catastrófica, e que provocaria sintomas otimismo, temperamento maleável, disciplina pessoal,
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“ Quais são as evidências de que o seu pensamento é - Treinamento em solução de problemas - onde se en-
verdadeiro? Quais são as evidências em contrário? Qual sina o sujeito a perceber corretamente os “valores” de
seria uma forma alternativa de encarar esta situação? O que
de pior poderia acontecer e como você lidaria com isso? O
todos os parâmetros situacionais relevantes, a proces-
que de melhor poderia acontecer? Qual é o resultado mais sar os “valores” destes parâmetros para gerar respostas
realista desta situação? Qual é o efeito de acreditar no seu potenciais, a selecionar uma dessas respostas e usá-la de
pensamento automático e qual seria o efeito de mudá-lo? Se uma forma que maximize a probabilidade de alcançar o
o [seu amigo ou familiar] estivesse nesta situação e tivesse
objetivo que impulsionou a comunicação interpessoal.
o mesmo pensamento automático, que conselho você
lhe daria? O que devemos fazer?” (Beck, 2013, p. 43) Todavia, antes de ensinar habilidades sociais
ao paciente, o terapeuta deve avaliar o nível das
Na sessão de terapia, durante a discussão de um habilidades que ele já apresenta. Muitos sabem
problema, o terapeuta evoca cognições do paciente precisamente o que fazer e dizer em cada situação,
(pensamentos automáticos, imagens e/ou crenças), mas têm dificuldade em usar esse conhecimento
procura averiguar qual cognição ou cognições são devido a pressupostos disfuncionais (por exemplo,
mais perturbadoras, faz uma série de perguntas para “se eu expressar uma opinião eu vou ser ignorado”).
ajudá-lo a olhar para o problema com distanciamento Alguns pacientes apresentam habilidades sociais
(isto é, encarar as suas cognições como ideias, não frágeis, de modo geral, ou são melhores em um estilo
necessariamente como verdades) e a avaliar a validade de comunicação, mas tem habilidade para adaptar o
e a utilidade das cognições e/ou “descatastrofizar” seu estilo. (Beck, 2013, p. 288-289)
seus medos. A pessoa ativa processos cognitivos para Autores como Beck (2013) e Caballo (2002),
identificar a situação crítica com a qual se depara; entre outros, citam o uso da técnica do role-play ou
checar suas condições atuais, experiências eficazes e dramatização, a qual pode ser usada para uma vasta
ineficazes anteriores, nível e grau de risco envolvido variedade de propósitos, dentre eles na aprendizagem
nesta; e analisar os recursos disponíveis e as alternativas e na prática de habilidade sociais. Conforme Beck
possíveis para lidar com o problema. (Folkman e (2013), pode-se utilizar a dramatização para auxiliar
Lazarus, 1980 citados por Lisboa et al., 2002, o paciente a identificar seus pensamentos automáticos
p.346) enquanto está sendo assertivo ou a prever pensamentos
O treinamento em habilidades sociais (THS), e sentimentos da outra pessoa quando os papeis forem
por sua vez, pode ser definido como “um enfoque geral trocados.
da terapia, dirigido a incrementar a competência da Embora haja uma gama de técnicas disponíveis,
atuação em situações críticas da vida”. (Goldsmith ressalta-se que o terapeuta cognitivo-comportamental
e McFall, 1975 citado por Caballo, 2002, p. não trabalha com fórmulas prontas. Essas técnicas
367). Segundo Caballo (2002) o processo do THS são utilizadas de acordo com a necessidade de
implicaria, em seu desenvolvimento completo, quatro cada paciente, diante do qual devem ser muito bem
elementos de forma estruturada: averiguadas pelo terapeuta. Este deve ter a perspicácia
- Treinamento em habilidades - onde se ensina com- profissional de flexibilizar o uso das técnicas, tendo
portamentos específicos, que são praticados e in- por objetivo uma aplicação integrada de acordo com a
tegrados ao repertório comportamental do sujeito. singularidade de cada sujeito.
- Redução da ansiedade em situações problemáticas Além disso, é importante ter em vista que a tríade
- esta pode ser alcançada de forma indireta, pela ado- mente-corpo-meio deve ser avaliada em conjunto pelo
ção de um novo comportamento mais adaptativo que terapeuta e que, a partir dessa visão, ele deve lançar
supostamente é incompatível com a resposta da ansie- mão do que melhor favorece a eficácia do trabalho
dade (wolpe, 1958 citado por Caballo, 2002, p. terapêutico. Como citado por Balhs e Navolar (2004)
367). Se o nível de ansiedade é muito elevado pode-se o terapeuta deve utilizar o “conceito da estrutura
empregar diretamente uma técnica de relaxamento. ‘biopsicossocial’ na determinação e na compreensão
- Reestruturação Cognitiva - na qual se pretende dos fenômenos relativos a psicologia humana”.
modificar crenças, cognições e/ou atitudes do sujei- Do ponto de vista clínico, a abordagem do
to buscando a aquisição de novos comportamentos. funcionamento da resiliência é complexa, porque
O primeiro passo consiste em aumentar a percepção aparece associada a múltiplos parâmetros, para
do paciente sobre os processos de pensamento mais onde convergem um conjunto de variáveis. Assim, a
frequentes, como pensamentos automáticos dos quais resiliência pode ser entendida como o próprio processo
o paciente não tem conhecimento (Beck, 1976 cita- de transformação psíquica e o resultado deste trabalho
do por Deffenbacher, 2002, p. 569); a seguir, mental, em termos da adaptabilidade e da interação
recolhe-se evidências prós e contras essas cogni- com o meio psicoafetivo. (Costa, 2007)
ções. Muitos pacientes começam a corrigir os pensa- Observa-se, portanto, a possibilidade de se
mentos disfuncionais à medida que vão aparecendo. estabelecer um diálogo entre algumas técnicas da TCC
e os fatores ligados a resiliência. Assim, consideramos
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se criar recursos adaptativos e, assim, o sujeito PERES, J. F. P; MERCANTE, J. P. P.; NASELLO, A. G. Promovendo
pode passar a desenvolver um processo resiliente. Resiliência em Vítimas de Trauma Psicológicos. Revista Psiquiatria, Rio
Grande do Sul, v.12, n.27, p 131-138, 2005.
Afinal, não existe resiliência sem adversidade ou, até
mesmo, sem trauma; mas é, justamente, neste ponto PINHEIRO, D. P. N. A resiliência em discussão. Psicologia em Estudo,
Maringá, v.9, n.1, p.67-75, jan/abril, 2004.
que, por intermédio da resiliência, pode-se evitar o
desenvolvimento de psicopatologias. Para isso, o PLACCO, V. M. N. S. Resiliência e desenvolvimento pessoal. In Tavares,
J. (Org.) Resiliência e Educação. São Paulo: Cortez, 2001. Cap.04.
terapeuta pode se utilizar de métodos da TCC para a
construção de fatores resilientes junto ao paciente. SACHUK, M. I.; CANGUSSU, E. T. Apontamentos iniciais sobre o conceito
de resiliência. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 11, n.01, p.2-14, jul/
dez. 2008.
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