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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA
DOENÇA DE CROHN
Paulo Gustavo Kotze 1, Sérgio Eduardo Alonso de Araújo 2
1 Chefe do Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário Cajuru (SeCoHUC) – PUCPR; Membro
Titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia; Mestre em Clínica Cirúrgica pela PUCPR.

2 Assistente-doutor do Serviço de Cirurgia de Cólon e Reto do Hospital das Clínicas – Faculdade de


Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); Membro Titular da Sociedade Brasileira de
Coloproctologia;

1. INTRODUÇÃO: de sintomas faz com que diferentes opções de trata-


mento cirúrgico sejam cada vez mais estudadas.
A doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória
transmural e recidivante do trato gastrointestinal, que Apesar dos avanços na terapia clínica (medicamentos
pode acometer qualquer segmento do tubo digestório, biológicos) e nas formas menos invasivas de tratamen-
da boca ao ânus 1,2. É uma doença sistêmica, caracteri- to da DC (endoscópicas e guiadas por imagem), a cirur-
zada por inflamação descontínua dos segmentos diges- gia ainda desempenha papel fundamental no tratamen-
tivos acometidos, com formas distintas de manifesta- to destes pacientes. Estima-se que cerca de 70 a 90%
ções em cada indivíduo (luminal, penetrante ou fistuli- dos pacientes necessitarão de alguma forma de trata-
zante) 1,3. Apresenta manifestações extra-intestinais, que mento cirúrgico no decorrer de sua vida, que variam
podem ou não estar ligadas à atividade da doença desde simples drenagens de abscessos anais até as mais
digestiva. Desde a sua descrição inicial em 1932, por complexas ressecções de segmentos intestinais 7.
Burrill B. Crohn et al. 4, esta doença tem se comportado Durante anos, as taxas de ressecções intestinais na
como um verdadeiro enigma para gastroenterologistas e DC não tiveram sua incidência alterada, provavelmente
cirurgiões 5. Com o desenvolvimento de modernas e por não existirem medicações que mudassem a história
minuciosas técnicas laboratoriais, associadas ao avanço natural da doença 6. Nem mesmo os imunossupressores,
da pesquisa clínica, novos caminhos foram percorridos como a azatioprina, largamente utilizados para manu-
no conhecimento de sua etiopatogenia. Como conse- tenção da remissão da doença, alteraram a necessidade
quência, surgiram novas formas de tratamento clínico e de tratamento cirúrgico nestes pacientes ao longo dos
cirúrgico, com bons resultados no controle da atividade anos 8. Por outro lado, há evidências científicas concre-
da doença 6. Entretanto, apesar destes notáveis avanços, tas de que a utilização dos medicamentos biológicos
a descoberta de sua cura aparenta estar muito distante. (principalmente o infliximabe e o adalimumabe) pode
As formas de apresentação da DC são consideravel- reduzir as taxas de operações abdominais ligadas à DC
mente complexas. Primeiramente, muitas são as regiões ao longo do tempo 9,10. A mudança da história natural
anatômicas do sistema digestório que podem estar aco- da doença, com prevenção da ocorrência de complica-
metidas, em diversos tempos de evolução da doença. Há ções através de uma terapia mais agressiva, pode justi-
também diferentes características da inflamação: algu- ficar esta redução. Além disto, o desenvolvimento de
mas mais leves (acometimento luminal não-complica- novas técnicas endoscópicas de dilatações de estenoses
do) e outras mais severas (estenoses por fibrose conse- (em qualquer segmento do sistema digestório) e de
qüente a inflamações de repetição, assim como fístulas punções de coleções abdominais guiadas por exames de
e perfurações). Por este motivo, não é fácil se definir imagem, contribuem para uma redução nas taxas de
condutas cirúrgicas de forma simples. A variada gama operações abdominais ligadas á DC 7. Neste capítulo,

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pretende-se abranger não só as operações cirúrgicas ros, com sintomatologia mais discreta, envolvendo cro-
convencionais, mas também as formas menos invasivas nicidade, usualmente são mais desafiadores para o
de tratamento da DC (laparoscópicas, endoscópicas e cirurgião.
por radiologia intervencionista). As indicações cirúrgicas nos pacientes portadores de
A operação ideal para cada paciente deve ser indica- DC são basicamente por duas situações: intratabilidade
da após minuciosa análise invidual de cada caso. A clínica ou complicações da doença. As complicações,
morbidade dos procedimentos, assim como a possibili- por sua vez, podem ser divididas em agudas ou crôni-
dade de recorrência da doença, variam de acordo com cas (tabela 1) 11.
inúmeros fatores. Um diagnóstico preciso e detalhado, Intratabilidade clínica é a mais comum indicação de
associado a um conhecimento adequado do estado tratamento cirúrgico na DC, e é definida por uma das
nutricional do paciente e das técnicas cirúrgicas utiliza- seguintes características: dificuldade no controle dos
das, pode trazer o benefício real da cirurgia para esta sintomas com doses máximas de medicação, efeitos
complexa entidade 11. colaterais importantes do tratamento clínico e dificul-
dade de manutenção do tratamento pela presença de
2. INDICAÇÕES CIRÚRGICAS: crises de agudização 7. Sabe-se que o tratamento clíni-
Os objetivos do tratamento cirúrgico da DC são co apresenta severas limitações ao longo dos anos na
variados. Alívio dos sintomas, correção de complicações, evolução da doença. Desde a utilização dos corticóides,
prevenção do desenvolvimento de carcinoma, melhora até a disseminação do uso dos imunossupressores, têm-
da qualidade de vida e retirada de medicamentos com se dificuldades na resposta clínica em número conside-
toxicidade conhecida (como os corticóides, por exem- rável de pacientes. Mesmo com a maior utilização da
plo) são alguns deles. Sabe-se que a recorrência da terapia biológica, há evidências de que cerca de um
doença é freqüente, e pode ocorrer em qualquer seg- terço dos pacientes não respondem adequadamente ao
mento do sistema digestório. Por este motivo, deve-se tratamento medicamentoso 13,14.
sempre analisar as vantagens e desvantagens da cirur- As complicações agudas da DC que levam o paciente à
gia antes de procedimentos invasivos, de pequeno ou necessidade de tratamento cirúrgico são: abscessos abdo-
grande porte 12. minais, abscessos anais, oclusão intestinal, perfurações
As indicações de tratamento cirúrgico na DC variam livres na cavidade com peritonite, megacólon tóxico e
em grau de dificuldade na análise individual de cada hemorragia (estas duas últimas mais comumente na reto-
caso. Quadros severos da doença geralmente são evi- colite ulcerativa do que na DC). Algumas são mais fre-
dentes, com sintomas exuberantes, e nestas situações, a qüentes, como os abscessos e oclusão intestinal. Outras,
decisão pela cirurgia é facilitada. Quadros mais obscu- como o megacólon tóxico ou perfuração livre na cavida-

Tabela 1: principais indicações cirúrgicas na DC.


Intratabilidade clínica
Abscessos abdominais
Perfuração livre
Complicações agudas da DC Abscessos anais
Oclusão intestinal
Megacólon tóxico
Hemorragia maciça
Fístulas internas
Fístulas êntero-cutâneas e colo-cutâneas
Complicações crônicas da DC Manifestações extra-intestinais
Retardo no crescimento
Neoplasia

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de, são mais raras. Estas complicações agudas podem, não 345 pacientes, Sands et al. concluíram que o tabagismo,
obstante, representar a primeira manifestação da DC, doença de delgado sem acometimento cólico, náuseas,
antes mesmo de um diagnóstico de certeza 11. vômitos e dor abdominal à apresentação inicial, aumen-
As complicações crônicas com indicação cirúrgica to na contagem de neutrófilos e uso de corticóides nos
são: manifestações extra-intestinais, retardo do cresci- primeiros 6 meses do diagnóstico foram fatores com
mento e do desenvolvimento (incluindo-se retardo na influência significativa em operações abdominais preco-
maturação genital), fístulas internas, fístulas êntero- ces 16. Em outro estudo, Lakatos et al. acrescentam a estes
cutâneas e presença de neoplasia 11. As manifestações a doença perianal e o uso precoce de imunossupressores
extra-intestinais ocorrem em cerca de 25% dos porta- e biológicos 17. Outros trabalhos procuraram identificar
dores de DC. As manifestações de pele (eritema nodoso pacientes que se beneficiariam da estratégia descenden-
e pioderma gangrenoso), articulares (artralgias), orais te (uso precoce de biológicos - top-down) na DC pela
(ulcerações aftóides orais) e oculares (uveíte e iridocicli- maior agressividade de doença. Nestes, ficou claro que
te) são comumente associadas à doença cólica e ten- pacientes com diagnóstico abaixo de 40 anos, com
dem a ser paralelas à atividade da doença intestinal. doença fistulizante, tabagistas, com perda de mais de 5
Isto significa que podem apresentar significativa kg antes do diagnóstico e com uso de corticóides como
melhora após ressecções de segmentos acometidos. Já primeira forma de tratamento apresentam reais possibili-
as manifestações hepatobiliares, vasculares, hematoló- dades de benefício com formas mais agressivas de trata-
gicas, pulmonares e neurológicas apresentam tendência mento 18-20. Portanto, pacientes com estas características,
de atividade independente da doença no sistema diges- ilustradas nos trabalhos descritos, passariam a ter doen-
tório. Outros acometimentos secundários, como nefro- ça mais grave, e poderiam se beneficiar de indicações
litíase e colelitíase, são conseqüentes à dificuldade de cirúrgicas mais precoces.
absorção intestinal, e portanto, a ressecção cirúrgica Sabe-se igualmente, que na dependência da localiza-
pode resultar em melhora destas condições 7. ção da doença, algumas indicações de cirurgia se sobre-
Salienta-se que um mesmo paciente pode apresentar põem a outras. Nos pacientes com doença de intestino
mais de uma indicação de tratamento cirúrgico para delgado, por exemplo, há maior possibilidade de esteno-
melhora de seus sintomas, devido à complexidade fenotí- ses por inflamação de repetição, fístulas internas e ênte-
pica característica da DC. Um paciente jovem pode apre- ro-cutâneas, assim como abscessos abdominais. Além
sentar dependência de corticóides, manifestações extra- disto, há maior incidência da DC no íleo terminal, o que
intestinais e um abscesso abdominal, por exemplo. Nestas torna as indicações de tratamento cirúrgico relativamen-
situações, deve-se priorizar o controle das complicações te freqüentes no intestino delgado. Por outro lado, rara-
agudas da doença, para que se reserve uma operação ele- mente observa-se hemorragia, dilatação tóxica ou neo-
tiva para controle mais duradouro de sua remissão. plasias neste segmento, o que reduz a freqüência da
Outra questão importante relacionada à indicação indicação cirúrgica nestas situações. Estas parecem ser
cirúrgica nos pacientes com DC é o momento certo da mais freqüentes nas colites de Crohn. Na doença peria-
intervenção 15. Sabidamente, postergar em demasia uma nal, abscessos e fístulas são comuns, e apresentam
operação aumenta as chances de deficiência do estado necessidade de operações com grande freqüência 7.
nutricional e do surgimento de complicações. Por outro Maiores detalhes a respeito de cada uma das principais
lado, operações precoces, sem a espera ideal pelo tempo indicações cirúrgicas e suas respectivas formas de trata-
de ação de cada medicamento, podem ter sido desne- mento serão discutidos no decorrer deste capítulo.
cessárias. Um bom exemplo para este fato é o uso de Em resumo, procura-se analisar detalhadamente
imunossupressores orais, medicamentos que têm sua cada caso para se poder definir a melhor maneira de
ação ideal após 3 a 4 meses de uso contínuo. Operações tratar a DC. O tempo de doença, a idade do paciente, a
eletivas antes deste período nos pacientes com este tipo presença de complicações e a resposta aos medicamen-
de medicação podem ser injustificáveis. tos devem ser sempre levados em conta. A procura por
Alguns estudos procuraram estudar quais os fatores fatores de maior agressividade da doença deve ser
que indicariam doença com pior prognóstico e maior exaustiva. Por fim, uma discussão minuciosa entre clí-
possibilidade de complicações na DC 16-20. Em um destes nicos, pacientes e cirurgiões pode definir se haverá
trabalhos, procurou-se estudar quais os fatores de risco melhora da qualidade de vida ao se indicar o tratamen-
para cirurgia precoce nestes pacientes. Após a análise de to cirúrgico 15.

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3. PREPARO PRÉ-OPERATÓRIO: cional dos pacientes, e melhorar as condições pré-ope-


ratórias naqueles que apresentam condições de aguar-
Antes de se submeter um paciente portador de DC a
dar um período ideal para a cirurgia. Em casos emer-
qualquer tipo de tratamento cirúrgico, seja mais agres-
genciais, como abscessos abdominais, por exemplo,
sivo (como laparotomias com ressecções extensas) ou
preconiza-se o suporte nutricional associado a procedi-
mais conservador (como drenagem percutânea de abs-
mentos conservadores em um primeiro tempo, como
cesso abdominal), uma cuidadosa análise pré-operató-
drenagens percutâneas, sempre que possível. Ressecções
ria de algumas características dos pacientes deve ser
maiores são delegadas para um segundo tempo, na
realizada.
ausência de infecção ativa, com melhores condições
Por ser uma doença que acomete a mucosa do trato nutricionais para uma cicatrização mais adequada 12.
gastrointestinal, principalmente no intestino delgado,
Parte do preparo pré-operatório necessário para o
comumente há sinais e efeitos de má-absorção de
tratamento cirúrgico da DC não é diferenciado do que
nutrientes nos portadores de DC. Portanto, o estado
para qualquer outro tipo de intervenção abdominal. O
nutricional destes pacientes é proporcionalmente afeta-
objetivo da avaliação pré-cirúrgica é verificar o estado
do de acordo com a extensão da doença no intestino
clínico do paciente, gerar recomendações sobre a ava-
delgado, e com o grau de atividade inflamatória apre-
liação pré-anestésica necessária e definir possíveis riscos
sentado. É freqüente que pacientes sejam candidatos à
e manuseio de problemas per e pós-operatórios. A his-
cirurgia para ressecção de segmentos acometidos pela
tória clínica do paciente e o acurado exame físico são
DC, por alguma complicação específica, e se apresen-
elementos fundamentais para a adequada avaliação
tem com graus avançados de desnutrição 12. Perda de
pré-cirúrgica. Nenhum exame laboratorial substitui esta
peso, caquexia, déficit do crescimento em pacientes
abordagem. Salienta-se a real necessidade de uma ade-
pediátricos, fragilidade dos fâneros e infecções de repe-
quada avaliação pré-anestésica ambulatorial, no serviço
tição são algumas das características clínicas que devem
em que o paciente será operado. Há maior segurança
ser analisadas cuidadosamente no pré-operatório. Uma
por parte dos pacientes e também pelos colegas anes-
avaliação multidisciplinar, com consultas freqüentes
tesiologistas em colher a história clínica, além de anali-
com nutricionistas, deve sempre ser aventada, quando
sar e complementar os exames pré-operatórios solicita-
disponível. O diagnóstico preciso do estado nutricional
dos pelo cirurgião, quando necessário 22.
no momento do pré-operatório é fundamental para
melhores medidas de suporte nutricional, para que se Exames laboratoriais devem ser solicitados nos casos
otimize os resultados no pós-operatório, com menores de suspeita de alterações no equilíbrio hidroeletrolítico
índices de infecção e taxas de complicações. ou anemia. A correção destes distúrbios deve ser reali-
zada no pré-operatório com o objetivo de se minimizar
Há algumas possibilidades de correção do estado
as complicações durante e após as cirurgias. Pacientes
nutricional no pré-operatório destes pacientes: suple-
com estenoses e vômitos de repetição freqüentemente
mentação oral com dieta específica, nutrição enteral e
necessitam de reposição de potássio por hipocalemia.
nutrição parenteral total. Salienta-se que tanto a nutri-
Pacientes com história arrastada de atividade da doen-
ção enteral quanto a parenteral são terapias que podem
ça apresentam anemia, que pode ser corrigida com
melhorar a atividade da doença e até colocar os pacien-
transfusões de hemocomponentes antes das operações,
tes em remissão clínica em determinadas situações 21.
quando necessário.
Portanto, além de colaborarem no pré-operatório,
podem funcionar como formas de tratamento da doen- A incidência do tratamento cirúrgico é significativa
ça. Deve-se utilizar a luz intestinal para absorção dos em portadores de complicações da DC. Estes pacientes
nutrientes sempre que possível, para se manter o trofis- usualmente realizam tratamento com múltiplos medi-
mo dos enterócitos e diminuir o edema da mucosa camentos, no intuito de se controlar a atividade da
secundário à inflamação. A suplementação com gluta- doença. Dentre as drogas utilizadas, salienta-se os cor-
mina oral também é utilizada para estes fins. Todavia, ticóides, os imunossupressores e os biológicos como
em casos de estenoses ou suboclusões intestinais, dá-se drogas que possam interferir na evolução pós-operató-
preferência à nutrição parenteral total, pela dificuldade ria, com possibilidade de influenciar nas taxas de com-
de aceitação da dieta oral ou enteral. Um período de plicações dos procedimentos.
cerca de 3 semanas de nutrição parenteral pode dimi- Em relação aos corticóides, sabe-se que podem
nuir a atividade inflamatória, melhorar o estado nutri- aumentar os índices de complicações cirúrgicas em

