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mtd ow A\ Lai id te: 4, ILUMI/URAS ee ae “ty rae TTI Copyright © 2003: Néstor Garcia Canclini Copyright © desta edigao: Editora lluminuras Leda. Capa: Fe Enniidio A Garatuja Amarda sobre detalhe da série /mortalidades (2003), video-instalagdo, S40 Paulo-Roma, Rachel Rosalen. Revisio: Ariadne Escobar Branco DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAGAO NA PUBLICAGAO (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Garcia Canclini, Néstor A globalizagio imaginada / Néstor Garcia Canclini ; radugio Sérgio Molina. — Sao Paulo : Tuminuras, 2007. Titulo original: La globalizacién imaginada Bibliografia, ISBN 85-7321-197-0 1. Antropologia cultural 2. Antropologia social 3. Cultura 4. Globalizagio 5. Politica 6, Politica cultural 7. Relagoes econdmicas internacionais I. Titulo, 07-8088 CDD-306.2 {Indices para catélogo sistemitico 1, Cultura ¢ politica : Globalizagi ‘Anteepologia cularal Soci 306.2 2007 EDITORAILUMINURASLTDA. Rua Inicio Pereira da Rocha, 389 - 05432-011 - Sao Paulo - SP - Brasil Tel: (11)3031-6161 / Fax: (11)3031-4989 iluminur@iluminuras.com.br www.iluminuras.com.br fnpice INTRODUGAO Cultura e politica nos imagindrios da globalizagao, 7 Globalizagées circulares ¢ tangenciais, 8 Primeiras questées de método, 13 I - NARRATIVAS, METAFORAS E TEORIAS Carfruto 1 Globalizar-se ou defender a identidade: como escapar dessa opgio, 19 Integrasao de cidadios ou lobby empresarial, 20 Quando Davi naé sabe onde esti Golias, 24 Modos de imaginar 0 global, 29 Espetéculos da globalizacio e melodramas da interculturalidade, 31 CapfruLo 2 A globalizacéo: objeto cultural nao-identificado, 41 Internacionalizagio, transnacionalizagao, globalizacao, 41 © que existe entre MeDonald’s e Macondo, 46 Postais para um bestifrio da globalizagio, 48 Fazer trabalho de campo sobre o México em Edimburgo, 54 Das narrativas & teoria cultural da globalizagao, 56 CarfruLo 3 Mercado ¢ interculturalidade: a América Latina entre a Europa ¢ os Estdos Unidos, 69 Migragées de ontem e de hoje, 71 Conflitos de narrativas sobre as identidades, 76 @) O binarismo maniquetsta, 79 4) O encontro intercultural, 81 ©) O fascinio distante, 82 d) As identidades incomensurdvei, 86 ¢) Americanizagio dos latinos, latinizagao dos Estados Unidos, 88 PA boa vizinbansa sob a tutela norte-americana, 92 espago cultural latino-americano e os circuitos ttansnacionais, 94 Capfruto 4 Nao sabemos como chamar os outros, 99 O multiculturalismo intraduztvel, 100 Circuitos interculturais, 109 Cidadanias multiformes, 113 Il - INTERMEZZO CaptruLo 5 Desencontros entre um antropélogo latino-americano, um sociélogo europeu ¢ uma especialista norte-americana em estudos culturais, 119 Ill - POL{TICAS PARA A INTERCULTURALIDADE CapiruLo 6 De Paris a Miami passando por Nova York, 133 Artes visuais: das vanguardas 4 arte-jato, 135 A inddstria editorial: mundial \s0 aos pedagos, 140 Indiistrias audiovisuais: vozes latinas gravadas em inglés, 144 Perdas e ganhos, 149 Cartruto 7 Capitais da cultura e cidades globais, 153 O renascimento do urbano, 154 A globalizacio das cidades na periferia, 157 Dos espagos urbanos aos circuitos mididticos, 158 Imagindrios provinciais ¢ globais, 163 Cartruto 8 Para uma agenda cultural da globalizagio, 167 Os estudos culturais quando o assombro rareia, 169 A reconstrugio cultural do espaco puiblico, 173 Estética para gourmets interculturais, 184 Do gesto interruptor as politicas de intermediagao, 188 APENDICE Para uma antropologia dos mal-entendidos (Discussao de méwdo sobre a interculturalidade), 195, Escratégias artisticas ¢ cientificas, 195 Histérias desconectadas, 198 Descobrir a multiculturalidade, 202 Rituais de um lado e do outro do gui Brpuiocraria, 215 INTRODUGAO CULTURA E POLITICA NOS IMAGINARIOS DA GLOBALIZAGAO Nao raro, lemos histérias cloqiientes em autores que nao sio os que prefeririamos citar. Faz alguns meses, li a seguinte frase de Phillippe Sollers: “Dois € dois sao seis, diz 0 tirano, Dois ¢ dois so cinco, diz o tirano moderado. O sujeito herdico que, expondo-se a todos os riscos, lembra que dois ¢ dois sio quatro, ouve dos policiais a seguinte adverténcia: ‘vocé quer que voltemos ao tempo em que dois ¢ dois eram seis?”. “Por acaso vocés querem voltar época das ditaduras ¢ das guertilhas?”, perguntam os politicos. “Ou ada hiperinflagio2”, alertam os economistas. Enquanto isso, continuamos sem saber que resultado pode ter, na nova desordem mundial, 0 empenho dos paises por se integrarem em regides para se protegerem da globalizacao: os Estados Unidos com a Europa para fazer frente ao Japao ¢ a China, os mesmos Estados Unidos com a América Latina para que os europeus nio se apropriem do mercado latino-americano: enquanto nés, latino-americanos, estabelecemos 0 livre-comércio entre os nossos paises, com os olhos postos fora da regio, pensando em atrair capitais americanos ¢ europeus. As veres, asidticos. Os Estados Unidos, com a adesio de alguns governos latino-americanos, trabalham pelo estabelecimento da Area de Livre-Comércio das Américas (ALCA) em 2005. Os quinze paises da Unido Européia vam mantendo reunides com os do Mercosul ¢ com o México — ¢, desde junho de 1999, com os demais paises atino-americanos — a fim de estabelecer um acordo de livre-comércio com alguns deles antes dessa data, apesar da resisténcia dos franceses, que veem uma ameaga na concorréncia dos produtos agricolas latino-americanos. Os Estados Unidos constantemente acusam 0 México ¢ alguns paises europeus de dumping ou protecionismo. No Mercosul, ano apés ano, os desentendimentos e a desconfianga poem em risco 0s acordos jd assinados. Livre-comércio, integragio? Novas formas de subordinagao ¢ resistencia, ou aliangas regionais? Poderiam os cidadaos criar alternativas ao que agora se impée ¢ decidir o que mais Ihes convém, sem repensar 6s vinculos interculturais? Velhas historias de rivalidades ¢ preconceitos impregnam essas conversas sobre um futuro mais imaginado que possivel. Nao é facil traduzir esses acordos em ntimeros, porque vivemos em meio a contas delirantes. Nos tiltimos vinte anos, a divida externa dos paises latino- americanos se multiplicou de quatro a seis vezes, O que podem fazer nagGes como a Argentina ¢ o México, com dividas entre US$ 120 e 160 bilhées, se, a cada ano, s6 0 pagamento dos juros consome metade ou mais do PIB? A divida dos Estados Unidos (crés vezes maior) também € impagivel. Quem pode incorporar a escala da vida cotidiana os miimeros que Ié no jornal? Pensar a politica exige imaginagao, mas essas quantias sao tao absurdas e os conflitos que provocam tio dificeis de lidar, que muitas vezes tém 0 efeito de paralisar 0 nosso imaginério. Curioso é que essa disputa de todos contra todos, em que fibricas vao falindo, empregos s4o destrufdos ¢ explodem a migragdo