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Theodro W. Adorno, nascido em 1903, era mais jovem que Walter Benjamin
onze anos e foi fortemente influenciado por ele. Chegou a dizer que seu
trabalho era o de traduzir Benjamin para a linguagem acadêmica alemã. Isso é
importante porque, como já fizemos um percurso no pensamento de Walter
Benjamin, esses passos preliminares nos ajudarão a compreender melhor
Adorno. Na discussão a seguir, enfatizaremos algumas aproximações e
contrastes entre os dois pensadores, em particular na perspectiva dos temas
da reprodução técnica, da diferença entre a nova cultura e a obra de arte
tradicional, da relação de sociedade e indústria cultural e do significado da arte
para a transformação social.
Posterior a esse período de submissão dos artistas aos nobres, seus mecenas,
com a burguesia tornada a força dirigente na cena política, a arte passa, de
um lado, a servir aos fins de ostentação burguesa.
Mas não se esgota nisso. Muitos artistas se negam a oferecer o que a eles
pede a burguesia e lutam pela autonomia da arte. Um exemplo são os pintores
impressionistas. Durante o período em que sua pintura não foi reconhecida
sendo antes, ao contrário, ridicularizada pelos críticos de arte, eles não
aceitaram fazer qualquer concessão em nome do ideal burguês de pintura. Os
burgueses pagavam milhões pelos quadros dos pintores da moda, quase todos
medíocres, e, sumariamente, desprezavam os impressionistas. Nem por isso,
eles deixaram de acreditar que a pintura que faziam era a que valia a pena ser
feita. Contra todas as adversidades e negativas, os impressionistas seguiram
até que, por fim, chegaram a ser reconhecidos, muitos só depois de mortos.
Essa atitude seria uma atitude da arte autônoma, que se preocupa apenas com
os seus próprios desafios. No caso da pintura impressionista, esses desafios
eram a busca dos caminhos para exprimir a luz, seja na cidade seja fora dela; a
cor e suas modulações; a vida da grande cidade; as cores que a multidão
vestia, diferente do preto e branco que era típico da indumentária burguesa, a
pele na sua vivacidade, diferente da pele pálida, que era considerada a pele de
1
Palavra formada do grego hetero: outro, e nomos: lei, fins, regras. Heteronomia
significa ser regido por leis ou fins alheios. Autonomia, ao contrário, é o ser regido por
leis próprias. Um escravo é regido pelas leis do seu senhor, estando assim sujeito à
heteronomia. Já o senhor é autônomo.
3
Assim, por exemplo, o film noir trazia quase sempre um mulher fatal, um trama
misteriosa, uma ambientação noturna, e diversos outros traços típicos. Existem
certamente bons filmes dessa linha, mas muitos, a maioria, apenas aplicam as
formulas em busca do efeito. O que importa é se o público é capturado pela
proposta, se o efeito funciona. Isso se nota pela bilheteria, ou seja, por quanto
vendeu. Portanto, o índice da qualidade artística está na quantidade, na
expressão que mostra se o filme foi comprado ou não, isto é, se tornou-se
mercadoria bem paga. Ao ser regido por essa lógica, o filme entra numa
dinâmica de heteronomia, porque a sua produção e direção está sendo
regulada por regras externas à arte, regras que são da mercadoria (lucro,
venda, procura, oferta e outras).
2
Cf., Adorno, T., Teoria estética, p.253. Trad. A. Mourão, Lisboa : Martins Fontes,
1988, p.253.
5
As duas frases que formam essa passagem devem ser bem entendidas para
que possamos decifrar o que está dito. A primeira frase diz que antes da
emancipação a arte era mais imediatamente social. O que isso significa?
