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Gás ideal
29
30 2 Gás ideal
1 −βH(γ)
ρ(γ) = e , (2.1)
ζ∗
O fator h−n foi introduzido para que o número de estados se torne aquele
que obterı́amos ao tomar o limite clássico da mecânica quântica. É impor-
tante observar que esse fator afeta a entropia e a energia livre de Helmholtz,
que estão relacionadas com o número de estados, mas não outras grandezas
termodinâmicas definidas como médias sobre a distribuição (2.1), que não
contém a constante de Planck, como é o caso da energia média ou da
pressão.
A hamiltoniana de uma molécula pode ser separada em duas partes,
1 2
Htr = (p + p2y + p2z ), (2.5)
2m x
em que m é a massa da molécula e px , py e pz são os componentes carte-
sianos do momento total da molécula, conjugados às posições x, y e z do
centro de massa da molécula. A segunda parcela está associada aos outros
graus de liberdade relativos aos movimentos de rotação, vibração, etc., que
denominamos graus de liberdade internos. As variáveis que descrevem os
movimentos internos são denotadas coletivamente por γ 0 . Tendo em vista
2.1 Propriedades gerais 31
que Htr não depende de γ 0 e que Hint depende apenas de γ 0 , então ζ pode
ser escrito como um produto de dois fatores
em que Z
1
ζtr = 3 eβHtr dxdydzdpx dpy dpz (2.7)
h
é a função de partição relativa aos graus de liberdade de translação e
Z
1
ζint = ` eβHint dγ 0 (2.8)
h
é a função de partição relativa aos ` = n − 3 graus de liberdade internos.
A integração em x, y e z se estende sobre a região interna ao recipiente
de volume V que contém o gás. O resultado da integração nessas variáveis
é V e portanto
Z
V 2 2 2
ζtr = 3 e−β(px +py +pz )/2m dpx dpy dpz . (2.9)
h
podemos escrever
V
ζtr = . (2.12)
λ3
Note que λ possui unidade de comprimento e tem a ordem de grandeza do
comprimento de onda de uma partı́cula livre de massa m e energia kB T , e
por isso é denominada comprimento de onda térmico. De fato, a energia E
de uma partı́cula livre se relaciona com o comprimento de onda λ∗ por meio
de E = (~2 /2m)(2π/λ∗ )2 . Se E = kB T = 1/β então λ∗ = (h2 β/2m)1/2 que
é da ordem de grandeza de λ.
32 2 Gás ideal
Propriedades termodinâmicas
Vimos no capı́tulo 1 que a entropia está relacionada com o número de es-
tados acessı́veis e que a função de partição ζ é uma soma sobre os possı́veis
estados de uma unidade constitutiva do sistema, no presente caso uma
molécula. Vimos ainda que a função de partição Z do sistema é simples-
mente o produto das funções de partição ζ de cada unidade constitutiva,
isto é, Z = ζ N . Esse resultado, entretanto, é válido para um sistema com-
posto por unidades constitutivas localizadas espacialmente. No presente
caso, as unidades constitutivas, que são as moléculas do gás, não estão lo-
calizadas mas se movem no espaço e podem ocupar qualquer posição dentro
do recipiente. Quando permutamos duas unidades constitutivas quaisquer,
admitimos que o estado do sistema não se altera. Como o número de per-
mutações possı́veis com N unidades constitutivas é N ! então o número de
estados acessı́veis ao sistema será menor por um fator N !. Dessa forma,
tendo em vista que Z é uma soma sobre estados do sistema, a fórmula
correta de Z para o presente caso é
1 N
Z= ζ . (2.13)
N!
Utilizando esse mesmo raciocı́nio, a função de partição de uma molécula,
dada por (2.3), também será afetada por um fator do mesmo tipo. Por
exemplo, se uma molécula for composta por dois átomos do mesmo tipo, é
necessário multiplicar o lado direito de (2.3) pelo fator 1/2.
A partir do resultado (2.13) obtemos
ln Z = N ln ζ − ln N !, (2.14)
N kB T
p= , (2.19)
V
em que levamos em conta que ζint não depende de V , ou
pV = N kB T, (2.20)
que é a equação de estado para um gás ideal. Às vezes essa equação é
escrita na forma P V = nRT em que n é o número de moles e R a con-
stante universal dos gases. Como N = nNA , em que NA é a constante de
Avogadro, segue-se que a a constante universal dos gases está relacionada
com a constante de Boltzmann por meio de
R = NA kB . (2.21)
∂ 3 ∂
U =− ln Z = N kB T − N ln ζint . (2.22)
∂β 2 ∂β
1
S= (U − F ). (2.23)
T
Gás monoatômico
A partir dos resultados acima, podemos obter diretamente as propriedades
termodinâmicas de um gás constituı́do de moléculas monoatômicas. A
hamiltoniana H associada a uma molécula monoatômica é constituı́da ape-
nas pela energia cinética de translação Htr e portanto a função de partição
da molecula é dada por (2.6) com com ζint = 1. Para obter resultados
34 2 Gás ideal
e a energia interna
3
U = N kB T. (2.25)
2
A capacidade térmica a volume constante Cv = ∂U/∂T é dada por
3
C v = N kB (2.26)
2
e portanto o calor especifico a volume constante cv = Cv /N de um gás
monoatômico vale cv = (3/2)kB .