em massa ¢ 0s conflitos étnicos e regionais, receba o nome de globalizagio. Chama a atengio 0 fato de empresirios € politicos interpretarem a globalizagao como a convergéncia da humanidade rumo a um futuro solidario, e que até muitos criticos do processo entendam essa devasta¢do como 0 processo por meio do qual todos acabaremos homogeneizados. GLOBALIZAGOES CIRCULARES E TANGENCIAIS Apesar desses resultados duvidosos, a uniformizagao do mundo num mercado planetatio € consagrada como o tinico modo de pensar, e quem ousa insinuar que as coisas poderiam funcionar de outro modo é desqualificado como nostalgico do nacionalismo. E se alguém ainda mais ousado nao apenas questionar os beneficios da globalizacio mas também a idéia de que a unica forma de realiz-la € por meio da liberalizac¢do mercantil, esse serd acusado de saudosista de tempos anteriores 2 queda de um insuportdvel muro. Como nenhuma pessoa sehsata acredita que se possa voltar aqueles tempos, conclui- se que o capitalismo € 0 tinico modelo possivel para a interagao entre os homens a globalizacio sua etapa superior ¢ inevitavel. Neste livro queremos indagar 0 que podemos fazer diante desse futuro — promissor para alguns, perdido para outros —, nés, que nos dedicamos & cultura. Isto é, que perguntas fazem a interculturalidade ao mercado e as fronteiras & globalizacao. Trata-se de repensar como fazer arte, cultura e comunicagio nessa etapa. Por exemplo, se, ao observar a recomposigao das relages entre a Europa, os Estados Unidos e a América Latina, seria possivel entender esse processo do ponto de vista da cultura e interferir nele de maneira diferente & daqueles que o véem estritamente como intercimbio econdmico. O primeiro ponto a esclarecer é que a cultura nao é apenas o lugar onde se sabe que dois mais dois so quatro. E também a indecisa posigao em que se procura imaginar o que é poss{vel fazer com ntimeros nado muito dlaros, cuja poténcia acumulativa ¢ expressiva ainda se est tentando descobri. Hé um setor da cultura que produz conhecimentos em nome dos quais & possivel afirmar com certeza, 8 contra poderes politicos ou eclesidsticos, 0 que efetivamente di dois mais dois: trata-se do saber que possibilita entender “o real” com alguma objetividade, desenvolver tecnologias de comunicagao globalizadas, medir 0 consumo das indtistrias culturais ¢ conceber programas mididticos que ampliem 0 conhecimento em massa e criem consenso social. Outra parte da cultura, desde a modernidade, se desenvolve em fungao da insatisfagio com a desordem, ¢ as vezes com a ordem, do mundo: além de conhecer ¢ planejar, interessa transformar ¢ inovar. A tarefa de confrontar esses dois modos de entender a cultura, que op6em cientistas ¢ tecndlogos, de um lado, a humanistas ¢ artistas, do outro, mostra-se diferente em tempos globalizados. Para saber 0 que se pode conhecer e administrar, ou o que tem sentido modificar e criar, cientistas ¢ artistas tém de negociar nio sé com mecenas, politicos ou instituigées, mas também com um poder disseminado que se oculta sob 0 nome de globalizagio. Costuma-se dizer que a globalizagao atua por meio de estruturas institucionais, organismos de toda escala ¢ mercados de bens materiais ¢ simbélicos mais dificeis de identificar e controlar que no tempo em que as economias, as comunicagdes ¢ as artes operavam sempre dentro de um horizonte nacional. Hoje, Davi nao sabe onde esté Golias. Para entender essa complexidade, nés, estudiosos da criatividade, da circulacio € do consumo culturais, nos preocupamos cada ver mais em entender os dados brutos, os movimentos socioeconémicos “objetivos” que regem com novas regras os mercados cientificos ¢ artisticos, assim como nossa instével vida cotidiana. Contudo, como a globalizacio se apresenta como um objeto fugidio ¢ nio-trabalhavel, os agentes que a administram também a descrevem por meio de narragoes ¢ metiforas. Dai a necessidade de analisar, de uma perspectiva sdcio-antropolégica da cultura, tanto as estatisticas ¢ os textos conceituais como as narrativas ¢ imagens que tentam nomear seus designios. Além disso, as migragées, as fronteiras permedveis ¢ as viagens falam, em seus estranhamentos, daquilo que a globalizacao tem de fratura ¢ segregagio. Também por isso irrompem narrativas ¢ metéforas nos relatos de migrantes ¢ exilados. Tanta incerteza desestabiliza outros atores sociais que no costumavam se interessar pela cultura. Passada a euforia globalizante dos anos 80, os politicos, que nao entendem muito bem como seu trabalho esté sendo reestruturado, com os aparelhos nacionais que eles disputam controlando cada ver menos espagos da economia e da sociedade, perguntam-se o que fazer, e em que lugar fazt-lo. Empresérios desnorteados pela brusca passagem da economia produtiva para a especulativa se defrontam com questées semelhantes. Uns ¢ outros invocam a necessidade de criar uma nova cultura do trabalho, do consumo, do investimento, da publicidade ¢ da gestio dos meios informéticos ¢ de comunicasao. Ao ouvi-los, tem-se a impressio de que eles s6 se lembram da cultura como um recurso de emergéncia, como se “criar uma nova cultura” pudesse ordenar magicamente os 9 aspectos do trabalho ¢ dos investimentos que escapam 4 economia, tudo aquilo que a concorréncia nao resolve na midia nem no consumo. © apelo a construggo de uma cultura com os movimentos globalizantes pode também ser entendido como a necessidade de ordenar os conflitos entre imaginérios. Veremos 0 quanto varia 0 contetido do que cada um imagina como globalizagio: para o gerente de uma empresa transnacional, a “globalizao” abrange sobretudo 0s paises em que sua empresa atua, suas atividades ¢ a concorréncia com outras empresas; para os governantes da América Latina, cujo intercimbio comercial se concentra nos Estados Unidos, globalizacio é quase sindnimo de “americanizaga0” no discurso do Mercosul, a palavra inclui também nagGes curopéias ¢, as vezes, & associada a novas interagdes entre os paises do Cone Sul, Para uma familia mexicana ou colombiana com varios membros trabalhando nos Estados Unidos, a globalizacio remete a estreita ligacio com 0 que ocorre nesse pais onde estéo seus familiares, bem diferente do que imaginam artistas mexicanos ou colombianos, por exemplo, Salma Hayek ou Carlos Vives, que tém um amplo piiblico no mercado norte- americano. A rigor, somente uma parcela dos politicos, financistas ¢ académicos pensam, em todo 0 mundo, numa globalizacéo circular, ¢ eles nem sequer constituem uma maioria em seus campos profissionais. O resto imagina globalizagées tangenciais. A amplitude ou estreiteza dos imaginérios sobre o global evidencia a desigualdade de acesso aquilo que se conhece como economia e cultura globais. Nessa concorréncia desigual entre imaginérios, vé-se que a globalizagio é ¢ nao é aquilo que promete, Muitos