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determinadas situações. Estas drogas diminuem a cica- que muitas vezes tiveram sintomas por anos a fio, até
trização, além de facilitarem a ocorrência de infecções um diagnóstico definitivo. Por este motivo, podem
no pós-operatório. Há risco significativamente maior de apresentar distúrbios psicológicos associados. Uma
complicações em pacientes que estejam utilizando abordagem em conjunto com psicólogos, de forma
prednisona em doses maiores ou iguais a 20 mg ao dia, multidisciplinar, pode ajudar os pacientes a compreen-
ou equivalentes, por período maior que 6 semanas, no derem sua real situação frente à doença, facilitando-se
pré-operatório 3. Deve-se, por este motivo, ter atenção os cuidados no pós-operatório por maior aderência ao
especial e cuidados diferenciados com estes pacientes, tratamento.
principalmente com antibioticoterapia para prevenção Em situações de emergência, quando laparotomias
de infecções. Portanto, deve-se tentar retirar os corti- são indicadas por perfurações intestinais, abscessos ou
cóides em candidatos à cirurgia sempre que possível. oclusão intestinal, deve-se sempre ter em mente a pos-
Naqueles pacientes em que o procedimento não pode sibilidade de que anastomoses possam ser contra-indi-
ser postergado, recomenda-se a administração de corti- cadas. Nestas situações, a realização de estomas termi-
cóides endovenosos no peri-operatório, para resposta nais, ou em duplo cano, é mais segura para o paciente.
metabólica adequada ao trauma cirúrgico. Estes podem ser realizados no intestino delgado (ileos-
Quanto ao uso da azatioprina, alguns autores ates- tomias) ou no cólon (colostomias), na dependência da
tam que não há evidências científicas significativas de localização do processo inflamatório e da situação
que possa ser prejudicial aos pacientes operados, e seu abordada. A demarcação prévia do local ideal para a
uso poderia ser liberado logo no período pós-operatório exteriorização do estoma é fundamental na redução do
imediato. Este é o ponto de vista do consenso europeu índice de complicações, e pode ser feita pelo próprio
a respeito do tratamento da DC 3. Entretanto, um recen- cirurgião, ou por uma estomaterapeuta, quando dispo-
Figura 1: te estudo sueco demonstra maiores taxas de complica- nível 24.
Técnicas de ções sépticas após ressecções intestinais em pacientes
demarcação de Há várias maneiras de se demarcar o local ideal para
estomas em uso de azatioprina 23. Em relação aos medicamentos um estoma intestinal. A mais utilizada é por se traçar
abdominais no biológicos, não há consenso na literatura de que possam uma linha imaginária entre a pube e o mamilo do mesmo
pré-operatório.
A: linha da pube interferir na evolução cirúrgica dos pacientes. Por este lado, com outra linha entre a espinha ilíaca ântero-supe-
ao mamilo ipsi- motivo, recomenda-se a avaliação criteriosa de cada rior até a cicatriz umbilical. O ponto de interseção destas
lateral com a
linha entre a caso, para se decidir pela interrupção ou continuidade linhas determina o local ideal para o estoma. Outra pos-
espinha ilíaca da droga próximo ao período da cirurgia 3. A relação sibilidade é a demarcação de um triângulo imaginário
ântero-superior entre a terapia biológica e as cirurgias na DC será mais
ao umbigo. B: com linhas entre a pube, a cicatriz umbilical e a espinha
Ponto de detalhada posteriormente neste capítulo. ilíaca ântero-superior do lado escolhido. O ponto de
encontro das
bissetrizes dos Como a DC é uma entidade crônica e não apresenta encontro entre as bissetrizes dos ângulos deste triângulo
ângulos do cura definida, os pacientes geralmente apresentam uma é o ponto determinado para a exteriorização do segmen-
triângulo entre a to intestinal escolhido. Uma definição prática destas téc-
pube, umbigo e longa história de exames complementares, internamen-
espinha ilíaca tos e diferentes formas de tratamento. São indivíduos nicas está ilustrada na figura 1.
ântero-superior.
Independentemente da técnica de demarcação,
pacientes obesos podem ter este ponto deslocado supe-
riormente por alguns centímetros, pelas características
da linha de cintura destes, deixando-se o estoma num
local onde a placa de estomaterapia possa ter melhores
condições de adaptação. Deve-se realizar a demarcação
com o paciente deitado, e depois nas posições sentado
e de pé. As vantagens da demarcação prévia do local de
um provável estoma intestinal são consideráveis, princi-
palmente por apresentarem menor índice de complica-
ções e maior facilidade nos cuidados com bolsas e pla-
cas no período pós-operatório 24.
Em resumo, uma abordagem multidisciplinar, com a
participação de clínicos, cirurgiões, anestesistas, nutri-

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cionistas, psicólogos e enfermeiros deve preceder o ato Figura 2:


abscesso
cirúrgico propriamente dito. As vantagens deste tipo de abdominal na
abordagem são evidentes, e a participação de todos no fossa ilíaca direi-
preparo pré-operatório destes pacientes implica em um ta em paciente
portador de DC.
pós-operatório com menor morbidade, com benefícios Ressalta-se a
para o paciente e para a equipe que o está tratando. localização
superficial da
coleção, com
4. MANEJO DE SITUAÇÕES condições
ESPECIAIS favoráveis para
punção per-
4.1 ABSCESSOS ABDOMINAIS cutânea.

Os abscessos intracavitários são complicações que


ocorrem em 10 a 30% dos portadores de DC 25. Na
dependência de sua localização, são classificados em
abdominais ou pélvicos. Os abdominais, por sua vez, guiada por exames de imagem como o método prefe-
são divididos em subfrênicos, de goteiras parieto-cóli- rencial de tratamento dos abscessos cavitários, quando
cas, entre alças intestinais, hepáticos ou de músculo possível 3. Salienta-se que estes procedimentos devem
psoas. Há algumas décadas, a presença desta complica- ser associados a antibioticoterapia de amplo espectro e
ção em portadores de DC era sinônimo de laparotomia realizados em locais com disponibilidade de análise
exploradora, para drenagem das coleções e ressecção conjunta com cirurgiões com experiência em DC.
dos segmentos acometidos pela doença. Entretanto, Ressecção dos segmentos acometidos podem ser reali-
com o desenvolvimento de novas técnicas de imagem, zadas tardiamente, após estabilização do paciente,
um melhor diagnóstico pré-operatório pode ser realiza- quando necessário 3.
do, e exames como a ultrassonografia e a tomografia Um estudo com 36 portadores de DC com abscessos
computadorizada passaram a desempenhar papel fun- abdominais submetidos a punções, realizado no reino
damental na identificação do volume, localização e até unido na década de 90, demonstrou que a morbidade
no tratamento destas lesões. A figura 2 demonstra um do tratamento era alta. Destes, 28 pacientes foram sub-
abscesso intra-abdominal analisado por tomografia, metidos a ressecções intestinais posteriormente, e com-
factível ao tratamento por punção guiada. plicações das punções correram em 12 casos. Apenas 15
Após um diagnóstico acurado pelos exames comple- dos 36 pacientes foram considerados inicialmente como
mentares, algumas características dos abscessos intraca- bons candidatos para punções percutâneas 26. Em outro
vitários devem ser analisadas para se definir qual a sua estudo realizado na mesma época, uma taxa de suces-
melhor forma de tratamento. A tabela 2 ilustra quais so de 96% para drenagem percutânea foi descrita em
estas características e quais as indicações de tratamen- 32 pacientes, e destes, apenas 50% apresentaram
to por laparotomia ou por punção percutânea guiada necessidade de ressecção. Os resultados foram melhores
por exames de imagem. A decisão entre as duas formas em abscessos pós-operatórios do que em abscessos
de tratamento, portanto, deve ser realizada após minu- espontâneos 25. Em outra análise interessante, Gutierrez
ciosa análise individual do caso, bem como dos méto- et al. compararam 66 pacientes com abscessos abdomi-
dos disponíveis de tratamento. nais na DC submetidos a punção percutânea ou cirur-
O consenso europeu de tratamento das doenças gia. Não houve diferença entre os grupos no tempo de
inflamatórias intestinais coloca a punção percutânea resolução dos abscessos, e apenas 1/3 dos pacientes

Tabela 2: critérios para definição da forma de tratamento dos abscessos abdominais.


Drenagem percutânea Laparotomia e ressecção
Abscessos únicos ou em pequeno número Abscessos múltiplos
Localização favorável a punções Localização não acessível
Pacientes estáveis Pacientes em sepse e mau estado geral
Pacientes pediátricos Fístulas internas ou externas estabelecidas

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submetidos à punção guiada apresentaram necessidade abscesso hepático antes e após a drenagem percutânea.
de ressecções cirúrgicas. Os autores ainda afirmaram A antibioticoterapia deve ser longa e baseada em anti-
que as punções apresentaram melhores resultados biogramas, extendendo-se até um período de 4 sema-
quando realizadas precocemente 27. Através destas aná- nas. A laparotomia deve ser reservada para os casos de
lises, pode-se concluir que boa parte dos pacientes abscessos múltiplos ou abscessos com longo período de
podem evoluir sem necessidade de laparotomia com evolução, na ausência de melhora clínica após drena-
ressecção cirúrgica, quando submetidos a drenagem gem percutânea e para casos em que haja indicação
percutânea. As operações de drenagem, acompanhadas cirúrgica por complicações intestinais da doença de
ou não de ressecção, por laparotomia ou por via lapa- Crohn, como perfurações e oclusão intestinal 29.
roscópica, ficam reservadas para os casos com evolução Outro tipo relativamente freqüente de abscesso na
desfavorável, ou em locais onde as punções percutâ- cavidade abdominal em portadores de DC é o abscesso
neas não sejam disponíveis. do músculo psoas. Trata-se do tipo mais comum de
Abscessos como complicação de DC podem ainda abscesso muscular no retroperitônio, e cerca de 5%
ocorrer em algumas localizações específicas, bem defi- destas coleções ocorrem com o diagnóstico concomi-
nidas, com formas similares de tratamento. A literatura tante de DC. Podem constituir a primeira manifestação
demonstra vários relatos e séries de casos de pacientes da doença em até 25% dos casos 30. Sua fisiopatologia
que desenvolveram abscessos no músculo psoas e abs- é explicada geralmente por microperfurações para o
cessos hepáticos. As formas de tratamento são simila- retroperitônio na região ileocecal, o que explica sua
res, baseadas na possibilidade de punção percutânea, mais comum localização à direita. Entre os sintomas, a
sempre que possível, associada a antibioticoterapia. febre e a dificuldade de extensão da coxa são os mais
Os abscessos hepáticos são complicações raras na freqüentes. O exame de eleição para o diagnóstico é a
DC. Ocorrem em cerca de 8-16 para cada 100.000 tomografia computadorizada, e a melhor forma de tra-
tamento, como nos demais tipos de abscessos, é a pun-
pacientes, com chance 15 vezes maior de ocorrência na
ção percutânea orientada por imagem 30.
DC que na população geral 28. A fisiopatologia dos mes-
mos pode ser explicada por infecção ascendente via sis- 4.2 PERFURAÇÃO LIVRE E PERITONITE:
tema portal, devido à comum localização ileocecal da A perfuração livre de segmentos intestinais com
DC. O tratamento de eleição para os abscessos hepáti- desenvolvimento de peritonite é uma complicação rara
cos baseia-se na associação de antibioticoterapia e dre- em portadores da DC. Ocorre entre 1,5 a 2,4% dos
nagem percutânea, guiada por exames de imagem. casos, em grandes séries de pacientes operados docu-
Pode-se colocar um cateter de demora, por alguns dias, mentadas 12. Sua ocorrência parece ser maior no intesti-
que pode ser lavado com freqüência para se acelerar a no delgado do que no cólon, e comumente ocorre nas
drenagem da secreção. Tal método mostrou-se eficaz e proximidades de áreas com estenose. Usualmente há
seguro na maioria dos casos em que foi indicado, perfurações na porção mesentérica das alças intestinais
segundo a literatura. A figura 3 ilustra um paciente com para o retroperitônio, com formação de abscessos que

Figura 3:
Abscesso
hepático
extenso em
paciente
portador de DC
submetido a
drenagem
percutânea. A:
pré-drenagem.
B: após 10 dias
de drenagem,
com resolução
parcial.

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podem romper para a cavidade livre (figura 4). Nestas


situações, com quadros de abdome agudo instalados,
recomenda-se intervenção cirúrgica imediata, com res-
secção do segmento acometido. A decisão de se reali-
zar ou não uma anastomose deve ser baseada nas con-
dições locais (grau de contaminação da cavidade,
aspecto das bocas a serem anastomosadas e na presen-
ça ou não de obstrução distal) e nas condições gerais
do paciente (estabilidade hemodinâmica, uso prévio de
corticóides e estado nutricional). A ressecção intestinal Figura 4:
perfuração livre
acompanhada de ileostomia terminal à montante, ou O tratamento das estenoses do intestino delgado é em segmento
de estoma em duplo cano, é uma conduta segura e com indicado quando há sintomatologia evidente, sem ileal na DC.
melhora com medicamentos. Ressecções dos segmentos A: perfuração no
reduzido grau de mortalidade. mesentério. B:
Ikeuchi et al. estudaram 126 pacientes da literatura estenosados podem ser realizadas, porém são contra- peça cirúrgica
indicadas, nos casos de multiplicidade, por risco aberta
japonesa com perfurações livres na cavidade abdominal demonstrando a
e DC. Destes, 102 apresentavam perfurações no íleo, 7 aumentado de desenvolvimento da síndrome do intes- perfuração na
no jejuno e apenas 12 no cólon, e 13 pacientes apre- tino curto. Por este motivo, formas alternativas de tra- borda
mesentérica da
sentavam perfurações múltiplas. Chama a atenção neste tamento foram buscadas com o intuito de se conservar alça intestinal.
estudo o fato de que a incidência de perfuração livre foi o maior comprimento possível de intestino, para melhor
de 9,4%, mais alta do que na população ocidental. Uma absorção de nutrientes e manutenção do estado nutri-
provável justificativa para este fato é a ocorrência de cional dos pacientes.
fenótipos diferentes da DC no Japão. Nesta série de Em casos onde ressecções de áreas fistulizadas da
casos, não se associou a ocorrência desta grave compli- doença são aventadas, é relativamente freqüente o
cação com o uso de corticóides ou mesalazina 31. Em encontro de outras áreas do jejuno ou do íleo terminal
nosso meio, Albuquerque et al. estudaram 45 pacientes com estenoses latentes. Nesta situação, a ressecção dos
submetidos a operações abdominais para DC, e encon- segmentos com maior atividade inflamatória e fistuliza-
traram 11 casos de perfuração livre na cavidade. Esta foi ção deve ser associada a procedimentos conservadores
considerada um fator de risco na ocorrência de múlti- para o tratamento destas lesões secundárias. Como a
plos procedimentos cirúrgicos nesta série de casos 32. DC é altamente recidivante, novas áreas de inflamação
4.3 ESTENOSES e estenose podem ocorrer, o que limita as ressecções de
múltiplos sítios pelo risco de síndrome do intestino
As estenoses intestinais são complicações comuns na
curto e necessidade de nutrição parenteral domiciliar.
DC, ocorrendo em cerca de 30% dos casos 33. Resultam
Por este motivo, as plastias de estenose (enteroplastias)
de inflamações de repetição, com conseqüente fibrose
e as dilatações endoscópicas são métodos cada vez
no local acometido. Podem ocorrer em segmentos não
operados previamente (alças virgens de cirurgia) ou em mais utilizados para o tratamento destes pacientes.
anastomoses intestinais prévias 12. Podem ainda, de As primeiras plastias de estenose foram descritas ini-
acordo com seu número e comprimento, ser classifica- cialmente para correção de áreas afiladas de intestino
das em únicas ou múltiplas; curtas ou longas. acometido por tuberculose intestinal 12. Posteriormente,
Geralmente apresentam dilatação intestinal a montan- a DC passou a ser a principal indicação deste procedi-
te, aspecto facilmente identificável nos exames contras- mento. Na dependência do comprimento da estenose,
tados de trânsito intestinal ou tomografia de abdome. dois procedimentos são aventados: a plastia à Heineke-
Podem ser assintomáticas, e em graus mais avançados Mikulicz para segmentos mais curtos, e a técnica de
podem ocasionar cólicas abdominais recorrentes e até Finney para segmentos estenosados mais longos 11.
fistulizações secundárias para outros órgãos ou para a Na plastia de estenoses mais curtas, uma abertura
pele. Nesta seção do capítulo, serão abordadas as este- longitudinal, no sentido da estenose, deve ser feita. A
noses de intestino delgado, por serem mais frequentes sutura do defeito deve ser realizada de forma transver-
do que as do cólon, que são mais raras, e geralmente sal, com pontos separados, criando-se uma verdadeira
ocorrem em áreas de anastomose prévia. Já as esteno- bolsa dilatada na área previamente inflamada. Apesar
ses do reto apresentam padrão distinto de evolução e da realização da sutura por sobre o tecido inflamatório,
tratamento, e serão abordadas oportunamente. deiscência e fístula são complicações relativamente