A equação de estado para a pressão permanece a mesma, isto é,
pV = N kB T. (2.27)
ζN
F = −kB T ln , (2.30)
N!
2.2 Gás diatômico I 35
x, y, z, θ, φ, px , py , pz , pθ , pφ , (2.34)
em que introduzimos um fator h para cada par formado por uma coorde-
nada generalizada e seu momento conjugado. A funçao de partição ζ se
fatoriza na forma
ζ = ζtr ζrot , (2.36)
em que Z
1
ζtr = 3 e−βHtr dxdydzdpx dpy dpz (2.37)
h
e Z
1
ζrot = e−βHrot dθdφdpθ dpφ . (2.38)
h2
36 2 Gás ideal
Cáculo quântico
Quando a temperatura do gás é suficientemente alta, o cálculo clássico de
ζrot , que fizemos na seção anterior, é adequado. Caso contrário, devemos
substituir o cálculo clássico por um cálculo quântico. A parte rotacional
da hamiltoniana da molécula deve ser substituı́da pela versão quântica da
hamiltoniana (2.33), dada por
Jˆ 2
Ĥrot = , (2.47)
2I
em que J~ é o momento angular. Os autovalores de Jˆ 2 são ~2 `(` + 1), ` =
0, 1, 2, . . . e cada um possui degenerescência 2` + 1. Portanto os autovalores
E`m de Ĥrot são
~2
E`m = `(` + 1), (2.48)
2I
em que o número quântico m toma os valores m = −`, −` + 1, . . . , ` − 1, `.
A função de partição da parte rotacional é obtida usando a expressão
∞ X
X `
ζrot = e−βE`m . (2.49)
`=0 m=−`
1,5
1
crot / kB
0,5
0
0 0,5 1 1,5 2
T / Θr
Figura 2.1: Calor especı́fico crot de rotação calculado a partir de (2.50) como
função de T /Θr em que Θr é a temperatura caracterı́stica de rotação. A linha
horizontal pontilhada representa o resultado clássico. Os sı́mbolos representam
dados experimentais de Clusius e Bartholomé (1934) para o HD para o qual Θr =
64 K.
para obter
2 /I
ln ζrot = 3e−β~ . (2.53)
Portanto,
∂ ~2 2
urot = − ln ζrot = 3 e−β~ /I , (2.54)
∂β I
2.2 Gás diatômico I 39
Hidrogênio
O cálculo que acabamos de fazer é adequado para uma molécula diatômica
constituı́da por átomos distintos. Quando os átomos de uma molécula
diatômica são do mesmo tipo, como é o caso do hidrogênio, devemos levar
em conta que os estados quânticos dos núcleos dos átomos podem ser
simétricos ou anti-simétricos acarretando uma mudança no cálculo da função
de partição molecular. Vamos aqui considerar apenas o hidrogênio. Há dois
tipos diferentes de molécula de hidrogênio, denominadas para-hidrogênio e
orto-hidrogênio, que se distinguem pela configuração dos spins do núcleo
dos dois átomos que compõem a molécula. Cada núcleo do átomo de
hidrogênio é formado por um único próton, que possui spin 1/2. No para-
hidrogênio os spins são antiparalelos, formando um singleto, com spin total
igual a 0. No orto-hydrogênio os spins são paralelos formando um tripleto,
com spin total igual a 1.
Em seguida devemos levar em conta que o estado total (spin e rotação)
da mólecula de hidrogênio deve ser anti-simétrico em relação à permutação
dos dois prótons. No para-hidrogênio, o estado de spin é anti-simétrico
e, portanto, os estados rotacionais devem ser simétricos. Dessa forma, a
função de partição molecular relativa a parte rotacional é dada por
2
X
ζ0 = (2` + 1)e−β~ `(`+1)/2I , (2.56)
` par
1,5
1
crot / kB
0,5 Cornish
Giacomini
Eucken
0
0 1 2 3 4 5
T / Θr
Figura 2.2: Calor especı́fico crot de rotação do hidrogênio como função de T /Θr
em que Θr = 85.3 K é a temperatura caracterı́stica de rotação do hidrogênio. Os
sı́mbolos representam dados experimentais de Eucken (1912), Giacomini (1925), e
Cornish e Eastman (1928). As curvas tracejadas superior e inferior representam o
calor especı́fico de rotação do para-hidrogênio, obtido de (2.56), e orto-hidrogênio,
obtido de (2.57), respectivamente. A curva contı́nua representa o calor especı́fico
de uma mistura de 1/4 de para-hidrogênio e 3/4 de orto-hidrogênio, obtido de
(2.60). A linha horizontal pontilhada representa o resultado clássico.