globalizadores vio pelo mundo simulando a globalizacio. Contudo, nem os pobres ou marginalizados podem prescindir do global. Quando os imigrantes latino-americanos chegam ao norte do México ou ao sul dos Estados Unidos, descobrem que a empresa que os emprega é coreana ou japonesa. Além disso, muitos emigrantes tomam a decisio extrema de deixar seu pais porque “a globalizacio” fechou postos de trabalho no Peru, na Colémbia ou na América Central, ou seus efeitos — combinados com dramas locais — tornaram demasiado insegura a sociedade em que sempre viveram Um cineasta norte-americano que trabalha em Hollywood, essa “casa simbélica do sonho americano”, jf nZo tem a mesma idéia sobre a posigao de seu pais no mundo desde que soube que os esttidios da Universal foram comprados por capitais japoneses. Depois de ter pasado tantos anos pensando que o Ocidente era moderno € 0 Oriente tradicionalista, © avango japonés sobre os Estados Unidos ¢ outras regides ocidentais faz com que muitos se perguntem, com David Morley, se agora “o mundo ser lido da dircita para a esquerda, ¢ nio mais da esquerda para a dircita” (Morley e Chen, 1996: 328). A énfase que damos aos processos migratérios ¢ 4s populagées expostas a cssas mudangas aponta para a reflexdo, tanto dos movimentos de capitais, bens 10 comunicag6es como do confronto entre diferentes estilos de vida ¢ representagoes. A vertigem e a incerteza provocada pela necessidade de pensar em escala global leva ao entrincheiramento dos pafses em aliangas regionais ¢ a delimitar — nos mercados, nas sociedades ¢ em seus imagindrios — territérios ¢ circuitos que, para cada um, seriam a globalizagao palatdvel, com a qual podem lidar. Tem-se debatido a necessidade de criar novas barreiras que ponham ordem nos investimentos, ou entre as etnias, as regides ¢ 0s grupos que se misturam répido demais ou permanecem ameacadoramente isolados. Os processos de integracao supranacional poderio fazer algo neste sentido? Embora essas questdes sé tenham sido abertas no infcio dos anos 90, na U; Européia, ¢ mais recentemente no marco do Tratado de Livre-Comércio da América do Norte (TLC, ou NAFTA) e no Mercosul, a articulacao entre globalizagao, integracao regional ¢ culturas diversas ja se est4 tornando um assunto-chave, tanto nas agendas de estudo como nas negociagées. Como introdugio a esse tipo de andlise, abordarei no préximo capitulo trés problemas que surgiram nos anos recentes ao se tentar entender aonde a globalizacao nos leva. O primeiro é aquele que as vezes é resumido como a oposigio entre 0 global ¢ 0 local, ¢ que, no meu modo de entender, convém caracterizar como os diversos niveis de abstragio ¢ concresio cm que se reorganizam a cconomia, a politica ¢ a culcura numa época globalizada. A segunda questo, entrelagada com a anterion € se existe alguma possibilidade de reverter a sensagio de impoténcia politica em que nos mergulha a experiéncia cotidiana de que as principais decisGes sio tomadas em locais inacessiveis ¢ até de dificil identificagao. Em terceiro lugar, exploro as conseqiiéncias tedrico-metodolégicas dessas dificuldades para os estudos transdisciplinares, que podem ser resumidas nos desafios de trabalhar com os dados da economia e da politica da cultura a par das narrativas ¢ metéforas com que se imagina a globalizagao. No segundo capitulo analisarei as conseqiténcias do fato de a globalizacao ser um “objeto cultural nao-identificado”. A questo se esclarece um pouco quando se estabelece uma distingio entre “internacional”, “transnacional” e “global”. Mas a globalizagao nao é um objeto de estudo claramente delimitado, nem um paradigma cientifico nem econdmico, politico nem cultural, que possa ser postulado como modelo tinico de desenvolvimento. Devemos aceitar que existem muiltiplas narrativas sobre o que significa globalizar-se, mas, sendo seu aspecto central a intensificagio das interligagées entre sociedades, nao podemos observar a variedade dos relatos sem nos preocuparmos com a sua compatibilidade dentro de um saber relativamente universalizivel. Isso pressupde a discussio das teorias sociolégicas ¢ antropolégicas, a par do estudo das narrativas ¢ metéforas que vém sendo construidas para dar conta do que escapa as tcorias ¢ as politicas, que se oculta em suas brechas ¢ insuficiéncias. FE nos relatos ¢ imagens que aparece o que a globalizacio tem de 1 utopia ¢ o que ela nao pode integrar. Por exemplo, as diferengas entre anglo-saxdes ¢ latinos, o estranhamento das pessoas que migram ou viajam, que nio vivem onde nasceram ¢ se comunicam com outras que nao sabem quando irao rever. As metéforas servem para imaginar o diferente; as narrages ritualizadas, para ordené-lo. Em seguida, os capitulos trés e quatro procuram caracterizar a globalizagao possivel no Ocidente, feita das interagdes entre a Europa, a América Latina ¢ os Estados Unidos. Tento ver como as migragées antigas ¢ recentes configuram os modos de nos olharmos. As narrativas formadas nos intercimbios mercantis ¢ simbélicos, do século XVI até meados do XX, parecem reproduzir-se nos esteredtipos das tiltimas décadas globalizadoras: discriminagao do norte em relagao aos latino-americanos, admiragao e receio no sentido inverso. Mas a leitura pode ser mais complexa se deixarmos de ler a confrontacio entre identidades e examinarmos os processos culturais que nos aproximam ou nos afastam. As identidades parecem incompativeis, mas nem por isso os negécios ¢ os intercambios mididticos deixam de aumentar, Para entender essa defasagem entre idcologias ¢ praticas, analiso 0 modo como as politicas de cidadania trabalham com os imagindrios sobre o semelhante € o diferente na Europa, nos Estados Unidos e em trés paises da América Latina: Argentina, Brasil e México. Repasso as criticas feitas as contradigdes desses modelos em cada um dos casos, a dificuldade de concilid-los ¢, a0 mesmo tempo, a necessidade de conseguir acordos num tempo em que a globalizagio aproxima nagées distantes. Pergunto-me como construir uma esfera publica transnacional onde as concepgées culturais, ¢ suas respectivas politicas, nao sejam incomensurdveis. Quatro modelos entram em jogo: o sistema republicano europeu de direitos universais, o segregacionismo multicultural dos Estados Unidos, as integragées multiétnicas sob 0 Estado-Nacao nos paises latino- americanos, e — atravessando todos eles — a integracio multicultural propiciada pelos meios de comunicagio. No quinto capitulo proponho um intermezzo narrativo ¢ semi-ficcional. Assim como nas historias de vida se constroem personagens-sintese, tentei aqui imaginar os desencontros de um antropélogo latino-americano, um sociélogo europeu e uma especialista norte-americana em estudos culturais. Como nao é mais possivel problematizar a relagio das teorias com suas condigdes sociais de produgao