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Artigo Original I Original Article

raras, como se discutirá posteriormente. A figura 5 ilus- cia dos tecidos inflamatórios, as taxas de reoperação
tra uma plastia de estenose à Heineke-Mikulicz, realiza- destes pacientes variam entre 8 e 44% 12. Estas podem
da com fio absorvível, em uma estenose curta de jeju- ser necessárias nos mesmos locais previamente sutura-
no. Este tipo de operação é o tipo mais freqüente de dos, ou em novas áreas de desenvolvimento da doença.
enteroplastia utilizado no manejo cirúrgico da DC. Outra forma interessante de se tratar as estenoses
Nas estenoses mais longas, definidas como maiores intestinais na DC é a dilatação endoscópica por balão
que 10 cm, por limitações técnicas, não há possibilidade hidrostático. Atualmente, com o desenvolvimento das
de se utilizar esta técnica, pelo alto risco de deiscência e técnicas de enteroscopia por duplo-balão, todos os seg-
angulação excessiva resultante 3. Nestes casos, a técnica mentos do tubo digestório são acessíveis à endoscopia.
de Finney é indicada. Realiza-se uma abertura igualmen- Portanto, estenoses de intestino delgado podem ser tra-
te longitudinal no segmento acometido. Dobra-se a alça tadas por esta promissora alternativa. Salienta-se que o
lateralmente, em forma de “U” invertido, e realiza-se uma principal critério para indicação de dilatação endoscópi-
sutura látero-lateral com pontos separados, nas bordas ca com balão é o curto comprimento da estenose. Alguns
mesentérica e antimesentérica do segmento. Como con- autores atestam que 10 cm de comprimento é o limite
seqüência, uma bolsa com dilatação maior é realizada, máximo para se tentar este método 33. Portanto, trata-se
mantendo-se a área de absorção no segmento. de uma forma de tratamento para estenoses mais curtas.
Sua aplicação igualmente é bem indicada nas estenoses
Outros tipos de plastias podem ser aventados em
de anastomoses prévias com recidiva da doença.
estenoses mais longas, de localização íleo-cecal. Uma
plastia extensa com anastomose íleo-cólica látero-late- Após a identificação da estenose, passa-se um balão
ral pode ser uma alternativa à ressecção, e é descrita por de calibre variável no canal de biopsia do endoscópio
alguns autores, associada ou não a ressecções segmen- através da inflamação. A seguir, injeta-se o volume
tares 34. Não se recomenda plastias de estenoses sobre o necessário de solução salina para que o balão distenda
cólon, pelo risco de neoplasia nestes segmentos, entre e aplique uma força radial pela estenose, aumentando
outros motivos 3. assim o seu calibre. É comum a ocorrência de sangra-
mento após a dilatação, e a possibilidade de perfuração
As indicações e contra-indicações das plastias de
é sempre aventada. A técnica de dilatação por balão
estenoses estão descritas na tabela 3.
encontra-se ilustrada na figura 6.
Os resultados das plastias das estenoses de intestino
Ferlitsch et al. descreveram sua experiência com a
Figura 5: Plastia delgado são interessantes na análise da literatura. Em dilatação endoscópica em 46 pacientes portadores de
de estenose seguimento médio de 3 anos, os índices de fístula e
curta de jejuno à DC estenosante. Destes, 15% não obtiveram sucesso no
Heineke- deiscência das anastomoses variam de 0 a 8%, e a mor- tratamento (falha no método), e pelo menos uma dila-
Mikulicz - talidade é nula na maioria das séries descritas 12. Como tação foi realizada em 36 casos. A maioria dos pacien-
técnica
cirúrgica. as estenoses são altamente recorrentes, pela persistên- tes era portadora de estenoses de anastomoses íleo-
cólicas prévias (59%). Após seguimento médio de 21
meses, 62% dos pacientes necessitaram de algum tipo
de reintervenção (metade destes por nova dilatação).
Após 36 meses, 75% dos pacientes conseguiram evitar
cirurgia para ressecção dos segmentos acometidos 33.
Em outro estudo, Ajlouni et al. apresentaram os resul-
tados de dilatações endoscópicas em 37 pacientes. Em
um seguimento médio de 20 meses, 21 pacientes apre-
sentaram dilatação única, sem necessidade de reinter-
venção. Perfuração do local da estenose ocorreu em
apenas um caso 35. Observa-se, portanto, que os resul-
tados com dilatações endoscópicas de estenoses são
promissores. Salienta-se que a maioria dos estudos
sobre o tema são retrospectivos, e apresentam tempo de
seguimento não superior a 3 anos. A longo prazo, os
índices de recidiva das estenoses deve ser maior, assim
como a necessidade de novos procedimentos. Não há

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE CROHN

Tabela 3: critérios de indicação e contra-indicação das plastias de estenose em portadores de DC. Adaptado de
Strong SA, 2007 11.
INDICAÇÕES Envolvimento difuso de alças de delgado com múltiplas estenoses
Estenose em paciente com ressecção intestinal prévia maior que 100 cm
Recorrência precoce manifesta por oclusão intestinal
Estenose em portador de Síndrome do Intestino Curto
Estenose fibrótica, sem fleimão
CONTRA-INDICAÇÕES Perfuração livre ou bloqueada do segmento estenosado
Fístula interna ou externa no segmento afetado
Múltiplas estenoses em um curto segmento (favorece a ressecção)
Estenose próxima a área de ressecção associada (anastomose)
Albumina sérica < 2,0 g/dL

estudos controlados que compararam a dilatação ro de estenoses e do comprimento destas deve ser
endoscópica com plastias cirúrgicas de estenoses publi- esclarecida. Operações com ressecções prévias e o esta-
cados na literatura. do geral dos pacientes devem ser dados levantados. A
Recentemente, alguns trabalhos salientaram a possi- experiência do cirurgião, bem como a disponibilidade
bilidade de tratamento das estenoses do intestino del- dos métodos de tratamento e as drogas disponíveis são
gado ligadas à DC através de infusões de infliximabe. fatores fundamentais na decisão a ser tomada frente a
Pallota et al., em um estudo retrospectivo descritivo de este tipo de complicação da doença.
20 pacientes, observaram resolução completa das este- 4.4 FÍSTULAS
noses, mensuradas por ultrassonografia com contraste A DC apresenta características de evolução da forma Figura 6:
oral, em 8 casos. Nos pacientes que não tiveram reso- luminal para a forma penetrante e fistulizante, ao longo Passos da
lução do quadro, os autores relataram que não houve dilatação
do tempo. A fistulização ocorre quando o processo endoscópica
piora dos sintomas ou redução do calibre dos segmen- inflamatório evolui pela parede do segmento intestinal de uma estenose
tos acometidos, nem o desenvolvimento de novas este- envolvido e se dissemina para fora da serosa das alças,
de intestino
delgado com
noses 36. No final da década de 90, com as primeiras invadindo órgãos adjacentes ou dissecando os tecidos balão, através
publicações sobre a eficácia do infliximabe, atenção para a pele da parede abdominal. Verdadeiros trajetos
de enteroscopia.
especial era dirigida a pacientes em uso de terapia bio- Cortesia Dra.
de tecido de granulação são formados, e podem aco- Eloá Morsoletto,
lógica com estenoses. Achava-se que, pela fibrose cau- HC-UFPR.
sada pela cicatrização das lesões, poderia haver piora do
quadro com ocorrência de oclusão intestinal. Com o
tempo, pode-se perceber que esta preocupação não era
justificada. Em um estudo com mais de 3000 pacientes
em uso de infliximabe, em avaliação contínua (registro
TREAT), observou-se que a infusão do infliximabe iso-
ladamente não foi considerada um fator de risco para a
ocorrência de estenose ou oclusão intestinal. Neste
estudo, o uso de corticóides, maior durabilidade da
doença e doença ileal isolada foram considerados crité-
rios de piora de estenoses e evolução para oclusão
intestinal aguda 37.
Com todos estes dados, a escolha do tratamento
ideal para as estenoses de intestino delgado ligadas à
DC deve ser individualizada. Um adequado estudo com
exames de imagem e uma minuciosa análise do núme-

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Artigo Original I Original Article

meter qualquer órgão próximo ao local de inflamação. Um dos tipos característicos de fístulas internas na
Caso o trajeto acometa algum outro órgão abdominal, DC é representado pelas fístulas para o sistema uriná-
como bexiga, ou outro segmento sadio de intestino rio. Raramente estas fístulas se comunicam com o ure-
delgado ou cólon, a fístula é classificada como interna. ter ou com a uretra, sendo a bexiga o local mais fre-
Nos casos em que o processo inflamatório se exteriori- qüente de acometimento (88% dos casos). No sistema
za para a pele, defini-se a fístula como externa (ênte- digestório, a origem mais freqüente nestes tipos de fís-
ro-cutânea ou colo-cutânea), que podem ser espontâ- tula é o íleo terminal (64% dos pacientes) 39. Fístulas do
neas ou pós-operatórias. Há ainda as fístulas perianais, sigmóide para a bexiga podem ocorrer na presença de
que devido à suas peculiaridades e características, serão acometimento cólico da doença. Por este motivo, por-
discutidas numa seção exclusiva neste capítulo. tadores de DC que apresentam sintomas de fecalúria e
As fístulas internas entre os segmentos intestinais pneumatúria devem ser exaustivamente investigados, e
são relativamente comuns na DC, e ocorrem em cerca adequadamente tratados. A tomografia de abdome
de 35% dos pacientes 12. Apenas 15% desenvolvem fís- pode demonstrar ar dentro da bexiga. A cistouretrogra-
tulas externas 11. Em um estudo retrospectivo de DC fis- fia miccional é um exame útil, e pode ajudar no diag-
tulizante, Poritz et al. descreveram 56 pacientes porta- nóstico em casos de tomografia normal. O tratamento
dores de fístulas externas. Destes, 64% apresentavam destas fístulas é cirúrgico, e é baseado na ressecção do
fístulas êntero-cutâneas, 21% colo-cutâneas e 14% fís- segmento intestinal acometido (origem da fístula) e na
tulas anastomóticas para a pele. Destes 56 casos, 9 ressecção parcial da bexiga, com sutura da mesma. Uma
(16%) eram portadores de fístulas êntero-entéricas interposição de epiplon por sobre a sutura vesical é
associadas (fístulas internas) 38. aconselhada por alguns autores 12. Em nosso meio, Baba
Uma detalhada avaliação, através de exames de ima- et al. analisaram 14 casos de fístulas enterovesicais em
gem das fístulas, deve ser realizada antes de se deter- portadores de DC, entre 647 pacientes do HC-FMUSP
minar qual o seu tratamento. A tomografia de abdome (2,1% dos casos). Nesta análise, a ressecção cirúrgica
com contraste oral, a ressonância magnética e o trânsi- com a sutura da parede vesical foi realizada em 13
to intestinal são métodos de boa sensibilidade para a pacientes, e mostrou-se efetiva, com sucesso em 86%
avaliação dos trajetos fistulosos, tanto de fístulas inter- dos casos 40.
nas quanto de externas. Nos casos de fístulas no colon, É sabido que os trajetos fistulosos geralmente são
o enema opaco pode ser útil. Nas fístulas externas, a acompanhados de áreas de estenose do intestino acome-
fistulografia, com a introdução de contraste por uma tido, assim como de um edema importante do mesenté-
sonda no local do orifício externo pode determinar rio ou do mesocólon. As dissecções destes segmentos
características importantes do trajeto, como o seu cali- durante as operações são usualmente difíceis, devido ao
bre e seu comprimento, por exemplo. A figura 7 ilustra alto grau de dificuldade proporcionado pela fibrose típi-
um exame de trânsito intestinal em paciente portador ca desta complicação da DC. A decisão por se realizar
de fístula interna ileossigmoideana. anastomoses ou estomas para desvio do trânsito deve ser
Os órgãos intra-abdominais mais comumente aco- baseada nas condições locais dos tecidos e no estado
metidos por fístulas internas são o intestino delgado, nutricional dos pacientes, entre outros fatores. Alguns
cólon sigmóide, bexiga, estômago, útero e vagina 12. autores preconizam operações de desvio de trânsito
Muitos pacientes são assintomáticos, e não necessitam interno (bypass) para casos de extenso processo inflama-
de tratamento cirúrgico. Geralmente, as fístulas inter- tório, principalmente em pacientes em más condições
nas têm origem em segmentos acometidos pela DC de anestésicas e fístulas com acometimento ureteral, por
localização primária no íleo terminal. O tratamento é exemplo. Esta estratégia é igualmente recomendada nos
baseado na ressecção do segmento acometido e sutura casos de DC complicada do duodeno, onde uma extensa
do órgão secundariamente inflamado. Nos casos de fís- ressecção (duodenopancreatectomia) é contra-indicada.
tula ileossigmoideana, mesmo na ausência de acometi- O simples desvio do trânsito pode tornar os pacientes
mento cólico, a ressecção de um segmento curto do assintomáticos. Entretanto, as operações de bypass
sigmóide é aconselhada, pois a simples sutura do cólon devem ter seguimento cuidadoso, pelo risco de abscessos
pode apresentar consideráveis índices de deiscência 11,12. recorrentes e neoplasia nestes tecidos 12.
Uma avaliação colonoscópica do sigmóide antes do Apesar da dificuldade de manuseio dos tecidos nes-
procedimento pode definir melhor a presença de doen- tas situações, pela extensa inflamação, há estudos na
ça nesta localização. literatura que relatam sucesso no tratamento laparoscó-

