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TOLERÂNCIA

A história da origem da
consciência acompanha a
evolução da humanidade. Por
isso, diante do desconhecido,
na ausência do saber científico
e da pouca organização social, foram criados os mitos,
acompanhados de seus respectivos ritos, para poder
abrandar o medo de cada grupo de humanos. Com o
surgimento das estruturas sociais os conjuntos de mitos e
ritos foram institucionalizados passando a ser a base
fundante das religiões, formatando as crenças, na forma de
dogmas, para aliviar a angústia diante das questões
existenciais: De onde eu vim? Para onde vou? Quem sou
eu? Se é que vim, vou ou sou! Com isso, a identificação
religiosa passou a ser elemento de inclusão social,
obviamente fomentando conflitos e competições entre os
grupos fidelizados nos respectivos dogmas, continuamente
em busca de afirmação e poder. Neste contexto a
intolerância fica instituída, obviamente usando o nome de
Deus para salvaguardar as crenças de cada grupo.
Na visão da psicologia junguiana, abordagem que sigo em
minha prática clínica, constatamos que toda vez que surge
um clima de intolerância e de mau humor, nas várias
possibilidades de vínculos e relações humanas, significa
que os jogos das projeções começaram a dominar as
pessoas envolvidas. Ou seja, aquilo que não suportamos
em nós fica projetado no outro, de forma consciente ou
inconsciente, numa tentativa iludida de conseguirmos
extinguir ou anular estes conteúdos que são indesejados,
mas que fazem parte da nossa personalidade. Com isso,
necessitamos eliminar o outro, que funciona como um fiel
depositário dos nossos conteúdos sombrios. Eliminar o
outro, que é o diferente, pela fantasia de excluirmos, de
nós mesmos, os conteúdos sombrios que nos incomodam.
Por isso é que o diálogo e o encontro ficam tão difícil, no
lugar de cooperação criativa surge a competição destrutiva
e a intransigência, que impede o reconhecimento do
verdadeiro eu.
Aquele que acredita ser possuidor da verdade, convicto do
seu saber, aprisionado em fundamentalismos científicos ou
religiosos sempre fica arrogante e intolerante em aceitar
outros posicionamentos, transformando o diferente em
desigual, como mecanismo de defesa para preservar seus
posicionamentos conceituais. Muitas vezes torna-se um
moralista que tenta impor a todos os seus valores, que
julga ser absolutamente certos. Para esse indivíduo, a
única possibilidade é a prática da alteridade para que a
tolerância possa ser estabelecida.
Porém, a tolerância e uma das virtudes mais paradoxais
que existe porque ela, por si mesma e de forma absoluta,
pode contrariar sua própria essência quando é tolerante
com os intolerantes. Ou seja, seu fundamento pode
estimular sua antítese. Por isso, refletir a respeito da sua
origem e suas consequências implicativas é uma
oportunidade que, inevitavelmente, contribuirá para a
nossa ampliação de consciência.
Sempre associo a tolerância com a filosofia cristã que
ensina que: "quando alguém lhe der um tapa, ofereça a
outra face". Porém, desde cedo compreendi que essa
orientação não tinha a intenção de nos deixar fracos,
impotentes ou coniventes com o agressor. Porque, para
oferecer a outra face precisamos reconhecê-la em nós
mesmos, partindo do principio de que ninguém pode dar o
que não tem, mas também não poderá receber o que não
pode dar. Ou seja, esse ensinamento faz com que
reflitamos a respeito da face que estamos deixando
amostra e aquela que está na sombra e não estamos
mostrando, por ignorância, medo, vaidade ou arrogância.
Com isso, dependendo da face oculta, o agressor
estapeador poderá ficar arrependido ou, preventivamente,
intimidado.
Outra questão é a respeito do limite da sua utilização, pois
ela foi criada por conta dos conflitos teológicos, na idade
média, porque, infelizmente, na história da evolução
humana, em nome de Deus foram e ainda são cometidos
os maiores absurdos. Daí vem à questão se devemos ser
tolerantes com o terrorismo, que age em nome da
santidade, como os inquisidores cristãos da idade média
agiram? Com isso, questiona-se se a tolerância deve ter
limites ou não? Saramago, premio Nobel de literatura,
afirma sabiamente que: "a tolerância para no limiar do
crime. Não se pode ser tolerante com o criminoso. Educa-
se ou pune-se" Nesse sentido, não se pode ser tolerante
para com a tortura, o estupro, a pedofilia, a escravidão, o
narcotráfico, o terrorismo, a guerra. Neste sentido,
compreendo que crime é todo ato que impede a liberdade
tratando o outro sem igualdade e fraternidade e, neste
caso, ao criminoso, só pode restar a perda da liberdade.
O exercício da alteridade é o melhor meio para a
superação da rigidez e da intolerância frente ao novo e ao
diferente. No dinamismo da alteridade podemos começar a
aprender a sair das nossas convicções para compreender as
convicções do outro. É na capacidade de sair de si para
poder se ver com os olhos do outro que a tolerância e o
bom humor pode ser reconquistado e mantido, Nietzsche
dizia que as convicções são prisões. Entretanto, sem a
prática da alteridade, eu posso até me reconhecer no meu
ego, apesar disso eu jamais saberia quem sou eu se não
houvesse um alter-ego para saber que há um outro eu. Eu
sou porque o outro existe, sem ele eu não seria.
Com a prática da alteridade, inevitavelmente, o respeito,
que significa olhar e se deixar olhar, vai sendo
presentificado, até que os sentimentos de amor e de
compaixão começam a acontecer nas diversas formas de
vínculos e relações humanas. Com o exercício da
alteridade a construção da identidade e o confronto com o
diferente começam a acontecer de forma mais simples e
natural, porque passamos a entender que a evolução é um
contínuo processo de construções e desconstruções, de
envolvimentos e de desenvolvimentos, muitas vezes
experimentados e percebidos associados a sentimentos de
perda, separações e medo do novo, podendo provocar,
defensivamente, tentativas de fugas a um passado mais
primitivo e infantil, causadores de várias atitudes e
posições regredidas. Desta forma, para que a tolerância
consciente aconteça é necessário, antes de tudo, o
autoconhecimento e a prática da alteridade. Porque a
intolerância, acima de tudo, é fruto da baixa autoestima,
do medo e dos sentimentos de inferioridade.
Bibliografia
ABBAGNANO, Nicola. História da filosofia, Vols. I ao
XIV, Lisboa, Presença, 1970.
ARENDT, Hannah. A condição humana, Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 1991.
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos, Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1964.
MAGALDI FILHO, Waldemar. Dinheiro, saúde e
sagrado, Eleva Cultural, SP, 2010.
ZWEIG, Connie, e ABRAMS, Jeremiah.(org.), Ao
encontro da sombra, São Paulo, Cultrix, 1994

WALDEMAR MAGALDI FILHO, Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana,


Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro:
"Dinheiro, Saúde e Sagrado" e coordenador e professor dos cursos de especialização em
Psicologia Junguiana, Arterapia, Psicossomática e DAC - Dependências, abusos e
compulsões do IJEP - Instituto Junguiano de ensino e Pesquisa (www.ijep.com.br).

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