vinculando-as somente & nago, 4 classe ou A universidade em que sio elaboradas, incorporo a vida cotidiana de pesquisadores que viajam e tém acesso a experiéncias transnacionais e fluxos deslocalizados de informagio. Trata-se de uma narrati construida com alguns dados biogrficos, meus ¢ de outros, mas isso pouco importa, pois a discussio sobre as cigncias sociais ¢ os estudos culturais que percorre essas paginas tem por preocupasio, mais do que saber o que é verdadeiro ou falso, oferccer uma versio verossimil dos dilemas em que hoje se move a pesquisa na drea. As varias manciras de se globalizar, ou de passar da hegemonia curopéia para a norte-americana, sao apreciadas no sexto capitulo, quando se compara 0 que ocorre nas artes ¢ na indistria cultural. A aplicagio de padrdes industriais ¢ critérios transnacionais de competéncia as artes visuais ¢ & literatura esté modificando sua producio e valoragao, emboraa maior parte das obras artisticas continue a expressar tradig6es nacionais ¢ circule somente dentro do seu pais de origem. A industria editorial esta organizada por editoras transnacionais, que agrupam seus catdlogos ca distribuigao em regides lingiifsticas. Onde a globalizacao aparece mais claramente € no mundo audiovisual: musica, cinema, televisio ¢ informatica vém sendo reordenados, por mas poucas empresas, para serem difundidos em todo o planeta. O sistema multimidia que integra parcialmente esses quatro campos oferece possibilidades inéditas de expansio transnacional até nas culturas periféricas. Mas também cria, no caso latino-americano, dependéncias maiores que as que tivemos has artes visuais, primeiro com a Franga ¢ agora com os Estados Unidos, e que as existentes em relagio 4 Espanha no mundo editorial. Além de examinar os desafios diferenciais da transnacionalizago ou da globalizagio em cada campo da cultura, explorarei as tensdes geradas entre a homogeneizagio ¢ as diferengas nas relagdes assimétricas existentes entre pafses ¢ regides. No sétimo capitulo, tratarei das cidades, porque € nelas que se imagina o global. E sobretudo nas metrépoles que se articula o local com o nacional ¢ com os movimentes globalizadores. Ao analisar os requisitos de uma cidade global ¢ como se diferenciam as do “primeiro” ¢ do “terceiro” mundo, captamos problemas- chave da dualizagio € da segregagio provocados pelos processos globais. Veremos também as oportunidades ambivalentes de renascimento urbano oferecidas pela integragdo a circuitos de comércio e consumo, de gestio e informagao transnacional. Cosmopolitismo cultural no consumo, com perda de empregos, aumento da inseguranga ¢ degradagio ambiental. Proponho no oitavo capitulo uma agenda polémica do que poderiam ser as politicas culturais em tempos globalizados. Como reconstruir 0 espaco piiblico, promover uma cidadania supranacional, comunicar bens ¢ mensagens a audiéncias dispersas em muitos paises, repensar a potencialidade das culturas nacionais ¢ das instituigdes regionais ¢ mundiais sao alguns dos desafios analisados. Discuto por que as questdes estéticas so hoje de interesse central para a politica e o que pode ser feito com essa preocupasio numa economia cultural de mercado. PRIMEIRAS QUESTOES DE METODO Ha varios problemas dificeis de resolver ao selecionar narrativas ¢ metdforas, ao interpreté-las e relacioné-las com dados puros. Irei apresentando-os, conforme a oportunidade, em varios capitulos. Mas quero tratar aqui de um que é bisico. O 13 porqué de se escolherem os fatos, relatos ¢ simbolos que aparecem neste livro sobre migrantes ¢ interculturalidade, sobre as relagoes entre a Europa, a América Latina ¢ os Estados Unidos, quando existem tantos outros. E ébvio, ao ver a quantidade de paginas deste volume, que nao pretendi escrever uma enciclopédia dos relatos e metéforas acumulados sobre esses temas. Arrolo a seguir as regras para a selegdo dos que aqui aparecem: a) Escolhi, depois de varios anos de leituras de estudos etnogréficos ¢ crénicas, de dezenas de entrevistas a informantes interculturais de varios paises, um repertério que me parecia representative do universo existente, procurando abranger, mais do que a diversidade de situagées, estruturas ¢ transformagdes emblematicas. b) Interessaram-me, sobretudo, os fatos, narrativas ¢ metéforas que condensam aspectos centrais das relagGes internacionais e os diversos modos de imaginar a globalizagio — ou suas formas equivalentes em menor escala: confrontacées ¢ acordos intemacionais ou regionais — que poem em crise as formas habituais de concebé-las. ©) Apresentei esta selegao e parte das interpretagdes aqui reunidas em conferéncias nos Estados Unidos, na América Latina (Buenos Aires, México, S40 Paulo) ¢ em congressos internacionais de latino-americanistas europeus (Ache, 1998), canadenses (Vancouver, 1997), da LASSA — Latin American Studies Association (Chicago, 1998), de estudos culturais (Pittsburgh, 1998), ¢ em congressos de antropélogos dos Estados Unidos (1996), do Mercosul (1997), da Colémbia (1997), além de um simpésio sobre fronteiras de varias regiées (Buenos Aires, 1999). Nessas reunides recolhi relatos de outras pesquisas que desafiavam minha selego, bem como criticas a minhas interpretagées. Restam neste livro alguns fragmentos, reescritos, daquelas conferéncias. Sem dtivida, tais confrontagées poderiam se multiplicar, a selegio ¢ as interpretagdes poderiam ser refinadas, refutadas ¢ contrastadas em mais cenérios, ¢ até se poderiam propor outras diferentes. E claro que a amostra oferecida nestas paginas configura apenas um arremate transitério para efetuar uma “totalizacao” argumentativa, nio-enciclopédica, a fim de que, uma vez publicada e difundida, se continue a discussio. De todo modo, hi um certo esforco por pensar em conjunto, jd que se trata de um livro ¢ ndo de uma colegao de artigos ¢ conferéncias. ‘Como se pode depreender das reunides em que parte deste trabalho foi debatido, a lista de agradecimentos a quem ajudou a pensar € repensar 0 que aqui se diz seria demasiado extensa, Muitas dessas mengées poderao ser encontradas a0 longo do texto na bibliografia citada. Quero ainda destacar, sem a pretensio de ser exaustivo, minhas conversas com Hugo Achugar, Arturo Arias, Lourdes Arizpe, Lluis Bonet, Helofsa Buarque de Holanda, Ramén de la Campa, Eduard Delgado, Anibal Ford, Juan Flores, Jean Franco, Alejandro Grimson, Fredric Jameson, Sandra Lorenzano, Mario Margulis, Jestis Martin Barbero, Daniel Mato, Walter Mignolo, Kathleen Newman, Renato Ortiz, Mary Pratt, Nelly Richard, Renato Rosaldo, Beatriz Sarlo, Amalia Signorelli, Saiil Sosnoski e George Ytidice. 