1 3
crot = c0 + c1 , (2.62)
4 4
em que c0 = ∂u0 /∂T e c1 = ∂u1 /∂T . Os gráficos de c0 , c1 e crot estão
mostrados na figura 2.2.
Como dissemos acima, quase todos os gases se condensam a temperatu-
ras bem superiores à temperatura caracterı́stica de rotação. Uma exceção
entre os gases diatômicos com átomos iguais é o hidrogênio, H2 , que acabamos
de estudar, cuja temperatura caracterı́stica de rotação é Θr = 85, 3 K.
Outra exceção é o deutério, D2 , cuja temperatura caracterı́stica de rotação
é Θr = 43 K. No caso do deutério, entretanto, os fatores 1/4 e 3/4 nas
fórmulas (2.60), (2.61) e (2.62) devem ser substituı́dos pelos fatores 1/3 e
2/3, respectivemente.
42 2 Gás ideal
x, y, z, r, θ, φ, px , py , pz , pr , pθ , pφ . (2.67)
e Z
1
ζint = 3 e−β(Hrot +Hvib ) drdθdφdpr dpθ dpφ . (2.71)
h
Note-se que ζint não se fatoriza em uma parte relacionada aos graus de
liberdade de rotação e outra relacionada aos graus deliberdade de vibração
pois Hrot , assim como Hvib , depende da variável de vibração r. Entretanto,
supondo que as amplitudes de vibração sejam pequenas podemos aproxi-
mar a distância r entre os átomos relativamente à parte rotacional pela
distância de equilı́brio R. Dessa forma, substituı́mos r por R na hamilto-
niana rotacional de modo que
1 2 1
Hrot = (pθ + p2 ), (2.72)
2I sin 2 θ φ
em que I = µR2 . Agora ζint pode ser fatorizada na forma
ζint = ζrot ζvib , (2.73)
em que
8π 2 I
Z
1
ζrot = e−βHrot dθdφdpθ dpφ = (2.74)
h2 h2 β
e Z
1
e−βHvib drdpr .
ζvib = (2.75)
h
Em seguida, supomos que as vibrações são de pequenas amplitudes o
que nos permite aproximar o potencial Φ(r) pela seguinte expansão em
torno de seu valor mı́nimo,
1
Φ(r) = Φ(R) + K(r − R)2 , (2.76)
2
o que significa dizer que os átomos estão ligados por uma mola de constante
K, relacionada à frequência de oscilação ω por K = µω 2 . Usando a notação
u0 = Φ(R), a hamiltoniana correspondente à parte vibracional se reduz à
forma
1 2 1
Hvib = p + K(r − R)2 + u0 . (2.77)
2µ r 2
Substituindo esse resultado em (2.75), e integrando em pr , a função de
partição vibracional se escreve
Cálculo quântico
Para efetuar o tratamento quântico da parte vibracional, começamos por
quantizar a hamiltoniana vibracional (2.77). Como essa hamiltoniana de-
screve um oscilador harmônico de frequência ω = (K/m)1/2 , então as
possı́veis energias são
1
En = ~ω n + + u0 , (2.82)
2
e a função de partição vibracional vale
∞
X
ζvib = e−βEn . (2.83)
n=0
Exercı́cios
1. Determine a energia interna e a pressão de um gás ideal de partı́culas
ultra-relativistas. A energia cinética de uma partı́cula é dada por
q
E = c p2x + p2y + p2z ,
em que c é a velocidade da luz.
2. Considere um gás ideal composto de N moléculas diatômicas, cada uma
possuindo um momento de dipolo elétrico µ, sob ação de um campo elétrico
E. Além da energia cinética de translação, uma molécula possui energia
1 2 1
(p + p2 ) − µE cos θ,
2I θ sin2 θ φ
em que a primeira parcela representa a energia cinética de rotação e a
segunda, a energia de interação com o campo elétrico. Determine as pro-
priedades termodinâmicas do gás. Ache a polarização P = N hµ cos θi e
a susceptibilidade elétrica χ = (∂P/∂E). Mostre que a campo nulo, χ é
inversamente proporcional à temperatura absoluta.