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE CROHN

pico das fístulas internas com altas taxas de sucesso 41. intestinal. Esta pode ser causada por estreitamento da
Salienta-se que são estudos realizados em grandes cen- luz intestinal por inflamação aguda, por fibrose crôni-
tros de referência em laparoscopia colorretal, com cirur- ca de estenoses pré-existentes ou por efeito de massa
giões experientes e equipamentos de última geração. (compressão extrínseca) causado por abscesso abdomi-
Recomenda-se que cada cirurgião decida, por sua pró- nal ou processo inflamatório. Pode ocorrer em áreas de
pria experiência, qual das vias de acesso deverá ser uti- inflamação virgens de cirurgias, ou em áreas de anasto-
lizada para cada caso, pois a laparoscopia nestas situa- moses prévias. Sua ocorrência é mais comum naquele
ções é um grande desafio para qualquer equipe. que é o local mais comumente afetado pela doença, a
Nos casos de fístulas externas (êntero-cutâneas ou transição ileocecal. Entretanto, pode ocorrer em áreas
colo-cutâneas), há relativo sucesso na literatura com o diversas, como o jejuno e o cólon.
tratamento clínico com terapia biológica (medicamentos Geralmente o diagnóstico da obstrução intestinal
inibidores do TNF-alfa). Estas fístulas podem apresentar não é difícil de ser realizado na DC, pelos antecedentes
fechamento com o uso de infliximabe ou adalimumabe. do paciente e pela facilidade do diagnóstico radiológi-
Em um estudo exclusivo de DC na forma fistulizante, co. A figura 9 demonstra um exame radiológico simples
realizado em 306 pacientes com fístulas, houve 36% de de abdome em paciente portador de DC do íleo termi-
parada da secreção com tratamento contínuo com infli- nal, com oclusão na área de anastomose prévia.
ximabe, em período de um ano 42. Em outro estudo tam- Observa-se dilatação de delgado a montante do nível
bém sobre fístulas na DC, 117 pacientes foram tratados da oclusão, bem como níveis líquidos nas alças e ar
com adalimumabe subcutâneo, com parada da secreção acumulado nos segmentos dilatados. A tomografia do
dos trajetos em 33% dos casos, em 56 semanas de aná- abdome é exame bastante útil na detecção do quadro
lise 43. Estes dados realmente são promissores, pois evi- oclusivo, e sua realização com ingesta de contraste oral
tou-se o tratamento cirúrgico em uma forma bastante aumenta a sensibilidade de identificação do local da
complicada da doença em cerca de um terço dos pacien- oclusão.
tes. Entretanto, ao se analisar mais a fundo a população Devido à etiologia inflamatória, o tratamento inicial
destes trabalhos, observa-se viés importante, pois se mis- da oclusão intestinal na DC, na ausência de abscesso
turou nestas duas análises fístulas externas de delgado e abdominal ou sepse, deve ser medicamentoso.
de cólon, assim como fístulas perianais. Não se tratava de Preconiza-se hidratação endovenosa associada ao
populações homogêneas. Não há resultados publicados jejum, sondagem nasogástrica, nos casos de estase
em população exclusiva de doença fistulizante com o volumosa, além de corticóides endovenosos. A hidro-
certolizumabe pegol e com o natalizumabe, duas outras cortisona na dose de 400 mg/dia, divididas em 4 infu-
drogas biológicas liberadas para o tratamento da DC nos sões diárias é o tratamento mais comumente utilizado.
Estados Unidos. O tratamento cirúrgico, baseado na res- A associação com antibióticos deve ser embasada em
secção do segmento acometido e curetagem do trajeto alterações do hemograma, febre ou outras evidências
fistuloso, é opção segura no manejo das fístulas externas. de infecção, bem como na prevenção de translocação
Pode ser indicado de início, no momento do diagnóstico bacteriana. O racional do tratamento clínico é baseado
das fístulas, ou após falha no tratamento com terapia em provável diminuição do edema e de inflamação do
biológica. local da oclusão. Nos casos de ausência de melhora do
quadro clínico em no máximo 48 horas, o tratamento
Em resumo, as fístulas internas não devem ser trata- cirúrgico deve ser prontamente indicado. Atenção espe-
das, se assintomáticas. As externas podem ser tratadas cial deve ser destacada aos pacientes previamente ope-
com sucesso com terapia biológica em um terço dos rados, pela possibilidade de aderências, bem como à
casos, e o tratamento cirúrgico é a principal forma de possibilidade de neoplasia associada. Muitas vezes, a
tratamento para estas complicações da DC. Sempre que dúvida entre o tratamento clinico e a cirurgia de ime-
possível, a ressecção com anastomose deve ser realiza- diato é difícil de ser elucidada nestas situações.
da como procedimento de escolha. Estomas são segu-
Outras causas mais raras de oclusão intestinal na DC
ras opções terapêuticas nos casos complicados, com
são descritas na literatura 12. Dentre estas, salienta-se
infecção local e oclusão intestinal associada.
a ocorrência de íleo biliar (quando um cálculo biliar
4.5 OBSTRUÇÃO INTESTINAL: deslocado ao intestino delgado é impactado em algu-
Uma das possíveis complicações da DC, principal- ma área de estenose), fitobezoares ou oclusão de intes-
mente no intestino delgado, é a ocorrência de oclusão tino delgado por cápsula endoscópica impactada,

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Artigo Original I Original Article

durante exame de investigação complementar. Esta cite complicada, com edema do ceco e plastrão, pode
última situação vem aumentando de incidência devido ser extremamente difícil de ser distinguida de uma
ao maior volume de exames realizados pelo método, e forma complicada de DC, com edema de mesentério e
pode ser previnida com a realização de trânsito intesti- da parede intestinal (figura 10). Muitas vezes a dúvida
nal convencional prévio, ou com a realização de dispo- persiste, e o diagnóstico final só é realizado após aná-
sitivo degradável antes da cápsula definitiva para o lise histopatológica de áreas ressecadas. Observa-se que
exame. em alguns casos de DC, o apêndice pode estar normal,
Dilatações por balão realizadas por endoscopia são e segmentos maiores de inflamação no íleo terminal e
métodos factíveis nos pacientes com quadros de subo- no ceco podem ser observados.
clusão intestinal, e podem ser realizadas em casos sele- A melhor conduta a ser tomada frente a situações
cionados, onde haja disponibilidade. Esta técnica, com como esta é motivo de ampla discussão na literatura. A
seus resultados, foi discutida previamente na seção do dúvida em se ressecar o segmento acometido ou não
tratamento de estenoses, neste mesmo capítulo. Porém, varia com a experiência e vivência do cirurgião em
jamais deve ser substituída pela cirurgia nos casos de doenças inflamatórias intestinais. Situações evidentes
oclusão intestinal completa. de perfuração, com abscessos associados, não geram
Uma vez instalado o quadro obstrutivo, sem melho- muita discussão, e a ressecção é a conduta que deve ser
ra com o tratamento clínico, o tratamento cirúrgico empregada. As vantagens de uma ressecção, através de
deve ser instaurado. A via de acesso preferencial é a uma ileocolectomia segmentar direita, são a retirada de
laparotômica, entretanto, alguns serviços de referência área doente, com melhor qualidade no controle clínico
em laparoscopia colorretal apresentam resultados inte- no pós-operatório, além de possibilidade de confirma-
ressantes e promissores em casos selecionados de por- ção da DC na análise histológica da peça naqueles
tadores de DC na fase aguda oclusiva. Como discutido pacientes sem diagnóstico prévio. As desvantagens
na seção de preparo pré-operatório, a demarcação de seriam o maior porte da operação, assim como os riscos
prováveis locais de estomas intestinais deve ser realiza- de uma anastomose ileocólica. A simples retirada do
da. Após o acesso da cavidade, áreas inflamadas devem apêndice, nos casos de inflitração inflamatória de sua
ser ressecadas, e a decisão da realização de anastomo- base com o seu ápice normal, é contra-indicada pelo
ses primárias ou estomas de desvia varia de acordo com alto risco de fístula de coto apendicular no ceco possi-
velmente acometido pela doença. Entretanto, esta pode
as condições da parede da alça, estado nutricional,
ser seguramente realizada nos casos de enterite exclu-
entre outros fatores.
siva do íleo terminal, sem acometimento do ceco. A
4.5 APENDICITE AGUDA OU DOENÇA DE CROHN? ocorrência de DC no apêndice é extremamente rara 12.
Além das manifestações de obstrução intestinal, abs- Sabe-se igualmente, que a retirada do apêndice pode
cessos abdominais e perfuração livre, outra complicação
pode ocorrer como conseqüência da DC. Trata-se de
uma inflamação aguda regional do íleo terminal e/ou
transição íleo-cecal. Esta é comum na fossa ilíaca direi-
ta, com ocorrência ou não de plastrões, e se apresenta
de forma muito similar à apendicite aguda. Grande difi-
culdade no diagnóstico diferencial destas entidades
pode ocorrer devido a alguns fatores. Primeiramente, a
região íleo-cecal é o local mais comum de manifestação
da DC. Além disso, tanto a DC quanto a apendicite
aguda apresentam maior incidência em adultos jovens,
entre 20 e 40 anos. Os exames de imagem, apesar de
cada vez melhores, podem não determinar qual a real
situação nesta topografia. Portanto, não raro o cirur-
gião se depara, em uma laparotomia exploradora ou Figura 10: enterite regional típica da DC, em paciente submetida
laparoscopia, na suspeita de uma apendicite aguda, a laparotomia exploradora na suspeita de apendicite aguda.
com um quadro sugestivo de DC. O aspecto inflamató- Observa-se a normalidade da ponta do apêndice, com hiperemia
e edema da transição íleo-cecal e íleo terminal, além de
rio destas entidades pode ser semelhante. Uma apendi- abscesso retroperitoneal.

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE CROHN

ser fator de risco para desenvolvimento da DC no futu- dade de vida dos pacientes, geralmente jovens e com vida
ro, em pacientes sem antecedentes desta doença 44. sexual ativa.
Todos estes fatores devem ser levados em conta antes A DC perianal pode se apresentar como primeira
da decisão terapêutica no momento da cirurgia. manifestação da doença, o que realça a importância de
O consenso europeu de doenças inflamatórias intes- um exame proctológico detalhado, pois pode preceder
tinais recomenda que a ressecção não deve ser rotinei- sintomas intestinais e um diagnóstico definitivo por
ramente realizada 3. Nos casos em que a suspeita de DC anos. Pacientes com queixas anorretais podem procurar
por uma enterite segmentar não-complicada ocorre em auxílio médico por sintomas recentes, e a suspeição do
operação por suspeita de apendicite aguda, este con- diagnóstico de DC pode resultar em tratamento preco-
senso recomenda que se suspenda o procedimento, ce e menores chances de complicações da doença.
para melhor elucidação clínica no pós-operatório. Por Quando os antecedentes de DC são conhecidos, o diag-
outro lado, em um estudo com 36 pacientes neste tipo nóstico é mais facilmente realizado. Entretanto, nas
de situação, Weston et al. concluíram que entre os primeiras manifestações, atenção deve ser dispensada a
pacientes sem ressecção, os índices de necessidade de algumas características: multiplicidade de lesões, fissu-
tratamento cirúrgico foram de 92% em curto e médio ras anais de localização lateral, plicomas edemaciados,
prazo, o que mostra a limitação do tratamento conser- ulcerações do canal anal, estenoses e múltiplos trajetos
vador a longo prazo 45. Para se ter uma idéia do grau de fistulosos, com edema de períneo. Com base nestes
diversidade de condutas frente a estas situações, um achados, uma exaustiva investigação dos demais seg-
estudo na Inglaterra através de um questionário para mentos do tubo digestório através de exames de ima-
especialistas em DC revelou achados surpreendentes. No gem e endoscópicos pode resultar em um diagnóstico
caso de uma operação por suposta apendicite aguda definitivo da DC 3.
revelar achados sugestivos de DC, 40% dos cirurgiões Dentre as alterações perianais encontradas na DC, as
não fariam nenhuma ressecção (apenas laparotomia ou fístulas são as mais comuns, e acometem até 43% dos
laparoscopia diagnóstica); 37% realizariam íleo-colec- pacientes 47. Outras alterações, encontradas em menor
tomia segmentar com anastomose primária e 27% rea- proporção, são os plicomas perianais edemaciados, as
lizariam apenas a apendicectomia 46. Pode-se ter uma hemorróidas, ulcerações perianais, abscessos, fissuras
idéia da grande discussão que o tema proporciona por anais, estenoses, e mais raramente fístulas reto-vaginais
achados como os deste estudo. e carcinomas. As incidências destas alterações encon-
Na análise final de todos estes argumentos, salienta- tram-se detalhadas na tabela 4.
se que a decisão de se ressecar o segmento acometido Geralmente, as alterações à inspeção anal e ao toque
ou não deve ser exclusivamente individualizada, de retal parecem ser mais dolorosas do que realmente são.
acordo com a experiência e capacidade de cada cirur- Os plicomas edemaciados e hemorróidas são geralmen-
gião. A macroscopia da região íleo-cecal e grau de aco- te assintomáticos. As fissuras anais, apesar de geral-
metimento inflamatório dos tecidos, bem como a pre- mente múltiplas e mais rasas, igualmente trazem sinto-
sença ou não de complicações associadas, são fatores mas menos intensos, apesar da intensa atividade infla-
determinantes para uma cuidadosa decisão. matória local. Muitas vezes, estas alterações perianais
4.6 DOENÇA PERIANAL respondem bem ao tratamento clínico, com banhos de
Uma das grandes peculiaridades da DC é o acometi- assento e calor local. Raramente apresentam indicação
mento da região anorretoperineal. Esta passa a ter impor- cirúrgica 12. As fístulas perianais e as estenoses são as
tância fundamental no dia a dia dos profissionais que tra- entidades que mais apresentam sintomas, e que redu-
tam doenças inflamatórias intestinais, principalmente dos zem de forma intensa a qualidade de vida dos pacien-
coloproctologistas. A freqüência do acometimento peria- tes, por secreção perianal persistente, dor local e até
nal na DC é extremamente variável na literatura, entre 3 incontinência fecal nos casos mais graves. A figura 11
a 80% dos casos 12. Alguns pacientes podem apresentar ilustra um caso típico de doença de Crohn perianal.
doença exclusivamente nesta lozalização. É mais freqüen- O diagnóstico da DC perianal é principalmente clíni-
te em pacientes com acometimento cólico da doença do co, através do exame proctológico, conforme previa-
que nos portadores de inflamação do intestino delgado, e mente discutido. Entretanto, nos quadros menos evi-
pode atingir até 100% dos pacientes com acometimento dentes, alguns exames complementares são úteis no
retal 47. Sua importância é baseada na redução da quali- auxílio da elucidação do quadro. Salienta-se o papel da

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Artigo Original I Original Article

Tabela 4: alterações comumente encontradas no exame físico de portadores de DC anorretoperineal. Adaptado


de Nivatvongs et al., 2007 12.
Alterações encontradas Porcentagem
Fístulas perianais 9 a 56%
Abscessos isquiorretais 23 a 62%
Ulcerações perianais 1,9 a 5,1%
Fissuras anais 21 a 35%
Fístulas retovaginais 3,5 a 23%

ressonância nuclear magnética da pelve e do ultrassom nos. Um caso de fístulas complexas em portador de
endorretal na identificação de trajetos fistulosos e lojas DC está ilustrado na figura 12.
de abscessos ocultos. Um bom exame sob anestesia O tratamento ideal para as fístulas perianais da DC
igualmente pode trazer informações importantes das seria baseado na completa redução da secreção com
características da inflamação local. Todos estes exames fechamento dos trajetos, e manutenção destas condi-
apresentam acurácia semelhante, e índices maiores de ções por períodos prolongados. Entretanto, apesar dos
sucesso são atingidos na combinação de um exame de avanços no tratamento clínico e nas técnicas cirúrgicas,
imagem associado ao exame clínico sob anestesia 3,11. estes resultados são atingidos em uma minoria de
4.6.1. FÍSTULAS PERIANAIS pacientes. Por este motivo, o objetivo atual do trata-
Conforme previamente discutido nesta seção, as mento desta condição é a redução da secreção purulen-
fístulas e abscessos perianais são os achados mais fre- ta dos trajetos, previnindo-se a formação de abscessos
qüentes nos pacientes portadores de acometimento e evitando-se cirurgias extensas que possam compro-
perianal da DC. Da mesma forma, são as alterações meter a continência fecal 48. Em suma, objetiva-se uma
que pioram significativamente a qualidade de vida melhora da qualidade de vida.
dos pacientes. Por este motivo, são as entidades que Isoladamente, o tratamento médico das fístulas
tem seu tratamento mais intensamente estudado. As perianais apresenta severas limitações. Qualquer foco
fístulas ocorrem por evolução do processo inflamató- séptico (abscesso perianal superficial ou profundo) deve
rio através da parede do anorreto, culminando com ser erradicado antes do tratamento clínico, já no exame
orifícios externos na pele, em diversas localizações. sob anestesia. Os derivados do 5-ASA e os corticóides
Apresentam a tendência a formarem múltiplos traje- são considerados medicamentos não efetivos para o
tos, e não seguem as regras convencionais para defi- manejo da doença perianal 12. O uso de antibióticos
nição de seus orifícios internos em relação aos exter- isoladamente, como o metronidazol (750 a 1500
mg/dia) e a ciprofloxacina (1000 mg/dia), apresentam
índices de parada da secreção em torno de 25 a 30% a
longo prazo 12. Sua grande limitação é a ocorrência de
efeitos colaterais significativos (parestesias, no caso do
metronidazol) e altos índices de recorrência após a
interrupção das medicações. Alguns autores recomen-
dam até a associação das duas drogas 48. Por outro
lado, estes antibióticos apresentam papel importante
como coadjuvantes no tratamento, em conjunto com
outras drogas, como imunossupressores e inibidores do
TNF-alfa.
Figura 11: plicomas
edemaciados, fístulas Entre os imunossupressores, a azatioprina e a 6-mer-
e fissuras perianais. captopurina apresentam índices de redução da secreção
Um aspecto típico e dos trajetos fistulosos maiores que o placebo. A azatio-
altamente sugestivo
de DC perianal. prina, utilizada na dose de 2 mg/kg de peso apresenta

