Professional Documents
Culture Documents
PELA
afetivamente sua memória. Surpreenden- Get It On’, autor daquele negócio do
temente, Ed diz que não tinha feito essa Barry White” – solfeja a intro de ‘Love’s
ligação. “Mas emocionalmente é isso, né? Theme’... “O Paulinho Guitarra [guitar-
É a musica da minha infância, pô! E que rista, fiel escudeiro de Ed] chorou quando
toca no rádio até hoje”, confirma, ligando eu falei que ele tinha topado participar do
LENTE
a jukebox humana e puxando “You Make disco” (na faixa “Ondas Sonoras”).
Loving Fun” (Fletwood Mac”, “Bluer E por falar em resolver a vida, depois de
Than Blue” (Michael Johnson), “The um tempo de separação, Ed reatou há um
Captain Of Her Heart” (do grupo suíço ano com a mulher (com quem casou mui-
Double, já de 1985 = “é o neo AOR”), “I to jovem, aos 18), Edna Lopes, letrista de
Don’t Wanna Dance” (Eddy Grant)... “O quatro canções do disco. “Ela é meu norte.
verniz AOR pode se apropriar de qual- A gente é simbiose completa: não tem filho,
DO quer coisa, de vários gêneros.” Ao longo não sai pra lugar nenhum, não frequenta
AOR
de duas horas de entrevista, na sala de seu casa de ninguém. Só ficamos nós dois, em
apartamento, na zona sul do Rio, ele can- casa, tipo casal de velhinhos ingleses.”
tarola mais de 20 hits. Confira a seguir os melhores momentos
Ao lado de soul/funk, a sigla AOR eti- da entrevista com Ed, que está lançando
quetava os discos mais pop – Poptical e os AOR por seu selo Dwitza Music, em parce-
dois volumes de Manual Prático... – de Ed ria com a gravadora indie Lab 344.
quando saíam no Japão. A opção por se
aprofundar no conceito surgiu a partir da O INSTRUMENTO FAVORITO
descoberta de um canal no YouTube cha- “A maioria das músicas deste disco eu
mado de West Coast AOR. “E aí percebi fiz no piano. O violão, ele está ali [aponta
uma coisa: caramba, essa é a musica que para canto da sala], eu deixo ali. Nunca
eu sempre fiz, desde sempre! Ele fugia do pego o violão quando estou em casa, nun-
Por PEDRO SÓ | fotos Marcos Hermes lado rock de Foreigner, Styx, e ia se filiar ca mesmo. Violão é quando eu vou viajar,
ao que eu catalogava como sunshine pop, no quarto de hotel e tal. E pra ser bem sin-
coisas que remontam lá ao Pet Sounds, cero, eu pego pouco o piano também. Eu
Ed Motta abraça a música polida ED MOTTA com a [disco clássico dos Beach Boys, de 1966].” escuto mais disco do que faço música. Meu
e bem tocada da era de ouro das mítica coleção de
cerca de 30 mil vinis
Além desses, vários artistas que Ed cur- Deus! Ouvir o dos outros é uma maravi-
te desde criancinha – Stephen Bishop, lha, é a melhor coisa que tem, cara! Por
FMs em um trabalho que amplia ao fundo: olhar para a
Christopher Cross, Doobie Brothers, Pa- isso essa loucura aí [olha em direção às es-
música de seus anos
sua presença internacional formativos (1977-1983) ges, Gino Vanelli, Steely Dan – e outros tantes com quase 30 mil vinis]!”.
