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Agregado artificial de
argila calcinada: a
primeira inovação tecnológica
patenteada pelo IME
Guótavo da Luz Lima Cabral*
Álvaro Vieira **
RESUMO
Conforme vem sendo divulgado pela mídia nos últimos meses, o Exército Brasileiro, por intermédio do
Instituto Militar de Engenharia (lME), depositouo seu primeiro pedido de patente de invenção junto ao
INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e, simultaneamente, revela os resultados atingidos
com a primeira produção industrial experimental do agregado de argila calcinada.
A tecnologia do agregado de argila calcinada vem atingindo resultados de resistência mecânica
similares aos agregados provenientes de rochas e surge como uma alternativa vantajosa financeira-
mente para infra-estrutura viária do País, mais especificamente da Região Amazônica, que pode estar
assistindo ao fim dos problemas causados pela escassez de jazidas de rochas na região.
PALAVRAS-CHAVE
Argila calcinada, agregado artificial, custo, produção industrial, patente de invenção.
* Capitão QEM (CRO/ 1l, En ge nh eiro d e Fortificação e Con st ruçã o, IME, 1998; M. Se., IME, 2005.
** Coronel R/ 1 QEM (IMEl, Engenheiro de Fortificação e Co nstrução, IME, 1979; M. Se., PUC, 1985.
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redores rodoviários que agregam valores indis-
pensáveis ao desenvolvimento regional, integra-
ção nacional e manutenção de políticas estraté-
gicas para a Região Amazônica.
A pesquisa relativa aos agregados cerâmi-
cos no país teve seu início na década de 1980, com
os estudos do Instituto de Pesquisas Rodoviárias -
IPR/DNER [7], sobre a viabilidade de produção e
emprego de agregados de argila expandida na Re-
gião Norte. Os resultados preliminares indicaram Figura 2- Pavimentação urbana com ouso de cacos erejeitas da indústria cerâmica
custos elevados de produção desse tipo de agrega- em Rio Branco no Estado do Acre (Fonte: Ricardo R. do Nascimento).
do, inviabilizando o prosseguimento dos estudos.
Nos últimos anos, pesquisas desenvolvidas A evolução da linha de pesquisa
no IME têm-se direcionado, com sucesso, à obten-
ção de agregados de menor custo, obtidos por Com os resultados de Soares et aI. [10], Cos-
calcinação de solos argilosos selecionados, e à ta et aI. [6] e Batista [4], foi comprovada tecnica-
análise do seu comportamento em misturas as- mente a viabilidade desta alternativa como ma-
fálticas e misturas solo-agregado. O processo de terial de pavimentação. Sendo assim, tornara-se
evolução do estudo relacionado ao agregado ar- uma conseqüência natural a obtenção de respos-
tificial de argila calcinada no IME atingiu um nível tas relativas à passagem da produção em labora-
de desempenho amplamente satisfatório, con- tório para a escala industrial.
cluindo um primeiro ciclo de desenvolvimento Além da necessidade de evidenciar a vanta-
pela dissertação de mestrado na área de infra-es- gem econômica do agregado cerâmico, julgava-
trutura de transportes. se também relevante a elaboração de um com-
pêndio sobre todo o conhecimento adquirido
ao longo dos oito anos de pesquisa, assim como
a confecção de um roteiro operacional, propici-
ando a alternativa do agregado artificial de argi-
la calcinada ao engenheiro militar que conviva
com o problema da escassez do agregado pétreo
durante a escolha dos materiais para o seu pro-
jeto viário.
Com estes objetivos principais, desenvol-
veu-se a pesquisa de mestrado intitulada "Meto-
dologia de produção e emprego de agregados
D ÁREA CARENTE DE de argila calcinada para pavimentação'; do se-
AGREGADO
Figura 1 - Área carente de rochas na Região Amazônica ram também objetivos adicionais deste estudo
eseus principais corredores rodoviários. a elucidação de questionamentos e recomenda-
Resultados obtidos .E 85
f
80
Na seqüência da pesquisa, foram realizados
·0.8
os testes de verificação da resistência mecânica 75
A análise química foi efetuada segundo dois A figura 10 representa as curvas termogra-
métodos distintos, que encerram informdçôes vi métrica (TG), derivada termogravimétrica (DTG)
complementares: o método da espectrometria e de análise térmica diferencial (DTA) da mistura,
de energia dispersiva de raios-X (EDS) em apare- contendo 50% de cada tipo de argila. Deve-se sali-
lho de microscopia eletrônica de varredura (MEV) entar o que ocorre com as curvas termogravi-
do IME; e o método da fluorescência em espectrô- métrica (TG) e derivada termogravimétrica (DTG)
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após a temperatura de aproximadamente 500°(, forno túnel. O tempo de queima durou em média
ou seja, a perda de massa é praticamente irrele- 36 horas, mas isto foi devido à necessidade de
vante, e este fato pode vir a acelerar o processo de aproveitamento da fornada de produção dos
queima na produção após a passagem por esta tijolos e telhas. A queima foi realizada com o au-
temperatura, tendo em vista que não seriam oca- mento gradativo da temperatura, e o forno é aber-
sionadas trincas ou tensões internas ao agregado. to quando atinge cerca de 300°C. O combustível
utilizado foi a lenha, e eventualmente também
A etapa de produção dos agregados
utilizaram-se resíduos de madeireiras. Ambos são
A seguir,são relatadas as principais caracte- adquiridos com baixo custo, devido à diversidade
rísticas da fabricação realizada na olaria ou uni- de madeireiras nas proximidades. Na ocasião da
dade de produção (UP) que foi disponibilizada visita, novos queimadores eram instalados para
para a produção experimental. Tais informações o uso da serragem e do gás natural. A fornada
foram repassadas por intermédio de um questio- de uma unidade móvel (vagão) produz de 13
nário enviado à UP. As figuras 11 e 12 revelam al- mil a 20 mil peças, consumindo, em média, 20m 3
gumas peculiaridades da UP escolhida. de lenha . Por convenção, esta amostra de agre-
A argila é extraída e transportada da jazida
(próxima ao Rio Amazonas) até o depósito em
pátio coberto na própria UP em que é praticado
um curto período de sazonamento. A massa foi
preparada e, em seguida, houve a extrusão em
barras de 25cm de comprimento, com espessura
e altura aproximadas de um tijolo maciço. A UP
adaptou uma boquilha especificamente para esta
produção em sua própria serralheria. A secagem
das barras foi considerada satisfatória, sendo
efetuada à temperatura ambiente.