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE CROHN

mostrou que as fístulas perianais são uma das grandes


indicações da terapia biológica. Porém, estas drogas
apresentam uma ação potencializada se utilizadas em
associação com outras drogas e com o tratamento
cirúrgico.
O grande conceito ensinado pela literatura no trata-
mento das fístulas perianais ligadas à DC atualmente é
o da terapia combinada. Todos os pacientes com plano
de tratamento clínico devem ter a região perianal
exaustivamente investigada por exames de imagem e
por exame sob sedação, para se drenar qualquer foco de
sepse perianal antes do início dos medicamentos. Na
oportunidade do exame sob anestesia, os trajetos fistu-
losos podem ser curetados (com retirada do tecido
Figura 12: múltiplos trajetos fistulosos em uma paciente inflamatório de granulação), e reparados com drenos
portadora de DC perianal grave. Há acometimento das nádegas frouxos para se manter o orifício externo aberto. Com
e raiz das coxas por processo inflamatório.
esta estratégia, evita-se o fechamento precoce da pele,
e reduz-se a possibilidade de recidiva do abscesso
taxas de melhora dos sintomas em cerca de 54% dos
naquele local. Estes drenos são denominados sedenhos,
casos, e pode ser associada ou não a antibióticos em
e devem ser confeccionados com material elástico leve,
alguns períodos do tratamento 48,49. Há alguma evidên-
para que não incomode o paciente no pós-operatório,
cia científica que demonstra vantagens com o uso da
uma vez que devem ser deixados na região perianal por
ciclosporina, tacrolimus e do metotrexato na DC peria-
longos períodos, para uma melhor ação do tratamento
nal, porém estas não são drogas de primeira linha no
clínico. Com a terapia combinada, melhores resultados
tratamento 12,48.
no controle dos sintomas e na qualidade de vida dos
Em grandes estudos clínicos controlados e randomi- pacientes são atingidos. Em um trabalho sobre a tera-
zados, a utilização da terapia biológica, com os inibido- pia combinada, Hyder et al. demonstraram que em 21
res do TNF-alfa, mostrou-se eficaz na melhora dos sin- pacientes avaliados com exame sob anestesia antes do
tomas e parada de secreção das fístulas. Evita-se utili- tratamento com infliximabe, 17 tiveram sedenhos colo-
zar o termo “cicatrização” das fístulas, pois estudos cados nos trajetos, mostrando a necessidade de se erra-
com ressonância magnética de pelve demonstraram dicar abscessos, mesmo que ocultos 51.
haver persistência dos trajetos mesmo após a parada Alguns estudos realçam o papel da terapia combinada
dos sintomas, e na interrupção do tratamento, pode-se de cirurgia e anti-TNF. Em um trabalho com 226 pacien-
novamente haver recidiva dos sintomas. O trajeto, por- tes com DC perianal tratados cirurgicamente, com colo-
tanto, não fecha, apenas existe um controle inflamató- cação de sedenhos, o grupo que recebeu associadamen-
rio local causado pelos potentes medicamentos. Em um te infliximabe apresentou índices maiores de parada de
estudo exclusivo de DC da forma fistulizante, houve secreção das fístulas do que o grupo do tratamento
parada da secreção das fístulas em 36% dos responde- cirúrgico isolado. Nas demais técnicas, como retalho de
dores após 54 semanas 42. Entretanto, trata-se de um avanço, fistulotomia ou plug de fibrina, não houve dife-
estudo que mistura fístulas perianais e fístulas abdomi- rença estatística significativa 52. Os autores concluíram
nais na mesma população. Um trabalho em portadores haver papel importante do infliximabe na associação
de fístulas perianais revelou melhora dos sintomas em com sedenhos na DC perianal. Em outro estudo sobre o
46% dos casos após a indução da remissão (5mg/kg nas tema, Topstad et al. demontraram que 67% dos pacien-
semanas 0, 2 e 6) 50. Estudos com o adalimumabe sub- tes com fístulas perianais apresentaram parada completa
cutâneo, utilizado nas dosagens de 160 mg na semana da secreção perianal com associação dos sedenhos, infli-
0 e 80 mg na semana 2, seguidos por 40 mg a cada 2 ximabe e azatioprina. Melhora parcial ocorreu em 19%
semanas, igualmente demonstraram parada da secreção dos pacientes. O tempo médio de seguimento deste estu-
das fístulas em porcentagem significativamente maior do foi de 9 meses 53. A figura 13 ilustra um caso de uma
que placebo, em período de até 2 anos 14,43. Na verdade, paciente com melhora total dos seus sintomas após colo-
a experiência com os anti-TNF-alfa ao longo dos anos cação de sedenhos e utilização do adalimumabe. A

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Artigo Original I Original Article

remissão foi atingida após 4 semanas de tratamento. O Há, em algumas séries de casos, melhora dos sinto-
tempo da retirada dos sedenhos é motivo de controvér- mas perianais da DC após ressecção de áreas inflama-
sia na literatura. Em casos selecionados, após a indução das no cólon ou no delgado. Trata-se de uma forma de
da terapia biológica, na suspeita de remissão atingida, resolução dos sintomas difícil de ser definida, uma vez
pode-se retirar os drenos para se tentar a redução da que as lesões perianais podem apresentar cicatrização
secreção, com o paciente assintomático. Por outro lado, espontânea 11. Da mesma forma, o desvio do trânsito
há pacientes que ficam com os sedenhos por tempo intestinal através de estomas de delgado ou de cólon,
indeterminado. Recomenda-se a individualização desta pode causar melhora dos sintomas. Não se sabe se há
decisão de acordo com cada caso e com a experiência da real benefício na redução da inflamação com esta estra-
equipe que está coordenando o tratamento. tégia ou se há cicatrização espontânea. Embora alguns
Outros métodos de tratamento de fístulas são descri- trabalhos na literatura recomendem este tipo de trata-
tos. Cirurgias como a fistulotomia e a rotação de reta- mento, sabe-se que apenas cerca de 50% dos pacientes
lho de avanço são recomendadas por alguns autores, na com estomas de desvio apresentam possibilidade de
ausência de proctite e no momento da remissão clínica reconstrução de trânsito no futuro. Este fato traz limi-
dos pacientes, com resultados animadores 12. tações óbvias para esta forma de tratamento, que pode
Entretanto, a experiência com DC perianal recomenda ser utilizada em casos selecionados 54.
que se evite grandes feridas e manuseio de tecidos na Apesar de todos os métodos descritos para tratamen-
região, pois os índices de recidiva e de ausência de cica- to das fístulas perianais ligadas à DC, alguns pacientes
trização nesta situação são consideráveis. Outros méto- podem apresentar resistência significativa ao tratamento
dos como a cola de fibrina e plugues de colágeno suíno combinado, mesmo com drogas agressivas como os anti-
podem ser utilizados nas fístulas perianais ligadas a DC, TNF-alfa. Alguns casos onde há destruição perineal sig-
com relativo sucesso 48. Entretanto, há escassez de estu- nificativa, com múltiplas lojas de abscessos, destruição
dos randomizados com estes métodos em pacientes esfincteriana e incontinência fecal, podem ser tratados
Figura 13: terapia com fístulas e DC. A oxigenoterapia hiperbárica pode com proctectomia. A amputação do reto acometido, ape-
combinada no igualmente ser recomendada com relativo sucesso, ape-
tratamento da DC sar de radical e irreversível, pode ser a última solução para
perianal (adalimumabe sar dos altos custos e baixa disponibilidade do trata- alguns pacientes, com reduzida qualidade de vida pela
subcutâneo associado mento em nosso meio 12,48. Há, da mesma forma, relatos DC perianal. Com o passar dos anos, esta alternativa vem
à colocação de
sedenho no trajeto
de melhora da secreção com uso de corticóides e infli- sendo cada vez menos utilizada, principalmente pelo
fistuloso). Resultado ximabe dentro dos trajetos fistulosos, através da injeção crescente sucesso com o uso da terapia combinada 47.
após 6 semanas, com local sob anestesia 48.
a paciente 4.6.2. OUTRAS SITUAÇÕES NA REGIÃO PERIANAL
assintomática.
Alguns pacientes podem apresentar sinais de infla-
mação de repetição por cronicidade do acometimento
anorretoperineal da DC. Dentre estes, salienta-se as fís-
tulas reto-vaginais, estenoses e neoplasias.
As fístulas reto-vaginais são entidades de difícil tra-
tamento na DC. A colocação de sedenhos muitas vezes
é impossível de ser realizada, e estas fístulas apresentam
índices pobres de resposta com a terapia biológica.
Muitos autores recomendam o tratamento cirúrgico,
com rotação de retalhos de avanço, em pacientes com
remissão clínica da doença 12. Entretanto, na experiên-
cia da maioria, o tratamento destas desafiadoras situa-
ções deve ser o mais conservador possível, devido aos
altos índices de recidiva do tratamento operatório.
Trata-se de um dos grandes desafios em portadores de
DC atualmente. Nestas situações, o bom senso deve
prevalecer para que operações agressivas não piorem as
condições locais e reduzam ainda mais a qualidade de
vida dos pacientes.

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE CROHN

Estenoses do reto médio e distal podem ocorrer em se que quando o tratamento cirúrgico da doença de
pacientes com acometimento anorretoperineal de longa Crohn é oferecido antes que complicações infecciosas
data. São situações resultantes de fibrose cicatricial, graves ocorram, a morbidade específica associada à
causada por inflamações de repetição. O tratamento das cirurgia é menor 55.
estenoses é baseado em laxativos leves orais (para faci- A maioria dos pacientes submetidos a tratamento
litação da evacuação) e dilatação com velas de Hegar cirúrgico por doença de Crohn de localização jejunoileal
nos casos com sintomas mais importantes. Pacientes ou ileocecal é operada por apresentar complicações da
com quadros severos acabam apresentando indicação doença na forma principalmente de obstrução intestinal
de proctectomia. recorrente por conta de estenose(s) ou secundariamente
Por fim, há relatos de ocorrência de carcinomas no a perfurações (que levam aos achados intraoperatórios de
interior dos trajetos fistulosos na DC. Atenção deve ser fístula, abscesso e mais raramente peritonite difusa).
dada a casos onde há dificuldade no tratamento, e Diarréia incapacitante, sangramento, retardo do cresci-
mesmo com medicamentos agressivos, há progressão mento, manifestações extraintestinais e suspeita de cân-
dos sintomas. Um exame sob anestesia deve ser repeti- cer são outras indicações de ressecção intestinal.
do, e biopsias realizadas, para se afastar malignidade Nos casos de obstrução intestinal, a cirurgia está
nos tecidos acometidos pela doença 12. mais frequentemente indicada nos casos de obstrução
recorrente ou quando associada a fístulas ou massa pal-
5. RESSECÇÕES INTESTINAIS pável, e também quando existe associação com quadro
5.1 NA LOCALIZAÇÃO JEJUNOILEAL E ILEOCECAL infeccioso. O tratamento cirúrgico envolve a ressecção
com anastomose primária do segmento que abriga a
Quando Crohn, Ginzburg e Oppenheimer descreve-
estenose. Quando existe o abscesso ou a fístula inter-
ram o que convencionaram chamar de enterite regional,
na, a extensão do processo inflamatório pode levar o
entenderam que a cura da doença poderia ser atingida
cirurgião menos experiente a ressecar um segmento
pela completa ressecção cirúrgica com margens de intestinal maior do que o necessário. Na presença de
segurança 4. No entanto, a alta morbidade levando a múltiplas estenoses ou quando existe cirurgia de ressec-
mortalidade associados à recidiva levaram posterior- ção prévia, a realização isolada de enteroplastias asso-
mente à eleição do bypass como a melhora forma de ciadas a ressecção deve ser considerada, conforme pre-
tratamento cirúrgico. Uma vez que este procedimento viamente discutido neste capítulo.
acabou por resultar em casos de mucocele, persistência
A maioria das fístulas que é encontrada em pacien-
da atividade inflamatória com subsequente fistulização
tes com enterite de Crohn é insuspeitada embora pos-
e também em risco de câncer, ocorreu a revitalização
sam representar a indicação primária de tratamento
das operações de ressecção intestinal.
cirúrgico em até 6,3% dos casos 56. O tipo mais comum
A despeito de se haver consenso entre a maioria dos de fístula é a êntero-entérica, cujo tratamento é feito
cirurgiões especialistas sobre a necessidade de se resse- por ressecção com anastomose primária mais frequen-
car o intestino delgado com economia e sem necessi- temente mecânica látero-lateral na maioria dos casos.
dade de margens de segurança macroscópicas maiores Para os casos de desnutrição acentuada ou sepse, a
do que 2 cm, o momento da indicação cirúrgica perma- construção de um estoma pode ser considerada. Para
nece sobre debate. A cirurgia não traz cura e está asso- os casos de fístula ileossigmoideana, a ressecção do
ciada ao risco de complicações infecciosas imediatas e , segmento acometido pela enterite (mais frequente-
tardiamente, a risco de recidiva e síndrome do intestino mente o íleo terminal) pode ser associada a simples
curto. Como resultado, muitos especialistas e aqui se sutura do sigmóide que foi mais frequentemente aco-
inclui entre a sua maioria os clínicos envolvidos no metido secundariamente. Porém não há consenso em
manejo da doença de Crohn, acabam por indicar trata- relação ao manejo do sigmóide e alguns autores
mento cirúrgico somente nos casos de complicação da defendem a ressecção limitada do sigmóide por julgar
doença ou toxicidade do tratamento clínico. Por outro de risco a sutura primária do cólon 11,12. Young-Fadok
lado, é possível observar que uma parcela dos pacientes et al. (1997) avaliaram retrospectivamente os resulta-
que são submetidos a tratamento cirúrgico conforme as dos de 90 pacientes com fístula ileossigmoideana 57. O
indicações acima se encontram em piores condições clí- reparo do sigmóide foi realizado em 47,8% dos casos
nicas no momento da operação e têm reserva limitada e a ressecção do sigmóide em 13,3%. A morbidade
para enfrentar complicações. Como resultado, observa- entre os dois grupos não pôde ser diferenciada e a

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Artigo Original I Original Article

duração da internação foi pouco maior após ressecção Com relação às operações de ressecção ileocólica
(9,9 vs. 8,3 dias). As indicações que levaram o cirur- empregadas no manejo da doença de Crohn na locali-
gião a preferir ressecar o sigmóide foram: quantidades zação ileocecal, cabe analisar se o tipo de anastomose
significativas de pus ou inflamação, orifício fistuloso influi na ocorrência de recidiva da doença. A evidência
grande e doença de Crohn ativa no sigmóide. A colo- proveniente dos estudos retropectivos é contraditória.
noscopia e a biópsia de congelação do sigmóide aju- Alguns autores observaram uma maior associação entre
daram os cirurgiões desse estudo a discernir entre coli- a anastomose término-terminal e a ocorrência de reci-
te de Crohn e acometimento secundário a partir da diva da doença 62-64 enquanto outros não conseguiram
ileíte 57. Saint-Marc et al. (1995) entendem ser a colo- demonstrar o benefício de maior intervalo de tempo
noscopia pré-operatória a melhor forma de avaliar a entre o tratamento cirúrgico e a recidiva associado à
atividade da doença no cólon sigmóide em pacientes realização da anastomose látero-lateral após ressecção
a serem operados de doença de Crohn ileocecal com ileocecal 65-66. Em 2009, McLeod et al. 67 conduziram
suspeita de fístula ileossigmoideana 58. ensaio clínico randomizado incluindo 139 pacientes
submetidos a ressecção ileocecal com anastomose ileo-
Nos casos de jejunoileíte, uma vez que a decisão de
cólica término-terminal ou látero-lateral. Após segui-
tratamento cirúrgico tenha sido feita, é importante se
mento médio de 11,9 meses, os pacientes foram sub-
determinar a extensão da ressecção, pois pode haver
metidos a colonoscopia. O desfecho primário foi a reci-
extensão significativa do acometimento do delgado.
diva endoscópica e o secundário, a recidiva sintomáti-
Ressecções extensas não reduzem o risco de recidiva de
ca. Não houve diferença na recidiva endoscópica entre
forma que apenas os segmentos macroscopicamente
os pacientes submetidos a anastomose término-termi-
acometidos devem ser ressecados. As considerações a
nal (42,5%) e os submetidos à anastomose lateral
serem feitas sobre as enterectomias dizem respeito à
(37,9%; p=0,55) nem para o desfecho de recidiva sin-
extensão da ressecção e o tipo de anastomose. A mar-
tomática (13,2 vs. 15,3%; p=0,92). Este estudo contri-
gem de ressecção deve ser analisada cuidadosamente e buiu para identificar a cirurgia prévia e a não-adesão a
se ela incluir uma área de ulceração, deve ser ampliada. profilaxia pós-operatória como fatores associados a
O papel da biópsia de congelação para a definição da maior risco de recidiva na DC. Em análise mais detalha-
margem de ressecção no intestino delgado foi estuda- da, no entanto, a conclusão dos autores que é inclusi-
do por Hamilton et al. 59. Após seguimento de 10 anos, ve alçada ao título do manuscrito, de que o tipo de
não houve diferença na ocorrência de recidiva após as anastomose não influencia a ocorrência de recidiva,
ressecções intestinais quando a margem de segurança deve ser interpretada com cautela uma vez que o segui-
foi definida pela biópsia de congelação em comparação mento (12 meses) foi muito curto.
à inspeção intraoperatória. Com relação ao tamanho da
Enquanto permanecem indefinidos os resultados
margem de segurança a ser estabelecida no intraopera-
sobre se o tipo de anastomose após ressecção ileocecal
tório, sobre se reduzida (2 cm) ou alargada (12 cm), não
houve correlação entre a extensão da margem e a ocor-
rência de recidiva conforme ensaio randomizado con-
duzido por Fazio et al. 60. A realização da anastomose
no intestino delgado pode ser manual ou mecânica e
várias opções foram descritas (término-terminal, látero-
terminal e látero-lateral iso ou anisoperistáltica). Os
autores deste capítulo optam pela anastomose mecâni-
ca látero-lateral isoperistáltica em função da menor
contaminação e maior extensão da anastomose poten-
cialmente associada a menor taxa de recidiva necessi-
tando de reoperação, ainda que este benefício não
tenha sido demonstrado 61. Entende-se que a anastomo-
se intestinal término-terminal resulta em um menor
lúmen o que pode impactar a ocorrência de recidiva
sintomática. A figura 14 demonstra uma anastomose Figura 14: anastomose ileocólica mecânica látero-lateral após
ileocolectomia por DC. No detalhe, espécime cirúrgico aberto
látero-lateral mecânica. com estenose da válvula ileocecal.