billboard.br.com 39
“Um passo à frente
VÍCIO EM VINIS saiavam um mês antes de gravar, com varias que é compositor, junto, ali nos arranjos, UM SOM “LIMPINHO” Bôscoli] e André [Szajman] fizeram por em seu estilo”
“Eu não sei o número da minha conta bandas... Depois pegavam a guitarra desse, é outro nível.” E CALCULADO? mim, nunca vou conseguir agradecer. Nes-
de banco. Eu só sei o meu Paypal [risos]. o piano daquele e no final ficava todo mun- “O AOR tem essa excelência do mun- te business, é tudo muito difícil. É um mun- O jornalista japonês Toshikazu
Ontem eu estava na rua e esqueci a senha do puto com eles [risos]. No Brasil ninguém DISCO EM DUAS VERSÕES do polido e técnico, mas isso acontece em do todo segmentadinho. Ou você faz uma Kanazawa comanda o site
do cartão. A Edna falou “ó, mais uma faz assim. Quem foi chato assim ? Acho que “Eu sempre penso que minhas músicas outros gêneros. O reggae, por exemplo, se coisa ou faz outra: ou você é Paulo Moura LightMellow.com, referência
vez, e o cartão vai ser cancelado”. Eu fui só Lincoln Olivetti. são em inglês, né? Pra mim, as músicas são desenvolve com grandes músicos de estú- ou Lincoln Olivetti... E ficar brincando de em AOR desde o fim do
em casa buscar o dinheiro. Porque se eu Quando assino um arranjo, se aparece lá sempre em inglês [risos]. Depois é que fize- dio: aquilo que é tido como extremamente fazer um monte de coisa, flertar com algo... milênio passado, e se rende
ficar sem o cartão ferra tudo. Compro no ‘arranjo de Ed Motta’, é um negócio sério. mos as versões em português. Os parceiros espontâneo, roots e tal, é feito por caras sem ser exatamente daquela praia, é mal ao trabalho de Ed Motta
mínimo um disco por dia; no máximo, dez. Eu já vi como fazem por aí, mas, no meu em português nunca escutaram nada do como Sly Dunbar, o Jeff Porcaro [baterista visto. Eu tive a sorte de fazer estes dois dis-
Todos os dias, é sagrado. E isso sóbrio. Se caso, tenho tudo na cabeça: o bumbo, a cai- Rob [Gallagher, autor das letras em inglês], do Toto] jamaicano. E nem por isso soa ma- cos – o Dwitza e o Aystelum – que, junto Como você se ligou em AOR e como se
beber uma garrafa de vinho, fodeu... Eu já xa, o andamento. Agora, tem outra coisa: nem mesmo o nome das músicas. Foi uma neirista ou mais frio. com o que compus para musical 7, tiraram transformou em especialista no estilo?
entro no eBay... Eu vou ao correio minima- aprendi a não sufocar, a não ser leonino... coisa trabalhosa cantar o disco duas vezes. Na verdade, todas as coisas feitas hoje um pouco da minha ansiedade de mostrar O primeiro artista AOR que me chamou
mente uma vez por semana. Sempre tenho O Chico Pinheiro foi muito importan- Porque são duas coisas completamente dife- sob essa orientação do sujinho e da espon- serviço. O Dwitza é um disco “olha só a atenção foi o Airplay [grupo formado
que ir lá pra pagar tributação de alguma te neste disco. Ele não participou, não rentes, sem tradução. Interessante é que o taneidade são fake, como o cara que se como eu sou o super-homem”, este novo pelo produtor canadense David Foster e o
coisa que comprei pela internet. Desde chegou no estúdio e improvisou; ele fez a disco em inglês fica tecnicamente perfeito, desarruma diante do espelho, aquela coisa é o disco que eu fiz pra escutar. É o meu cantor, compositor e guitarrista americano
1995, desde que colocaram o primeiro maioria das bases harmônicas junto com tudo claro. E a versão em português tem um milimetricamente desarrumada. O que soa disco que eu mais gosto de escutar, de ficar Jay Graydon, com participação do Toto].
computador na minha casa, eu não tenho o piano. Trabalhar com um cara assim, calor, uma coisa da língua que me agradou.” sujo agora na verdade é polido, trabalhado tomando um vinho e ouvir.” Já ouvia Boz Scaggs, Bobby Caldwell,
controle pra isso, entende? Como assim? para parecer sujo.” Toto e outros, mas não os encarava como
Eu vou poder clicar e depois vai chegar INFLUÊNCIAS E PASTICHES um gênero. No Airplay – e no AOR –,
uma porrada de disco aqui!? Vou pagar FASE TRAMA “Como as pessoas não sabem como encontrei a combinaçao perfeita de pop,
tantos por cento de imposto mas vou ter “As melhores coisas que eu vivi em são feitas as músicas e os arranjos, essa rock, jazz, soul, bossa e outras influências.