Significa que a arte cumpria funções sociais e estava subordinada a essas
funções e aos responsáveis por ela. Os pintores religiosos, por exemplo,
trabalhavam para as igrejas, os conventos, as autoridades religiosas, que
encomendavam obras com temas determinados para certas ocasiões, como,
por exemplo, o funeral de um papa. Os pintores militares, acompanhavam os
exércitos e pintavam cenas de batalhas. Os músicos compunham para as
missas, as celebrações, ou tocavam nas festas da nobreza ou da igreja. Mas
existem casos mais curiosos. As bailarinas do Balé Imperial russo ― que eram
formadas desde uma idade bem precoce, na Imperial Escola de Balé em São
Petersburgo ― tinham “como principal função agradar à corte e fornecer
amantes aos grão-duques.”3 Ela diz o motivo pelo qual essas segunda função
era dada às bailarinas:
3
Carter, M., Os três imperadores, 2013, p. 138.
4
Idem. 138-139.
6
5
Cf, Balzac, Ilusões Perdidas.
7
Mas com isso, o que aconteceria com a arte que pretende exercer uma função
social criticando diretamente a sociedade e pedindo por mudanças, uma arte
de contestação? Adorno crê que essa arte enfraquece a arte para fortalecer a
contestação. Preocupada com o conteúdo crítico mais que com a forma
artística, isto é, o desafio de criar algo novo, terminar por enfraquecer a força
da arte. Para ser transformadora a arte não deve buscar slogans e programas
transformadores. Ela será transformadora se, aproveitando a liberdade de criar,
deixar de lado qualquer desejo de seguir um caminho imposto por outros
objetivos ― e o objetivo de mudar a sociedade, um objetivo político, não seria
um objetivo artístico.
6
Teoria estética, p. 253.
7
Adorno, T., Modern music growing old, p.29. cit., por Jay, As idéias de Adorno, Trad.
Adail Ubirajara, São Paulo : Editora Universidade de São Paulo, 1988, p.142.
8
Idem, p. 142.
8
Esse além é uma sociedade em que estaria abolida a dominação social. É essa
dominação (da mercadoria, do mercado, da burguesia, do capital) que na
atualidade limita o horizonte e a experiência da humanidade há um fetichismo
das próprias relações humanas, como se essas fossem coisas tal como as
mercadorias. Quando se vê, ao contrário, a própria mercadoria como relação
9
Idem ibidem.
10
Op. cit., p. 142-143.
9
social, exploração da força do trabalho humano, que é quem forma cada uma
das mercadorias, então a dominação imposta pelo mundo das mercadorias é
vista como efeito de uma sociedade repressiva. Os homens são dominados
para que as mercadorias possam reinar. E o próprio homem, sua subjetividade,
seus desejos, suas formas de diversão, de entretenimento, que se tornam
mercadorias. É isso que Adorno chama de Indústria Cultural.
A educação escolar, com as longas horas que se passa sentado nas salas,
depois as universidades, preparam o indivíduo para que seu corpo possa ser
usado pelo mercado de trabalho. É sempre algum tipo de repressão à natureza
e às suas forças que conformam o regime de repressão social. O outro lado da
11
Teoria Estética, p. 282.
10
12
Marx, K., A liberdade de imprensa, trad. Cláudia Schilling e José Fonseca, Porto
Alegre : L&PM, 2010, p.76.
13
Utilizaremos a tradução de Júlia Levy, revista por Luis Costa Lima e Otto Maria
Carpeaux, publicado originalmente em Teoria da cultura de massa, org. Luis Costa
Lima, Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1978. Utilizaremos a edição que consta da obra
Indústria Cultural e Sociedade, São Paulo : Paz e Terra, 2002.
14
Op. cit., p. 7.
11
15
Op. cit., p. 7-8.
16
Ver p. 8. A crise do sub prime, que envolvia basicamente empréstimo a clientes já
endividados tendo como garantia a hipoteca de suas residências, mostrou mais uma
face desse poder do capital: o poder de tomar em massa os bangalôs da massa.