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE CROHN

influencia a ocorrência de recidiva, o cirurgião pode para os pacientes com colite de Crohn se prendia ao
basear a preferência pela sutura mecânica com bases na fato de que havia pouco benefício funcional na preser-
metanálise conduzida por Choy et al. 68. Após obter os vação de segmentos cólicos e a ocorrência de recidiva
dados individuais de cada paciente com os autores dos era alta. Recentemente, esse entendimento foi revisita-
estudos incluídos, pode-se verificar os resultados relati- do por alguns autores que entendem que uma opera-
vos a 955 pacientes submetidos a ressecção ileocecal ção mais econômica retardaria o intervalo de tempo até
(câncer ou doença de Crohn). Trezentos e cinquenta e a colostomia definitiva. A análise comparativa de nos-
sete foram submetidos a anastomose mecânica e 598 sos resultados corrobora essa nova impressão. Na expe-
foram submetidos a anastomose manual. A anastomo- riência do Serviço de Cirurgia de Cólon e Reto do
se mecânica esteve significativamente (p=0,02) associa- Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
da a menor risco de deiscência do que a anastomose Universidade de São Paulo, 50% dos pacientes subme-
manual tendo-se revelado, portanto, mais segura. tidos a colectomia total evoluíram para colostomia
5.2 NA COLITE DE CROHN definitiva após 10 anos 70. Prabhakar et al. estudaram 49
pacientes com colite de Crohn submetidos a colectomia
O envolvimento isolado do cólon pela DC pode ocor-
segmentar e verificaram que após segmento médio de
rer em até 30% dos casos. Analogamente ao que ocor-
14 anos, 45% da casuística não necessitou de operação
re para a enterite, a preservação do comprimento e da
adicional e 86% dos pacientes submetidos a ressecção
função é desejável. A determinação da extensão da res-
segmentar estavam livres de estoma 71. Resultado simi-
secção depende da multifocalidade, ocorrência de aco-
lar foi observado por Martel et al. 72. Na experiência
metimento ileocecal e da presença de acometimento
deste autor, relativa a 84 pacientes com colite de Crohn
anorretoperineal. A ressecção segmentar do cólon pode
submetidos à ressecção segmentar do cólon, 75% dos
ser realizada embora sua indicação na nossa experiên-
pacientes encontravam-se sem estoma ao final de um
cia seja um pouco mais rara como resultado da maior período médio de seguimento de nove anos. Estes
associação com retite e doença perianal. Nos pacientes resultados, ainda que não provenientes de um ensaio
com pancolite e indicação de tratamento cirúrgico a comparativo, indicam que realizar colectomias segmen-
operação de colectomia total com anastomose ileorre- tares sempre que possível em pacientes com colite de
tal é mais frequentemente realizada se o reto tem Crohn pode aumentar o intervalo de tempo entre a
nenhuma ou pouca atividade e não há doença perianal. indicação de tratamento cirúrgico e o estoma definiti-
Para os casos de pancolite associada a retite grave e vo. O mesmo não se pode afirmar, no entanto, do inter-
doença perianal, a operação de proctocolectomia total valo de tempo até a recidiva. Tekkis et al. realizaram
com proctectomia interesfincteriana deve ser emprega- metanálise a partir de revisão sistemática de estudos
da. A indicação de proctectomia resulta da associação publicados entre 1998 e 2002 englobando 488 pacien-
frequente entre sepse perianal recorrente e má-função tes e identificaram associação entre a realização de
esfincteriana. A operação de proctocolectomia com colectomia total com anastomose ileorretal e maior
anastomose ileoanal com reservatório ileal cabe para os intervalo de tempo até a recidiva da doença (4,4 anos
casos de pancolite sem doença perianal. mais longo) quando comparado aos pacientes submeti-
A obstrução intestinal recorrente como apresentação dos a ressecção segmentar 73. A mensagem que estes
de colite de Crohn complicada por estenose é uma indi- estudos nos trazem é que para os pacientes com colite
cação de tratamento cirúrgico relativamente comum envolvendo mais de um segmento ou difusa, certamente
como resultado da natureza transmural do processo não há benefício em oferecer ressecções segmentares.
inflamatório crônico 69. A ocorrência de estenose do O diagnóstico da DC representa de uma forma geral
cólon em pacientes com DC deve levar à suspeita de uma contraindicação à anastomose ileoanal com reserva-
neoplasia. Como resultado, a avaliação endoscópica tório ileal após a realização de retocolectomia total e
com biópsias é mandatória. Se a presença de câncer for constitui o que se entende por “rara exceção”. As duas
confirmada, impõe-se a colectomia oncológica. Caso situações em que isto ocorre mais comumente é quando
não haja suspeita ou confirmação de malignidade, a após o diagnóstico preoperatório de DC, o exame anato-
dilatação endoscópica pode ser tentada para os raros mopatológico indica que se trata de retocolite ulcerativa,
casos de estenose anelar. ou para os casos de colite indeterminada sem evidência
O racional de se oferecer colectomia total em oposi- ou passado de atividade perianal, a operação de bolsa
ção à ressecção segmentar com anastomose ileorretal ileal é oferecida com obtenção de dedicado consenti-

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mento informado sobre a hipótese de maus resultados Após ressecções de segmentos intestinais e confec-
funcionais e complicações infecciosas. Da experiência da ções de estomas de íleo ou de cólon, pode haver recor-
Cleveland Clinic e da Lahey Clinic com as operações de rência da DC na pele adjacente. Trata-se de uma com-
bolsa ileal, conhecem-se três desfechos adversos que plicação significativa dos estomas, por trazer dificulda-
parecem mais comumente associados à bolsa ileal em des no manuseio de placas e equipamentos de estoma-
pacientes com DC e que, em associação, contribuem para terapia, além de outros sintomas, como secreção peries-
uma maior taxa de insucesso desta operação: i. maior tomal persistente e dor local. Abscessos paraestomais
freqüência de bolsite; ii. maior ocorrência de complica- podem ocorrer da mesma forma, e devem ser drenados.
ções infecciosas perianais, e iii. piores resultados funcio- A figura 15 demonstra um paciente com ileostomia ter-
nais 74,75. Reese et al. realizaram uma revisão de 10 estu- minal a Brooke, completamente destruída por inflama-
dos envolvendo 225 pacientes com DC submetidos a ção, com múltiplas fístulas para a pele, alguns anos
retocolectomia total com reservatório ileal e observaram após colectomia total por pancolite de Crohn.
que os pacientes com colite de Crohn evoluíram mais fre-
quentemente com complicações da anastomose, urgên-
cia e má-função do que os pacientes com diagnóstico
preoperatório de retocolite ulcerativa ou colite indetermi-
nada 76. Até 2000, no Serviço de Cirurgia de Cólon e Reto
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
USP, seis pacientes com doença de Crohn haviam sido
submetidos a operação de bolsa ileal 70. Destes, dois evo-
luíram com perda do reservatório por má-função e com-
plicação infecciosa. O grupo de Panis et al. demonstrou
que os resultados imediatos e a longo prazo para pacien-
tes selecionados e altamente motivados com colite de
Crohn sem evidência ou história de manifestação peria-
nal ou enterite são similares aos observados para pacien-
tes com retocolite ulcerativa submetidos à mesma opera- Figura 15: múltiplas fístulas peri-ileostômicas em portador da DC.
ção 77,78. Associadamente, espera-se uma melhora nos
resultados funcionais de pacientes com DC submetidos a 7. VIDEOCIRURGIA
operação de bolsa ileal com o uso de terapia biológica.
7.1 INTRODUÇÃO
6. PAPEL DOS ESTOMAS As doenças inflamatórias intestinais (DII), a saber a
As razões mais comuns para o uso de estomas na DC e a retocolite ulcerativa, têm se demonstrado parti-
doença de Crohn são a ocorrência de complicações tais cularmente desafiadoras para o videocirurgião devido as
como a perfuração bloqueada ou em peritônio livre, a demandas técnicas exigidas por sua complicada nature-
deiscência de anastomose e a sepse anorretoperineal za inflamatória 81.
persistente ou recorrente. Há alguma evidência de que Na última década, intensa investigação e subseqüen-
a confecção de estoma na doença de localização anor- te refinamentos em técnica e tecnologia tem levado a
retal leva a remissão da atividade da doença 79. No consideráveis avanços e a uma definição clara do papel
entanto também parece ser verdade que uma vez indi- do procedimento laparoscópico na DC; entretanto, a
cado e confeccionado o estoma, ainda que em caráter laparoscopia na retocolite ulcerativa tem se provado
temporário, há um risco considerável de que este se menos promissora.
torne definitivo, sobretudo como resultado da dificul- Pacientes com DII são freqüentemente jovens (15-35
dade de avaliação da atividade da doença nos segmen- anos) e conscientes de sua imagem corporal. Eles são
tos desfuncionalizados 54,80. Com relação aos pacientes geralmente resistentes ao tratamento cirúrgico porque
com DC anorretoperineal, estima-se que a proctectomia antecipam o desconforto e a modificação na imagem cor-
seja necessária em até 25% deles 12. Fatores de risco poral, a necessidade de múltiplas cirurgias, o tempo per-
associados à indicação de proctectomia são os diagnós- dido de trabalho e de atividades escolares, e o medo de
ticos de fístulas e estenoses do reto. comprometimento da função intestinal e ainda possível

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE CROHN

estoma 82. A via de acesso por videolaparoscopia represen- mento cirúrgico pela via laparotômica. As principais
ta uma alternativa atraente para essa população. indicações para cirurgia laparoscópica na DC incluem:
Para pacientes com DC, a técnica laparoscópica é pos- 1. doença ileocólica recorrente e primária,
sivelmente superior à técnica aberta para casos selecio- 2. estenoses isoladas do intestino delgado e grosso,
nados de doença ileal terminal, embora alguns cirurgiões
3. sepse anorretal,
mais experientes estejam usando o procedimento lapa-
roscópico para operar casos complicados com obstrução 4. obstrução por estenose ou aderência,
ou doença fistulizante, conforme descrito previamente 5. inflamação pancolônica,
neste capítulo. Em média, 70% dos pacientes com DC 6. dor recorrente ou persistente, e
irão necessitar de pelo menos uma operação para sua 7. necessidade de restabelecimento da continuidade
doença 83, enquanto 45% dos pacientes irão necessitar de intestinal (como após operação de Hartmann).
cirurgias repetidas ao longo de suas vidas 84.
7.3 CONTRA-INDICAÇÕES
Na DC, o número de pacientes submetidos a trata-
mento cirúrgico avança anualmente de forma significa- Contra-indicações relativas à laparoscopia incluem
tiva nos Estados Unidos 85. No entanto, cirurgiões que doença aguda grave, aderências múltiplas ou densas,
planejam manejar laparoscopicamente pacientes com impossibilidade de identificar anatomia normal, perfu-
necessidade de cirurgia para DC intestinal podem se ração não-bloqueada e peritonite difusa, grande abs-
deparar com alguns desafios. O estado nutricional, o cesso ou flegmão e fistulas complexas múltiplas.
imunocomprometimento e cirurgias abdominais prévias Entretanto, as indicações para cirurgia laparoscópica
podem ser alguns destes. Na via laparoscópica, isso não estão evoluindo com a perícia cirúrgica e melhora dos
é diferente. Além disso, o cirurgião precisa estar prepara- equipamentos 86-89.
do para se defrontar com achados cirúrgicos inesperados 7.4 TÉCNICA OPERATÓRIA
como espessamento mesenterial, friabilidade maior ten- Inflamação transmural, a marca característica da
dência a sangramento resultantes da inflamação crônica, doença de Crohn, resulta em fragilidade e friabilidade
estenoses, abscessos e fistulas êntero-enterais, enterocu- mesentérica, massas e adesões inflamatórias, fístulas e
tâneas e enterovesicais. Estes achados ocorrem separada- abscessos. Fístulas entéricas e massas inflamatórias
mente porém não raramente ocorrem em conjunto, o associadas distorcem a anatomia normal e aumentam o
que dificulta o trabalho do videocirurgião. A combinação risco de lesão de estruturas vitais fazendo da cirurgia
de um alto índice de suspeita com a adequada investiga- um desafio mesmo para experientes cirurgiões. A com-
ção por imagem no pré-operatório pode ajudar o video- plexidade da cirurgia para as DII está algo aumentada
cirurgião a prever essas ocorrências e planejar adequada- na laparoscopia. Além disso, não é sempre possível reti-
mente a internação hospitalar e a cirurgia. rar uma enorme massa inflamatória mesentérica por
7.2 INDICAÇÕES DA VIDEOCIRURGIA NA DC uma incisão “cosmética”.
A opção de oferecer cirurgia minimamente invasiva Taxas de conversão dependem principalmente da
aos pacientes com DC, como veremos adiante é válida, experiência do cirurgião. Contudo, fatores relacionados
tem resultados conhecidos, beneficia os pacientes e ao paciente (obesidade, estado cardiopulmonar e lapa-
sempre que possível deve ser utilizada. A videolaparos- rotomias prévias) e a doença (flegmão, fístulas ou abs-
copia é uma via de acesso cirúrgica minimamente inva- cessos e a localização da doença) podem ajudar a defi-
siva, assim como a videocirurgia com assistência nir a necessidade de conversões 92. As taxas de conver-
manual (HALS, do inglês hand-assisted laparoscopic são variam de 2% a 77% 93.
surgery) ou as mais recentes: videocirurgia por portal Com relação ao preparo mecânico intestinal, a sua
único (single-port laparoscopic surgery) ou por incisão realização no pré-operatório depende do tipo de opera-
única (single incision laparoscopic surgery). ção a se realizada. Nas operações sobre o intestino del-
Uma vez que importa menos qual via de acesso gado e nas operações de ressecção ileocecal (colectomia
minimamente invasiva será empregada, desde que a direita), ele não é realizado. Para as operações de colec-
operação realizada seja idêntica à realizada por laparo- tomia total, retocolectomia total ou nas operações de
tomia, é verdade concluir que as indicações de trata- colectomia segmentar ou ainda, nas operações onde o
mento cirúrgico pela via de acesso por vídeo em diagnóstico de fístula colovesical está fechado no pré-
pacientes com DC não diferem das indicações de trata- operatório, realiza-se o preparo intestinal mecânico