tudo que eu sempre quis?! Bicho, então é “Compro no mínimo um disco por dia; no máximo, música, as mais gratificantes, foram na gra- história de dizer que é pastiche aparece... Por ter escutado esse tipo de som por
isso! Vou trabalhar pra isso (emite um rugi- vadora Trama - o lugar onde fui mais res- Tem gente que trabalha com samplers , co- mais de 30 anos e também por ter me
do)! E é sempre na ignorância, né?”
dez. Todos os dias, é sagrado. E isso sóbrio. peitado como artista. O que João [Marcello lagens, e acha que todo mundo faz assim esforçado para acumular informações,
Se beber uma garrafa de vinho, f@d*u” também. Mas nem todo mundo é ladrão vinis e CDs, passei a ser considerado
PROCESSO DE TRABALHO de galinha [risos]. Apesar de obcecado especialista. O guia de discos AOR Light
“Antigamente eu separava em fitas, ago- pela pesquisa jornalística sobre música, Mellow, lançado no Japão em 1999, me
Com catálogo
ra são três gravadores digitais diferentes japonês de discos
eu componho a partir das minhas ideias. tornou famoso entre fãs e colecionadores.
que uso para me organizar. Tem o grava- de AOR: “Japoneses Uma das coisas que mais aprendo com Mas eu costumo dizer que não sou um
dor para o pop, o gravador dos temas ins- amam AOR mais do minha coleção de discos é o que não fa- “AOR freak”, não gosto cegamente de
trumentais, e o das canções. Eu não sabia que bossa nova” zer. Grande parte dos artistas não escu- tudo do gênero.
que disco iria fazer, se seria um na linha tam música, não compram disco... Quem
do 7 [musical que fez com Claudio Botelho vive na sua casa com 100 CDzinhos an- Por que, logo agora, em 2013,
e Charles Muller], mais Broadway. Tinha corados, pode achar que eu tô copiando o AOR voltou a ser valorizado
material também para um álbum instru- de alguém... Mas isso, né? [risos] É o ser e ganhou visibilidade?
mental, tipo Aystelum e Dwitza. humano, né?” Acho que a maiora das pessoas quer
Mas já estava com as músicas do AOR... ouvir música realmente sofisticada e
Então comecei a trabalhar nelas, me em- PAULINHO GUITARRA tocada por seres humanos. Veja o caso
polguei. Fiquei muito tempo na tapeçaria E ED AOS 6 ANOS do Daft Punk: eles já eram sucesso
chinesa, no negócio de bolar os layers, as “É o músico que está há mais tempo com música eletrônica para dançar,
camadas de harmonização, com as duas comigo, um cara muito importante na mas aumentaram seu público depois
guitarras, o meu Rhodes, o segundo piano, minha musica, é um braço direito. A pri- que trouxeram Nile Rodgers e Giorgio
cada um fazendo uma coisa, tudo aberti- meira vez que trabalhei com ele foi no Moroder. Não devemos nos esquecer
nho. Sem ser prolixo, o que é o mais difí- Entre e Ouça (1992). Mas ele me atura nunca do poder de uma boa melodia
cil. Podia botar um monte de nota atrás da desde criança [Paulinho tocou na banda e da música tocada ao vivo.
outra e fazer um monstro (ruge, imitando Vitória Régia, de Tim Maia], bicho! Ele
um). A ideia era fazer algo rico, mas uma me levava para o Tivoli Park [parque de Ed Motta conseguiu algo
coisa de riffzinho, aquela coisa West coast diversões que funcionou na Lagoa, zona pessoal ou singular na visão
da alegria na música, esse negócio [balan- sul, entre os anos 70 e 90] com meus pri- de AOR expressa no álbum?
