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Embora, evidentemente, não exista uma exegese mais precisa do textão – já que
a ideia mesma repele a reflexão e apela para o senso comum – acho que
podemos reconhecer que qualquer coisa que ultrapasse dois parágrafos, chegue
perto do fim da página é, definitivamente, um textão. Então, vamos a ele, pelo
menos no que se refere ao cineclubismo.
A ideologia do textículo
Ideias expressas de forma simples e curta, como quaisquer outras, têm sua
função social disputada na arena da luta de classes: podem ser úteis para a
emancipação ou para a domesticação; reduzir sempre as ideias, no entanto, a
fórmulas simplificadas, aponta para a rasteirização, a ingenuidade, a
subordinação – que propiciam o abuso. Oslogan, por exemplo, termo sem
correspondente em português, tem origem em formas de identificação clânica,
militar (a palavra vem do gaélico e irlandês sluagh-ghairm -sluagh "grupo
armado” e gairm "grito"). É uma forma mnemônica simples que serve para
angariar, arregimentar ou para controlar massas, plateias, para projetos também
curtos e grossos, como toda a publicidade moderna, mas igualmente o facismo
que, aliás, tem parentesco próximo com ela. Enfim, como todos sabem, a
capacidade de interpretar um texto complexo é o parâmetro usado para medir
o analfabetismo funcional – ou incapacidade de se situar e desfrutar plenamente
do universo comunicacional social. O analfabetismo funcional atinge um
percentual significativo dos povos: no Brasil, quase um terço da população; nos
EUA, um quinto, e nos países nórdicos, um décimo. O tema é vasto e merece
uma reflexão mais ampla, mas meu textão aqui visa localizar essa questão no
cineclubismo brasileiro.
Bom, muito cá entre nós (que ninguém nos leia!), acho que a mensagem privada
enviada ao meu amigo e a campanha contra os textões têm a mesma origem, e
acho que a identifico bem. Afinal, neste nosso meio cineclubista, não são muitos
os textões, não é mesmo? E talvez sua autoria seja fácil de identificar. Em outras
palavras, identificar os textões com uma pessoa. Ora, inversamente, os que
insistem em combater esse autor passam também a ser provavelmente
identificados sem dificuldade. Contribui ainda, para isso, o fato de que muitos
outros cineclubistas já me falaram sobre recados privados que receberam para
evitar o referido autor... de textões. Por isso, nem precisei perguntar. Bem, a
esta altura, quantos leitores já entenderam tudo? Ah, e entre esses leitores com
certeza estão os que fazem campanha contra textões: eles são dos primeiros a
lê-los.
Cineclubismo e literatura
Hoje
Mais importante, porém, me parece o fato de que essa produção está refletindo
um impacto do cineclubismo na história e na sociedade brasileiras, que começa a
ser reconhecido, a “existir” institucionalmente, a partir desses textos.
Consequentemente, de alguma forma essa reflexão deverá retornar para o
movimento, alterar e enriquecer seu nível de autoconsciência; indispensável, por
sua vez, para que os cineclubes voltem a ter um papel na sociedade. De fato,
assim como é parte do éthos cineclubista a abolição do espaço hierárquico entre
a obra cinematográfica e o público, também precisamos, diante dessa produção
acadêmica sobre o cineclubismo, promover a sua apropriação pelo público. Isto
é, apropriar-se desses textos e reinformá-los, estabelecer o diálogo entre eles e
a prática cineclubista. Pretendo consolidar em breve uma primeira listagem
desses trabalhos para acesso dos interessados. De qualquer forma, num
momento que penso ser de indiscutível refluxo enquanto movimento organizado,
o cineclubismo brasileiro parece estar refletindo e acumulando forças para um
possível retorno amadurecido.
Felipe Macedo
[i] ÁLVAREZ, Gabriel Rodríguez. S.d. Contemporaneos y el Cineclub Mexicano: Revistas y cine
clubes, la experiencia mexicana. México : Universidade Nacional Autônoma do México.
[ii] GAUTIER, Christophe. 1999. La passion du cinéma. Cinéphiles, ciné-clubs et salles
spécialisées à Paris de 1920 à 1929. Paris : AFRHC
[iii] Diogo Gomes dos Santos escreve em http://diogo-dossantos.blogspot.ca/. A turma do
Paredão era a alcunha do grupo que reunia Adhemar Gonzaga, Álvaro Rocha, Paulo Vanderley,
Luís Aranha, Hercolino Cascardo e Pedro Lima.
[iv] MACEDO, Felipe. 1982. O Movimento Cineclubista Brasileiro. São Paulo: Cineclube da
FATEC.