14 Contribuiram para a preparaséo deste livro as condigies de pesquisa e docéncia oferecidas pela Universidad Auténoma Metropolitana de México — UAM, especialmente 0 Departamento de Antropologia, ¢ 0 didlogo com os colegas do Programa de Estudos sobre Cultura Urbana, cujos membros ¢ publicages conjuntas cito mais adiante. O apoio econémico oferccido pela UAM no ano sabittico 1996- 1997, junto com 0 que me foi proporcionado pelo Fundo para a Cultura México- Estados Unidos, facilitaram trabalhos de campo ¢ entrevistas nesse perfodo, em ambos os pafses. Para avangar em questées fronteirigas, multinacionais ¢ de politica cultural foram significativos 0s didlogos com o Rainer Enrique Hamel, Eduardo Nivén, Ana Rosas Mantecén, Tomam Ybarra Frausto, José Manuel Valenzuela ¢ Pablo Vila. O estudo das experiéncias artisticas da mostra inSITE na fronteira entre México ¢ Estados Unidos, que me permitiu elaborar boa parte do que aqui exponho sobre imagindrios globais, deve-se em grande parte as conversas com Carmen Concha ¢ Michel Krichman, coordenadores desse programa. André Dorcé ¢ Luz Maria Vargas apoiaram com eficiéncia a edigio deste livro. Em trechos posteriores, ¢ no apéndice, analisarei outras justificativas desta selecio de fatos, relatos ¢ metiforas, e apontarei mais reconhecimentos pessoais ¢ institucionais. Saltaré aos olhos, entéo, que no é um dado marginal o fato de eu ter vivido no México nos tiltimos 23 anos, como estrangeiro mais ou menos mexicanizado, que nio deixa de ser argentino, ¢ tem “compatriotas” nascidos no México e em outros paises, cuja proximidade me leva a tirar as aspas dessa palavra. Seria contraditério com as teses ¢ a metodologia deste livro desconhecer essa heterogeneidade ou pretender falat a partir de um desses lugares apenas. Por isso explicitarei em vérios momentos, usando uma expressio de Tzvetan Todorov, 0 que para mim significa “esse encontro de culturas no interior de nés mesmos” (Todorov, 1996: 23). Se € complicado situar-se na interagio entre diversos patriménios simbélicos, mais dificil ainda seria pretender estudar esses temas a partir de um tinico observatério nacional ou étnico. “O que me faz. ser eu, ¢ nao outro — escreve Amin Maalouf no inicio de seu livro Identidades assastinas —, & esse estar na fronteira entre dois paises, entre dois ou trés idiomas, entre varias tradigdes culturais” (Maalouf, 1999: 19). Assim como a cle ea tantos outros que compartilham dessa posigo intercultural, muitas vezes me fizeram esta pergunta: “mas, afinal, 0 que voce se sente no fundo?”. © autor franco-libanés diz que, durante muito tempo, essa pergunta arrancava dele um sorriso. Agora ele a considera perigosa pela hipétese de que cada pessoa ou cada grupo tem uma “verdade profunda”, uma esséncia, determinada desde 0 nascimento ou por conversio icligiosa, ¢ que alguém poderia “afirmar essa identidade” como se os compatriotas fossem mais importantes que os concidadios (que podem ser de varios paises), como se as determinagées biolégicas ¢ as lealdades infantis prevalecessem sobre as convicgses, preferéncias ¢ os gostos que a pessoa vai aprendendo de virias culturas. 15 As “pessoas fronteirigas”, diz Maalouf, podem sentir-se minoritérias © muitas vezes marginalizadas. Mas, num mundo globalizado, todos somos minoritérios, até os falantes do ingles, pelo menos quando se aceitam os muitos componentes da propria identidade ¢ tentamos nos entender sem reducionismos. Embora alguns sejam mais minoritérios do que outros. Trata-se, enfim, de pensar os paradoxos de set 20 mesmo tempo drabe € cristo, “argenmex” ou “méxico-norte-americano”, “brasiguaio” ou franco-alemao. E também as diferengas entre essas fuses — desarraigamentos. Nada que se resolva dizendo que dois ¢ dois sio isto ou aquilo, nem por decisao de um tirano nem por heroismo individual. Essas tensdes interculturais também sao, hoje, um dos mais férteis objetos de pesquisa e uma chance de construir sujeitos coletivos, politicas abertas e democraticas. México, DE, setembro de 1999 16 NARRATIVAS, METAFORAS E TEORIAS CapfruLo 1 GLOBALIZAR-SE OU DEFENDER A IDENTIDADE: COMO ESCAPAR DESSA OPCAO Quando escutamos as diversas vozes que falam da globalizagio, surgem “paradoxos”. Ao mesmo tempo em que é concebida como expansio dos mercados e, portanto, da potencialidade econdmica das sociedades, a globalizagio reduz a capacidade de acio dos Estados nacion is, dos partidos, dos sindicatos ¢ dos atores politicos cldssicos em geral. Produz maior intercimbio transnacional ¢ deixa cambaleante a seguranga que dava o fato de pertencer a uma nagao. ‘Tem-se escrito profusamente sobre a crise da politica attibuida & corrupgao ¢ perda de credibilidade dos partidos, & sua substituicao pela midia ¢ pelos tecnocratas. Quero destacar que, além disso, transferir as instincias de decisio da politica nacional para uma vaga economia transnacional esté contribuindo para reduzir os governes nacionais a simples administradores de decis6es alheias, atrofiando a imaginacio socioecondmica ¢ levando a esquecer as politicas de planejamento de longo prazo. Esse esvaziamento simbdlico material dos projetos nacionais deprime 0 interesse pela participagao na vida puiblica, Mal se consegue reativé-lo em periodos pré-eleitorais por meio de técnicas de marketing. A proximidade com 0 poder nos regimes democraticos de escala nacional se conseguia por meio de interagées entre organismos locais, regionais ¢ nacionais. As formas de representagdo entre os trés niveis nem sempre foram figis transparentes, nem contaram com uma adequada prestacéo de contas dos organismos nacionais aos cidadios. Mas as farsas ¢ as traigdes eram mais ficeis de reconhecer que nas relagées distantes que hoje se estabelecem entre 0s cidadios as entidades supranacionais. Pesquisas feitas entre as populagdes englobadas na Unio Européia, no NAFTA ¢ no Mercosul revelam que a esmagadora maioria no entende como esses organismos funcionam, 0 que eles discutem nem por que tomam as decisdes. E até muitos deputados dos parlamentos nacionais parecem nao perceber 0 que est em jogo em deliberagdes complexas, cuja informacao sé ¢ acessivel a elites politicas transnacionalizadas ou a técnicos especializados, tinicos possuidores das competéncias necessérias para “resolver” 0s problemas europeus, norte-americanos ou latino-americanos, ¢ até para estabelecer a prioridade das agendas. 