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com dois litros de macrogol oferecidos por via oral exclusivamente com o emprego de um selante de vasos
cerca de seis horas antes da cirurgia e não-precedido como o bisturi harmônico ou o bipolar na maioria dos
por nenhum tipo de dieta. A antibioticoterapia de casos, como é nossa preferência. Porém, para os casos
amplo espectro é sempre empregada, se inicia na indu- em que este vaso encontra-se calibroso, os clipes devem
ção anestésica e tem a duração da internação hospita- ser empregados. Não há necessidade de controle vascu-
lar. A profilaxia antitrombótica é realizada rotineira- lar de nenhum outro vaso para a realização da ressec-
mente em todos os pacientes com DC. Inclui o uso de ção ileocecal. A isto se segue a completa mobilização
meia elástica e de compressão intermitente nos mem- do íleo terminal e do cólon direito junto a flexura hepá-
bros inferiores e de heparina de baixo peso molecular tica e secção da inserção retroperitoneal do mesentério
com a primeira dose realizada oito horas após o térmi- até a terceira porção (horizontal) do duodeno. Quando
no da cirurgia. a mobilização é obtida, o intestino é exteriorizado atra-
A técnica anestésica está sempre a cargo do aneste- vés de uma incisão na linha média ao nível da cicatriz
siologista e favorece-se o emprego da anestesia geral umbilical medindo cerca de 4 cm (figura 16) que pode
sem bloqueio em nossa prática. A drenagem gástrica e ser estendida para exteriorizar grandes massas no íleo
vesical é sempre realizada e retirada ao final da cirurgia. terminal. Através da incisão, pratica-se a secção do íleo
terminal e do ascendente e a construção de anastomo-
À exceção dos pacientes com cirurgia abdominal
se colorretal mecânica látero-lateral isoperistáltica pelo
prévia, o pneumoperitônio é realizado pela técnica às
disparo de um grampeador de 75, 80 ou 100 mm.
cegas com emprego da agulha de Verress descartável.
Depois que a anastomose íleocólica é realizada, proce-
Para os pacientes com cirurgia abdominal prévia com de-se ao fechamento da incisão abdominal e re-lapa-
incisões abaixo da cicatriz umbilical, empregamos a roscopia com o objetivo de se proceder ao fechamento
punção às cegas no hipocôndrio esquerdo. da brecha mesenterial. Em casos selecionados como nas
Em todas as operações colorretais por vídeo, favore- pacientes jovens do sexo feminino ou nos doentes
ce-se o posicionamento do paciente em decúbito dor- muito obesos, pode-se realizar a anastomose intracor-
sal com as pernas apoiadas em perneiras (posição de pórea empregando técnica de endogrampeamento e
semilitotomia). Os dois membros superiores são prefe- endossutura. Este expediente favorece a colocação da
rencialmente posicionados ao longo do tronco. incisão de retirada da peça em um local cosmeticamen-
Em todas as ressecções intestinais empregam-se te superior além de facilitar a retirada da peça que pode
cinco trocartes. A dissecção laparoscópica de nossa pre- ser difícil no paciente muito obeso; no entanto, repre-
ferência é a da via mediolateral ou mesolateral, se ini- senta opção de realização mais complexa e demorada
ciando pela identificação e controle vascular seguida da uma vez que pressupõe o domínio da endossutura pelo
mobilização do mesocólon e reflexões peritoneais. videocirurgião, além de mais onerosa.
7.5 ASPECTOS TÉCNICOS DA RESSECÇÃO A desvascularização dos segmentos de intestino del-
ILEOCECAL COM OU SEM ENTERECTOMIA gado ou grosso no tratamento videocirúrgico da DC
A operação envolve uma inicial averiguação dos merece atenção especial. Nas situações de espessamen-
intestinos delgado e grosso para identificar as áreas
acometidas. Se o inventário da cavidade realizado no
início da operação identificar acometimento ileal, o(s)
segmento(s) de jejuno ou íleo acometido(s) é(são) assi-
nalado(s) pela aplicação de um ponto seromuscular que
permitirá sua identificação e tratamento por entero-
plastia ou ressecção no tempo aberto da cirurgia. Uma
vez que não há benefício associado ao expediente de se
realizar linfadenectomia a artéria ileocólica pode ser
tomada de forma confortável no meio da “tenda” que
se forma como resultado de sua tração pelo cirurgião
assistente. A segunda porção do duodeno, que é retro-
peritoneal é o guia para a realização da colectomia
Figura 16: aspecto final de ileocolectomia laparoscópica com
direita durante toda a cirurgia. A artéria pode ser sepa- anastomose extra-corpórea. Incisão transumbilical para retirada
rada da veia por dissecção e ambas podem ser seladas da peça e confecção da anastomose.

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE CROHN

to mesenterial e ingurgitamento linfonodal, o risco de gado, ileocolectomia, enteroplastia e colectomia total


sangramento está aumentado. O uso de fontes diferen- ou segmentar com ou sem anastomose). Diversas revi-
ciadas de energia para a realização da dissecção por ele- sões recentes têm descrito estas técnicas 96. Embora
trocauterização bipolar ou ultrassom estão recomenda- um sem-número de publicações tenha descrito que as
dos com o objetivo de se facilitar este tempo cirúrgico ressecções íleocólicas vídeoassistidas sejam factíveis e
e devem dessa forma fazer parte do instrumental soli- seguras no tratamento da DC, a maioria destas expe-
citado para levar a cabo essa operações. riências não têm grupo controle ou são ensaios não-
7.6 ASPECTOS TÉCNICOS DA COLECTOMIA randomizados 88,89,96-102.
TOTAL, DA RETOCOLECTOMIA TOTAL E DA A laparoscopia diagnóstica e a derivação fecal para
OPERAÇÃO DE BOLSA ILEAL doença de localização perineal são bons procedimentos
No que se refere à técnica para a realização das ope- iniciais que requerem equipamento mínimo e podem
rações de colectomia total e retocolectomia total assisti- ser realizados por cirurgiões com experiência limitada
das por videolaparoscopia, alguns aspectos técnicos com a cirurgia laparoscópica 102,103. A laparoscopia diag-
merecem lembrança 95. Assim como nas outras operações nostica é útil quando o diagnóstico permanece incerto
colorretais por vídeo, realiza-se a dissecção no sentido apesar de avaliação pré-operatória radiológica e endos-
meso-lateral. Procede-se inicialmente à desvasculariza- cópica extensa.
ção do cólon direito e do transverso. Em seguida, segue- A derivação fecal laparoscópica é usada para pacien-
se à mobilização do cólon direito e do transverso. tes com sepse perineal grave e fístulas complexas.
Posteriormente, procede-se à ligadura vascular da veia Hollyoak et al. 102 compararam criação de estoma lapa-
mesentérica inferior e da artéria mesentérica inferior roscópico (n=40) ao procedimento aberto (n=15). O
seguidas da mobilização do ângulo esplênico e do cólon intervalo de tempo até o retorno da função intestinal
esquerdo. Em todos os momentos de ligadura vascular, foi significantemente menor (1,6 versus 2,2 dias, p <
esta é feita longe da origem vascular pois se trata de res- 0,0007) no grupo operado por vídeo. A duração da
secção colônica por doença benigna. A dissecção do reto internação hospitalar e o tempo operatório também
por videolaparoscopia para a proctectomia que precede a diminuíram (7,4 versus 12,6 dias, p < 0,0189; e 54,3
construção de ileostomia terminal definitiva ou as raras versus 72,7 min, p < 0,0366, respectivamente). Houve
situações de reservatório ileal obedece ao princípio de uma taxa de conversão de 5%. Iroatulum et al. 103
preservação autonômica mas não ao de excisão total do também compararam a criação de estoma laparoscópi-
mesorreto 94,95. Dessa forma, a dissecção da porção “hori- co (n = 41; nove pacientes com DC) ao procedimento
zontal” do reto é feita mais próxima da muscular própria aberto (n = 11; dois com DC) e confirmaram os resulta-
do reto e longe do arcabouço pélvico. A dissecção peri- dos existentes. Gurland e Wexner 85 concluíram que a
neal é a da proctectomia inter-esfincteriana quando se criação de um estoma laparoscópico não apresenta
realiza a amputação do reto. curva de aprendizado assim como um passo para a rea-
lização de outra operação laparoscópica do cólon.
7.7 RESULTADOS
A ressecção ileocecal ou ileocólica é o procedimento
Técnicas laparoscópicas têm sido aplicadas a pacien- laparoscópico mais comumente descrito. Milsom et al.
tes com doença de Crohn desde o início dos anos 90. 100 (1993) relataram a primeira série de nove pacientes
Contudo, assim como outras indicações para cirurgia com ileíte terminal que foram submetidos a ressecção
colorretal por vídeo, esse acesso não tem sido universal- íleocólica vídeo-assistida com anastomose extracorpó-
mente aceito. Aderências e flegmão podem representar rea. Não houve complicações, foram necessárias três
desafios técnicos significantes para o cirurgião. Como conversões e o tempo médio cirúrgico foi de 170 min.
resultado, dificuldades técnicas podem aumentar o Lui et al. 101 (1995) relataram três casos de ressecção
tempo operatório e o risco de conversões, limitando íleocólica laparoscópica bem sucedidas. Reissman et
assim o uso da cirurgia laparoscópica. Entretanto, mesmo al.97 (1996) relataram a primeira grande série de pacien-
assim a cirurgia laparoscópica é uma alternativa apro- tes com doença inflamatória intestinal operados por
priada para um número substancial de pacientes. videolaparoscopia (49 pacientes com doença de Crohn
Complicações da DC podem ser tratadas por uma e 23 com retocolite ulcerativa). A ressecção ileocólica
série de procedimentos laparoscópicos que variam em laparoscópica foi realizada em 30 pacientes com taxa
complexidade (laparoscopia diagnóstica, lise de brida, de morbidade de 10%. O tempo operatório médio foi de
derivação fecal, ressecção segmentar do intestino del- 150 min e o tempo médio de internação hospitalar foi

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Artigo Original I Original Article

de 5,2 dias. Quando eles comparam a ressecção íleocó- Milson et al. 109 publicaram em 2001 um pequeno
lica laparoscópica à colectomia total laparoscópica, foi estudo randomizado comparando a ressecção ileocecal
possível observar tempo operatório médio e de interna- videolaparoscópica à realizada por via convencional em
ção significantemente maiores, além de uma maior 60 pacientes. Uma notável seleção de casos foi obser-
morbidade (p < 0,05) após colectomia abdominal total. vada desde antes da entrada no estudo. Os pacientes
Este fato é refletido na morbidade global de 18% e taxa foram previamente submetidos a laparoscopia diagnós-
de conversão de 14% após este procedimento. tica para determinar se a ressecção laparoscópica era
Wu et al. 88 (1997) demonstraram em 1997 que abs- possível antes da randomização dos grupos. Desfechos
cesso, flegmão e recidivas não são contra-indicações de curto prazo foram mensurados como função pulmo-
para a cirurgia laparoscópica. Chen et al. 105 (1998) nar, retorno da função intestinal, uso de analgesia e
demonstraram que há menor incapacidade depois da duração da internação. Presumivelmente como resulta-
colectomia laparoscópica quando comparada à laparo- do da laparoscopia diagnóstica prévia, apenas duas
tomia em pacientes com doença de Crohn. O tempo operações laparoscópicas foram convertidas a laparoto-
médio até o retorno a atividade parcial foi menor no mias devido a aderências e inflamação. Apesar desta
grupo laparoscópico (2,1 ± 1,2 versus 4.4 ± 2.8 sema- seleção de casos otimizada, a duração da cirurgia foi
nas; p < 0,0001). O retorno para atividade completa foi significantemente maior no grupo operado por vídeo
também menor no grupo laparoscópico (4,2 ± 2,3 ver- (140 versus 85 min). Desde que grandes massas infla-
sus 10,5 ± 6,4 semanas; p < 0,0001) assim como o matórias foram previamente excluídas, o comprimento
retorno ao trabalho (3,7 ± 2,1 versus 7,5 ± 7,5 sema- da incisão foi significativamente menor no grupo ope-
nas; p = 0,01). rado por vídeo (5,3 versus 12,7 cm). Todos os pacientes
Alguns estudos comparativos entre a via de acesso por foram submetidos a espirometria pré-operatória com
vídeo e a convencional para o manejo de pacientes com volume expiratório forçado no primeiro minuto e capa-
doença de Crohn intestinal foram realizados. Bemelman cidade vital forçada. Houve um retorno mais rápido aos
et al. 106 (2000) compararam 30 pacientes que foram valores pré-operatórios no grupo operado por vídeo
submetidos a ressecção íleocólica vídeo-assistida a 48 quando comparado ao grupo operado por laparotomia
pacientes que foram submetidos a laparotomia. Eles (2,5 versus 3,5 dias; p = 0,03). Apesar da otimização
observaram que a morbidade foi semelhante; porém o observada no grupo operado por videolaparoscopia,
tempo de hospitalização foi menor (5,7 versus 10,2 dias; não houve diferença em relação à resolução do íleo
p < 0,0007) e houve superioridade dos resultados cosmé- pós-operatório, analgesia ou tempo de internação entre
ticos no grupo operado por vídeo. A taxa de conversão os grupos. Houve menos complicações no grupo opera-
foi de 6,6%. Os tempos operatórios laparoscópicos foram do por vídeo (dois casos de íleo prolongado e duas
significantemente maiores do que o grupo submetido a infecções de ferida) quando comparado ao grupo ope-
laparotomia (138 versus 104 min). Alabaz et al. 107 (2000) rado pela via convencional (três casos de íleo prolonga-
observaram resultados semelhantes. do, dois casos de infecções de ferida, um caso de hér-
Em uma análise prospectiva dos resultados cirúrgicos nia incisional e um caso de pneumonia pós-operatória).
das operações realizadas em dois centros (Cleveland Não houve complicações graves ou recorrência após 12
Clinic na Flórida, EUA e Abteilung fur Allgemeine e após 45 meses.
Chirurgie, Abdominal und Gefasschirurigie da Maartense et al. 110 (2006) conduziram um estudo
Universitatskliniken des Saarlandes na Alemanha), prospectivo randomizado multicêntrico para comparar
Hamel et al. 108 (2001) compararam ressecção ileocólica ressecção íleocólica vídeo-assistida à operação aberta.
laparoscópica versus colectomia subtotal laparoscópica Neste estudo, todos os pacientes foram acompanhados
em 130 pacientes com DC. O tempo operatório total foi por três meses após a cirurgia. Novamente, o tempo
menor na ressecção íleocólica laparoscópica quando operatório foi maior no grupo operado por vídeo. O
comparada a colectomia subtotal laparoscópica (167 tempo de internação hospitalar foi menor no grupo
versus 231 min; p < 0,001). O tempo de internação foi operado por vídeo. Morbidade precoce (até 30 dias após
de 8,8 dias em ambos os grupos. A taxa de complica- a cirurgia) foi menor no grupo operado por vídeo.
ções intra-operatórias foi de 11%, o que foi significan- Embora não tenha sido observada diferença na qualida-
temente menor na após a ressecção íleocólica (7% ver- de de vida durante o estudo com os questionários SF-
sus 29%; p = 0,01), mas a morbidade pós-operatória 36 e GIQLI, um achado interessante foi a redução dos
após 30 dias foi igual em ambos os grupos. custos de tratamento observado entre os pacientes que