ça o pescoço pra frente] meio sunshine...” mos! O Tim deixava o carro com ele e o Eu sabia que Ed tinha sido influenciado
Reginaldo Pi [pianista, também ex-Vitória pelo AOR, isso aparece em discos
SLOW AND GENTLE Régia], um jeep. Os caras pintavam lá na anteriores. Mas fique surpreso por
“Hoje o luxo de uma produção é o tem- Tijuca [zona norte do Rio, onde Ed mora- ele ter dado este nome ao trabalho
po. O tempo vale ouro, e neste disco foi gas- va] e aí entrava aquele monte de moleque e pela abordagem direta do som de
to o que se levava para fazer um Thriller [de no carro, uma farra. O Paulinho estava grupos como Steely Dan. Acho que Ed
Michael Jackson] ou outro álbum do Chris- lá na primeira vez em que subi no palco realmente deu um passo à frente em
topher Cross. Pô, ensaio, bicho, antes de na minha vida: foi em um show do Tim seu próprio estilo.
gravar, esquema Steely Dan total. Eles en- Maia, em 1977, subi tocando violão. Eu
C
inco anos depois de lançadas em 1967, as rádios FM já Nos últimos anos, o gênero AOR tem recebido reapreciação crítica,
Bill LaBounty
eram a principal fonte para as pessoas tomarem sua dose com toda uma cena dos anos 70 e 80 começando a receber o crédito “Todas as coisas feitas hoje sob essa orientação do “Dream On”
diária de música. No fim da década de 70, estavam no auge que merece – tanto pela produção da época, quanto pelo legado às sujinho e da espontaneidade são fake, como o cara Brooklyn Dream
do sucesso. Uma coisa que mudou de modo radical com a introdução gerações posteriores. “Music, Harmony And Rhythm”
que se desarruma diante do espelho, aquela coisa
das transmissões em FM foi o conceito de tocar faixas dos álbuns, Novos fãs e seguidores estão descobrindo esta música, e o AOR classic
e não apenas os singles pop voltados para o Top 40. Subitamente, vem influenciando bandas jovens e fazendo seu som avançar. Na internet,
milimetricamente desarrumada. O que soa sujo agora Em AorDisco.blogspot.com, você
encontra outros playlists na mesma vibe
músicas mais longas do que os três minutos habituais e não brotam espaços como o blog AOR Disco, dedicados ao estilo original, na verdade é polido, trabalhado para parecer sujo.” e escuta versões exclusivas de remixes
necessariamente com apelo comercial começaram a tomar o novo mas com remixes de faixas clássicas direcionados para as pistas de hoje
formato de rádios com ondas de frequência modulada. e também com novos artistas com interpretações próprias. Há todo um
As FMs eram a plataforma de lançamento perfeita para as bandas cenário saudável emergindo novamente, seja no culto a clássicos dos
mais preocupadas em compor boas canções e tocar em nível mais anos 70 e 80, ou em lançamentos atuais como o AOR de Ed Motta, um
alto; grupos, em muitos casos, mais voltados para criar bons álbuns disco que redefine o gênero para a era moderna.
do que para fazer hits – e encher linguiça no resto dos LPs, como era
o caso em muitas formações pop!
* O inglês Mark ‘GV’ Taylor começou como fã de northern soul, tornando-se
O termo “album orientated rock” (AOR – em português, algo como colecionador de disco music e jazz fusion já no fim da década de 70. Desde os
“rock centrado em álbuns”) foi cunhado por Mike Harrison, atual editor anos 90, atua como DJ e apresentador de rádio tocando soul, disco, jazz e música
brasileira, mas nos anos 2000, redescobriu os sons de AOR que foram trilha da
da revista Talkers, quando ele era diretor de programação na KPRI
sua infância. Foi responsável pelas coletâneas Blue Brazil e The Best of Blue Brazil
Stanley Kalopitas
em San Diego, entre 1973 e 1975. Logo a sigla passou a ser usada (Blue Note Records) e, em 2011, Americana – Rock your soul (BBE Records), com
para descrever estilos de música que, no começo, incluíam soul, folk, AOR na mistura - um volume 2 está em produção.
Atualmente, Mark comanda uma festa chamada Reference Point, em Piccadilly,
jazz, rock e blues. Mas lá pelo fim dos anos 70, o AOR passou a ser Londres, e toca regularmente em outros eventos no Reino Unido e em países
dominado por formações roqueiras, com soul, blues e folk sendo europeus como Espanha e Noruega.