A UP é provida com fornos tipo túnel para Figura 11 - Foto do vagão fora do forno, com as peças empilhadas.
RS 6.000.00 - , - - - - -- -- - -- - ----,
RS 5.000.00
RS4.000.00
RS 3.000.00
Hr A<. \0 DL MESTRADO -CAPLI t~
RS 2.000,00
\K<,ll" (A LCIl\/\DA rNDUI RlAI
RS 1.000,00
J IrORÓTIMO,8.70%
PINTO [9]: Concreto BATISTA [4]: Concreto asf, Concreto asfáltico com 100%de
Parâmetro
I asfáltico com brita com argila cale. de laboratório agregados de argila calcinada industrial
RT- 25°C (MPa) 0,81 0,65 0,76
RT - 30°C (MPa) 0,63 0,33 0,47
RT- WC (MPa) 0,42 0,22 0,33
MR- 25°C (MPa) 3.520 2.086 3,225
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pecificações Marshall. o desempenho do con- que ratifica ainda mais a resistência do agrega-
creto asfáltico, dosado apenas com CAP-20 e do, pois foi submetido a sessenta golpes no com-
100% de ag regados de argila calcinada industrial, pactador original Marshall do Instituto de Pes-
está na tabela 3. quisas Rodoviárias (IPR) . Conforme pode ser no-
Apresenta-se, na tabela 4, outro importante tado, além da soma da degradação das peneiras
resultado sobre a resistência do agregado presen- preconizadas pela norma citada, foi feita a avali-
te na mistura asfáltica: a degradação verificada após ação da degradação em todas as peneiras cons-
a compactação no equipamento Marshall. Apesar tantes dos percentuais do projeto, e mesmo as-
de a norma DNER-ME 401/99 não estabelecer li- sim ambos resultados foram inferior ao valor de
mite de aceitação, Albuquerque [1] relata que 6% de degradação.
alguns pesquisadores já constataram que o com-
pactador Marshall propicia uma condição de im- A proteção da inovação tecnológica
pacto mais severa do que é observada em campo.
Sendo assim, limites de 6% já foram citados como Atualmente, ainda é notório no País a falta
o mais apropriado para a aceitação da degrada- de cultura na área da propriedade intelectual (ma r-
ção do agregado, após a compactação no equipa- cas, patentes, desenho industrial, registro de sof-
mento Marshall com ligante asfáltico. tware e outros), que também perdura em grande
parte da comunidade científica. A principal con-
Tabela 4 - fndicede degradaçãoMarshall com o seqüência é que o Brasil não transforma o conhe-
agregado de argila calcinada industrial. cimento gerado em inovações, ou seja, em rique-
Projeto za e transferência de tecnologia para a sociedade.
Peneira Média dos (P's
Soma Ilustra-se este aspecto com a informação de
11/2" 100% 100% que, em média, apenas de 5% a 10% de toda a tec-
1" 100% 100% nologia produzida mundialmente são protegidos
3/4" 100% 100% em países em desenvolvimento, aí incluindo-se o
DEGRADAÇÃO 112" 85% 86% Brasil. Isto quer dizer que a maioria da tecnologia
MARSHALL 3/8" 78% 75% mundial produzida não se acha protegida em nos-
Nº4 58% 52% so País. Cabe então dizer que aquele que vier a
Nº10 34% 25% utilizar-se dessa tecnologia em domínio público no
Nº40 17% 16% Brasil deverá procurar saber em que países ela se
Nº80 13% 11% acha protegida antes de efetivar, por exemplo,
Nº200 11% 8% exportações que envolvam essa tecnologia .
NORMA: 3,67% O interesse em avançar no desenvolvimento
fNDICE DE DEGRADAÇÃO
TODAS AS PENEIRAS: 4,00% da Região da Amazônia, que é a menos atendida
do Brasil em infra-estrutura de transporte, foi o
Ressalta-se que a norma contempla apenas fator motivador para desencadear um processo
os deslocamentos nas peneiras 3/4", 3/8", Nº 4, até então não explorado pelo sistema de Ciência
Nº 10, Nº 40 e Nº 200 e prevê a compactação dos e Tecnologia do Exército Brasileiro: a proteção de
corpos de prova com cinqüenta golpes, fato este uma pesquisa iniciada e desenvolvida, ao longo
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