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LANÇANDO A SEMENTE

DO DESENVOLVIMENTO RURAL
SUSTENTÁVEL
SANTA CATARINA

INTRODUÇÃO

O início da década de 90 prometia para milhares de agricultores


do município de Santa Rosa de Lima, na encosta da serra geral
catarinense, nada além do que uma vida de sacrifícios, na difícil lida
da agricultura de subsistência. Uma rotina que atravessava os séculos,
desde a chegada dos primeiros colonos alemães, italianos e açorianos
na região.
Foi com a reedição de uma confraternização tradicional da comu-
nidade alemã, a Gemüse Fest (festa dos legumes), que a pequena cidade,
de menos de 2 mil habitantes, deu o primeiro passo para a reação. A
festa promovia a reaproximação entre os que viviam na região com os
que preferiram migrar para os centros urbanos, e trouxe de volta o
supermercadista Egídio Locks. Filho da terra, bem-sucedido na capital
do estado, ele acabara de chegar de uma viagem à Europa, e trazia
como novidade o crescente interesse dos consumidores europeus por
produtos orgânicos, cultivados sem agrotóxicos e com procedimentos
ecológicos. Egídio lançou um desafio aos agricultores locais: produzir
frutas e hortaliças nesses moldes.
Havia um mercado a ser abastecido, mas os produtores careciam
de tecnologia, recursos e organização. Pouco tempo depois, seria criada
a AGRECO1, que teria papel fundamental na retomada de um modelo
de desenvolvimento sustentável para a agricultura familiar catarinense.

Marlon Gonsales Aseff, Jornalista da empresa Palavra Comunicação, elaborou o estudo de


caso sob a orientação de Verônica Mayer, baseado no curso Desenvolvendo Casos de Sucesso,
realizado pelo Sebrae, Ibmec-RJ e PUC-RJ, integrando as atividades da Prioridade
Potencializar e Difundir as Experiências de Sucesso no Sistema Sebrae.

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Associação dos Agricultores Ecológicos das Encostas da Serra Geral.
PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA

PRODUTOS DA AGROINDÚSTRIA
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O MARCO INICIAL

A té meados da década de 90, a região das encostas da serra


geral, em Santa Catarina, convivia com um desenvolvimento rural escasso.
As atividades mantidas pelos agricultores locais não atendiam mais às
demandas necessárias para a criação de novos postos de trabalho. A
inexistência de um município pólo naquele território excluía a região do
processo de participação política, ocasionando demandas comunitárias
sem atendimento por parte do Estado. A região permanecia distante de
qualquer eixo viário importante, além de contar com estradas precárias,
com uma estrutura de comunicação deficitária e fornecimento da rede
elétrica defasado. Aliado a isso, o meio ambiente local mostrava sinais
de esgotamento, em virtude do uso inadequado das políticas de
saneamento básico, do desenvolvimento da suinocultura intensiva e do
abuso de pesticidas químicos na agricultura. A população convivia com
casos recorrentes de intoxicação por insumos químicos e uma baixa
auto-estima. O manejo inadequado do solo, além de culturas impróprias
para aquele determinado relevo topográfico, provocavam processos
erosivos e o assoreamento de rios, agravando ainda mais a situação.
Santa Catarina possuía cerca de 20% da população estabelecida
longe dos meios urbanos, ligada a algum tipo de atividade agrícola. A
pequena propriedade já era o modelo agrário vigente, mas, desde a
última década, o êxodo rural vinha aumentando em proporções alar-
mantes, em virtude da pouca competitividade da agricultura tradicional,
baixos níveis de investimento e linhas de crédito insuficientes. Dados
do IBGE apontam que, entre 1996 e 2000, a população rural catarinense
diminuiu nada menos que 13%. Cerca de 164 mil pessoas aban-
donaram o meio rural nesse período.
Os produtores rurais viviam reféns das oscilações que o mercado
sofria e carentes de uma infra-estrutura adequada para o cultivo e a
comercialização da produção. Os agricultores mantinham uma rentabilidade
mínima e aqueles integrados às grandes agroindústrias de fumo, aves
e suínos passavam a ter uma relação de subordinação. Nas crises

Coordenação Técnica do Projeto: Marcondes Cândido da Silva, Mário César Gesser e Ricardo
Monguilhott de Brito.
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cíclicas que esses setores apresentavam, eram obrigados a abandonar


o campo, indo engrossar as estatísticas de marginalização nas periferias
dos centros urbanos.
“Como nossa região é bastante acidentada, não tínhamos perspectivas
de lucratividade com a agricultura convencional”, lembrava o
agricultor Valnério Assing, que esteve perto de abandonar os seis
hectares de fumo que cultivava em uma pequena propriedade, a
três quilômetros da sede do município.

PROMOVENDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O município de Santa Rosa de Lima, localizado a 250 quilômetros de


Florianópolis, viu surgir em 1996 uma iniciativa inovadora que propor-
cionou um novo rumo na vida dos agricultores locais, e que depois se
estenderia para os municípios vizinhos.
À frente dessa iniciativa, a AGRECO mobilizou inicialmente doze
famílias, que passaram a priorizar o cultivo orgânico de hortaliças. A
produção era integralmente comprada por Egídio Locks, e vendida na
sua rede de supermercados Santa Mônica.
Uma ação patrocinada pela iniciativa privada, com o auxílio do Governo
do Estado e coordenada pelo Sebrae/SC a partir de 2001, viabilizou o
cultivo de produtos orgânicos, ecologicamente tratados, agregando valor
aos produtos locais e atendendo às necessidades que o mercado buscava.
O Sebrae/SC, ao se inserir no processo de organização dos agricul-
tores com o seu negócio, através do projeto Vida Rural Sustentável,
enfrenta a difícil tarefa de promover o desenvolvimento rural sustentável
por meio da agricultura familiar, realizando a aproximação do meio
urbano ao rural.
Mas, como todo começo, nada foi fácil. A falta de informações,
destinadas a criar nas comunidades rurais uma nova cultura, fez com
que se organizasse alternativas de solução, contidas em um Programa
de Formação e Assistência Técnica, que organizou informações sobre
agroecologia, turismo rural, meio ambiente, manejo ecológico do solo,
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controle de pragas e doenças, administração de propriedades ecológicas,


agroindustrialização, qualidade total rural entre outros.
O poder público, em suas esferas municipal, estadual e federal, foi
escolhido para oferecer assistência técnica e prover a pesquisa em
agroecologia , destinados a implantar uma nova ótica sobre a produção
agrícola convencional.
Para conferir mais agilidade aos processos de produção, a AGRECO
contou com o impulso inicial do Programa Nacional de Agricultura
Familiar (PRONAF), que liberou R$ 2,5 milhões para a realização de
um ambicioso projeto de implantação de 53 pequenas agroindústrias
rurais. A formação de agroindústrias em rede foi o grande diferencial
obtido pelos agricultores, para ganhar escala, diversidade de produtos
ofertados e fortalecer a comercialização. Assim, foram estabelecidas
metas para a instalação de agroindústrias nos municípios de Santa Rosa
de Lima, Anitápolis, Gravatal, Rio Fortuna, Armazém, Grão Pará, São
Martinho, Paulo Lopes, Rancho Queimado e Alfredo Wagner. Envolvendo
230 famílias e uma geração de 707 empregos diretos a ser implantado no
meio rural, as agroindústrias visaram à produção e ao beneficiamento
dos produtos agroecológicos, comercializados sob uma mesma marca e
com um custo médio por emprego gerado de R$ 3.536,00. Um investimento
baixo, se comparado ao que seria preciso aplicar na indústria urbana, que
girava em torno dos R$ 20 mil a R$ 100 mil por posto de trabalho criado.
Entre as 27 agroindústrias constituídas até o momento, destacam-se
as de processamento de cana-de-açúcar, processamento e beneficiamento
de hortaliças, beneficiamento de produtos apícolas, panificação, pro-
cessamento de derivados lácteos, beneficiamento de ovos e de embutidos.
Foi assim que o agricultor Valnério Assing, de Santa Rosa de Lima,
retomou o gosto pelo trabalho em sua propriedade rural, onde foi sediada
uma pequena agroindústria de derivados de cana. A produção de açúcar
mascavo, melado e licores deu novo impulso econômico ao negócio e até
o antigo depósito de folhas de fumo foi transformado em um restaurante
colonial. A iniciativa reforçou as ações do Vida Rural Sustentável, que
não se restringiram às áreas da produção e agroindustrialização.
Partindo de um conceito mais amplo, com implicações sociais e
culturais, foi criada uma associação de agroturismo, a Acolhida na Colônia,
formada por vinte famílias, distribuídas por cinco municípios vizinhos.
Assim os agricultores implementaram uma nova forma de renda, ofere-
cendo aos visitantes pousadas em casas típicas da região, com refeições
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e pernoites a preços módicos. A iniciativa valorizou a cultura do meio