19 INTEGRAGAO DE CIDADAOS OU LOBBY EMPRESARIAL 1. Como reagem as sociedades latino-americanas, que nos iiltimos cingitenta anos deslocaram a maioria de sua populagio do campo para as cidades, baseando- se no desenvolvimento industrial substitutivo e em espacos de intermediacao modernos, ao se defrontar com essa repentina reordenacao que em uma ou duas décadas desmonta essa historia de meio século? Os paises se desindustrializam, as instancias democriticas nacionais se enfraquecem, acentua-se a dependéncia econémica ¢ cultural em relagao aos centros globalizadores. Mas, ao mesmo tempo, as integragdes econdmicas ¢ os convénios de livre-comércio regionais emitem sinais de esperanga. Depois da surrada histéria de promessas sobre a “Patria Grande” e dos fracassos de tantas conferéncias intergovernamentais, encontros de presidentes, ministros da economia e da cultura, a rapidez com que esto avangando NAFTA, 0 Mercosul ¢ outros acordos regionais tem gerado expectativas. No inicio da década de 90, era possivel pensar que os Estados latino-americanos estavam reordenando suas economias nacionais com rapidez para atrair investimentos ¢ torné-las mais competitivas no mercado global. Mas desde a crise mexicana de 1994 até a ocorrida em 1998-1999 no Brasil ¢ na Argentina em 2001- 2002, com efeitos desestabilizadores que se refletem em toda a regiao, ¢ até nas metrépoles, salta aos olhos a baixa confiabilidade ¢ 0 escasso poder dos governos. Os acordos de integrasao intergovernamentais revelam-se apoios & convergéncia monopélica dos setores empresatiais ¢ financeiros mais concentrados. As avaliagdes académicas da nossa escassa capacidade de construir, por meio de integracées continentais, instancias que fortalegam as sociedades ¢ culturas latino-americanas (McAnany e Wilkinson, 1996; Recondo, 1997; Roncagliolo, 1996), nao ensejam nenhum otimismo. Tampouco o resultado de sondagens recentes que registram a desconfianga de trabalhadores e consumidores quando escutam empresdrios ¢ governantes anunciarem a nova via para a modernizagao com a ambivalente formula de “globalizacio ¢ integraco regional”. Observa-se um desencontro entre 0 que pregam as elites econémicas ou politicas ¢ a opiniio da maioria dos cidadaos. Em abril de 1998, celebrou-se em Santiago do Chile a II Ctipula das Américas, em que os Estados Unidos, aliados a varios governos latino-americanos, trabalharam pela criagio da Area de Livre-Comércio das Américas (ALCA) para liberalizar os intercimbios no continente. A proposta era integrar, j4 no ano 2005, as economias nacionais da regiao a fim de favorecer as importagées e exportagdes e melhorar a posigao do continente nas disputas globais. Contudo, uma gigantesca pesquisa de opiniao realizada entre novembro e dezembro de 1997 em dezessete paises da regido pelo instituro Latinobarémetro, com a aplicagio de 17.500 entrevista, revelou que os cidadios nao compartilhavam desse otimismo. Os resultados dessa sondagem, entregues aos governantes na ctipula 20 de Santiago, mostravam que apenas 23% acreditavam que seu pais estava progredindo, ¢ em quase todas as nagdes essa avaliacdo piorou em relago aos dados obtidos em 1996, As instituigdes que os prdprios entrevistados consideravam mais poderosas (governo, grandes empresas, militares, bancos ¢ partidos politicos) eram aquelas em que menos se confiava. As crises de governabilidade, as desvalorizagdes, junto ao aumento do desemprego ¢ da pobreza, foram alguns dos fatos que levaram um ntimero crescente a duvidar da democtacia e a pedir “pulso firme”: a porcentagem foi menor nos paises que até hé poucos anos viviam sob ditaduras militares (Argentina, Chile ¢ Brasil), mas aumentava significativamente em outros, entre eles o Paraguai e 0 México, em processo incipiente de democrati: asio. Entre 1996 ¢ 1997, os paraguaios partidérios de uma solugio “autoritéria” saltaram de 26 para 42%, e os mexicanos de 23 para 31%. A excegio de Costa Rica ¢ Uruguai, onde a credibilidade no sistema politico permanecia alta, no resto da América Latina, 65% se mostraram “pouco ou nada satisfeitos” com o desempenho da democracia (Moreno, 1998: 4). Segundo a mesma pesquisa, o aumento do autoritarismo na cultura politica dos cidadaos vem associado & convicgdo de que seus governos tém cada ver menos poder. Entre 1996 ¢ 1997, a porcentagem dos que acreditavam que 0 governo era 0 ator mais poderoso baixou de 60 para 48%, Por outro lado, aumentou o ntimero dos que sustentam que as decises que definem o futuro sfo cada vez mais tomadas pelas empresas transnacionais, com o aumento da participacéo militar. Ao ver que o distanciamento da politica ¢ 0 aprofundamento das desigualdades geram nao apenas descrenga, mas também turbuléncias nas ctipulas financeiras ¢ nas economias, alta abstengao eleitoral ¢ abalos na base social, cabe perguntar se esse modo injusto de globalizar € governdvel. Ou, simplesmente, se a globalizacao, feita desse modo, tem algum futuro. Segundo o Relatério sobre desenvolvimento humano no Chile, pais onde, supostamente, a abertura econémica teria sido mais bem-sucedida, as expectativas sio de que a inseguranca aumente devido & delingiiéncia, as crises de sociabilidade ¢ a instabilidade econdmica. O mal-estar aumenta também, como aponta esse estudo, devido ao “medo de sobrar” (PNUD, 1998: 115-126). Numa interpretacio desse relatério, Norbert Lechner observa que 0 crescimento econdmico de 7% ao ano ¢ outros indices macrossociais positivos sio acompanhados de um vago mal-estar que se manifesta como medo do outro, da exclusio ¢ da falta de sentido. As estatisticas indicam que a modernizagao e a abertura do pais ampliaram o acesso a empregos ¢ a educagio ¢ melhorou os indicadores de satide. “Mas as pessoas desconfiam... do futuro”. A globalizagao é “vivida como uma invasio extraterrestre” (Lechner, 1998: 187 ¢ 192). © que se pode esperar desse enfraquecimento dos Estados nacionais, da impoténcia dos cidadaos ¢ da recomposigio globalizada do poder ¢ da riqueza? O que esse processo implica na cultura, ¢ sobretudo em sua frea mais dindmica € 21 influente: as comunicagées? A globalizacio, que acirra a concorréncia internacional e desestrutura a producéo cultural endégena, favorece a expansio de industrias culturais com capacidade de homogeneizar ¢ a0 mesmo tempo contemplar de forma articulada as diversidades setoriais ¢ regionais. Destréi ou enfraquece os produtores pouco eficientes ¢ concede as culturas periféricas a possibilidade de se encapsularem em suas tradigdes locais. Em uns poucos casos, dé a essas culturas a possibilidade de estilizar-se ¢ difundir sua musica, suas festas ¢ sua gastronomia por meio de empresas transnacionais. A concentracio nos Estados Unidos, Europa e Japio da pesquisa cientifica ¢ das inovagées em informacio ¢ entretenimento aumenta a distancia entre o Primeiro Mundo ¢ a produgio raquitica ¢ desatualizada das nagdes periféricas. Mesmo em relagio a Europa, tem-se agravado a desvantagem da América Latina, como se verifica em relacao ao desenvolvimento demografico: nosso continente € responsavel por 0,8% das exportagées mundiais de bens culturais tendo 9% da populagao do planeta, a0 passo que a Unio Européia, com 7% da populagio mundial, exporta 37,5% e importa 43,6% de todos os bens culturais comercializados (Garretén, 1994), 2. Serd que nas metrépoles a integracao supranacional conta com maior consenso dos cidadaos? Os estudos sobre a Unio Européia revelam dificuldades para construir uma esfera publica, com