12
Com o telefone, os indivíduos ainda eram sujeitos, ou seja, ativos, porque eles
podiam escolher se atenderiam ou não, se ligavam ou não, e, em muitos casos,
como se lê em relatos sobre burgueses ricos do período entre o século XIX e
XX, época de surgimento do telefone, utilizava-se os criados para atenderem e
ficava-se assim muito mais livre. Mas com as rádios, se tem um universo
fechado de opções, com poucas variações, uma programação quase idêntica
em suas diferenças, locutores que fazem a mímica das mesmas formas de
17
Cf. p. 9.
18
Cf., p.9-10.
13
narrar, e, o pior, tudo isso é apresentado como uma ampliação das opções de
entretenimento. Essa uniformização dos mídia progride criando, do outro lado,
um público afeito a aceitar passivamente o material cultural destinado a ele,
isto é, um público massificado. Então passamos ao segundo ponto que
colocamos acima: o público.
A mesma coisa acontece na moral econômica. Embora ela seja ditada pelos
capitalistas e seus ideólogos, seus moralistas, quem a leva mais a sério são os
pequenos habitantes do planeta Capital: os pobres são os que pagam mais em
dia os seus carnês e as suas dívidas. Na indústria cultural, esse público que é
“enganado”, o é na medida em que participa desse engano com todas as suas
forças: esse público deseja a diversão que a indústria cultural promete lhe
fornecer. A diversão é uma satisfação fácil, direta e vistosa. Ela não exige
esforço para ser conquistada.
O senso crítico e a competência para julgar obras de arte (seja música, pintura,
escultura, etc.), requerem estudos demorados e exercício constante dessa
habilidade. Mas se isso era normal na sociedade burguesa liberal, em que o
19
Idem, p. 26.
20
Idem p. 26-27.
14
21
p. 17.
22
p. 14.
23
Idem, p. 14.
15
24
Idem, p. 30-31.
16
são, como todos os pormenores e clichês, salpicados aqui e ali, sendo cada
vez subordinados à finalidade que o esquema lhes atribui.” 25
25
Idem, p. 14.
26
Por “Ideia” Adorno entende uma obra de arte autêntica, na qual o todo ordena cada
um dos elementos particulares. Esse é o “particular artístico”. Na indústria cultural
cada pedaço particular do produto é apenas uma colagem quase sempre desconexa.
27
Idem, p. 15.
17
Esse estado de “quase sem nexo” não quer dizer, longe disso, que estejamos
diante de um fenômeno desorganizado, ou contrário. A arte industrial é hiper
organizada pelo esquema que, antes de tudo, busca reunir não o que faz
sentido numa trama mas, sim, o que causa efeito. A falta de nexo na intriga
significa um superconexão nos efeitos enfileirados ao longo da duração.
Causar efeito é prender o público, e prender o público é obter sucesso
comercial, ou seja, venda e lucro efetivo com a mercadoria. Por isso, os
produtores “matadores” são aqueles que melhor se saem na capacidade de
influenciar o público. Mas esse enfileirar de efeitos, gags, frissons, ruma para a
aberração e o absurdo. Um bom exemplo são os desenhos animados:
28
Idem ibidem.
29
Idem, p. 32.
18
30
Idem, p. 32-33.
19
31
Gilberto Dimenstein, Desenho desanimado. Acessível em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff25109825.htm
32
Adorno, op. cit., p. 33.
20
Esse sujeito, assim violentado, é o produto de uma arte industrial que têm os
seus fins fora de si, que serve aos objetivos da racionalidade, da
funcionalidade, da diversão, ou, em resumo, do lucro. Essa arte, justamente
por ser a arte de um mundo que faz proliferar o sofrimento, não é capaz de
propor outra coisa que a acomodação das pessoas ao mundo que ela mesma
fabrica. Benjamin viu a passagem da função de culto à função artística, com
esta ligada ao valor de exibição da arte (pelos proprietários burgueses, que
assim ostentavam a sua própria posição na hierarquia social). Adorno observa,
nos EUA, como a arte de massa vai construir o sempre igual, deslocar todo
33
Idem, p. 35.
21