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Poesia,
Guilherme de Melo, O homem que odiava a chuva, Como um rio sem pontes
Agora que o n.º 110, relativo a Fevereiro, chegou às bancas e livrarias, deixo aqui a
crónica
O Sexo dos Anjos, publicada no n.º 109 na minha coluna Heterodoxias:Ouvi há dias
na televisão o Jorge Silva Melo dizer que a literatura portuguesa tinha desistido da
realidade. Para ser exacto, ele não usou o verbo desistir. O que ele disse foi mais ou
menos isto: «A ficção portuguesa tem dificuldade em lidar com a realidade, mas isso
não era assim nos anos 50 ou nos anos 60, quando qualquer escritor, até um escritor
menor como o Fernando Namora, ansiava encontrar-se com temas presentes.» Antes
de concluir, «agora passa-se tudo nas memórias coloniais ou no D. João V...», deu
como exemplo Domingo à Tarde (1961), romance com acção centrada no Instituto
Português de Oncologia, onde Namora, que era médico, trabalhava.O
documentário de João Osório em que Silva Melo fez estas considerações era sobre
o efeito da sida na arte: literatura, poesia, música, bailado, pintura, fotografia,
cinema, teatro.
Trinta anos passados sobre a descoberta do VIH, em Junho de 1981, é revelador
que a representação da sida na literatura portuguesa seja praticamente nula. O
défice de real traduz o quê? Conflito com a realidade? Eugenia corporativa?
Provincianismo?
Contista admirável, gaúcho acarinhado pela intelligentzia paulista, Caio está hoje
publicado numa dúzia de países excepto em Portugal. Não se percebe. Livros como
Morangos Mofados (1982), Os Dragões não Conhecem o Paraíso (1988), Onde
Andará Dulce Veiga? (1990) e Ovelhas Negras (1995; ao lado dos últimos, inclui
alguns dos primeiros contos do autor), para citar apenas os meus preferidos, são
do melhor que a literatura de língua portuguesa tem produzido.
Sem pretender ser exaustivo, chamaria ainda a atenção para Uma História de
Família (1992), romance de Silviano Santiago, bem como para dois contos de
Bernardo Carvalho inseridos em Aberração (1993).
E nós por cá? Nós por cá escrevemos sobre o sexo dos anjos, um tema sempre
actual, ou, como diz Silva Melo, presente.
by Eduardo Pitta