deliberages democriticas, devido & prevaléncia, nos acordos ¢ organismos supranacionais — e mais ainda nos de cada pais —, da negociagio sobre os mandatos dos representantes, dos compromissos entre grupos empresariais sobre os interesses piiblicos majoritarios e do lobby (ou do “lobbysmo”) sobre as instancias de governo regional ou continental. Ao que se redu a politica, pergunta Marc Abélés, quando em Bruxelas, em torno dos organismos comunitirios, prosperam mais de dez mil consultores, advogadas e especialistas, as vezes representando grupos territoriais, em outros casos como técnicos agricolas, financeiros ou, juridicos dispostos a vender seus servigos a embaixadores, ministros, sindicatos, jornalistas, empresirios, ¢ até a varios deles a0 mesmo tempo? “A politica se identifica cada vez mais com uma pratica do lobby” (Abélés, 1996: 102). Na Unido Européia tem-se tentado aumentar a transparéncia dos acordos supranacionais ¢ aproximé-los da compreensio dos cidadios. Ao estabelecer, junto com os acordos comerciais, programas educativos ¢ culturais que abrangem os guinz membros, busca-se integrar as sociedades. Tem-se apoiado a formagio © paises de “um espago audiovisual curopeu” com marcos normatives comuns e programas como Media, Euroimages ¢ Eureka, que favorecem as co-produgées da inditstria cultural na regio ¢ sua circulagio nos pafses que a compéem, 0 que vai muito além da defesa retérica da identidade, Na mesma linha, os cidadaos dos quinze paises-membros compartilham um passaporte europeu, criaram-se uma bandeira © um hino da Europa, fixaram-se agendas anuais compartilhadas (0 ano curopeu 22 do cinema, da seguranga nas estradas) ¢ realizam-se sondagens periédicas para identificar uma “opiniao publica curopéia” (Moragas, 1996). A instalagio do euro como moeda tnica a partir de 1999, processo que culminou em 2002 com o desaparecimento das moedas nacionais, consolida a unificagio econémica e tem fortes conseqiiéncias para a constituigao de uma identidade simbélica comunitaria. Essas mudangas sio amplamente difundidas ¢ explicadas com didatismo para todos os eleitores. Os jornalistas, porém, dao pouco espago & maioria desses acontecimentos ¢ confessam sua dificuldade para traduzi-los & linguagem dos jornais. Analistas preocupados com a participacao social se perguntam se a complexidade técnica da europeizagio da politica “nao seré contraditéria com 0 ideal de uma democracia fundada na transparéncia ¢ na facilidade de acesso de cada concidadao ao que esti em jogo no debate” (Abélés, 1996: 110). Estudos antropoldgicos e sociopoliticos sobre a integracio européia tém mostrado que os programas destinados a construir projetos comuns nao bastam para reduzir a brecha entre a Europa dos mercados ou dos governantes ¢ a dos cidadaos. Por mais que nesse continente, mais do que em outros blocos regionais, se venha reconhecendo o papel da cultura e da dimensio imagindria nas integragdes supranacionais, a construgio de elementos de identificagio compartilhada nao basta para que a maioria interiorize essa nova escala do social. Uma explicagao possivel para 0 fendmeno ¢ que nenhum programa voluntarista de integragio pode conseguir grande coisa quando nao se sabe 0 que fazer com a heterogencidade, isto é, com as diferengas ¢ os conflitos que nao séo redutiveis a uma identidade homogénea. Muitos intelectuais ¢ cientistas sociais, por exemplo, aqueles que se retinem em torno da revista Liber, editada por Pierre Bourdieu em dez linguas européias, apontam como chave explicativa do baixo consenso social 0 predominio da integraséo monetétia, da “Europa dos banquciros”, sobre a integragéo social. Questionam a capacidade de criar lagos sociais a partir de uma teoria globalizadora que, em seus célculos econdmicos, nao leva em conta os custos sociais do proceso, © custo das doensas ¢ do sofrimento, do suicidio, do alcoolismo e da dependéncia de drogas. Até de um ponto de vista estritamente econémico, é uma politica equivocada, “nao necessariamente econdmica”, a que nao leva em conta os custos de suas aces na “inseguranca das pessoas ¢ dos bens, portanto em policia”, que trabalha com uma definigio abstrata ¢ estreita de eficiéncia — a rentabilidade financeira dos investidores — e negligencia a atengio a clientes ¢ usurios (Bourdieu, 1998: 45-46). As onze linguas faladas no Parlamento Europeu correspondem a diferengas culturais que nao se dissolvem com os acordos econdmicos de integracio. Algo semelhante ocorre com a diversidade de idiomas ¢ os antagonismos culturais ¢ politicos entre norte-americanos ¢ latino-americanos (protestantes versus catdlicos, 23 brancos versus “hispanicos” ¢ indios). Também com as profundas diferengas entre latino-americanos, que afloram nas negociag6es econdmicas ¢ se tornam mais patentes na hora de aplicar as decis6es tomadas pelas cipulas de governantes ¢ técnicos. Os poucos estudos etnogréficos ¢ comunicacionais realizados até agora sobre processos de livre-comércio ¢ integragio, que retomarei nos capitulos seguintes, mostram quantos interesses econdmicos, étnicos, politicos ¢ culturais se entrecruzam ao construir esferas piiblicas supranacionais: com muita freqiiéncia, as tentativas de construir égoras resultam em torres de Babel. QUANDO Davi NAO SABE ONDE ESTA GOLIAS Um dos principais obsticulos para que os cidadaos acreditem nos projetos de integracao supranacional sio os efeitos negativos dessas transformagées nas sociedades nacionais ¢ locais. E dificil obter consenso popular para mudangas nas relagbes de produgio, comércio ¢ consumo que tendem a depreciar os vinculos das pessoas com seu territério nativo, a suprimir postos de trabalho ¢ a achatar os pregos dos produtos locais. O imagindrio de um futuro econdémico préspero eventualmente suscitado pelos procesios de globalizasao ¢ integracao regional é muito frégil se nao se leva em conta a unidade ou diversidade de linguas, comportamentos ¢ bens culturais que dio sentido & continuidade das relagdes sociais. Contudo, os processos de integracio mais avangados na atualidade se realizam entre paises que nao contam com essas coincidéncias culturais. Se isso vale para um operdtio espanhol, francés ou grego face 4 distancia que sente em relagéo a Bruxelas, ou um chileno, argentino ou mexicano em relagao ao que se decide em Brasilia ou Cartagena, a impoténcia ¢ ainda maior quando a referencia de poder é uma empresa transnacional que fabrica pecas de um automével ou de um televisor em quatro paises, monta o produto em um quinto ¢ tem seus esctitdrios em outros dois ou trés. Essa distancia equivale, as vezes, aquela que experimentamos ao receber mensagens pela televisio, pelo cinema ou pelos discos, vindas de lugares nao-identificdveis. A pergunta que surge é se, perante esses poderes anénimos e translocalizados, pode haver sujeitos na produgao ¢ no