rural, seus costumes e acervos históricos, e contribuiu para o combate do
crescente inchaço das áreas urbanas, criando espaço para trabalhadores
costumeiramente excluídos, como jovens, mulheres e idosos.
O projeto mais amplo, implantado em conjunto com o Centro de
Estudos da Agricultura de Grupo (CEPAGRO) e o Serviço Nacional do
Comércio (SENAC), contou com o apoio da associação francesa de agrotu-
rismo Accueil Paysan. O circuito de agroturismo envolveu, no primeiro
momento, trinta famílias com produção do tipo agroecológica, distribuídas
entre os municípios de Gravatal, Rancho Queimado, Rio Fortuna, Santa
Rosa de Lima e Anitápolis.
As ações coordenadas pelo Vida Rural Sustentável foram previstas
a partir de diagnósticos de viabilidade econômico-social e de pesquisas
do perfil do consumidor. A capacitação dos produtores rurais contou
com a implementação de 80 cursos, em mil cento e sessenta horas de
consultoria só em 2002, proporcionando a formação de 1.578 em-
presários rurais nas áreas de produção, agroturismo, beneficiamento,
integração e gerenciamento.
Outra iniciativa que ajudou a consolidação dos negócios ligados à
agricultura orgânica foi a criação da Credicolônia, uma cooperativa de
crédito com sede em Santa Rosa de Lima e filiais em Rio Fortuna e
Anitápolis. Com um capital inicial de R$ 30.000,00, os novos empresários
rurais puderam manter vivos seus empreendimentos, em um momento
de consolidação. O coordenador geral da AGRECO, Wilson Schmidt,
relembrava da importância de um braço financeiro para impulsionar o
agronegócio.
“Procuramos apoiar a cooperativa, fazendo todos os recursos da
associação tramitarem por ali, para que ela se constituísse em um
forte instrumento de desenvolvimento local.”
O Governo do Estado, por sua vez, deu um passo fundamental na
direção do desenvolvimento sustentável e da agricultura familiar, incluindo
os alimentos orgânicos no cardápio de mais de 100 mil alunos da rede
pública estadual. O programa Sabor e Saber, de merenda escolar, procurou
resgatar a identidade cultural do campo e da cidade, preparando os
futuros produtores e consumidores para as mudanças que a agricultura
ecológica proporia no processo produtivo e todas as implicações que
isso teria no desenvolvimento territorial, cultural e econômico.
Com a estruturação propiciada pelo Projeto Vida Rural Sustentável,
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a AGRECO tornou-se fornecedora das merendas orgânicas nas escolas


de Santa Catarina, fator possibilitado pela sua organização, abordagem
de mercado, produtos variados e diferenciados daqueles produzidos
pelos demais agricultores catarinenses.

CONCLUSÃO

O projeto Vida Rural Sustentável deu um importante passo na


direção da viabilização da agricultura familiar em Santa Catarina e
contribuiu decisivamente para o desenvolvimento rural sustentável de
pequenas propriedades rurais. Os fatores determinantes do sucesso
foram o associativismo, a contribuição da iniciativa privada – por meio
da criação de canais de escoamento da produção – e o apoio do poder
público municipal, estadual e federal. Com a implementação das
agroindústrias rurais de pequeno porte foi dado início a um trabalho
de valorização dos produtos orgânicos e abriu-se um potencial mercado
para a região, revertendo a expectativa de êxodo rural crescente.
Propiciou-se postos de trabalho na área rural, sobretudo para jovens
mulheres, tornando-se estratégico para a diminuição do êxodo. Trouxe
turistas do meio urbano para o rural, outra vez criando postos de
trabalho e oportunidades de negócios. Isso tem exigido melhorias na
infra-estrutura dos municípios, respeitando o meio ambiente inserido e
incrementando a economia regional como um todo.
Desde o início das ações, pelo menos 23 famílias já retornaram da
cidade para seus municípios de origem, na região da Serra Geral. Os
agricultores organizados já vislumbravam uma inserção maior na
cadeia produtiva em que estavam incluídos, por meio de uma crescente
diversificação das atividades em andamento.
Ainda assim, seria preciso que fosse mantido o apoio de parcerias
fundamentais para o desenvolvimento do modelo, como o das
prefeituras municipais, órgãos federais e estaduais, a fim de perpetuar a
expansão das redes de produção e comercialização. O desenvolvimento
das agroindústrias de pequeno porte de Santa Catarina dependeria da
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capacitação de recursos humanos e financeiros, que promoviam estratégias


institucionais para a ampliação do mercado aos produtos orgânicos. A
agregação de renda, pelo fortalecimento da pequena propriedade rural,
apresentava todas as condições para sua implementação em Santa Catarina
graças às suas peculiaridades de colonização e ocupação do espaço
agrário, composto por 93% de áreas inferiores a 100 hectares. Reverter a
situação de exclusão social no campo, construindo novas oportunidades
de emprego rural foi um desafio que se apresentou a toda a sociedade.

PONTOS PARA DISCUSSÃO


• Será que ao fomentar o desenvolvimento territorial, garantir-se-á
mercado e o fortalecimento da cultura da cooperação no território?

• Até que ponto uma liderança local de base e extremamente forte


pode acabar prejudicando o desenvolvimento do projeto? As
vaidades institucionais não chocariam com essa liderança? Como
conciliar lideranças comunitárias com as institucionais?

• O Programa Vida Rural Sustentável é aplicável em outras regiões


brasileiras de realidades diferentes?

• Como poderá a agricultura familiar responsável pela produção


orgânica, se tornar uma atividade exportadora?

• Como poderemos aproximar a vida rural e a vida urbana, tornando-


as sinérgicas e diminuindo os diversos problemas que uma gera
à outra?

Diretoria Executiva do Sebrae Santa Catarina (2002): Antônio Alberto Vieceli, Carlos
Guilherme Zigelle e Lauro Andrade Filho.

Agradecimentos:
Carlos Stegemann - Jornalista; Lauro Andrade Filho - Diretor Sebrae/SC e Wilson Schmidt -
Presidente da Agreco.

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