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE CROHN

foram submetidos a laparoscopia quando comparada à parece ser similar à que ocorre após tratamento cirúrgi-
intervenção convencional. co convencional, um resultado que pode ser facilmente
Não há dúvida sobre o efeito da laparoscopia sobre o antecipado se considerarmos que sabemos ser a mesma
tamanho da incisão e os benefícios que podem ser asso- operação quando realizada por videolaparoscopia e pela
ciados a este fato. Dunker et al. 111 estudaram o impacto via convencional.
cosmético e o da percepção da imagem corporal em 34 Tan e Tjandra publicaram em 2007 os resultados de
pacientes com ileíte terminal. O grupo operado por uma metanálise relativos a 881 pacientes com doença
videolaparoscopia tinha resultados significativamente de Crohn operados pela via convencional ou laparoscó-
melhores na pontuação cosmética e imagem corporal o pica em 14 estudos diferentes 96. Desses 14 estudos,
que influenciou fortemente a qualidade de vida. A apenas dois eram randomizados e dois eram pareados.
importância dos resultados cosméticos foi também ana- Os resultados indicam que a operação mais frequente-
lisada por Alabaz et al. 107. A ressecção íleocólica laparos- mente realizada por videolaparoscopia para o manejo
cópica obteve resultados cosméticos melhores e foi asso- da doença de Crohn persiste sendo a ressecção ileoce-
ciada a melhoras na vida social e sexual. cal seguida de longe pela colectomia total. Os resulta-
Estudos mais recentes têm confirmado os benefícios dos foram os seguintes: i. as operações por vídeo são
globais da videolaparoscopia no tratamento da DC. mais demoradas em cerca de 30 minutos; ii. a duração
Diversos autores relataram vantagens na resolução do do íleo pós-operatório foi 0,75 dias menor no grupo
íleo pós-operatório e tempo de internação quando operado por vídeo (p=0,02); iii. a duração da interna-
comparados ao procedimento convencional 112-117. ção hospitalar foi em média 1,82 dias menor no grupo
Os resultados em longo prazo da ressecção íleocóli- operado por vídeo (p=0,02), e iv. quando considerado o
ca laparoscópica em pacientes com DC até há pouco risco associado a via de acesso para a ocorrência de
eram em sua maioria desconhecidos devido ao reduzi- uma complicação pós-operatória qualquer, o risco asso-
do número de estudos e casuística. Em 2006, Lowney ciado a cirurgia é cerca de 50% menor (OR = 0,57;
et al. 118 conduziram um estudo tentando definir a taxa intervalo entre 0,37 e 0,87) gerando NNH de 13. Os
de recorrência após ressecção íleocólica laparoscópica e resultados dessa metanálise subsidiam as conclusões de
comparou isto ao que foi visto após ressecção íleocóli- que ao pacientes operados por videolaparoscopia são
ca convencional. Uma revisão retrospectiva de 113 selecionados. São operados com menor morbidade
prontuários de pacientes que foram submetidos a res- associada e menor duração da internação mas às custas
secção ileocólica por DC na localização ileocecal foi de um tempo operatório maior.
realizada. A recorrência foi definida como necessidade A despeito de a evidência científica disponível
de intervenção cirúrgica. Neste estudo, 63 pacientes demonstrar que a videocirurgia é empregada para casos
foram submetidos a ressecção íleocólica laparoscópica e selecionados de DC, particularmente a de localização
50 a ressecção íleocólica convencional. Recorrência ileocecal e também para os casos em que está progra-
cirúrgica ocorreu em seis de 63 pacientes (9,5%) no mada a realização da colectomia total, há que se ana-
grupo operado por vídeo e em 12 de 50 pacientes lisar o papel da via de acesso por vídeo para os casos
(24%) no grupo operado por laparotomia. Os resultados com doença mais complicada como na presença com-
em longo prazo após ressecção ileocólica laparoscópica provada de fístula, complicação infecciosa grave como
não se mostraram significantemente diferentes do o abscesso e na ocorrência de recidiva. Nessa situações
grupo convencional conforme se poderia imaginar. Em como se sai o cirurgião que resolve manejar o problema
um estudo similar publicado em 2008 por Eshuis et por videolaparoscopia? Os resultados ainda envolvem
al.119, 48 pacientes submetidos a ressecção ileocecal por séries com reduzida casuística porém algumas conclu-
videolaparoscopia foram comparados a 30 pacientes sões podem ser obtidas como se depreende da análise
operados pela via convencional. Setenta e um pacientes da Tabela 5. A duração da cirurgia nesses pacientes está
dos dois grupos tiveram seguimento completo de 8,5 significativamente aumentada. Esse resultado no
anos. A ressecção por recidiva foi realizada em seis de entanto não exclui a hipótese de que a cirurgia nesses
27 (22%) pacientes operados por vídeo e em 10 de 44 casos de pacientes com doença complicada é mais difí-
(23%) pacientes operados por laparotomia. A despeito cil e demorada e pode não ser resolvida pela conversão
do pequeno número de pacientes examinados nos dois ou pela opção de laparotomia desde o início. A ocor-
estudos, a ocorrência de recidiva necessitando reopera- rência de conversão nessas séries de pacientes está sig-
ção após ressecção ileocecal por videolaparoscopia nificativamente aumentada. Nestes casos, a falta de

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Artigo Original I Original Article

reconhecimento anatômico como resultado do grave dos clínicos randomizados controlados com placebo,
processo inflamatório secundário a abscesso ou a alte- com índices de remissão clínica em cerca de 1/3 dos
rações cicatriciais secundárias a cirurgia prévia repre- pacientes 13,14. Ambas as drogas são potentes imunossu-
senta a causa mais freqüente de uma conversão bem pressores, com potencial de ocorrência de efeitos adver-
indicada. A despeito do incremento na morbidade e na sos que variam desde infecções simples do trato respi-
duração da internação que se espera do manejo desses ratório superior até situações mais complexas, como
pacientes, a videocirurgia na DC complicada se mostra reativação de tuberculose e desmielinização central ou
factível e sem mortalidade. Isto leva a crer que oferecer periférica 13,14,42.
cirurgia minimamente invasiva pode ser uma opção viá- Tanto o tratamento cirúrgico quanto a utilização dos
vel para grupos experientes no manejo de casos com- medicamentos biológicos convergem para o controle
plicados da DC. das formas graves da doença, situações com extensa
inflamação, e geralmente associadas a fístulas. Por este
BIOLÓGICOS E CIRURGIA NA DC motivo, não raramente estas terapias acabam sendo uti-
Não há dúvidas de que a maior novidade no trata- lizadas em um mesmo momento, em alguns pacientes.
mento da DC nos últimos 10 anos foi a introdução da Uma questão acabou sendo relevante nos últimos anos
terapia biológica na prática clínica diária. Inicialmente no tratamento da DC: será que os medicamentos bio-
foi liberado para uso no Brasil o Infliximabe, em 2001. lógicos, se usados simultaneamente com o tratamento
Trata-se de um anticorpo monoclonal quimérico, que cirúrgico, por serem potentes imunossupressores,
inibe o TNF-alfa, causando apoptose das células infla- aumentariam os índices de complicações cirúrgicas?
matórias, reduzindo-se desta forma a atividade da Será que estas formas de tratamento podem realmente
doença. Sua administração é realizada de forma endo- ser utilizadas conjuntamente?
venosa, sob monitoração, na dose de 5 mg/kg nas Há evidências concretas de que tanto o tratamento
semanas 0,2 e 6 (indução) com manutenção programa- com infliximabe 9 quanto com o adalimumabe 10,
da a cada 8 semanas. Já em 2007, foi liberada no Brasil reduzem as taxas de internações e necessidade de cirur-
a utilização do Adalimumabe, um agente anti-TNF gia abdominal ao longo do tempo, se usados continua-
totalmente humano, de administração subcutânea. Sua mente. Como previamente discutido na seção de doen-
dosagem de indução é de 160 mg na semana 0, 80 mg ça perianal, a terapia combinada traz múltiplas vanta-
na semana 2 e 40 mg a cada 2 semanas para manuten- gens para os pacientes. Entretanto, nas operações
ção do tratamento, a partir da semana 4. A eficácia des- abdominais mais alargadas, com ressecções intestinais e
tes dois agentes foi amplamente comprovada em estu- anastomoses, na vigência do uso dos anti-TNF, a dúvi-

Tabela 5: resultados da via laparoscópica no manejo de pacientes com DC complicada por fístula, abscesso ou
recidiva.

Autor, N Complicação Cirurgia Conversão Mortalidade Morbidade Internação


ano (min) (%) (%) (%) (dias)
Wu 1997 88 24 Abscesso 150 20 0 10 5
e recidiva
Watanabe 20 Fístula 180 (114-300) 16 0 16 8 (6-21)
2002 87
Hasegawa 16 Recidiva 210 (136-470) 13 0 19 8 (6-14)
2003 89
Uchikochi 23 Recidiva 231 (100-410) 70 0 13 16-22
2004 90
Moorthy 26 Recidiva 118 42 0 15 8
2004 120
Lawes 14 Recidiva 100 (60-150) 0 0 7 5 (3-9)
2006 121

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TRATAMENTO CIRÚRGICO DA DOENÇA DE CROHN

da a respeito da segurança dos biológicos no pós-ope- estudos prospectivos randomizados comparando-se a


ratório persiste sendo extremamente relevante. utilização ou não de biológicos em pacientes cirúrgicos,
Alguns trabalhos defendem que estas terapias somente estudos retrospectivos, de séries de casos.
podem ser utilizadas conjuntamente, sem problemas. Deve-se, portanto, analisar cada paciente, e discussões
Um estudo retrospectivo em um grande centro europeu interativas entre os clínicos e cirurgiões devem determi-
de tratamento de doenças inflamatórias intestinais ana- nar as vantagens de se usar as medicações ou não nas
lisou retrospectivamente uma coorte de pacientes sub- situações em que os dois tratamentos sejam indicados
metidos a ressecções intestinais. Houve uma divisão num mesmo momento.
destes indivíduos em dois grupos, um com uso de infli-
ximabe previamente à cirurgia, e outro sem este tipo de RECORRÊNCIA PÓS-OPERATÓRIA:
tratamento. Após se analisar 313 prontuários, os auto- Desde as descrições das primeiras séries de casos de
res concluíram que não houve diferença significativa DC na literatura, notou-se que os índices de recorrên-
entre os grupos em respeito a complicações pós-opera- cia após as ressecções cirúrgicas eram significativos, o
tórias precoces e tardias, e da mesma forma não houve que demonstra a característica incurável e recidivante
diferença no tempo de internamento 122. Kunitake et desta entidade. Estes dados podem ser ilustrados por
al.123, do grupo de Boston – EUA, analisaram retrospec- um estudo que demonstrou que após um ano das res-
tivamente 413 pacientes com doenças inflamatórias secções de segmentos acometidos pela DC, os índices
intestinais submetidos a ressecções cirúrgicas. Destes, de recidiva endoscópica chegaram a 80%, a recidiva clí-
188 eram portadores de DC, e foram analisados quanto nica ocorreu entre 10 e 20% dos casos, e a necessida-
ao risco de complicações pós-operatórias relacionadas de de nova cirurgia foi documentada em 5% dos
ao uso de infliximabe. Estes autores igualmente con- pacientes operados 125.
cluíram que a utilização pré-operatória do infliximabe Alguns fatores de risco para recorrência da doença
não trouxe maiores complicações no pós-operatório. após ressecções foram identificados na literatura. Há
Concluíram ainda que a utilização de corticóides trou- consenso de que o tabagismo é um hábito que aumen-
xe maior prejuízo aos pacientes, como variável isolada . ta significativamente os índices de recidiva pós-opera-
Por outro lado, um outro estudo publicado pelo tória, assim como a presença de doença perianal e res-
grupo da Cleveland Clinic de Ohio – EUA, demonstra secções intestinais prévias 3. Há evidências de que a
diferentes achados. Em uma análise também retrospec- doença penetrante (fístulas) no momento da operação
tiva, Appau et al. 124 revisaram os dados de 389 pacien- apresenta maiores riscos de recorrência do que doença
tes submetidos a ressecções íleocólicas por DC, 60 dos não penetrante, com risco de reintervenções mais pre-
quais com utilização pré-operatória do infliximabe. Os coces 126. Outros fatores, como sexo, idade no momento
autores demonstraram que o uso da droga em período da operação, tempo do diagnóstico, transfusões san-
menor que 3 meses da data da operação é fator de guíneas no transoperatório, comprimento da área resse-
risco, e aumenta as taxas de complicações infecciosas cada e presença de inflamação nas margens de ressec-
(sepse e abscessos abdominais) e readmissões hospita- ção, foram exaustivamente estudados. Entretanto, não
lares. Ainda não há trabalhos na literatura analisando há consenso se apresentam influência nas taxas de reci-
estes riscos com a utilização do adalimumabe. diva, e há ampla controvérsia a respeito destas variáveis
Pode-se concluir, por estes estudos, que não há con- analisadas 12. Nas ressecções íleocólicas, o tipo de anas-
senso na literatura se a utilização dos biológicos é tomose parece ter influência sobre a necessidade de
benéfica ou prejudicial para os pacientes em momentos reintervenções cirúrgicas por recidiva. Há relativo con-
próximos da ressecção cirúrgica. Alguns advogam que senso na literatura de que as anastomoses látero-late-
esta associação pode ser utilizada, com a idéia de que rais, manuais ou mecânicas, realizadas com boca ampla
os biológicos podem reduzir a intensidade da inflama- de cerca de 10 cm, são mais indicadas na DC por atra-
ção, e assim facilitar algumas operações. Outros acredi- sarem mais a indicação de reoperações por recorrência
tam que estes dois tratamentos não podem ser mistu- no local 3,12. Mc Leod et al. 67, em estudo prospectivo
rados, sob risco de haver prejuízo ao pós-operatório com 139 pacientes submetidos a ressecções por DC,
destes pacientes. Segundo o consenso europeu de DC, demonstraram não haver diferença nas taxas de recor-
não há consenso sobre o tema, e o intervalo seguro rência endoscópica e sintomática após um ano de
para se se usar ou não os biológicos em períodos pró- seguimento. Nesta análise, um número maior de ressec-
ximos das operações ainda não é definido 3. Não há ções prévias foi considerado um fator de risco, e trata-

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Artigo Original I Original Article

mento com imunossupressores após as ressecções foi CONCLUSÕES:


considerado um fator redutor da recidiva. O consenso
Espera-se que a leitura deste capítulo possa ter tra-
europeu de doenças inflamatórias intestinais recomen-
zido aos clínicos conceitos atuais sobre o tratamento
da a anastomose mecânica látero-lateral nas ressecções cirúrgico da DC, além de ter atualizado os cirurgiões em
íleo-colicas na DC 3. Talvez este tipo de anastomose não temas palpitantes (cirurgia laparoscópica) e controver-
influencie na presença da recorrência endoscópica. sos (biológicos e cirurgia) no manuseio dos portadores
Entretanto, traz menor necessidade de tratamento da doença. Apesar dos avanços no tratamento clínico,
cirúrgico ao longo do tempo se comparado às anasto- estariam os cirurgiões delegados a um papel secundá-
moses término-terminais, por menor risco de estenoses rio no tratamento da DC nos próximos anos?
a longo prazo. Provavelmente não, mesmo com as novas formas de
O tratamento clínico após as ressecções, com o tratamento da doença. Sabe-se que sem uma etiologia
intuito da prevenção da recidiva, é recomendado pela precisa e um alvo terapêutico certeiro, a DC será ainda
maioria dos autores 3. Dentre os medicamentos utiliza- uma doença multidisciplinar, e muitos pacientes ainda
dos, há maior eficácia com o uso de imunossupresso- se beneficiarão do tratamento cirúrgico nas formas
res (azatioprina e 6-mercaptopurina), pois os deriva- mais graves desta entidade. Portanto, clínicos e cirur-
dos do 5-ASA e antibióticos apresentam severas limi- giões devem sempre juntos decidir qual a melhor con-
tações para este fim 3. Regueiro et al. publicaram um duta para cada paciente.
estudo randomizado que mostrou significativas vanta- REFERÊNCIAS:
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res no grupo que utilizou a terapia biológica 127. Os
autores recomendam que em pacientes com caracte- 3. Travis SPL, Stange EF, Lémann M, Öresland T, Chowers Y, Forbes
A, et al. European evidence based consensus on the diagnosis and
rísticas de pior prognóstico, como doença perianal, management of Crohn’s disease: current management. Gut
diagnóstico abaixo de 40 anos e tabagistas, o trata- 2006;55(Suppl I):i16–i35.
mento deve ser agressivo, com terapia biológica. Todo 4. Crohn BB, Ginzburg L, Oppenheimer MD. Regional ileitis: a
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mento da prevenção de recidiva. Nos casos de piora do 6. Vermeire S, Van Assche G, Rutgeerts P. Review article: altering the
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escore endoscópico, uma mudança no tratamento current therapies. Aliment Pharmacol Ther 2006;25:3-12.
deve ser efetuada, para melhor controle da doença. 7. Hwang JM, Varma MG. Surgery for inflammatory bowel disease.
Discutidos estes tópicos, a decisão de se iniciar ou World J Gastroenterol 2008;14(17):2678-2690.
não o tratamento para prevenção da recorrência não 8. Cosnes J, Nion-Larmurier I, Beaugerie L, Afchain P, Tiret E, Gendre
deve ser somente baseada em sintomas. Tabagistas JP. Impact of the increasing use of immunosuppressants in
Crohn's disease on the need for intestinal surgery. Gut.
devem ser orientados a abandonar este hábito. 2005;54(2):237-41.
Pacientes com múltiplas ressecções, com doença pene- 9. Schnitzler F, Fidder H, Ferrante M, Noman M, Arijs I et al. Long-
trante e fístulas perianais devem ter tratamento com term outcome of treatment with infliximab in 614 patients with
imunossupressores iniciado após 2 semanas da cirur- Crohn’s disease: results from a single-centre cohort. Gut
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gia3. A utilização da terapia biológica fica reservada
10. Feagan, BG, Panaccione R, Sandborn WJ, D’Haens GR,
para os casos com piora após um ano no escore endos- Schreiber S et al. Effects of adalimumab therapy on incidence of
cópico, e em casos de complicações ou intratabilidade hospitalization and surgery in Crohn’s disease: results from the
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pronta análise individual de cada caso, associados à 11. Strong SA. Surgery for Crohn’s disease. In: Wolff BG, Fleshman
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