consumo. Cada vez mais, trabalha-se para outros, mas nao patries ou chefes identificiveis, e sim empresas transnacionais, fantasmagéricas sociedades anénimas que ditam, a partir de lugares obscuros, regras indiscuttveis ¢ inapeliveis I as empresas sem rosto — com marca mas sem nome — dio a isso é “flexibilizacgio E cada ver ma ado o poder de negociago dos sin atos, € 0 nome que do trabalho”, Na verdade, 0 que se torna instivel, mais do que flexivel, s40. as condigoes de trabalho; o trabalho é rigido porque & incerto, o trabalhador deve cumprir & risca os horirios, os rituais de submissao, a adesdo a uma ordem alheia 24 que acaba sendo interiorizada para nao perder o salério. Entre os muitos exemplos recolhidos nos escritos sobre globalizagao, recordo este, citado por Ulrich Beck: “Sao 21h10; no aeroporto berlinense de Tegel, uma voz rotineira eamavel comunica aos exaustos passageiros que podem afinal embarcar com destino a Hamburgo. A voz pertence a Angelika B., que esta sentada diante de seu painel eletrénico na Califérnia. Depois das 16 horas, hora local, a locugdo do aeroporto berlinense ¢ feita na Califérnia, por raves tio simples quanto inteligentes. Em primeiro lugar, ali nao é necessétio pagar mais por servigos fora do horirio comercial; em segundo lugar, os custos salariais (adicionais) para a mesma atividade sao consideravelmente mais baixos do que na Alemanha” (Beck, 1998: 38-39). De maneira andloga, as peas de entretenimento so produzidas por outros agentes distantes, também sem nome, como as logomarcas — CNN, Televisa, MTV — cujo titulo completo a maioria muitas vezes desconhece. Em que lugar sio produzidos esses thrillers, telenovelas, noticidrios e seriados? Em Los Angeles, na Cidade do México, ‘em Buenos Aires, Nova York ou, quem sabe, num estudio disfargado em certa baia dos Estados Unidos? Afinal, a Sony nao era japonesa? Que & que ela faz, entio, transmitindo de Miami? O fato de os apresentadores de um programa falarem em espanhol ou inglés, um espanhol marcadamente argentino ou mexicano, como faz a MTV para sugerir identificagao com paises especificos, nao significa grande coisa. Afinal, é mais verossimil, mais coerente com essa desterritorializaggo essa distancia imprecisa, que nos falem no inglés deslocalizado da CNN, no espanhol descolorido dos locutores de Televisa ou das séries dubladas. Na época do imperialismo, podia-se experimentar a sindrome de Davi ante Golias, mesmo sabendo-se que 0 Golias politico estava, em parte, na capital do proprio pais ¢, em parte, em Washington ou em Londres; o Golias da comunicagio em Hollywood, e assim por diante. Hoje, cada um desses gigantes se desdobra em trinta cenérios, com gil flexibilidade para se mover de um pais para outro, de uma cultura a muitas, pelas redes de um mercado polimorfo. Raramente conseguimos imaginar um local preciso de onde nos falam. Isso condiciona a sensacio de que ¢ dificil modificar alguma coisa, que em vez desse programa de televisio ou desse regime politico poderia haver outro. Alguns espectadores podem intervir nesses simulacros de participagio no radio ¢ na televisdo que sio a linha direta ou a presenga no esttidio, ou podem ser entrevistados numa pesquisa de audiéncia. Essas aproximagies excepcionais ao poder, a sensacio de ser consultado, nao alteram para a maioria, como se vé, por exemplo, nos recentes estudos de Angela Giglia e Rosalia Winocur, a percepgio de que a midia fala a partir de posigdes intangiveis, Seus planos ¢ suas decisses vém de lugares inacessiveis, de estruturas organizacionais, e nao de pessoas. Em outros tempos, chegamos a pensar que as pesquisas sobre habitos de consumo poderiam ajudar a saber 0 que os receptores realmente querem. Estudos 25 desse tipo podem até servir para democratizar as polfticas culturais em cidades, rédios ou centros culturais independentes, sempre na esfera de um microptiblico. Mas a maioria das pesquisas de audiéncia no procura conhecer os habitos de consumo, e sim confirmar preferéncias pontuais, num determinado dia ¢ hordrio. Nao estudam necessidades de receptores particulares, e sim “ptiblicos” ou “audiéncias” em varios pafses 20 mesmo tempo. Nao importa saber nada sobre sua vida cotidiana, suas preferéncias nao-contempladas, ¢ sim como manté-los ligados a uma programacao elaborada em escritérios e estiidios ignotos ¢ padronizados. Uma discussio de fundo sobre o tipo de sociedade a que a comunicagio massificada est4 nos levando nao pode se basear em estatisticas de audiéncia. ‘Temos de estudar 0 consumo como manifestaio de sujeitos, buscar onde se favorece sua emergéncia ¢ sua interpelagao, onde se propicia ou se obstrui sua interagio com outros sujeitos. Talvez o fascinio das telenovelas, do cinema melodramético ou herdico ¢ dos noticidrios que transformam eventos estruturais em dramas pessoais ou familiares se assente nfo apenas em sua espetacularidade mérbida, como se costuma dizer, mas no fato de sustentarem a ilusdo de existéncia de sujeitos importantes, que softem ow realizam atos extraordindrios. Mas a recente reestruturacio das relagées de poder, tanto no campo do trabalho como no do entretenimento, estd, cada vez mais, reduzindo a possibilidade de ser sujeito a uma fico da midia. Sabe-se que isso nao ocorre do mesmo modo em todos os setores sociais. Sem negar esse fato, quero propor que estudemos a razio pela qual tanto os atores populares como os hegeménicos, os da politica como os da economia, tém sido imobilizados pelo que poderiamos chamar de atrofia da ago conflituosa ¢ da deliberagio democritica. As grandes decisdes sobre os conflitos e sobre o futuro nao apenas nao séo tomadas por governantes ou organismos leitos, mas nem sequer sio plenamente assumidas por aqueles “que tém 0 mercado nas mos”. John Berger usa essa expressio em vez de “controlam”, “porque 0 acaso tem aqui um papel significativo” (Berger, 1995: 13). Nenhum século teve tantos estudiosos de economia ¢ histéria, antropologia de todas as épocas e sociedades, assim como congressos, bibliotecas, revistas e redes informdticas para interligar esses saberes, para relacionar o que acontece em outros lugares de entretenimento e trabalho ao redor do mundo. O que se pode trocar, ou pelo menos acompanhar, gracas a essa profusio multidirecional de informagées? Aonde ros levam a expansio das empresas transnacionais, dos mercados pensamentos tinicos ¢, por outro lado, a proliferacio das dissidéncias e seus movimentos sociais, das solidariedades hererodoxas das ONGs e seus imagindrios alternativos? Parece duvidoso que possam constituir alternativas reais quando se comprova quantas vezes acabam subordinadas & ordem totalizante. No final do século mais produtivo em inovagies politicas, tecnoldgicas ¢ artisticas, tudo parece insticucionalizar-se 26

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