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Teste de Avaliação – Unidade 4.

1
José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis

GRUPO I

Lê o texto seguinte.

A Festa da Raça

Do cimo da escada que em dois lanços desce para a Rua do Primeiro de Dezembro,
vê que há multidão no Rossio, não julgara que fosse permitido estarem os espectadores
tão chegados às bombas e aos petardos, mas deixa-se ir na corrente dos curiosos que
festivalmente acorrem ao teatro de guerra. Quando entrou na praça viu que o
ajuntamento ainda é maior do que antes parecera, nem se pode romper, mas Ricardo Reis
teve tempo de aprender as habilidades da terra, vai dizendo, Com licença com licença
deixem-me passar que eu sou médico, não é que não seja verdade, mas a mais falsa das
mentiras é justamente aquela que se serve da verdade para satisfação e justificação dos
seus vícios. Graças ao estratagema consegue chegar às primeiras linhas, dali poderá ver
tudo. Ainda não há sinal dos aviões, porém, as forças policiais estão nervosas, os
graduados, no espaço livre fronteiro ao teatro e à estação, dão ordens e instruções, agora
passou um automóvel do Estado, leva lá dentro o ministro do Interior e pessoas da família,
as senhoras não faltaram, outras o seguem noutros carros, vão assistir ao exercício das
janelas do Hotel Avenida Palace. Subitamente, ouve-se o tiro de peça de aviso, uivam as
sereias aflitas, os pombos do Rossio levantam-se em bandada fazendo estralejar as asas
como foguetes, alguma coisa falhou no que fora combinado, são as precipitações de quem
começa, primeiro devia o avião inimigo vir largar o seu sinal de fumo, depois é que as
sereias entoariam o coro carpido 1 e a artilharia antiaérea lançaria o disparo, tanto faz, com
todos estes adiantamentos da ciência há de chegar-nos o dia em que ainda as bombas
virão a dez mil quilómetros de distância e já saberemos o que o futuro nos reserva.
Apareceu enfim o avião, a multidão ondula, levantam-se os braços, Lá vai ele, lá vai ele,
ouve-se um som cavo, explosão, e um grosso rolo de fumo negro começa a subir aos ares,
a excitação é geral, a ansiedade enrouquece as falas, os médicos colocam os estetoscópios
nos ouvidos, os enfermeiros armam as seringas, os maqueiros escarvam, de impaciência, o
solo. Ao longe ouve-se o rugir contínuo dos motores das fortalezas-voadoras, o instante
aproxima-se, os espectadores mais assustadiços interrogam-se se isto afinal não será a
sério, alguns afastam-se, põem-se a salvo, recolhem-se aos portais das escadas por medo
dos estilhaços, mas a maioria não arreda pé, e, estando verificada a inocuidade das
bombas, em pouco tempo dobrará a multidão.
José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, Lisboa, Editorial Caminho, 2013, pp. 474-476.

1
«coro carpido» – coro de lamentos

1
1. Explicita a intenção da utilização da expressão seguinte, atendendo à globalidade do texto:

O espaço no qual decorrem os acontecimentos referidos no texto apresenta-se designado


como «teatro de guerra» (l. 4).

[20 pontos]

2. Identifica o recurso expressivo presente em «Apareceu enfim o avião, a multidão ondula


[…]» (l. 21) e refere o seu valor literário.
[20 pontos]

3. Refere a condição, explícita no final do texto, para que a multidão duplique, «[...]dobrará a
multidão.» (l. 29).
[20 pontos]

Lê o texto seguinte.

Uma desordem

De repente, fora, houve um rebuliço, e vozes sobressaltadas gritando: Ordem! Uma


senhora, que atravessava com um pequenito, fugiu para dentro do bufete, enfiada. Um
polícia passou, correndo.
Era uma desordem!...
Carlos e os outros, saindo à pressa, viram ao pé da tribuna real um magote de
homens – onde bracejava o Vargas. Do largo da pesagem, os rapazes corriam com
curiosidade, já excitados, apinhando-se, alçando-se em bicos de pés; do recinto das
carruagens acudiam outros, saltando as cordas da pista, apesar dos repelões dos polícias –
e agora era uma massa tumultuosa de chapéus altos, de fatos claros, empurrando-se
contra as escadas da tribuna real, onde um ajudante de el-rei, reluzente de agulhetas e em
cabelo, olhava tranquilamente.
E Carlos, furando, pôde enfim avistar no meio do montão um dos sujeitos que
correra no prémio dos Produtos, o que montava Júpiter, ainda de botas, com paletot
alvadio por cima da jaqueta de jockey, furioso, perdido, injuriando o juiz das corridas, o
Mendonça, que arregalava os olhos, aturdido e sem uma palavra. Os amigos do jockey
puxavam-no, queriam que ele fizesse um protesto. Mas ele batia o pé, trémulo, lívido,
gritando que não se importava nada com protestos! Perdera a corrida por uma pouca-
vergonha! O protesto ali era um arrocho! Porque o que havia naquele hipódromo era
compadrice e ladroeira!

2
Eça de Queirós, Os Maias, Lisboa, Livros do Brasil, 2002, p. 337.

4. Indica, justificando e apresentando exemplos, a intenção da utilização recorrente do


pretérito imperfeito do indicativo e do gerúndio, no terceiro parágrafo.
[20 pontos]

5. Compara este texto com o anterior, de modo a evidenciar pelo menos duas características
comuns.
[20 pontos]

GRUPO II

Lê o texto seguinte. Em caso de necessidade, consulta o vocabulário e as notas.

15 de maio

Verifico, com discreta mas justificada satisfação, que se mantêm em estado de bom
funcionamento, para não dizer que me parecem de todo intactos, os dons de imaginação e
engenho com que vim ao mundo, graças aos quais pude chegar aonde felizmente cheguei.
Agora, de modo súbito, porém não inesperado, tendo em conta os antecedentes, vejo
abrirem-se diante de mim perspetivas novas, possibilidades de novos triunfos, não mais
limitados a esta fatigante trivialidade de escrever e publicar. O caso conta-se em rápidas
palavras. Quando foi preciso decidir como deveria ser revestida uma parte importante do
chão da casa, escolhi umas lájeas de cor castanho-escura, de superfície brilhante e
irregular, que no catálogo do fabricante italiano se apresentavam com o prestigioso e
evocativo nome de Brunelleschi1. Há que dizer que o fornecedor aplaudiu o gosto. Vieram
os ladrilhos (atenção: os Espanhóis chamam ladrillo ao que nós chamamos tijolo) e
procedeu-se ao seu assentamento. Porém, por um erro que até há poucos dias parecia
não ter remedeio, a argamassa saiu mais clara do que convinha, donde resultou que a
indiscutível beleza das minhas lájeas se viu afetada pelo quase branco e obsessivo
quadriculado formado pelas juntas. A família não pareceu importar-se muito, que, enfim,
diziam, não era assim tão mau, embora Pilar 2, a sós comigo, reconhecesse que
Brunelleschi, realmente, não merecia aquele tratamento. Acrescendo que o meu olho
esquerdo, por defeito da mácula3, tende a ver duas imagens onde só uma

1
Filippo Brunelleschi, (Florença, 1377-Florença, 1446), arquiteto e escultor renascentista
2
Mulher de Saramago
3
«por defeito da mácula» – por defeito de visão

3
existe, pode-se imaginar que chão tenho andado a pisar. Mas bem certo é que nunca se
proclamará demasiado que a necessidade aguça o engenho. Depois de mil e uma
perguntas a outros tantos supostos entendidos sobre como poderiam ser decentemente
escurecidas as agressivas juntas, respondidas todas elas, as perguntas, ora com um
pungente encolher de ombros, ora com uma perentória declaração de impossibilidade, foi
um simples escritor, ainda por cima nunca ouvido em tais matérias, que teve a fortuna, e
por que não o merecimento, de encontrar a solução: o chá. Sim, o chá. Tomava eu, numa
destas manhãs, o meu pequeno-almoço habitual, composto de torradas, sumo de laranja,
chá e iogurte, quando de repente, com a evidência deslumbrante da pura genialidade,
compreendi que a solução estava no chá. Como a vida, no entanto, ensina a ser prudente,
e o mundo dos inventores está cheio de frustrações imerecidas, resolvi fazer secretamente
a primeira experiência, e num canto do escritório, temendo a cada instante ser
surpreendido pelo risonho ceticismo de Pilar, verti numas poucas juntas o chá que de
propósito deixara ficar. O resultado foi esplêndido.
José Saramago, Cadernos de Lanzarote – Diário I, Lisboa, Editorial Caminho, 1994, pp. 39-40.

Nos itens seguintes, seleciona a única opção que permite obter uma afirmação correta.

1. A secção inicial do texto (ll. 1-10), na qual o autor refere os seus vários dotes, é de natureza
[5 pontos]
(A) metafórica.
(B) hiperbólica.
(C) irónica.
(D) sarcástica.

2. O autor faz uma advertência relativa aos «ladrilhos» (l. 11) que chegaram a sua casa
[5 pontos]
(A) porque foram descarregados em sua casa os ladrilhos, isto é, as lájeas.
(B) para que o leitor saiba exatamente a natureza do material que chegou.
(C) porque foram descarregados em sua casa os ladrilhos, isto é, os tijolos.
(D) para que o leitor compreenda exatamente o que vai seguir-se.

3. A expressão «as agressivas juntas» (l. 22), no contexto em que ocorre, configura uma
[5 pontos]
(A) personificação.
(B) hipérbole.
(C) comparação.
(D) sinédoque.

4
4. A relação entre a possível solução encontrada pelo autor para o seu problema e a
experiência que levou a cabo para a verificar, estabelece-se, entre as linhas 28 e 32, através de
dois conectores de natureza, respetivamente,
[5 pontos]
(A) contrastiva e aditiva.
(B) aditiva e contrastiva.
(C) explicativa e contrastiva.
(D) causal e aditiva.

Responde, de forma correta, aos itens apresentados.

5. Identifica o referente do deítico «Agora» (l. 4), considerando o contexto situacional.


[10 pontos]

6. Indica o valor temporal da oração subordinada iniciada por «Quando» na frase «Quando foi
preciso decidir como deveria ser revestida uma parte importante do chão da casa, escolhi
umas lájeas de cor castanho-escura, [...]» (ll. 7-8).
[10 pontos]

7. Indica a função sintática da oração subordinada presente em «[...] compreendi que a


solução estava no chá.» (l. 28).
[10 pontos]

GRUPO III
[50 pontos]

É através de tentativas e erros que, frequentemente, se aprende, tanto a nível pessoal,


como familiar e social.

Redige um texto de opinião, no qual confirmes a afirmação anterior, apresentando,


pelo menos, dois argumentos que comprovem este ponto de vista e respetivos exemplos.

O teu texto deve ter entre 200 e 300 palavras e deve estruturar-se em três partes
lógicas.

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